• Percival Puggina
  • 30/06/2021
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POR FALAR EM PASSAR PANO

 

Percival Puggina

 

Gasto, recortado, mal iluminado e trepidante, o filme está novamente no rolo, pronto para impiedosa reexibição. Na perspectiva de muitos, de tantos, numa fé que supera todos os fanatismos, é perfeitamente normal e tudo está como deve ser.

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Se George Orwell não tivesse existido, teria que ser inventado. Sua visão sobre as habilidades e mistificações do totalitarismo não teriam o roteiro de observação que sua obra antecipadamente proporcionou nos idos de 1955. Sem ele, seria bem menor a percepção dos danos causados pela novilíngua, que tanto degrada o discurso político, ainda que satisfaça paladares acostumados à mediocridade e ao uso pervertido do idioma.

Não vou perder espaço, aqui, desfiando o dicionário político que alimenta essa prática. Ficarei apenas com a expressão “passar pano”. Enquanto o STF lava e enxágua o passado criminoso de tantos, ela vem sendo usada para desqualificar os apoiadores do governo, acusados de absolver sistematicamente o presidente e, em especial, por seu acordo com o centrão para tentar formar uma base de apoio.

Ora, uma coisa foi a expectativa de formar no Congresso uma base reunindo virtuosos e bem intencionados, atentos à vontade nacional expressa nas urnas. Outra é o convívio com o parlamento eleito, mais interessado em votar verbas e leis benéficas aos membros do poder, notadamente em seus conflitos com a lei e no favorecimento das ambicionadas reeleições.

A história da República desde 1950 mostra que, em períodos de normalidade democrática, foram interrompidos os mandatos de todos os presidentes (ou vices) que não tiveram ou perderam sua base parlamentar: Getúlio Vargas suicidou-se, Café Filho foi impedido de retornar após licença de saúde, Jânio Quadros renunciou, João Goulart teve o cargo declarado vago, Fernando Collor sofreu impeachment, Dilma sofreu impeachment. Michel Temer, após o diálogo com Joesley Batista, perdeu o apoio e cumpriu curto mandato tampão sem poder governar.

A análise de tais fatos, a rotina de crises políticas com consequências econômicas e sociais, a periódica expectativa de tantos por um governo militar (como garantia de estabilidade e correção) desmascara a absoluta incompetência de nosso modelo institucional! Entre muitos outros, dele pendem, como linguiças em armazém campeiro, o custo Brasil, a composição e atuação do STF, a corrupção, a partidarização do Estado e da administração pública, a robustez dos baronatos políticos e o corporativismo resultante da eleição parlamentar proporcional.

Não ter olhos para essa descomunal tragédia brasileira, a cegueira do não querer ver traz dor à alma de quem raramente passa um dia sem perceber sua maldita sombra obscurecendo nosso futuro como nação. Dói. Dói saber que sou, talvez, o único autor brasileiro a escrever rotineira e teimosamente sobre isso. O único, talvez, a não passar pano sobre esse aleijão metodicamente reproduzido em nossas sucessivas constituições republicanas.  

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A pauta dos bons brasileiros tem três etapas: agora: resistência aos que querem voltar; depois: eleição dos melhores em 2022; finalmente: conseguir de Bolsonaro e do futuro Congresso as reformas institucionais em 2023.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


MAURICIO VALÉRIO SILVEIRA -   05/07/2021 16:11:25

dezzzzzzzzzzzzzzzzzzz mil

Luiz R. Vilela -   02/07/2021 09:15:55

A tal de "democracia", no Brasil é sui generis, normalmente os vitoriosos nas urnas, são emparedados pelos perdedores, que sempre tem algum lugar para reclamar e serem atendidos. Agora mesmo temos o governo do Bolsonaro, que prometeu ser diferente, mas não conseguiu. Os "suspeitos de sempre" vivem unidos e se não lhes é dado o que sempre pediram, atropelam até a lógica, mas não ficam ao desabrigo. É o que esta acontecendo. O atual presidente, imaginou que poderia governar com os quase 57 milhões de eleitores, que o elegeram. Enganou-se redondamente, aqui os minoritários mandam, e bastante, porque quando enfrentados, recorrem aos "nomeados", que foram por governos anteriores, tornando-se verdadeiras "caveiras de burro" enterradas no quintal do presidente em funções. É um drama, todo mandato é isso, a turma do contra consegue ser a mais destrutiva possível, e na ânsia da luta política pelo poder, destroem o próprio pais. A propósito, um jornal chinês publicou uma entrevista com o lula, onde ele, o lula, faz rasgados elogios a "democracia" de partido único e do "grande timoneiro", que existiu e existe lá pela China. Não que o dito por ele seja novidade para nós, sabemos que o sentimento deles é esse mesmo, o que imaginamos era a repercussão que haveria, se Bolsonaro fosse o autor da "maravilha democrática" que saiu da boca do lula. Democracia boa mesmo era a dos gregos, onde o eleitor metia o dedo na cara do político em plena praça pública. Quando inventaram a tal "representatividade", corromperam o sistema.

PERCIVAL PUGGINA -   01/07/2021 15:26:41

Não costumo responder comentários, mas neste caso devo. Não pelo tratamento descortês que me reservou o leitor Fernando Monteiro, mas porque, ao fazê-lo, perverteu minha intenção ao escrever este artigo, podendo confundir sua intenção e finalidade. Este artigo NÃO É uma síntese incompleta de fatos históricos; ele sintetiza os mandatos presidenciais não concluídos por motivos políticos e aponta, na natureza desses motivos, a perene causa de nossas instabilidades. É o que importa e é o filme que está em reexibição. A dor de que falo NÃO VEM da falta de elogios, que humildemente tenho recebido embora não os busque. A dor que sinto e explicitei vem do quão pouco escrevem e falam sobre nossos problemas institucionais aqueles que o poderiam fazer, criando a consciência e, logo, o anseio social de bem resolvê-los. Nenhuma sociedade está tão longe de solucionar seus problemas quanto aquela que sequer sabe que eles existem, desconhecendo, assim, suas causas e consequências.

Fernando Monteiro -   30/06/2021 19:24:50

"normalidade democrática" com tantos mandatos interrompidos? Dutra deixou em 51; Assumiu Getúlio pelo PTB E PSP (não era uma substancial base parlamentar? )base aquela que não resistiria à pressão da Aeronáutica s/ o major Vaz... Esqueceu-se de Juscelino que terminou com glórias seu mandato? (na construção de Brasilia não fora o apoio das FF.AA a floresta tomava tudo de novo - concorda?) Finalmente ao dizer que fosses o único a reprisar esses acontecimentos, lembrei-me de Erasmo de Roterdão: "não tens quem te elogies, elogia-te a ti mesmo!" ... (releve-me, é só pra descontrair)

Luciana A C Guedes -   30/06/2021 19:02:08

PARABÉNS, MAIS UMA VEZ, PROFESSOR. OBRIGADA PELA LUCIDEZ DOS SEUS TEXTOS!

Marco Quintella -   30/06/2021 16:42:21

#TROCATUDO NA ELEICAO