Percival Puggina

04/04/2021

 

Percival Puggina

 

         As entrevistas iam longe e longas até que parei de ouvi-las. Corporativismos me causam fastio. Os falantes convidados eram contra a privatização da empresa estatal de saneamento do Rio Grande do Sul. Atacavam algo que consideravam absurdo: a PEC que pretende revogar a exigência de um plebiscito para venda de empresas estatais.

         No final do desastroso governo de Olívio Dutra, junho de 2002, a constituição estadual foi emendada para aprovar esse disparate. Já desenhada, então, a derrota do projeto petista nas urnas, a proposta garantindo a onerosa sobrevivência dessas empresas acrescentou mais um triste legado àqueles tempos. Agora, finalmente, tramita com possibilidade de aprovação uma PEC que revoga a anterior, abolindo o dispensável plebiscito.

         Independentemente das posições pessoais em relação a tais temas, no mínimo dois aspectos dos argumentos usados para impedir a aprovação da nova proposta ferem a razão: 1º) alegar, como alegavam os entrevistados, que uma PEC não pode revogar o direito de toda a sociedade ao plebiscito (embora esse plebiscito tenha sido imposto por outra PEC); 2º) não perceber que, na absurda situação atual, é possível criar uma estatal sem plebiscito, mas é exigido ouvir toda a sociedade para se desfazer dela.

         Temos, aqui, o fenômeno que denomino de patrimonialismo estendido. O patrimonialismo é o Estado sem limites entre o público e o privado (nós sabemos bem o que é isso e como se concentra nos últimos andares do poder). De algumas décadas para cá, notadamente de Vargas para cá, porém, o patrimonialismo se estendeu para amplos segmentos da sociedade através dos aparelhos de governo e de Estado, com a ascensão política do corporativismo. Patrimonialismo, e corporativismo no setor público, são a mesma coisa, pois ambos se nutrem de recursos públicos. São partes e órgãos de um mesmo corpo obeso, com sempre crescente voracidade, presença e extensão.

         Enquanto falavam, os entrevistados explicavam os mecanismos de pressão que vinham exercendo sobre os deputados estaduais para forçar a rejeição da PEC que dispensava os plebiscitos para alienação de estatais. Pressão pessoal, de natureza corporativa, política, sobre cada parlamentar, com o intuito de levá-lo a ponderar perdas eleitorais que viria a ter se a aprovasse. Tão adiantado andava esse trabalho que podiam antecipar sua rejeição...

         Pressão! Mas não é isso que, insistentemente venho recomendando que seja feito em relação aos nossos senadores e deputados federais quando em seus estados, em suas bases, em suas cidades de origem? Manifestações além das redes sociais! Manifestações tipo olho no olho, com cobrança de atitude, discursos e cartazes expondo argumentos, exigindo resposta às razões da razão. Evidências do querer nacional por mudanças no STF, por combate à impunidade e à criminalidade, por transparência e economia nos gastos do Congresso, nas verbas dos partidos e no custeio das eleições.

         O silêncio da sociedade é acalento, música de ninar nos ouvidos dos maus congressistas. Se o eleitor não vocaliza sua cobrança e suas discordâncias de modo individualizado, o congressista se oculta na massa dos 513 deputados federais, ou dos 81 senadores. Nesse “coletivo”, some o sujeito que precisa de voto no ano que vem. Ali, quem é alguém vira ninguém, sem rosto, nome e sobrenome, ninguém a quem se dirija a voz, o olhar e se aponte o dedo.

Isso não é difícil de entender, nem de fazer. Basta desistir de tentar o impossível.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

01/04/2021

 

Percival Puggina

 

Convidado pelo amigo, coronel aviador Jorge Schwertz, do canal O Bom Combate, participarei neste 1º de abril de uma live com ele sobre a Comissão da Verdade. “Vamos falar sobre a Comissão da Verdade no dia da mentira?”, convidou-me ele. E eu topei. Lembrei-me, então, de um artigo que escrevi em março de 2011, quando o projeto de criação da Comissão tramitava no Congresso Nacional. O que segue é, quase na íntegra, aquele conteúdo, oportuníssimo a estes tempos inseguros.

"A verdade vos libertará" (Jo 8:32). Será preciso dizer mais sobre o valor da verdade para o ser humano? A sabedoria desta esplêndida frase repousa, muito especialmente, em evidenciar que assim como a bússola só funciona perante o norte magnético, a liberdade é uma conquista da verdade. Só frente a ela, que a precede, pode ser exercida. A liberdade de quem desconhece a verdade, ou a despreza, é perdição por desorientação, bússola sem ponteiro. Isto posto, não creio que qualquer consciência bem formada recuse-se à busca da verdade ou opte por viver na mentira.

"Como o senhor pode ser contra a busca da verdade?". Tal pergunta já veio parar na "Caixa de entrada" do meu correio eletrônico. Eu? Mas eu amo a verdade, moço! Amo-a com amor zeloso e sem ciúmes! Eu a quero universal e para todos. Mas porque a amo, repugna-me a possibilidade de vê-la submetida a lúbricas manipulações. E não tenho a menor dúvida de que é exatamente isso que vai acontecer quando os grandes bandos da política nacional e aqueles "cientistas" das nossas ciências humanas, militantes engravatados, intelectuais sutis e ardilosos, se debruçarem sobre o lixo da história. Os achados de suas pinças ideológicas, dos interesses políticos, dos ressentimentos e das vendetas serão tudo, menos a verdade. Se já fazem isso, descaradamente, nas salas de aula, com a história brasileira e universal, o que não farão com as controvérsias do passado recente?

Vá lá que manipulem a juventude (pois ao que parece quase ninguém se importa). Vá lá que subestimem, não raro com ganhos, a inteligência do povo. Vá lá que apresentem suas maracutaias como maracutaias do bem. Vá lá que vivam afundados em incoerências e contradições. Mas, por favor, não esperem contar com a complacência de quem ainda não perdeu o senso crítico e a capacidade de analisar o que vê.

A verdade, leitor amigo, é um bem imenso. Sabemos todos. No entanto, é preciso reconhecer que a verdade sobre certos fatos históricos sempre terá pelo menos dois lados. Conto um episódio recente para exemplificar a impossibilidade de se chegar a ela em determinadas circunstâncias políticas e através de interessados de insuspeita suspeição. Uma senhora foi a Cuba. Senhora de esquerda, do tipo que usa brinco com estrela, pingente com estrela e tem estrela no carrinho do bebê. Foi cheia de entusiasmo para conhecer a imagem viva dos seus afetos ideológicos. O refúgio do companheiro Zé Dirceu. O paraíso caribenho de Lula. A terra do socialismo real. Quando retornou, a família caiu-lhe em cima com suas curiosidades. Longos silêncios, muxoxos e frases desconexas eclodiram, depois de alguns dias, neste desabafo restrito ao circuito mais íntimo: "Tá, aquilo é uma droga. Mas eu não posso ficar dizendo, tá?". Tá, madame. Yo la entiendo. A verdade sobre Cuba fica entre quatro paredes. Agora, vamos cuidar da verdade sobre o Brasil, é isso? Se uma simples militante age assim, o que farão os patrões e patronos da pretendida investigação histórica?

***

Na perspectiva da verdade, a questão que eu levanto às pessoas de bom senso é esta: no dia em que estiverem interessados em tal ou qual verdade, seja lá sobre o que for, vocês irão buscá-la com o José Genoíno? Com o José Dirceu? Com o Franklin Martins? Com a Manuela d’Ávila? Com uma comissão nomeada pela Dilma? Não, claro que não. Quem sabe com Marilena Chauí, Rui Falcão, Emir Sader, Chico Buarque, Fernando Morais? À Globo? Difícil, não? Pois é, nem tente.

Eis por que vejo com tão maus olhos os acontecimentos do Brasil num momento em que, a sociedade vive dividida nesse “pluralismo” da água com o azeite e a verdade vem sendo escandalosamente ocultada e manipulada por aqueles que a deveriam divulgar.

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

31/03/2021

Percival Puggina

 

         Acalmem suas expectativas. Não vem aqui nenhuma imersão nos bastidores da vida presidencial. Aliás, não há motivo nem possibilidade de que algo assim possa acontecer. Conheci o deputado num evento em Brasília há cerca de 20 anos e não lembro de que tenhamos trocado palavras. Depois disso, falei com o presidente apenas uma vez quando veio a Porto Alegre, em fevereiro de 2016. Houve, na Assembleia Legislativa, um evento em que fui o palestrante convidado. E foi só.

         Estou, portanto, bem longe de Brasília. O título “Um dia na vida de Bolsonaro” reflete o fato de que eu não suportaria 24 horas nas condições enfrentadas por Bolsonaro no exercício da função confiada a ele por 57 milhões de brasileiros, entre os quais eu mesmo. Desde 1889, nenhum presidente teve tais e tantos adversários poderosos agindo contra si de modo simultâneo e com violência que vai da facada real aos punhais virtualmente cravados nas costas e aos franco-atiradores acantonados nos muitos meandros do lulopetismo.

         Mas não é apenas o presidente a vítima cotidiana desses ataques. Em todos os espaços onde, no governo, alguém com ele afinado tenta impor o seu programa, imediatamente afiam-se as facas, armam-se as barricadas e geram-se as crises que acabam por afastar o desditoso de sua posição. Qualquer observador atento pode, inclusive, antecipar a próxima vítima, cujo nome, modestamente, já conheço, mas não vou revelar porque isso pode ser entendido como sugestão.  

         Tenho percebido sempre a mesma estratégia. Criam tumulto em torno de algum fato menor e soltam a conhecida matilha de lobos selvagens. Em seguida, a situação vira crise e começa a fritura do “causador da crise”.  As vítimas ou saem ou caem. E é sempre assim, desde que a esquerda surgiu como esquerda e seus fins “justificam” seus meios. Sempre é dos outros a culpa pelo mal que fazem. Pois é exatamente isso que vem sendo adotado contra o presidente da República e seu governo há mais de dois anos. E ele aguenta firme.

         Após um dia vivendo a vida de Bolsonaro, minhas estribeiras seriam perdidas, minhas analogias seriam substituídas por palavrões com endereço certo. A infinita resiliência de Bolsonaro é meritória e suas explosões de mau humor são plenamente justificáveis.

***

         Em relação ao recente episódio envolvendo a “inédita crise” com os militares, convém lembrar que o presidente da República é chefe de governo e é também, por essas incongruências do nosso presidencialismo, chefe de Estado. Como tal, e não como chefe do governo, é o comandante supremo das Forças Armadas. Os fatos ocorridos na área do Ministério da Defesa devem ter servido para mostrar algo que tantas vezes tenho dito: entre os comandos há unidade nas funções militares, mas existem divergências internas em relação à pauta política.

O problema do Brasil é político e é institucional. Tem que ser resolvido diretamente pela sociedade, impondo-se aos seus representantes no Congresso Nacional. De nada vale apontar os males e vícios do STF e deixar livres os congressistas, os únicos que poderiam corrigi-los. Enquanto a nação sofre e sangra, inflaram suas emendas parlamentares para R$ 50 bilhões, um montante que o Estado simplesmente não tem.

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

29/03/2021

 

Percival Puggina

 

         Em Lucas 8:17, Jesus afirma: “Porque não há nada oculto que não venha a ser revelado; nada escondido que não venha a ser conhecido e trazido à luz.”

         Se era dito assim, dois mil anos atrás, num tempo em que não havia xerox nem Internet, imagine hoje, com essa aparentemente inesgotável capacidade de conhecer e armazenar o conhecimento. Essas mesmas tecnologias inutilizam conchavos e destronam caciques.

         Durante muitos e longos anos o PSDB foi o partido dos caciques da política. Era a lâmina bem trajada e bem falante da tesoura esquerdista que comandou a política brasileira durante um quarto de século. Partido de ideias transversais e pronomes oblíquos.

         Fernando Henrique Cardoso, na Constituinte, criou o Movimento de Unidade Progressistas (MUP) coletando a esquerda do PMDB, se aproximando do PT com o intuito de esquerdizar ainda mais a Constituição e acabou fundando o PSDB. De modo similar, o senador Álvaro Dias saiu do PSDB para criar o PODEMOS, que foi o partido de base para a formação do movimento Muda Senado. Que não mudou coisa alguma.

         O Muda Senado surgiu em consonância com os apelos das multidões nas praças. O movimento queria moralizar aquele poder e fazê-lo cumprir seu papel institucional perante os maus usos e costumes de membros do STF. Abriu um guarda-chuva moral para abrigar inicialmente 22 dos 81 senadores. Eram 22 dentro e 59 fora. Com o tempo, o guarda-chuva, em vez de alargar-se, foi se fechando e abrigando cada vez menos senadores.

         O descrédito do Senado se reflete no mau desempenho dos caciques na cena política. Em 2018, Geraldo Alckmin, hoje em total sintonia com o descondenado Lula, representou o PSDB como a “toalha mais felpuda” da tribo tucana. E fez menos de 5% dos votos, embora os partidos de sua base de apoio correspondiam a quase metade do plenário do Congresso Nacional. Bye, bye caciques! O candidato escolhido pelo então poderoso PMDB para disputar a presidência, Henrique Meirelles, fez pouco mais de 1% dos votos.

         A falta de sintonia e perda de influência das antigas lideranças fica muito evidente quando se observa a vitória de João Dória nas prévias tucanas e o mau desempenho dos nomes que a turma da terceira via tem colocado suas fichas. Enquanto isso, da noite para o dia, novos partidos surgem das velhas tribos e, na mesma cadência, crescem e decrescem.

Caciques omissos perante seus deveres institucionais, protetores de corruptos, que jamais ergueram a voz contra os abusos do STF, perdem tribos inteiras e pagarão o preço de sua surdez à voz das ruas.

 

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

29/03/2021

Percival Puggina

 

         Em Lucas 8:17, Jesus afirma: “Porque não há nada oculto que não venha a ser revelado; nada escondido que não venha a ser conhecido e trazido à luz.”

Se era dito assim, dois mil anos atrás, num tempo em que não havia xerox nem Internet, imagine hoje, com essa aparentemente inesgotável capacidade de conhecer e armazenar o conhecimento. Essas mesmas tecnologias inutilizam conchavos e destronam caciques.

Durante muitos e longos anos o PSDB foi o partido dos caciques da política. Era a lâmina bem trajada e bem falante da tesoura esquerdista que comandou a política brasileira durante um quarto de século. Partido de ideias transversais e pronomes oblíquos.

Fernando Henrique Cardoso, na Constituinte, criou o Movimento de Unidade Progressistas (MUP) coletando a esquerda do PMDB, se aproximando do PT com o intuito de esquerdizar ainda mais a Constituição e acabou fundando o PSDB. De modo similar, o senador Álvaro Dias saiu do PSDB para criar o PODEMOS, que foi o partido de base para a formação do movimento Muda Senado. Que não mudou coisa alguma.

O Muda Senado surgiu em consonância com os apelos das multidões nas praças. O movimento queria moralizar aquele poder e fazê-lo cumprir seu papel institucional perante os maus usos e costumes de membros do STF. Abriu um guarda-chuva moral para abrigar inicialmente 22 dos 81 senadores. Eram 22 dentro e 59 fora. Com o tempo, o guarda-chuva, em vez de alargar-se, foi se fechando e abrigando cada vez menos senadores.

O descrédito do Senado se reflete no mau desempenho dos caciques na cena política. Em 2018, Geraldo Alckmin, hoje em total sintonia com o descondenado Lula, representou o PSDB como a “toalha mais felpuda” da tribo tucana. E fez menos de 5% dos votos, embora os partidos de sua base de apoio correspondiam a quase metade do plenário do Congresso Nacional. Bye, bye caciques! O candidato escolhido pelo então poderoso PMDB para disputar a presidência, Henrique Meirelles, fez pouco mais de 1% dos votos.

A falta de sintonia e perda de influência das antigas lideranças fica muito evidente quando se observa a vitória de João Dória nas prévias tucanas e o mau desempenho dos nomes que a turma da terceira via tem colocado suas fichas. Enquanto isso, da noite para o dia, novos partidos surgem das velhas tribos e, na mesma cadência, crescem e decrescem.

Caciques omissos perante seus deveres institucionais, protetores de corruptos, que jamais ergueram a voz contra os abusos do STF, perdem tribos inteiras e pagarão o preço de sua surdez à voz das ruas.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

28/03/2021

 

Percival Puggina

 

Poderosa e voluntariosa corte constitucional. Leniente tribunal penal para réus com privilégio de foro. Topo da infinita escada recursal do Poder Judiciário. Usurpador confesso da inexistente função de poder moderador da República. Assim é a Corte. Com tais mantos se engalanam os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Pela conduta militante, ele e imprensa também militante são os dois agentes políticos mais ativos do país. Congresso Nacional? Vem bem depois, com seus negócios. Presidência da República? É o mais despojado dos poderes de Estado.

Pelo que tem realizado nos últimos anos, a atual composição do STF é a maior tragédia legada pelo aparelhamento esquerdista do setor público nacional. É um caos silencioso. A parceria solidária da imprensa emudece e canibaliza o espírito crítico com que poderia contribuir, em ambiente de pluralismo e liberdade, para retificar os rumos do país. Sim, houve um tempo em que a imprensa fazia isso. Toda opinião, toda crítica estão focadas, hoje, na pessoa do presidente. Legisle o Congresso em causa própria, dificulte ainda mais o combate à criminalidade, opere em favor da impunidade, faça o STF o absurdo o que fizer, tais escândalos, se mencionados, ganham edição estéril, viram informação placebo. Você pensa que foi informado, mas não foi.

E o cidadão? Ora, o cidadão! Dele se exige ficar em casa sendo doutrinado pelo incansável realejo das TVs. Se alguém arriscar opinião divergente nas redes sociais, ensaiadas injúrias desabam sobre o infeliz, a quem chamam “gado”.

A nação vive um silêncio imposto pelo medo. Medo, sim. Há o medo da covid-19, claro. Mas há, também, o medo da Justiça, que é do “fim do mundo”, mas não é divina. São temores que escravizam.

Quem impõe censura, cria seu assustado filhote, a autocensura.

A palavra “gado” define a situação de curral a que estamos submetidos. Fecharam-se as porteiras das alternativas e a farra da Casa Grande nos escraviza enquanto escarnece de nossas opiniões.

É surpreendente que exijam respeito. Não é respeitável o que fazem! Respeitem para serem respeitados. Respeitem os mandatos que lhes foram concedidos, senhores congressistas. Respeitem a vontade expressa nos votos e o resultado das urnas, senhores ministros do STF. Respeitem o pequeno detalhe que ainda chamamos de Constituição.

A Lava Jato, que cometeu o crime de levar à condenação nossos Adãos de paraísos fiscais, recebeu atestado de óbito numa sessão virtual da 2ª turma. E viva a gandaia!

O Brasil tem uma história anterior a esse colegiado, dispensa suas lições e, mais ainda, sua visão de mundo. O farol com que os 11 pretendem iluminá-lo ensombrece e entristece o futuro. Naquelas cadeiras sentaram pessoas muito mais sábias, muito mais cultas, muito mais comprometidas com a nação. Eram respeitáveis. Já a atual composição do STF, desnorteada com sua impopularidade e com a animosidade que suscita, busca se impor pelo medo, como fazem os ditadores. É impossível que os poderes de Estado, em seus escancarados anseios de autoproteção e de proteção recíproca, não percebam o gemido da alma nacional nestes tempos de frustração e temor.

Atentem todos, porém, para o fato de que as circunstâncias podem retardar a resposta da sociedade, que tarda, mas não falha. Senadores e Deputados Federais! Se não pelo país, ao menos por apego aos próprios mandatos, cumpram com seu dever. A situação atual não é sustentável.

Money Pit é uma comédia romântica dos anos 80, com Tom Hanks e Shelley Long. Conta a história de jovem casal que comprou uma casa onde nada funciona. O nome que esse filme recebeu no Brasil vale como advertência: “Um dia a casa cai”.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

25/03/2021

Percival Puggina

“Entendi que você é um juiz de m****”, disse Saulo Ramos a Celso de Mello encerrando uma amizade de muitos anos.

 

Poucos leram Código da Vida, livro do ex-ministro da Justiça de Sarney. Todos ouviram falar, porém, dessas palavras finais de um diálogo entre o ministro do STF e o autor do livro, seu padrinho na indicação para a cadeira que ocupava.

O Supremo decidia se o maranhense Sarney poderia disputar o Senado pelo Amapá. Direito líquido e certo do ex-presidente, mas Celso de Mello votara contra e, encerrada a sessão, telefonou ao amigo para se explicar. Disse que votou contra porque já havia ampla maioria a favor da pretensão de Sarney e que seu voto não afetava o resultado final, mas serviu para desmentir a previsão da Folha de São Paulo. O jornal, na véspera, garantira que ele votaria a favor por gratidão ao ex-presidente. Daí a frase de Saulo Ramos que ressoa através das décadas.

***

Tendo isso em mente, vamos à decisão com que a 2ª Turma do STF, anulou os atos do julgamento de Lula por suspeição do então juiz Sérgio Moro. Uma vitória dos advogados do ex-presidente deixava-o inocente, perante a lei brasileira, até o final de um novo e longo processo. E amassava a Lava Jato como quem mata uma barata. A votação empatara em 2 a 2, com Cármen Lúcia e Fachin votando contra a pretensão da defesa do ex-presidente e de Gilmar e Lewandowski a favor. Todos os olhos se voltaram, então, para o novato Nunes Marques, último a se manifestar, e ele, para surpresa geral, pediu vistas. Nesse momento, Cármen Lúcia anunciou que, após as vistas, e ouvido o voto do colega, poderia mudar sua própria posição.

O aviso prévio, de fazer tremer o céu e terra. Prenunciou o apocalipse.

Dias mais tarde, quando Nunes Marques definiu sua posição contra o interesse de Lula, a ministra por ele indicada procedeu a um giro de 180 graus na “convicção” anterior e fechou o placar em 3 a 2, a favor de seu padrinho.

A gratidão do julgador ao peticionário não é virtude, é causa de impedimento.

Trata-se de nova mancha na já encardida imagem do Supremo. Um novo livro deveria contar essas histórias! Temos uma Corte com estratégias, artimanhas, mistérios profundos que expõem a riscos e ameaças quem os queira penetrar. Mas... quem se arrisca a escrevê-lo em tempos de ditadura do judiciário?

O STF rompeu com a nação; aceita o trabalho de hackers profissionais, criminosos vendedores de informação a interessados, como prova suficiente para acabar com a Lava Jato; joga na lixeira os “frutos da árvore envenenada” (a prova mal havida) e, na privada, as esperanças de honra e dignidade da sociedade brasileira. No Supremo, a lei e a razão se tornaram eventuais acessórios do arbítrio. A Corte investiga, acusa e prende. Faz ou não; leva em conta ou desconhece, conforme convenha ao cardápio de gostos e opções dos senhores ministros.

São constatações que tornam risível a “democracia brasileira” e o dito segundo o qual “as instituições estão funcionando”.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

24/03/2021

 

Percival Puggina

 

De repente me veio à lembrança o “Realejo” de Chico Buarque. Diz assim:

“Estou vendendo um realejo.

Quem vai levar? Quem vai levar? Quem vai levar?

Já vendi tanta alegra, vendi sonhos a varejo.

Ninguém mais quer hoje em dia acreditar no realejo (...)”.

Não dá para acreditar, mesmo, mas o realejo continua rodando a manivela, apesar do descrédito, vendendo sonhos, narrativas, utopias, mentiras e mistificações.

Os tocadores de nossos realejos quotidianos desenvolveram uma semântica astuciosa em que adjetivos como negacionistas, genocidas, fascistas, terraplanistas são usados para significados aquém e além daquele para o que existem e nunca com o intuito de serem entendidos no sentido para o qual foram criados. Delírios de linguística orwelliana. Veneno em poção verbal e visual. O mercado de veneno atrai ilustrados e apedeutas.

Recriou um “antifascismo”, sempre pronto a causar dano a algo que outros fizeram para destruir a divergência que merecem. Contudo, visto de perto, não passa do velho fascismo com estrela vermelha. Como sempre foi, aliás, desde antes do fim da Segunda Guerra Mundial.

Esse realejo que hoje toca no Brasil o dia inteiro tem como público cativo o cidadão do sofá, anatomicamente formado por corpo, membros e sei lá mais o quê. Pode haver certa má vontade minha, mas sempre achei mais fácil acreditar em Terra plana do que acreditar na Globo, por exemplo. Ademais, querer convencer pela repetição, como vem acontecendo no Brasil, desrespeita o público. É assim no adestramento, usado por humanos com animais. E nunca ao contrário. Pelo amor de Deus, nunca ao contrário!

O fato é que se por um lado isso está acontecendo, por outro nunca foi tão fácil saber em que banda toca a sujeito que fala. A linguagem impõe-se sobre as dissimulações e funciona como impressão digital da tendência política.

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

        

        

          

        

Percival Puggina

20/03/2021

Percival Puggina

         É polêmica, bem polêmica, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) interposta pelo presidente da República ao STF, através da AGU, contra medidas adotadas pelos governadores do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul para enfrentamento da pandemia. A ação afirma que esses atos têm natureza abusiva, foram tomados mediante meros decretos, sem autorização legislativa e/ou em contradição às competências do presidente. E enfatiza a desatenção ao direito de trabalhar, à busca da subsistência e as liberdades econômicas objetos de recente legislação federal.

         Antes que alguém afirme que “não é bem assim”, digo eu: o parágrafo acima não tem a pretensão de resumir as 24 páginas da ADI. O que interessa, aqui, para fins de análise, é o ato em si. Ele pode ser visto de muitas maneiras, dependendo da boa vontade ou do antagonismo do leitor em relação à pessoa do presidente.

         Em reunião de ontem, virtual, que há décadas mantenho com um grupo de bons e sábios amigos, levantaram-se, como de hábito, questões interessantes. A saber:

1ª  Questão

Agiu certo o presidente ao apelar ao STF? Quem o faz não está a legitimar a autoridade da Corte num período em que ela vem avançando sinais de modo inusitado?

São inquietações que fazem muito sentido. Ao expressar perante o judiciário sua legítima preocupação com os reflexos sociais e econômicos das decisões, pode o presidente estar, sim, legitimando indiretamente as decisões de um tribunal que o tem como inimigo a ser destruído.

O presidente não deveria, então, – conclui-se – dar ele próprio curso a esse processo de judicialização da política e da gestão pública. Apenas para exemplificar o ponto a que chegaram essas intromissões, o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu ao TCU que a gestão da Saúde, da Economia e da Casa Civil sejam atribuídas ao vice-presidente Mourão (G1 18/03). Um vereador propõe lançar spray de álcool gel, por avião, sobre sua cidade e o subprocurador-geral do MP no TCU propõe isso. Não é necessário ser inculto para sugerir bobagens.

2ª Questão

Não seria, a referida ADI, uma armadilha montada pelo presidente contra a Corte?  

A pergunta se justifica de modo pleno. Se o STF conceder o que Bolsonaro pediu, estará suprimindo de estados e municípios aquele poder que, de mão beijada, delegou a governadores e prefeitos lá atrás, no início da pandemia. Se recusar o solicitado pela ADI, estará confirmando a perda de poder que impôs ao presidente da República, fato tantas vezes negado em manifestações de seus ministros.

Marco Aurélio Melo viu o assunto na perspectiva do item 2, acima. Indagado, respondeu assim, segundo O Antagonista:

Não sei o que deu na cabeça do Bolsonaro (…). Quem receber essa ação no Supremo pode simplesmente negar seguimento (…). O presidente quer atribuir responsabilidade ao tribunal, como ele vem fazendo(...)”.

Pelo menos outros dois ministros manifestaram entendimento semelhante. Para eles o tribunal já decidiu e não vai repetir ou mudar o que foi decidido. Já o início do comentário do ministro: “Não sei que deu na cabeça do Bolsonaro”, entra na linha do item 1 acima. O Marco Aurélio e, talvez, a totalidade de seus pares, olha o presidente da República de cima para baixo, como a seus subalternos e não com ao chefe de Estado brasileiro.

O poder se expressa mais e melhor por ações do que por palavras. Os ministros do STF, assim como o presidente, aliás, não se ajudam muito quando falam.

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.