Percival Puggina

13/07/2021

SANGUE E LÁGRIMAS NAS RUAS DE CUBA

Percival Puggina

 

         Antigo poema de Victoria Mata, ex-presa política cubana, dá testemunho do que assistira durante sua prisão. Ela conta assim, e penso que dê para entender:

Hoy el tempo há transcurrido, mas de 42 años!

Aquel rosal se seco, las flores se han marchetado,

Los métodos son distintos, las cosas se han refinado,

Siguem los fusilamientos, estan los mismos cossacos.

El terror lo abarca a todo y el muro vuelve a ser blanco!!!,

Porque antes del paredón, antes de ser fuzilados,

Le sacan toda la sangre, a todos los condenados!!!

Incluí esse pequeno poema no meu livro A tragédia da Utopia porque estampa a fisionomia sangrenta e cínica daquilo que a ditadura cubana, num sentido que já não consegue deixar de ser irônico, chama de revolución... É uma revolução bandida, sexagenária e enferma, depositária de todas as doenças que acompanham a depravação do poder político. Ela precisou de poucos meses para se tornar uma ditadura e roubar tudo de todos, um pouco mais para se abraçar ao comunismo, e logo ali, em menos de três anos, pular para o colo da URSS como cãozinho faminto a quem lhe estende um pedaço de pão velho.

Por ali seguiu a venda de sangue da juventude cubana. Durante décadas, enquanto os defensores brasileiros do miserável regime louvavam a luta cubana pela autonomia dos povos, a ditadura vendia “a los mismos cosacos” como no poema acima, a vida de seus jovens para revoluções de interesse da geopolítica soviética na África e na América Latina. Cinismo e hipocrisia são insígnias daquela revolução.

Olho com tristeza para a “Primavera Cubana”. Ela me traz à lembrança outras tantas que floresceram no mesmo terreno infértil de ditaduras comunistas na Hungria (1956), na Tchecoslováquia (1969) e em Beijing (1989).

Minha tristeza vem de um conjunto de percepções.

*    O povo cubano, onde quase tudo é estatal, habituou-se a ser maltratado cotidianamente por servidores do Estado, pelas brigadas de resposta rápida, pelos policiais ostensivos ou dissimulados, pelos superiores nos locais de trabalho, pelo balconista, pelo fiscal, pela professora, pelo militante do partido (1). O estado cubano o trata mal, ou o trata pior.

*     O povo da ilha é tão desarmado quanto a esquerda brasileira gostaria de ver-nos. Pelo viés oposto, o aparelho do Estado comunista está armado até os dentes e treinadíssimo para enfrentar dificuldades em seu território. 

*     O presidente do Conselho de Estado, em sua fala à nação, ao chamar os comunistas para as ruas, proclamou aos cubanos e ao mundo que as ruas são da revolução! É assim que ele vê o próprio país e a situação atual. 

*    Não é só democracia que não existe em Cuba. Lá também não há política. O art. 5º da novíssima Constituição (2019) diz: “O Partido Comunista de Cuba, único, martiano, fidelista, marxista e leninista, vanguarda organizada da nação cubana, sustentado em seu caráter democrático e permanente vinculação com o povo, é a força política dirigente superior da sociedade e do Estado”. É preciso dizer mais, se sequer cuidaram de dizer menos?

Podemos e devemos ficar ao lado do sofrido povo cubano. Apoiemos o governo brasileiro em sua rejeição à conduta criminosa do ditador Diaz Canel, atual protagonista dos delitos contra direitos humanos que há 62 anos marcam o cotidiano do regime. Rejeitemos as moções de apoio que, a começar pelo PT são emitidas no Brasil por lideranças e partidos de esquerda. Isso diz muito de cada um deles.

  1. https://www.cubanet.org/destacados/nuestra-violencia-no-llego-con-covid-19/

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

12/07/2021

 

Percival Puggina

 

Com a Covid alcançando níveis altíssimos de disseminação e contaminação, o sistema de saúde cubano entrou em colapso. Neste domingo, após anos de repressão e silêncio, multidões começaram a sair às ruas, pedindo democracia, atenção e socorro externo para as necessidades humanitárias da Ilha.

Ontem assisti ao pronunciamento do presidente Diaz-Canel. Disponível aqui. Sei que o espanhol e o sotaque cubano podem ser de difícil entendimento, mas em resumo, o atual ditador admite as dificuldades, mas fala como ditador. As atribui ao “bloqueio”, ataca com ira os movimentos SOS Cuba, que com diferentes formatos pedem atenção internacional para a crise do país. Declara que são movimentos orientados pelo “imperialismo ianque”. Afirma que as mudanças pedidas pelos contrarrevolucionários são do tipo neoliberal, com privatização do sistema de saúde. E finaliza dizendo que os revolucionários e os comunistas estarão nas ruas porque as ruas são da revolução.

Não guardo esperança de que esta insurgência possa representar alteração significativa no comunismo cubano, tão admirado e apreciado pela parcela dominante da esquerda brasileira. Este pequeno trecho de um artigo que li ontem no site CubaNet é um retrato doloroso da realidade que vi de perto, vivida pelo povo da ilha há mais de 60 anos. O título do artigo é “Em Cuba, a violência não começou com a Covid-19”.

Aqueles de nós que vivemos em Cuba, com os pés bem assentes no chão, sabemos que assim é, e que a violência nos foi tão bem fornecida desde o berço em pequenas doses, mas com altíssima concentração, que já temos por "normal", por exemplo, que sejamos maltratados não só pelo funcionário público, pelo policial uniformizado ou disfarçado, mas também pelo dono da mercearia, pelo taxista, pela fofoqueira e pelos invejosos do CDR (Comitê de Defesa da Revolução), o professor primário ou do instituto, a enfermeira, o médico, camareira do hotel, o garçom e até o coveiro que se recusa a carregar o caixão porque não lhe demos uma gorjeta substancial.

Esse é o panorama psicossocial subsequente e pretendido pelos totalitaritarismos, nos quais “el pueblo” desarmado e sem poderes políticos reais, é mero vocabulário de discurso, despojado de toda forma desejável de liberdade.  

Não há melhor exemplo disso do que o fornecido por quem, desde fora da Ilha, apoia um governo que reprime as manifestações de um povo doente e com fome.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

11/07/2021

 

Percival Puggina

 

Guardo um sabor amargo dos episódios. Como tantos brasileiros, festejei a intensa e fértil atuação da Operação Lava Jato. O Brasil, enfim, combatia a corrupção e dava um basta à impunidade dos crimes de colarinho branco, tão bem representados pelas organizações criminosas, pelos bordéis políticos e comerciais naqueles tempos de euforia. Para bem da verdade, diga-se: o modelo operacional do banditismo político e empresarial, simples e antigo, apenas havia ganhado novos operadores e ampliado sua musculatura financeira. A liberdade não é causa de prosperidade? Para o crime, isso é ainda mais válido.

A famosa operação, contudo, tinha dois gumes. Poucos partidos ficaram fora das longas filas que se formaram diante dos confessionários de Curitiba. Qual o motivo daquelas sessões de compunção e arrependimento? O Brasil estava sendo higienizado por uma janela aberta no STF, que, em fevereiro de 2016, permitiu a prisão após condenação em segunda instância. O réu podia recorrer da sentença, mas na cadeia, e tudo ia muito bem até que em 7 de abril de 2018 o ex-presidente Lula chegou de mala na mão à carceragem da PF da capital paranaense.

A partir daí teve início uma série de movimentos dentro do Supremo. O tema da prisão após condenação em 2º instância tornou-se uma espécie de mosca, daquelas chatas, atravessando as sessões da Corte. Aparecia em horas inesperadas, cruzando a agenda. “Esta corte ainda  se debruçará sobre essas condenações”, exclamava certo ministro, indignado com a pressão psicológica e a coerção que a possibilidade de prisão exercia sobre criminosos...  Não é de cortar o coração? Entre cochichos e sorrisos cúmplices, era visível que se formava maioria para reverter a incômoda decisão. A benevolência, dizem os santos, tem esse efeito contagiante.

Em 7 de novembro de 2019, alguns ministros mudaram seus votos anteriores e o STF abriu as portas para que verdadeira multidão de condenados pelos mais variados crimes voltasse às ruas. Entre eles, o primum inter pares, o padrinho da indicação de diversos deles, o estadista de Garanhuns. A Lava Jato estertorou. Para criminosos endinheirados voltou a viger a regra da prisão no day after do Juízo Final.

A estratégia e seu cronograma incluíam outros passos. Lula saíra da prisão, sim, mas quando ensaiou percorrer o Brasil, viajou como um espectro imperceptível, sem charme nem público. Estava condenado, não podia ser candidato e não servia sequer para conselheiro do Corinthians. Para um Supremo que já voltara atrás de decisão sobre prisão em segunda instância era fácil reverter outra e estabelecer que não estava em Curitiba o juízo natural do réu Lula. Mande-se tudo para Brasília. A seguir, na mesma toada, a Corte declara a suspeição de Sérgio Moro.

Pronto. Lula estava apto a concorrer à presidência, tão inocente quanto esteve, um dia, na pia batismal. Mas, e as provas? As malditas provas estavam vivas. Eis que um ministro declara a contaminação e abre portas para a nulidade também das provas. Doravante, será preciso recolher provas novíssimas de antigas velhacarias?

E não falta quem diga ser assim que se faz justiça.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

09/07/2021

 

Percival Puggina

 

Presidente, pense eleitoralmente, mas pense, também, politicamente.

Acho que já referi que falei com Bolsonaro uma única vez na vida. Não sou próximo e não tenho interesse em ser próximo aos espaços de poder. De qualquer poder. Este cantinho do mundo onde vivo me dá um bom ângulo de visão sobre o que acontece em meu país e isso me basta para seguir fazendo o que gosto junto à parcela da opinião pública com interesse em saber o que penso sobre o que vemos.

Por isso escrevo estas linhas sem a pretensão de ser lido pelo presidente da República. Dirijo-me aos meus leitores.

Segundo muitos, Bolsonaro teria, na real, obtido votos para vencer a eleição de 2018 no primeiro turno. Disso nada sei, mas não duvido que pesquisas eleitorais honestas, não elaboradas com o intuito de manter viva a disputa no primeiro turno, talvez tivessem produzido essa consequência. Vi acontecer o mesmo no segundo turno, quando as pesquisas apresentaram margens de erro tão descomunais que pareciam elaboradas no aconchego de algum comitê eleitoral adversário.

O fenômeno já está novamente em curso, favorecido pelas reiteradas negativas no sentido da adoção do voto impresso auditável. Repete-se o cenário. O presidente só tem o apoio que falta aos outros – o apoio do povo. E poderia dizer, bem sinteticamente – do povão. Como em 2018, partidos e meios de comunicação trabalham para derrotá-lo, com ainda maior afinco.

O presidente precisa lembrar-se de que naquela eleição  o candidato Geraldo Alckmin foi apoiado por 9 partidos de peso. Suas bancadas na Câmara dos Deputados representavam mais da metade das cadeiras. Ele tinha em tese, um exército de congressistas para agir por si. E fez menos de 5% dos votos. A maior parte daqueles parlamentares migrou em apoio a Bolsonaro e o abandonou após a eleição como havia abandonado Alckmin na campanha de primeiro turno.

Com isso, estou querendo dizer que não se pode amarrar cachorro com linguiça. Ele não pode correr o risco de enfrentar mais quatro anos com as mesmas dificuldades com que convive hoje. O modelo precisa de correções. Se não ainda constitucionais, ao menos que o sejam de negociação política e não ao sabor dos abraços. O presidente precisa de um partido forte, de acordos sólidos com outros partidos fortes. Para uma campanha feita com segurança e que inspire confiança.

O presidente está fazendo um bom governo; só os desajuizados da política, em suas “narrativas”, afirmam o inverso. No entanto, a impressão deixada pela falta de uma base partidária e parlamentar sólida é de instabilidade política a inspirar desabafos presidenciais, necessários, mas pouco produtivos. Os adversários baterão nessa tecla, pisarão nesse calo. E ele dói. O xadrez da construção da estabilidade é mais difícil, mas bem mais eficiente.

A política é como essas modernas “plataformas” tecnológicas que a toda hora precisam de atualizações. E nós estamos desatualizadíssimos. Será um erro enfrentar tudo e todos confiando, ali na frente, que os melhores chegarão ao Congresso em número suficiente para, com eles, formar uma sólida maioria. Não vai funcionar. Política, presidente. E o Supremo  é tóxico demais para o senhor fazer política.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

07/07/2021

 

Percival Puggina

 

Se fizermos uma lista de tudo que deploramos em nosso país, ela será imensa. Pouco, muito pouco, de nossas instituições políticas ficaria em pé. Por vezes, eu as vejo como espectros mal-assombrados, pousados nos telhados da pátria como aqueles demônios que dão o que pensar nos beirados de diversas catedrais medievais que visitei.

Somos contra essa democracia de embromação, essa farsa que nos concede o extraordinário privilegio de sermos “o poder soberano” (durante nove horas de votação, a cada quatro anos). Ou seja, vivemos numa falácia em que nossa fatia no poder nacional corresponde a um quarto de milésimo do tempo que dele dispõem, para próprio gozo, os poderes de Estado. Não preciso dissertar sobre a importância que dão à nossa pobre e mal vista opinião ao longo desse tempo, fazendo quase tudo ao contrário do que queremos.

Se somos conservadores e/ou liberais, somos contra o esquerdismo, o falso progressismo e suas narrativas, a Nova Ordem Mundial, a falta de pluralismo na difusão de ideias nos meios educacionais, culturais e de informação. Somos contra o empenho fanático pela implantação da  ideologia de gênero nas escolas e escolas com partido, a universidade com politburo. Somos contra a privatização das estatais pelos quadros funcionais, a corrupção política e administrativa, a impunidade, a obstrução ao nosso direito de autodefesa e os desrespeitos ao direito de propriedade. Somos contra o aborto, o “multiculturalismo” que exclui a cultura ocidental, a “diversidade” que discrimina a maioria e a põe sob severa suspeita. Somos contra o voto não auditável, não impresso, não recontável.

Como tudo isso está bem representado nesse puxadinho do PT em que se transformou o STF! Afinal, essa é a tenebrosa visão de mundo do "progressismo" internacional.

         Uma das causas – se não a principal delas – dessa desgraceira toda está na alfaiataria constitucional brasileira. Péssima qualidade! Tudo anda assim por absoluto favorecimento das regras e do poder que desde as sombras comanda o país. Por isso, precisamos ter bem claro: naquele nosso espasmo de participação política chamado eleição, deveremos conceder nosso apoio e votos a candidatos que explicitem com muita clareza o que querem para o Brasil. Aponte a porta da rua, amigo leitor, para o candidato que lhe aparecer com o polinômio “Saúde, Educação, Trabalho e Segurança”! Ou, pior ainda, se lhe apresentar como credencial um sorridente selfie ao lado de quem quer que seja.

Não basta que ele apoie nosso candidato a presidente se não estiver comprometido até o fundo da alma com elevados valores morais, profunda reforma institucional, voto distrital, recall para os parlamentares com mau desempenho, redução do tamanho do Estado, direito de defesa, liberdade de opinião e expressão, direito à vida desde a concepção, direito de propriedade, reforma do ensino e da gestão universitária, desaparelhamento do Estado, privatizações, reforma geral do STF, fim do financiamento público aos partidos e campanhas eleitorais. Abençoe Deus cada eleitor brasileiro nos meses por vir, orientando-nos para o sincero e efetivo amor a Ele, ao Brasil e ao seu povo.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

Percival Puggina

04/07/2021

 

Percival Puggina

 

O novo milênio recém começara, Lula fora eleito presidente e a embaixada brasileira já estava sob comando de Tilden Santiago, ex-deputado federal pelo PT.  Eu retornara à Havana com o intuito de escrever um livro e, além das minhas observações sobre o ambiente social, político e econômico, pretendia conhecer e ouvir opiniões dos opositores ao regime. Para elogiá-lo havia gente demais aqui mesmo.

Graça Salgueiro, escritora e amiga, me tinha fornecido uma lista com nomes de jornalistas independentes e os telefones de dois dissidentes. Com esses dados fui a campo sem preocupação com a possibilidade de que contatá-las pudesse representar qualquer inconveniente à minha segurança.

Vinte e quatro horas depois de chegar, tive a convicção, confirmada em outras ocasiões, de que os telefones das pessoas com quem falei e me iria encontrar estavam grampeados e de que eu estava sob atenta vigilância de agentes do regime. Dias depois, enquanto almoçava com três dissidentes num restaurante já vazio, tive o privilégio de ter apontada para mim, como canhão, durante longos minutos, a lente de uma enorme filmadora operada por dois mastodontes.

Como escritor, beneficiei-me dessa imprudência. Pude haurir, no meu temor de turista num regime totalitário e policial, pequena amostra da situação em que vivem os cubanos desde quando la revolución lhes furtou os bens materiais e espirituais, instalando uma ditadura que já leva seis décadas. Experimentei a insegurança e a incerteza sobre o momento seguinte e sobre como seria meu retorno ao Brasil. Foram sentimentos decisivos para a leitura e interpretação que fiz da realidade daquela pobre gente. Milhões de pessoas que preservam os naturais anseios humanos por liberdade têm vivido daquele modo suas vidas inteiras! Para elas, passado todo esse tempo, criticar o regime e seu governo faz mal para a saúde. Sim, porque a ditadura os trata mal, ou os trata muito pior.

Ao retornar, escrevi o livro “Cuba, a Tragédia da Utopia”. Com o passar dos anos, enquanto, nosso país continuava a eleger governos de esquerda, solidários com a dinastia Castro, mas em nada solidários com o povo cubano, eu sentia crescer a necessidade de reeditar o livro. Por meios menos ostensivos renovei contatos e voltei à ilha. Com interrupções, mas com continuidade, trabalhei nele ao longo de oito anos, atualizando informações e ampliando o conteúdo da versão original.

Nessa segunda edição, publicada em 2019, mudei o título para simplesmente “A tragédia da Utopia”. Por quê? Porque a utopia é uma tragédia em qualquer país e nosso enveredara por esse pantanoso caminho. O desastre cubano adverte em alta voz o povo brasileiro e poucos se ocupam em desfazer as mistificações sobre aquela realidade que volta a forçar nossa porta.

Em meu site Puggina.org, há um setor de Livros do Puggina (1) por onde podem ser feitos contatos para aquisição da obra. O Brasil ainda precisa muito dessas informações publicadas.

  1.  http://www.puggina.org/livros-do-autor

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

02/07/2021

 

Percival Puggina

 

E como gosta!

Aprecio o senso de humor daqueles que, em meio aos tapetes e estofados do poder, afirmam estarem as instituições funcionando normalmente. Às vezes eu os imagino reclinados num triclinum (sofá romano), erguendo um cacho de uvas sobre a cabeça e trazendo-as à boca diretamente do cacho. Na verdade, uma sátira do que fazem com o Brasil.

As instituições funcionam como o diabo gosta. O diabo ama a corrupção, os corruptos estão por toda parte e o Supremo leva jeito para lidar com eles. O diabo acolhe no seu reino a bandidagem, cuida de sua formação, sopra-lhe nos ouvidos todas as tentações. E o Congresso, caiam-lhe em cima os xingamentos e os e-mails, chorem viúvas e órfãos, não vota a prisão após condenação em segunda instância. O diabo odeia a polícia, o promotor, o juiz. E as instituições fazem tudo para neutralizar seus trabalhos. O diabo foge da cruz e as instituições riem de quem a menciona. O diabo cultiva a preguiça e as instituições fogem do trabalho adicional. O diabo e as instituições confiam com fé cega nas urnas eletrônicas que, de modo prudente e zeloso, desmaterializam nossos votos.

Nas condenações de Lula, o povo viu as provas, tanto quanto vovô viu a uva, mas o STF deu Mandrake nelas e as anulou, todas, de uma vez só. Agora, para crime velho, só vale prova novíssima. O povo quer que o governo cumpra seu programa e disponha de mais recursos para o atendimento da sociedade, mas as instituições cuidam de si mesmas, dos partidos, de seu custeio e de suas campanhas eleitorais. O diabo, claro, ri à toa.

Sinceramente, eu podia passar a noite alinhando nossas contrariedades ante o mau funcionamento das instituições que nada ou quase nada fazem daquilo que a maioria da população quer, e em favor do quê se manifestou nas urnas e nas ruas.

Retoma-se no Brasil a temporada de crises, encrencas e injusta repartição dos prejuízos gerais. Pergunto, nossas crises são causadas:

  1. pelos agentes econômicos?
  2. pelo povo trabalhador?
  3. por alguma potência estrangeira?
  4. por fenômenos naturais?
  5. por fenômenos sobrenaturais?
  6. por falta de sorte, ou por acaso?

Ou são ocasionadas pela política segundo nos foi imposta por uma Constituição cujo caráter democrático se resume em conferir ao povo o direito de votar e se resignar por quatro anos?

Expressar indignação?  Bem, posso entender errado o que ando lendo e vendo, mas parece que a crítica a políticos, em especial ao presidente, está liberada. Já o STF só aceita a crítica reverente, com data vênia e de acordo com a verdade segundo a veem seus ministros. Quem chegou ao poder sem voto se vê como a cereja da torta da democracia.  

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

          

Percival Puggina

30/06/2021

 

Percival Puggina

 

Gasto, recortado, mal iluminado e trepidante, o filme está novamente no rolo, pronto para impiedosa reexibição. Na perspectiva de muitos, de tantos, numa fé que supera todos os fanatismos, é perfeitamente normal e tudo está como deve ser.

***

Se George Orwell não tivesse existido, teria que ser inventado. Sua visão sobre as habilidades e mistificações do totalitarismo não teriam o roteiro de observação que sua obra antecipadamente proporcionou nos idos de 1955. Sem ele, seria bem menor a percepção dos danos causados pela novilíngua, que tanto degrada o discurso político, ainda que satisfaça paladares acostumados à mediocridade e ao uso pervertido do idioma.

Não vou perder espaço, aqui, desfiando o dicionário político que alimenta essa prática. Ficarei apenas com a expressão “passar pano”. Enquanto o STF lava e enxágua o passado criminoso de tantos, ela vem sendo usada para desqualificar os apoiadores do governo, acusados de absolver sistematicamente o presidente e, em especial, por seu acordo com o centrão para tentar formar uma base de apoio.

Ora, uma coisa foi a expectativa de formar no Congresso uma base reunindo virtuosos e bem intencionados, atentos à vontade nacional expressa nas urnas. Outra é o convívio com o parlamento eleito, mais interessado em votar verbas e leis benéficas aos membros do poder, notadamente em seus conflitos com a lei e no favorecimento das ambicionadas reeleições.

A história da República desde 1950 mostra que, em períodos de normalidade democrática, foram interrompidos os mandatos de todos os presidentes (ou vices) que não tiveram ou perderam sua base parlamentar: Getúlio Vargas suicidou-se, Café Filho foi impedido de retornar após licença de saúde, Jânio Quadros renunciou, João Goulart teve o cargo declarado vago, Fernando Collor sofreu impeachment, Dilma sofreu impeachment. Michel Temer, após o diálogo com Joesley Batista, perdeu o apoio e cumpriu curto mandato tampão sem poder governar.

A análise de tais fatos, a rotina de crises políticas com consequências econômicas e sociais, a periódica expectativa de tantos por um governo militar (como garantia de estabilidade e correção) desmascara a absoluta incompetência de nosso modelo institucional! Entre muitos outros, dele pendem, como linguiças em armazém campeiro, o custo Brasil, a composição e atuação do STF, a corrupção, a partidarização do Estado e da administração pública, a robustez dos baronatos políticos e o corporativismo resultante da eleição parlamentar proporcional.

Não ter olhos para essa descomunal tragédia brasileira, a cegueira do não querer ver traz dor à alma de quem raramente passa um dia sem perceber sua maldita sombra obscurecendo nosso futuro como nação. Dói. Dói saber que sou, talvez, o único autor brasileiro a escrever rotineira e teimosamente sobre isso. O único, talvez, a não passar pano sobre esse aleijão metodicamente reproduzido em nossas sucessivas constituições republicanas.  

***

A pauta dos bons brasileiros tem três etapas: agora: resistência aos que querem voltar; depois: eleição dos melhores em 2022; finalmente: conseguir de Bolsonaro e do futuro Congresso as reformas institucionais em 2023.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

27/06/2021

 

Percival Puggina

 

A livre expressão de ideias sujeitava-se a um eloquente silêncio. O direito de opinião fora escriturado em nome dos grandes meios de comunicação, seus teleguiados formadores de opinião, palpiteiros e consultores filtrados a dedo. Os cursos de jornalismo, adequadamente instrumentalizados, desovavam todos os anos levas de militantes preparados para cumprir sua missão. Nem o futebol ficava fora do serviço cotidiano de veneno ideológico disponibilizado à “massa”. Os espaços abertos à divergência eram oferecidos em doses homeopáticas nas monitoradas seções “Fale conosco” e “Opinião do leitor”, e por raríssimos colunistas entre os quais me incluí, durante muitos anos, nas páginas de diversos jornais do Rio Grande do Sul.

Em Zero Hora, substituí o Olavo de Carvalho no ano de 2007. Ali permaneci, solitário e semanal durante, dez anos.  Depois veio o Constantino e, agora está o Guzzo. A seu tempo, cada um de nós significou o semanal “pluralismo” do veículo, sufocado  em meio a dezenas de outros editores e colunistas diários. Não era e não é diferente no resto do país.

As redes sociais não revolucionaram os grandes meios de comunicação, mas abriram um espaço paralelo, no qual o direito de opinião saiu da teoria e ganhou efetividade. Sábios e néscios, cientistas e palpiteiros, políticos e eleitores, religiosos e ateus, passaram a desfrutar de uma liberdade que rapidamente reduziu o poder ditatorial da grande mídia e dos aparelhos ideológicos nelas atuantes.

Trump venceu nos EUA; Bolsonaro venceu no Brasil. Indesculpável! Para agravar a situação, jornais perderam leitores; emissoras perderam audiência; seus candidatos amargaram derrotas. Os donos das plataformas perceberam que um poder imenso escapara de seu controle. Por que não supervisionar e regrar os conteúdos? E veio a censura privada, o bloqueio provisório e permanente de contas por motivo de opinião. A censura leva à autocensura. Nela, a liberdade algema a si mesma e discrimina o pensamento.

O “politicamente correto”, o falso progressismo e a Nova Ordem Mundial impuseram sua ditadura também sobre as plataformas.

Numa evolução natural, dado o rumo tomado no Brasil pelas redes de TV, foram surgindo as lives e os noticiários autônomos. Era uma nova forma de comunicação, tão caseira quanto livre, oportuna e necessária. Parcela crescente do público foi mudando sua sintonia habitual para canais do YouTube. Até que... o YouTube reagiu e passou a bloquear canais de seu maior desagrado. Quer mais? Pense na insistência com que se denomina discurso de ódio o antagonismo ao mau legado dos governos de esquerda. Pense na corrupção, nos assassinatos de reputação, na violência verbal e material com que conduziram sua trajetória. Pense em agências de checagem, em Inquérito do Fim do Mundo, em prisão de parlamentar e jornalistas.

A defesa da liberdade é, sempre, parte inseparável das cenas políticas. Nenhum dos projetos em curso contra os valores do Ocidente tem compromisso com a liberdade indispensável numa era de conflitos.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.