Percival Puggina

25/06/2021

Percival Puggina

 

Já vi muito vigarista atingindo a honra alheia, não porque seja orientado por elevados valores morais, mas por mecanismo de autoproteção ou de compensação. Esse mesmo indivíduo mentirá sempre que conveniente ou necessário. Construirá oportunidades de ganho ilícito, ou delas se aproveitará, quando as circunstâncias o propiciarem.

Estou dizendo isso porque tendemos a crer que a mentira e a conduta farsante sejam rupturas menores com a ordem moral. Na minha convicção são todas janelas de um mesmo compartimento. Dão acesso a um interior essencialmente corrompido. 

Com o pouco que se sabe das recentes denúncias que chegam ao conhecimento público na área de compras do Ministério da Saúde, não há, nem haverá, de imediato, condições para se formar um juízo sobre responsabilidades pessoais. A exceção fica por conta daqueles que, com tão pouco esclarecimento, já tem opinião formada e acendem fogueira no tribunal inquisitorial da CPI da Covid.

A propósito, você acredita que aqueles senhores que compõem a pré-fabricada maioria da comissão estão zelosos pela sua saúde, ou pela Saúde Pública? Estão virtuosamente atentos a essa andrajosa e desprezada senhora chamada Verdade, pela qual passam sem dedicar um simples olhar? Estão de fato querendo combater corrupção e seu interesse comum não é meramente político?

Faço estas perguntas porque tenho observado, por exemplo, a estudada indignação do imaculado senador Omar Azis quando dele divergem; tenho dado ouvidos (valha-me Deus!) à falsa erudição e ao ódio destilado pelo recordista senador Renan; tenho reconhecido, no tradicional berreiro da claque, maus modos e sons que me vêm dos tempos de adolescente em assembleias estudantis...

Certezas verdadeiramente científicas têm prazo de validade imprevisível, mas são finitas.  A ciência avança. Observo com espanto, então, as severas convicções clamadas por indivíduos cuja “ciência” se deu por satisfeita no oitavo ano do ensino médio.

As denúncias desta semana cobram investigação como o próprio presidente determinou, e já estão em curso. Assim deve ser a prática em um estado de Direito. Mas a honra e a dignidade alheia não têm porta de vaivém, pela qual se entra e se sai como estou vendo acontecer cotidianamente, seja na CPI, seja em suas repercussões na mídia militante.

Conforme escrevi nos dois primeiros parágrafos deste artigo, tal conduta não diz boa coisa do caráter de quem a isso se presta. Quem age assim não faz só isso.

 Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

22/06/2021

 

Percival Puggina

 

O apito da urna de votação, maquininha considerada pelo STF e pelo TSE tão perfeita quanto o sistema blindado e inexpugnável em que são contados os votos, dá início ao mais importante processo político da democracia brasileira: a expressão eleitoral da soberania popular.

Não há democracia sem isso, ainda que só isso não lhe baste. A vontade popular também se manifesta de outras formas e um de seus piores inimigos é o cesarismo arrogante dos poderes sem voto.

Não são necessárias lupas nem microscópios para identificar os sintomas de que o topo do Poder Judiciário brasileiro, ciente do desapreço social, abraçou-se a um roteiro de autodegradação assumindo como seu, em quase tudo, um papel “contramajoritário”. Ou seja, ao ignorar a vontade expressa nas urnas e ao voltar as costas para manifestações populares, supõem tais autoridades estar salvando a nação de si mesma! É o cesarismo arrogante, de convicções transitórias, que se crê “herdeiro” dos pais da pátria.

Insistem os ministros em que o voto impresso é inconstitucional, enquanto que dar sumiço no voto do eleitor é procedimento muito legal. Em entrevistas permeadas de desprezo a essa pobre infeliz que atente pelo apelido de opinião pública, reiteram que são sem fundamento as suspeitas manifestas no parlamento e nas ruas. Advertem que o voto impresso suscitará pedidos de recontagem como se isso fosse uma anomalia quando, na verdade, é apenas trabalho para a Justiça Eleitoral.

Sobre todos os argumentos em favor do deixa tudo como está, se eleva a afirmação de que nunca foi comprovada qualquer fraude ao sistema. Ora, pergunta-me o mais comum dos sensos comuns: como provar fraude em eleições cujos votos não podem ser auditados porque foram eletronicamente destruídos no apito da pequena maquineta?

Também dá o que pensar o fato de o voto impresso, conferido pelo eleitor e mecanicamente guardado em recipiente próprio, ter sido – também ele! – politizado. A direita é favorável; a esquerda é contrária. Por quê? A esquerda confia na máquina e tem, também nisso, aval do STF (aquele Supremo outorgado ao país por José Dirceu e seus amiguinhos). Qual motivação leva o cidadão comum a se opor ao direito de conferir seu próprio voto e de saber que, em caso de dúvida, ou por amostragem, ele poderá ser auditado?

Dá ou não dá o que pensar? Dá, sim, tanto quanto a irrelevância com que o assunto é tratado nos mais altos escalões do Poder Judiciário, cujos membros deveriam meditar sobre o quanto é essencial à democracia e à legitimidade social dos mandatos a credibilidade do eleitor no processo de votação e apuração. Ou não? Por tais razões, sou pela PEC do voto impresso.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

20/06/2021

 

Percival Puggina

 

Há um humor paradoxal e trágico no fato de que a maior opressão incidente sobre a juventude brasileira provenha de um modo de ver a Educação que joga incenso e canoniza  em papers acadêmicos o autor da  Pedagogia do Oprimido. Em torno dele se desenvolveu uma fé religiosa que resiste a toda evidência em contrário, como se pudesse ser boa a árvore que dá tão maus frutos.

Não estou falando de futilidades, mas do dano que vem sendo causado a pelo menos duas gerações de brasileiros. Trato de algo que, presentemente e em números redondos, afeta 48 milhões de crianças e adolescentes brasileiros matriculados do ensino infantil ao médio. E, com talvez ainda maior intensidade, aos 9 milhões de estudantes matriculados no ensino superior. A principal riqueza potencial do Brasil – sua juventude – está submetida à influência de uma pedagogia marxista que começa com a dialética chã e elementar “oprimido x opressor” de Paulo Freire e ganha abrangência, entre outros, com Lukács, Foucault, Derrida, Laclau, Althusser. Enquanto o desastre ganha vulto, autores conservadores e liberais são velados em silêncio na voz de professores e cantos empoeirados das bibliotecas.

Referida ao sistema educacional brasileiro, qualidade deixa de ser um objetivo a alcançar para se converter num adjetivo despido de fundamento, para uso num ambiente cada vez mais fechado em si mesmo por mecanismo de autopreservação.

Resultado? Apenas duas das 198 universidades brasileiras estão entre as 300 melhores do mundo. Resultado? Segundo o último Pisa, as notas médias dos estudantes brasileiros, dentre os 80 países aferidos, conseguiram uma posição que fica entre 57º lugar em leitura e 74º em matemática. Nos países da OCDE, 15,7% dos alunos estão nos níveis máximos (5 e 6, em pelo menos uma disciplina), enquanto no Brasil, apenas 2,5% alcançam esse patamar.

Outro resultado alarmante chega-me num estudo elaborado pelo ManPower Group sobre o “Total WorkForce Index”, com dados sobre os recursos humanos para o trabalho em 76 mercados,  situa o Brasil em 61º lugar. Há sessenta, mais bem colocados! “A falta de habilidades técnicas é nosso grande desafio e o maior gargalo que existe no Brasil”, diz o presidente da organização em nosso país.

Sim, nós sabemos. Aliás, sabíamos. Melhor ainda, prevíamos. O marxismo e seus castelos de vento me levam à poesia quinhentista de Sá de Miranda (séc. XVI), quando deles conclui dizendo: “Quanto me prometestes; quanto me falecestes!”.

Este espectro ronda o Brasil. Compromete nossas perspectivas de desenvolvimento econômico e social. É uma Educação visceralmente avessa ao mercado e à preparação para o trabalho, com pés no chão e olhos postos num futuro que não seja o igualitarismo da miséria. É colheita segura do plantio marxista que se espalhou entre nós como praga de lavoura nos delicados e preciosos canteiros das salas de aula, estuantes de riqueza humana.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

           

Percival Puggina

17/06/2021

 

Percival Puggina

 

Tenho mencionado repetidas vezes em artigos, vídeos e palestras que, enquanto conservadores e liberais estão sempre dispersos e atomizados nacional e internacionalmente, os marxistas, comunistas, fabianos et alii,  formam e dispõem de uma quase secular rede de mútuo socorro em suas múltiplas organizações. O efeito disso se faz sentir ante qualquer necessidade em vários níveis da comunicação, da política dos povos e da política internacional, da cultura e das igrejas. Paulo Freire foi mercadoria bem iluminada nas vitrinas desses poderosos organismos.

Sua fama foi erguida sobre dois fundamentos: o livro “A pedagogia do oprimido” (1968) e a anterior experiência de Angicos (pequeno município potiguar), onde, com grande repercussão internacional, alfabetizou 300 pessoas em 40 horas (1963). Se você chutar uma pedra perto de um curso de pedagogia no Brasil, salta debaixo dela uma tese sobre Paulo Freire. Recentemente li uma. O texto revela o pouco interesse do mestrando pela alfabetização e o encanto que lhe suscitou a missão politizadora da educação. O paraíso desceria à terra porque a consciência daria forma à utopia.

Isso acontece na história dos povos. A “natureza” provê às sociedades indivíduos propensos às hecatombes, sempre com motivações palavrosas, aparentemente nobres. Tal é o trabalho de Freire e seus seguidores, muitos dos quais agem movidos pelo mimetismo comum no nosso meio acadêmico, sem uma real compreensão daquilo que fazem.

A geração de Paulo Freire é muito próxima à minha. Ele tinha 23 anos mais do que eu. Li a Pedagogia do oprimido com 25 anos e minha primeira constatação foi a de que se tratava de um livro muito mal escrito. A segunda: era um dos mais políticos que já lera. Voltando a ele, quase meio século mais tarde, para escrever um capítulo do livro “Desconstruindo Paulo Freire”, organizado pelo historiador Thomas Giulliano, confirmei inteiramente os dois conceitos então emitidos.

Parcela significativa da minha geração, politizada e ideologizada até a raiz dos cabelos por outras influências que não suas, quando chegou às cátedras passou a fritar o cérebro dos alunos em banha marxista. Foram esses professores, cujos mestres não eram ainda freireanos e, por isso aprenderam um pouco mais, que deram eco a Paulo Freire. Multidões abandonaram os conteúdos e partiram para a militância. Construíram a ignorância dos alunos, mas conseguiram seus objetivos políticos. Mentiram sobre história, abandonaram os clássicos, optaram pelas piores vertentes do pensamento e produziram uma geração onde só evoluíram aqueles que, voluntariamente, chutaram o balde e trataram de avançar por conta própria.

Hoje, essa orientação pedagógica cobra das novas gerações um preço descomunal. Muitos carregam o ônus da ignorância preservada, do talento contido na fonte e da futura mediocridade. Os números brasileiros do Pisa, entre 80 países, colocam-nos em lugares que variam entre 58º e 74º. Dois terços sabem menos do que o básico em matemática.

Nenhum desenvolvimento social sustentável pode advir da  degradação qualitativa de nossos recursos humanos. Somente o esforço conjunto de alunos, pais e bons mestres ainda remanescentes permite, a alguns, escapar das malhas da mediocridade. Eo resultado da "educação politizadora" se representa perfeitamente nos políticos que temos.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

15/06/2021

Percival Puggina

 

Costumo falar com meus botões. Eles estão sempre disponíveis e são muito bons ouvintes. Sobretudo os de quatro furos. Os de dois furos são mais desatentos e só resolvem dar sinais de sua existência quando estão pendurados por um fio. Pois bem, enquanto assistia alguns minutos da CPI da Hidroxicloroquina, cochichei aos meus botões: “Esse Senado não tem mais jeito. A maioria assumiu sua degradação moral”.

Todos os 80 membros da Casa conhecem a biografia de Renan Calheiros. Ele foi o escândalo nacional de 2007 a partir de uma denúncia da revista Veja, em maio daquele ano. Tivera uma filha com a jornalista Mônica Veloso e uma empreiteira pagava a ela vultosa pensão mensal. A partir daí, iniciou-se o que ficou conhecido como Renangate. Durante meses, sucederam-se apurações e investigações envolvendo os negócios do então presidente do Senado Federal. As denúncias incluíam o uso de "laranjas" para dissimular a compra de veículos de comunicação em Alagoas, a venda fictícia de 1,7 mil cabeças de gado para empresas frias, com notas fiscais mais frias ainda. Toda a boiada de Renan foi vendida num período em que Alagoas estava com as fronteiras fechadas para o transporte de gado em virtude de um surto de aftosa. E por aí foi o desastre moral de Renan. De maio a setembro de 2007, ele foi o assunto preferido das manchetes. A 12 de setembro, em sessão secreta, o Senado votou proposta para decretar a perda de seu mandato. Todos os senadores compareceram à sessão. O alagoano safou-se por uma diferença de seis votos.

O mais interessante vem agora. À medida que avançavam as investigações da imprensa e se desnudavam as artimanhas usadas para justificar o injustificável, aumentou a pressão da opinião pública. Quanto mais Renan explicava, mais se enrolava. Sua permanência no comando da mesa dos trabalhos constrangia e afrontava o decoro de todos os membros do poder. Senadores pediam a palavra para dizer que se sentiam constrangidos com a presença dele na direção dos trabalhos. Por fim, ele se licenciou da presidência por 45 dias e, logo após, renunciou ao posto, mantendo o mandato.

Quem poderia imaginar, naquela época, Renan Calheiros reeleito senador em 2010, presidindo novamente o Senado entre 2013 e 2017 (já sem constrangimento de quem quer que fosse), tornando-se, dois anos mais tarde, o grande inquisidor de uma CPI e mandando abrir as contas daqueles cujo depoimento o desagrada.

A ousadia da máfia que ainda maneja cordéis da República não encontra limites. Não se trata, aqui, de saber se, quando, nem como, as muitas denúncias e inquéritos que envolvem a figura do senador (o Estadão jura que são apenas nove...) acabaram num arquivo morto ou dormem em gavetas da confraria ativa no STF. Trata-se de entender que só pode haver um motivo para essa absolvição pelo silêncio conivente e pelo manto protetor do tempo: seu comprometimento com um projeto de poder que insiste em retomar sua tenebrosa tarefa.

Essa CPI é muito mais reveladora sobre o próprio Senado do que sobre aquilo a que se propôs.

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

13/06/2021

 

Percival Puggina

 

Ninguém nega, hoje, que as redes sociais descortinaram imenso território para que a liberdade de opinião possa ser exercida. Abriram a porta para que milhões de “fotógrafos” e “cinegrafistas”, com suas câmeras, seus flagrantes e seus registros chegassem até o mais longínquo ponto de acesso proporcionado por um provedor de internet.

Os efeitos foram imensos! Novos atores surgiram na política dos povos em função de sua habilidade de operar tais recursos, com a vantagem de fazê-lo a custo irrisório. A liberdade de expressão ganhou seu mais amplo sentido. Novas celebridades surgem a cada dia.

Os grandes veículos, as grandes redes de comunicação sentiram de imediato a perda de influência junto à opinião pública. O que antes, de modo patrulhado e mesquinho, era representado pelo pequeno espaço das seções “Fale conosco” ou “Opinião do leitor”, foi substituído por milhões de vozes. Democratizou-se o direito de dar vida e palavra ao pensamento, ainda que, não raro, em modo caótico.

Não demorou muito para que os donos dessas plataformas, as chamadas Big Techs, cedessem à tentação de patrulhar essas opiniões. Afinal, aquilo não lhes pertencia? Por que aceitar que fossem usadas como espaço público se aconteciam em plataformas privadas? E começou a censura! Aliás, a tentação era inevitável. Afinal, quem ganhava o debate político nas redes sociais era majoritariamente avesso à linha “progressista”, à Nova Ordem Mundial e à reengenharia humana e social por elas pretendida.

Ganha destaque, então, a opinião do ministro Clarence Thomas da Suprema Corte dos Estados Unidos num processo entre Trump e o Twitter em abril deste ano. A opinião do ministro está inserida no processo, mas as características dessa ação não dão a ela uma amplitude geral de aplicação. Em síntese, porém, proporcionou um alerta ao Congresso, denunciando estarem as plataformas “patrulhando o que é dito em seus sites”, e informando “não ser direta a aplicação das antigas doutrinas às novas plataformas digitais”.

Eis um desafio aos legisladores. Há um entrevero entre o princípio da liberdade de expressão, do direito de propriedade e da liberdade de mercado. Talvez seja essa uma das mais complicadas tarefas para parlamentares e tribunais nestes novos tempos. Não há dúvida de que juntando o poder de comunicação nas plataformas com o direito de censura às opiniões gera-se um poder monstruoso, capaz de produzir grande estrago antes de o mercado resolver a encrenca criando alternativas com poder equivalente. Ou, na analogia utilizada pelo juiz Clarence para caracterizar tal dificuldade: pode-se atravessar um rio a nado ou por uma ponte...

Percival Puggina

11/06/2021

 

Percival Puggina

 

Meus leitores, habituados a dedicar alguns minutos de seu tempo a estas ponderações, sabem que ideologias totalitárias e revolucionárias não se coadunam com o cristianismo cultural e, menos ainda, com o cristianismo em sua essência religiosa. Alguns filósofos do século XIX viram a fé religiosa como um lenitivo às amarguras da existência, enquanto outros, revolucionários, levaram essa ideia para o lado oposto. Passaram a ensinar que “a religião é o ópio do povo” e que a revolução exigia a derrubada de todo poder, fosse religioso, coroado, eleito ou financeiro.

A partir daí, a filosofia da destruição, lançou as bases de uma empreitada que se foi consolidando e já na segunda metade do século XX, esse trabalho alcançava êxitos infiltrando-se nos setores sociais (órgãos de imprensa, sindicatos, Igrejas, educação, cultura). De modo simultâneo com o desastre político e econômico dos totalitarismos, multiplicavam os sucessos da estratégia montada para derrubar os pilares da civilização ocidental. Seu objetivo permanente: reduzir a importância da família e do cristianismo na transmissão dos valores através das gerações. Mas vão além: da culinária ao clima, nada lhe escapa. Seus agentes são missionários de uma religião laica.

O desmanche do império soviético acabou sendo bom para os comunistas. Sumiu das vistas o mau exemplo que proporcionava e o Ocidente sentiu-se livre de suas até então piores ameaças. Até no extremo oriente, os países que ocidentalizaram suas economias e instituições, prosperaram, enquanto a mentalidade revolucionária ressurgia como pandemia, numa segunda onda, atacando as bases da civilização ocidental.

Aqueles que pressentiram o problema, entre os quais peço licença para me incluir, reconheceram a importância da vitória do exótico Trump em 2016 e viram com tristeza a roda do poder virar para a esquerda nas eleições de 2020. É nos EUA que mais fortemente se trava o combate pela preservação dos valores do Ocidente.

Em 2018, o Brasil assistiu o produto de um despertar. Veio tarde, mas não tarde demais. Nos dois ou três anos anteriores, a sociedade brasileira acordou para o despenhadeiro moral, social, político e econômico a que estava sendo conduzida. Entendeu o jogo de cena em que foi levada a optar entre dois partidos de esquerda, PT e PSDB. Um quarto de século entregue ao absoluto desleixo político de conservadores e liberais!

Nunca, na história de nossa república, um governante suscitou tão orquestrado clamor interno e externo como Bolsonaro. Se é verdade que a alguns desses clamores ele mesmo dá causa, também é verdade que as reações não guardam proporção com os fatos. O que todos vemos tem como único motivo ser, o Brasil, o grande baluarte em que um candidato com pauta não “progressista”, não revolucionária, fez 57 milhões de votos e derrotou a esquerda. Isso não é aceitável.

Eis o motivo pelo qual nosso país e seu governo estão sob ataque desse barulhento vespeiro que se sente ameaçado em suas posições. Ouça-o e verá que nada lhe é mais execrável, ninguém merece mais ser ferroado, do que o inimigo que tinham por destruído. Seja quem for, fosse quem fosse, sentado naquela cadeira que a esquerda tinha por propriedade sua, estaria sujeito aos ataques do mesmo vespeiro.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

08/06/2021

 

Percival Puggina

 

São boas as informações que chegam sobre a situação da economia nacional. E isso acontece malgrado a ação de tantos que puxam o país para baixo, pois, para se dar bem, precisam que as coisas vão de mal a pior.

Sabemos todos que, em Economia, as expectativas orientam os investimentos sem os quais não há desenvolvimento. Nesse setor, expectativas favoráveis, promissoras, podem parecer início de namoro, mas não são. Elas envolvem algo que todo investidor leva muito a sério: dinheiro.

O Brasil está a todo o gás? O Wall Street Journal diz que a retomada da economia brasileira surpreende. Chamou a matéria para a capa. De fato, a expectativa de o PIB crescer 5% neste ano reverte o pessimismo e é um número que impressiona em nossa série histórica. Mas a matéria informa, também, que temos problemas e cita a dívida interna.  Estão aí as duas faces da moeda: o setor privado é ágil, dinâmico, criativo; o setor público lento, reacionário a mudanças, a reformas, a privatizações. Um pisa no acelerador; o outro, no freio. A base parlamentar do governo é parte desse freio e sinal do divórcio entre o Congresso Nacional e a nação.  Não deixa de ser um bom indicativo constatar que o agronegócio, contra o qual tanto agiu e se manifestou a esquerda brasileira, seja a poderosa alavanca de nossa economia.

O Brasil, dizia eu há pouco num vídeo que gravei, é um balão, cheio de gás, querendo alçar voo e realizar nossos sonhos, mas está preso ao chão por amarras que o impedem de se erguer. É um modelo institucional todo errado, um sistema eleitoral errado, uma errada relação entre a sociedade e o Estado, e uma visão também errada sobre o que seja a democracia. Uma usina de sucessivas crises. Tudo isso teria tido solução no processo constituinte de 1988, se houvesse lá uma consciência sobre a transitoriedade dos preceitos numa sociedade em transformação. Nossos constituintes, notadamente os que atuavam pelo lado esquerdo, liderados por Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, estavam decididos a constitucionalizar sua visão de Estado e de sociedade.

Eles são parte das amarras que prendem ao chão esse imenso balão, pronto para voar. Eles andaram juntos nos anos 80, trabalharam juntos na Assembleia Nacional Constituinte, empurraram a Constituição para a esquerda, encenaram um falso antagonismo que durante um quarto de século enganou e removeu da disputa política nacional todo o lado direito do arco ideológico. Eles, agora, resolveram sair do namoro por baixo dos panos e “juntar os trapinhos”.

Aproxima-se a hora, portanto, de receberem das urnas a resposta da sociedade brasileira.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

06/06/2021

Percival Puggina

 

As relações entre FHC e Lula produziriam excelente conteúdo para um drama recheado de conflitos shakespearianos.

Fernando Henrique atravessou muita avenida de braços dados com Lula em históricas manifestações. Durante a Constituinte (1987-1988), FHC liderava a bancada do PMDB e Lula a bancada do PT. FHC formou o MUP (Movimento pela Unidade Progressista), que seria a plataforma de lançamento do PSDB e juntos empurraram a Constituição para o lado esquerdo onde estamos até hoje atolados.

Em 1994, num encontro ocorrido em Princeton, combinaram a estratégia eficiente que manteria a esquerda no poder por um quarto de século. O destino agiu dentro do previsto e, logo após, colocou FHC no caminho de Lula. Quando, em qualquer confronto político com petistas, se configura essa situação, começa uma guerra.

No caso do conflito petistas x tucanos, a guerra foi claramente unilateral. Lula rosnava e FHC sorria. Lula atacava e FHC sequer se defendia. O MST invadia a fazenda de FHC e este não tocava no assunto. A gritaria petista contra Bolsonaro é como hora de recreio em escola infantil comparada com o berreiro que o partido armava contra FHC, fazendo dele, de modo permanente, o último pau de seu galinheiro. Ele era o cara da “privataria”, do “apê de Paris”, o fundador emérito da corrupção na Petrobras. No entanto, quando Lula foi preso, Fernando Henrique experimentou uma viuvez política.

 Agora, olhos postos em 2022, num primeiro movimento, FHC se reúne com Lula e diz que o apoiará numa disputa contra Bolsonaro. Num movimento subsequente, pressionado pelo PSDB, diz que os tucanos terão candidato e que a afirmação anterior se aplica ao caso de esse candidato não chegar ao segundo turno. O remendo não funcionou. Estava de novo descredenciado e descartado o futuro candidato tucano, seja quem for, como aconteceu com José Serra e com Geraldo Alckmin.

FHC sempre viu Lula e o petismo como subprodutos de seu próprio projeto para o Brasil e para o continente. Há diferenças, por certo, entre ambos. A maior delas é de natureza psicológica. Lula gostaria de ter sido FHC e este gostaria de ter sido Lula. Aquele nutre indisfarçável sentimento de inferioridade em relação ao cacique tucano. Este se constrange com a própria formação acadêmica e gostaria de ter sido um líder popular. FHC trocaria tudo pela capacidade agitar as massas num comício de operários do ABC. Há um indiscutível pigarro petista enrustido nas falas, afeições  e na alma do tucano.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.