• Editorial de O Estado de São Paulo
  • 23 Abril 2015


O PT julga que está em guerra. É o que está escrito, com todas as letras, nas "teses" apresentadas pelas diversas facções que compõem o partido e que serão debatidas no 5.º Congresso Nacional petista, em junho.
De que guerra falam os petistas? Contra quem eles acreditam travar batalhas de vida ou morte, em plena democracia? Qual seria o terrível casus belli a invocar, posto que todos os direitos políticos estão em vigor e as instituições funcionam perfeitamente?

As respostas a essas perguntas vêm sendo dadas quase todos os dias por dirigentes do PT interessados, antes de tudo, em confundir uma opinião pública crescentemente hostil ao "jeito petista" de administrar o País. O que as "teses" belicosas do partido fazem é revelar, em termos cristalinos, o tamanho da disposição petista em não largar o osso.

"Precisamos de um partido para os tempos de guerra", conclama a Articulação de Esquerda em sua contribuição para o congresso do partido. Pode-se argumentar que essa facção está entre as mais radicais do PT, mas o mesmo tom, inclusive com terminologia própria dos campos de batalha, é usado em todas as outras "teses". Tida como "moderada", a chapa majoritária O Partido que Muda o Brasil avisa que "é chegado o momento de desencadear uma contraofensiva política e ideológica que nos permita retomar a iniciativa".

A tendência Diálogo e Ação Petista conclama os petistas a fazer a "defesa dos trabalhadores e da nação", como se o Brasil estivesse sob ameaça de invasão, e diz que as "trincheiras" estão definidas: de um lado, a "direita reacionária"; de outro, os "oprimidos". A chapa Mensagem ao Partido quer nada menos que "refundar o Estado brasileiro", por meio de uma "revolução democrática" - pois o "modelo formal de democracia", este que vigora hoje no Brasil, com plena liberdade política e de organização, "não enfrenta radicalmente as desigualdades de renda e de poder".

Da leitura das "teses" conclui-se que o principal inimigo dos petistas é o Congresso, pois é lá que, segundo eles dizem, se aglutinam as tais forças reacionárias. O problema - convenhamos - é que o Congresso representa a Nação, o povo. Se o Congresso resiste a aceitar a agenda do PT, então a solução é uma "Constituinte soberana e exclusiva", cuja tarefa é atropelar a vontade popular manifestada pelo voto e mudar as regras do jogo para consolidar o poder das "forças progressistas" - isto é, o próprio PT.

Uma vez tendo decidido que vivem um estado de guerra e estabelecidos quem são os inimigos, os petistas criam a justificativa para apelar a recursos de exceção - o chamado "vale-tudo". O principal armamento do arsenal petista, como já ficou claro, é o embuste. O partido que apenas nos últimos dez anos teve dois tesoureiros presos sob acusação de corrupção, que teve importantes dirigentes condenados em razão do escândalo da compra de apoio político no Congresso e que é apontado como um dos principais beneficiários da pilhagem da Petrobrás é o mesmo que diz ter dado ao País "instrumentos inéditos" para punir corruptos. Há alguns dias, o ex-presidente Lula chegou ao cúmulo de afirmar que os brasileiros deveriam "agradecer" ao PT por "ter tirado o tapete que escondia a corrupção".

É essa impostura que transforma criminosos em "guerreiros do povo brasileiro", como foram tratados os mensaleiros encarcerados. Foi essa inversão moral que levou o governador petista de Minas, Fernando Pimentel, a condecorar o líder do MST, João Pedro Stédile, um notório fora da lei, com a Medalha da Inconfidência, que celebra a saga libertária de Tiradentes. A ofensiva dos petistas é também contra a memória nacional.

Ao explorar a imagem da guerra para impor sua vontade aos adversários - inclusive o povo -, o PT reafirma seu espírito totalitário. A democracia, segundo essa visão, só é válida enquanto o partido não vê seu poder ameaçado. No momento em que forças de oposição conseguem um mínimo de organização e em que a maioria dos eleitores condena seu modo de governar, então é hora de "aperfeiçoar" a democracia - senha para a substituição do regime representativo, com alternância no poder, por um sistema de governo que possa ser totalmente controlado pelo PT, agora e sempre.

Continue lendo
  • Leonardo Faccioni
  • 23 Abril 2015

Zero Hora, o principal jornal do sul do país, indagou em reportagem dominical o porquê de a deputada gaúcha Maria do Rosário Nunes (PT), notória flor de candura, “atrair tantas polêmicas” nas redes sociais. Diversas entrevistas rechearam a matéria, todas à guisa de canonizar seu objeto, com tintas dignas de mocinha de romance romântico.

Tais genuflexões à esquerda, vez ou outra mais chamativas — como no caso — e, de outro modo, quotidianas, sempre cativaram minha atenção. Fazem-no, primeiramente, pela linguagem. A parcialidade entrega-se logo de cara. Vale anotar que não vejo mal algum na parcialidade em si — a bem dizer, jornalismo imparcial é expressão beirante ao oximoro. Tanto assim que, nas grandes capitais do mundo democrático, jornais impressos de linha editorial “conservadora” e “progressista” rotineiramente se confrontam pela preferência do público, sem esconder a distinção de valores entre um e outro. No Brasil, o “monopólio de fato” (ou, em São Paulo, o “cartel”, digamos assim) contribuiu à hegemonia petistóide sobre a imprensa. Mas deixemos a digressão para depois.

Quando essa espécie de mídia obriga-se a apresentar uma personalidade liberal ou conservadora que, à revelia sua (da mídia), fez-se notória entre o público, o primeiro adjetivo que lhe aplicam vem embalado na seguinte fórmula: “Fulano de Tal é polêmico”, ou “sustenta opiniões polêmicas”, de modo que a polêmica lhe é intrínseca. Serve como alerta ao público para manter distância do problema. Rosário, todavia, “atrai polêmicas”. Eis um convite para que alguém a defenda: a coitadinha não o escolheu, é uma vítima das circunstâncias. Como o sujeito que andava pela rua e, “pimba!”, atrai um raio em dia ensolarado. “Polêmicos são os outros, os que a perseguem, não ela”. A linguagem, dizíamos, os revela.

Se a embalagem é reveladora, o conteúdo mistifica. Não façamos como eles, pois. Sejamos sintéticos. Por que será que Maria do Rosário, vá lá, “atrai polêmicas”? Conheço tipos como Rosário desde que me entendo por gente (sim, acompanho política e atento aos petistas desde então). Sempre disseram aquilo que bem entenderam, sob a simpatia de todos os tradicionais “formadores de opinião”, passando-se por pontífices incontestáveis inclusive nas maiores barbaridades. Detinham o monopólio da agressão, da afronta, do achaque, do ataque, mesmo da ofensa — e o exerciam com gosto. “Polemizavam” em monólogos furiosos contra tudo e todos — e nada, nem ninguém, atrevia-se a “polemizar” com eles. Rosário já estava lá.

Foi a dinamização das redes sociais a possibilitar que o brasileiro médio respondesse às Rosários de muitos nomes, e a ação educadora de personalidades como Olavo de Carvalho (com bibliografia e cultura fartas, outrora inacessíveis em Terra Brasilis, país até então submetido a verdadeiro bloqueio editorial) a lhe permitir discernir as raízes profundas de comportamentos verdadeiramente alucinados como os da parlamentar, que veementemente [so]nega a realidade em favor da ideologia — algo que, de outro modo, chocava a população ao ponto de torná-la atônita, balbuciante apenas, e que hoje, e somente hoje, as pessoas comuns descobrem palavras aptas a verbalizar.

Rosário “atrai polêmicas” porque, na companhia de seus partidários, dedicou a vida a procedimentos calculados com o estrito fito de destruir a sociedade e assaltar o patrimônio moral de cada cidadão. Não se trata, aqui, de um libelo contra sua pessoa: é precisamente essa a estratégia preconizada por Marcuse, autor caríssimo à “new left” e, pois, ao partido governante. Seus passos envolvem o fomento ao crime, a promoção intransigente e sistemática de elementos disruptores da paz social, a despersonalização do criminoso — especialmente o mais violento —, que deixa de ser indivíduo responsável por seus atos para se converter em “vítima do sistema”. Um sistema, pois, que se há de sabotar.

Rosário e o PT desejam ardentemente o caos e a falência da legalidade, crentes de, com seu advento, poderem reconstruir, sobre a ruína da “sociedade burguesa”, sua própria e particular utopia. Assim está escrito, não por seus críticos, senão por seus inspiradores — e é ela própria, e bem assim os documentos internos de partidos como o seu, a reconhecerem-no.

Rosário “atrai polêmicas” porque aqueles a quem ela tenciona destruir, vejam só!, após cinquenta anos encontraram, pela primeira vez, armas — retóricas — com as quais se defender. E defendem-se como podem: ela os bombardeia com os canhões dos jornalões; o orçamento de quarenta ministérios; projetos de lei no parlamento; ativismo judicial o mais fraterno; o apoio de toda a base alugada; a cumplicidade da academia sitiada, onde o debate há muito morreu. Os brasileiros respondem com as pistolinhas d'água de comentários em redes sociais. E, ainda assim, a valente parlamentar, com suas “décadas de luta”, corre em afetação histérica a cada gotinha de H2O que respinga em suas madeixas guerreiras.

Ao contrário do que infere o jornal, o público pensante não responde a Rosário, nem a satiriza, por uma “compreensão insuficiente de sua luta por direitos humanos”. Enquanto não a compreendiam, estavam calados. Compreendem-na agora, e otimamente. Por isso resistem.

Muitos dos novos debatedores são leitores inveterados, autodidatas, conhecedores do “status quaestionis” a nível internacional e confiantes na busca da verdade — julgada existente e cognoscível. Foram estes a primeiro diagnosticarem, na parlamentar e alhures, a ilogicidade deliberada do discurso que, em nome dos “direitos” [deturpados], mina cada fundamento da sociedade que os tornou possíveis [onde legítimos]. Matérias como a de ZH são autorreferenciais precisamente por isso: caso franqueassem espaço equânime a quem realmente polemiza com Maria do Rosário, todo o argumento vitimista sairia fragilizado, mocinhos e vilões embaralhados, e o público, apto a formar, por si, sua opinião a respeito. Um disparate. Não foi para isso que, de partida, encomendou-se a reportagem.
 

Continue lendo
  • José Antonio Rosa
  • 23 Abril 2015

 

A CNBB está colhendo em todo o Brasil assinaturas dos leigos para apoiarem o "Projeto de Lei de Iniciativa Popular elaborado pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas que busca afastar das eleições o financiamento de empresas, melhorar o sistema eleitoral, promover a inclusão política das mulheres, dos grupos sub-representados e aperfeiçoar a democracia direta". O problema é que a CNBB além de não promover em momento algum um amplo e transparente debate sobre o tema para esclarecimento e posicionamento dos leigos também deixou de informar que a proposta apresentada é a mesma do PT. Isso mesmo, do PT.

O PT é o mesmo partido que institucionalizou a corrupção no Brasil, assaltou os cofres públicos e praticamente destruiu a Petrobras que é um dos maiores patrimônios dos brasileiros. Por ironia não há um único documento da CNBB manifestando-se com contundência contra esse estado de coisas. Entretanto, faz um esforço nacional, envolvendo todos os bispos, sacerdotes e paróquias, para apoiarem um projeto que visa tornar o PT um partido hegemônico na política nacional. Mais irônico ainda é o fato de que o PT lançou publicamente um Caderno de Teses para ser discutido no seu 5º congresso em junho de 2015, onde esse partido expressamente confirma o seu caráter totalitário e apresenta propostas totalmente lesivas aos católicos e demais cristãos. O que é mais contraditório nessa relação promíscua é que o PT quer implantar no Brasil o socialismo, e isso está muito claro no seu documento de fundação.

Assim como na América Latina, conforme a ata de criação do Foro de São Paulo, uma organização criminosa gerada por Lulla e Fidel Castro secundada por toda a escória comunista latino-americana, em destaque as FARC que é um grupo terrorista e narcotraficante. Pois o socialismo e o comunismo foram responsáveis pelos crimes mais bárbaros contra os católicos e demais cristãos em toda a História. Os comunistas assassinaram mais cristãos no século XX que outros em todos os séculos anteriores. Nem mesmo os leões nas arenas romanas trucidaram tantos cristãos quanto a escumalha comunista. Pois é neste contexto histórico, social e cultural que a CNBB quer que os leigos católicos assinem uma proposta de Reforma Política para tornar hegemônico os futuros algozes do seu rebanho. Sou católico e não irei chancelar essa proposta espúria porque sou ovelha desse rebanho e não gado.

José Antonio Rosa

Continue lendo
  • Sacha Calmon
  • 21 Abril 2015

Publicado originamente no Correio Braziliense - 19/04/2015


Existem dezenas de vídeos circulando nas redes sociais cuja autenticidade é inegável. São falas de Lula e algumas de Dilma relativas ao Foro de São Paulo, organização que reúne os governos de esquerda (filocomunistas) das Américas do Sul e Central. Num vídeo, Lula realça que o Brasil, por ser a maior economia da região, teria maiores responsabilidades perante os demais países de esquerda do continente e passa a enumerar os empréstimos e financiamentos brasileiros.

A contratação internacional, de resto secreta (crime de responsabilidade), entre Cuba e Brasil (aluguel de médicos) e a construção do Porto de Mariel, de graça, a expensas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) enquadram-se nessa linha. Tampouco houve uma palavra sequer de Dilma a respeito dos ataques à liberdade de imprensa na Argentina e as atrocidades de Maduro contra as liberdades democráticas e direitos humanos na Venezuela. A cumplicidade é total entre os governos comunistoides falidos, renitentes e irresponsáveis da atrasada América Latina O senador Cunha Lima, da Paraíba, estado pequeno, mas de larga e longa tradição política, abriu caminho no Congresso para investigar os fundos de pensão das empresas estatais, aparelhados pelo PT e por ele manobrados. Saberemos de coisas escabrosas na Previ (Banco do Brasil), na Funcef (Caixa Econômica), Centrus (Banco Central), Petros (Petrobras), "et caterva", doações e desvios de verbas de publicidade, além de patrocínios fajutos. Mas não apenas isso. Para exemplificar, leiam as agruras dos funcionários operosos dos Correios (ECT), que já foi, antes do PT, considerado o terceiro melhor serviço postal do mundo. O Postalis - fundo de pensão -, formado parcialmente por descontos em folha dos funcionários, está com um rombo de R$ 6,5 bilhões. Má gestão? Claro que sim. Mas não só. Por ordem de Lula, a serviço do Foro de São Paulo, o Postalis aplicou o suado dinheiro em títulos públicos venezuelanos e argentinos, que não valem nada e estão inadimplentes. Há aplicações até em ações das empresas de Eike Batista, no momento em que já estava em declínio. A troco de quê? Há que se perguntar.

Lula, há poucas semanas, praticou a irresponsabilidade de convocar o exército de Stédile (MST) para enfrentar o nosso povo nas manifestações de rua, legítimas e democráticas. É o mesmo Lula do Foro de São Paulo, o mesmo que disse ter preguiça de ler um livro sequer. É o nosso Lenin, mas sem a altura histórica do líder russo; não passa de um agitador envaidecido de sua importância na história do país, a cada dia menor pelas atitudes impatrióticas.

Espanta-nos a mansidão das instituições brasileiras ante as últimas atitudes desse senhor, claramente conspiratórias, passíveis de enquadramento no Código Penal. É hora de levá-lo à delegacia de polícia. A condição de ex-presidente não lhe dá imunidade, é um cidadão comum. Ele está insuflando a luta de classes e fazendo apelos à violência.

A Constituição da República, que a todos obrigada, no Art. 5º, inciso XLIV, ao tratar dos Direitos e Garantias fundamentais dispõe: "Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático". Assegura ainda o direito de propriedade no inciso XXII do mesmo Art. 5º. O que faz o MST do sr. Stédile e seu exército, segundo Lula, se não invadir, ocupar e destruir propriedades alheias com facões, foices e espingardas, além de desfilar por ruas e estradas preconizando a propriedade coletiva da terra e o socialismo, atentatórios ao Art. 170 da Constituição e sua clara opção pela livre iniciativa e o direito de propriedade? Noutra passagem, a Constituição veda a utilização por partido político, no caso o PT, de organização paramilitar, ou seja, o exército dos sem-terra do comandante Stédile (Art. 7º, § 4º).

Passou da hora de convocar o sr. Lula a explicar o que significou a ameaça de colocar nas ruas o exército do sr. Stédile, pois é princípio fundamental da República Federativa do Brasil o Estado Democrático de Direito, com esforço no pluralismo político e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (Art. 1º da CF). Qualquer socialismo, como o da Venezuela e o do Sr. Stédile, é contrário aos princípios que nos regem. Somos um país leniente. À guisa de comparação, somente por ter ilegalmente espionado o partido democrata, Nixon renunciou para fugir do impeachment, por perjúrio. Berlusconi ficou meses preso. Em Portugal, o ex-primeiro-Ministro José Sócrates responde a processo judicial. Aqui, o sr. Lula faz e fala o que quiser e fica por isso mesmo.

* Advogado, coordenador da especialização em direito tributário das Faculdades Milton Campos e ex-professor titular da UFMG e da UFRJ

 

Continue lendo
  • Darcy Francisco Carvalho dos Santos
  • 21 Abril 2015


A Zero Hora acaba de publicar excelente matéria de autoria da jornalista Juliana Bublitz, em que faz uma radiografia completa dos depósitos judiciais, desde sua criação, legalidade, utilização pelos governos com os valores sacados, entre outros aspectos não menos importantes. Neste texto, vou aprofundar um pouco as razões e as consequências do uso dos depósitos judiciais pelo Estado.

Como é sabido, o Estado do RS é deficitário há mais de quatro décadas, período em que foi utilizando todos os meios disponíveis para o enfrentamento dos déficits, apelando finalmente para seu derradeiro refúgio, os depósitos judiciais, dinheiro de que não é dono e do qual é um mero (in)fiel depositário.

Os três últimos governos fizeram uso desses recursos, mas existe uma grande diferença quanto à dimensão e à finalidade desse uso.

Nos períodos governamentais de 2003-2006 e 2007-2010, os depósitos judiciais foram usados parcimoniosamente para enfrentar os déficits, isto é, para cobrir as diferenças de caixa, quando foi sacada uma quarta parte do valor do fundo.

O governo passado, no entanto, ao usar 70% do valor do saldo, utilizou os recursos para ampliar os déficits (R$ 5,7 bilhões), criando despesas permanentes que de outra forma não teria criado.

Foram concedidos reajustes parcelados aos servidores, com altos índices, para vigorarem no final de 2014, muitos deles se estendendo até 2018. Se ele não dispusesse desses recursos para custear as parcelas de seu período, esses reajustes teriam sido limitados às possibilidades financeiras do Estado.

Com isso, deixou um déficit superior a R$ 5 bilhões ao novo governo, ao mesmo tempo em que esgotou todas as fontes de recursos que vinham sendo utilizadas para suprir as insuficiências financeiras do Tesouro.

Os depósitos judiciais, ao possibilitarem ao governo passado gastar mais do que arrecadou e ao criarem obrigação permanente sem fonte igualmente permanente de receita, propiciaram o desrespeito a princípios elementares de responsabilidade fiscal, transformando-se numa espécie de maldição do dinheiro fácil.

* Economista e contador
 

Continue lendo
  • Francisco Ferraz
  • 21 Abril 2015

(Extraído do site: www.politicaparapoliticos.com.br (uma visita obrigatória para quem se interessa por política)

Publicado em: 16/04/2015

Há 50 anos atrás, segundo estudos de política comparada, havia no mundo 15 democracias consideradas estáveis e 110 democracias instáveis ou formas autoritárias de governo. Passados 50 anos, há 20 democracias estáveis e 147 democracias instáveis e sistemas autoritários. Não visualizo indicadores ou mesmo sinais de que, nos próximos 50 anos, essa realidade venha a ser substancialmente diferente.

m geral trata-se da democracia como se fora uma única e mesma realidade, com significado unívoco. Não é o caso.
Democracia é um termo que possui uma enorme riqueza de significados que atestam a grande importância do ideal democrático e a sua inevitável equivocidade.

Considero que o aspecto mais relevante de uma democracia seja a distinção entre democracia estável e instável. Essa é uma diferença que salta aos olhos quando se observa o mundo real. Democracias estáveis duram, sobrevivem a crises.
Em democracias instáveis tudo está sempre em questão; nada é sagrado para todos; o consenso é mínimo e frágil; a qualquer momento pode ser posto em questão; as pressões por mudanças estão sempre em pauta; a independência e autonomia das instituições estão sempre ameaçadas quando não corrompidas; antiguidade é percebida como defeito e sinal de atraso e a disposição para mudar sempre como sinal de virtude.

São democracias precárias e transitórias, espaços de transição para regimes autoritários, totalitários ou para a cronificação da sua instabilidade.

O argumento factual sobre o número de democracias instáveis ou regimes autoritários (localizados predominantemente no hemisfério sul) é um indicador fortíssimo das dificuldades praticamente insuperáveis de uma evolução da instabilidade para a estabilidade democrática.

Democracias estáveis são raras exceções e a regra em matéria de democracia no mundo real é a instabilidade de suas estruturas.

Um critério simples para identificar democracias estáveis é o grau de persistência de padrão político. Existe persistência de padrão político quando o conjunto de regras constitucionais sobrevive às dificuldades, mudanças e crises, por sucessivas gerações, sem sofrer grandes e abruptas mudanças ou rupturas na sua estrutura institucional.
A democracia inglesa, por exemplo, tem uma linha evolutiva consistente desde 1215 (Magna Carta), tendo sua mudança mais expressiva e sua ruptura mais grave ocorrido na Gloriosa Revolução de 1688.

A constituição americana é ainda basicamente a mesma de 1789, tendo sido capaz de manter até hoje não apenas sua estrutura original como muito do espírito que a originou, não obstante as profundas mudanças por que passou a sociedade americana.

Inversamente, as 20 nações da América Latina, segundo Jacques Lambert, tiveram 195 abruptas e graves mudanças constitucionais no século XIX até meados do século XX. A França, durante o século XIX, viveu sob dois impérios, duas monarquias, duas repúblicas e quatro revoluções. O Brasil de 1930 a 1988 teve 12 mudanças ou rupturas abruptas e radicais, o que equivale a uma mudança institucional a cada cinco anos!

Quais as razões para a magnitude das diferenças entre as nações no aspecto da sua estabilidade? Há 3 razões principais.
Em primeiro lugar, a extrema complexidade do arranjo político que viabiliza uma democracia estável. Elas precisam alcançar elevados escores em legitimidade, eficiência, autenticidade e persistência de padrão e garantir sua continuidade pela institucionalização das suas organizações políticas. Democracias instáveis possuem baixos escores em todas essas dimensões e não logram institucionalizar suas organizações.

Em segundo lugar, a democracia é um sistema político cuja força depende do apoio que a cidadania lhe der. Concebida para garantir a liberdade política, não pode impedir que seus inimigos, os liberticidas, tentem usar as garantias de liberdade para enfraquecê-la e destruí-la.

Ninguém anunciou com maior desfaçatez e cinismo que Goebbels a instrumentalização das liberdades democráticas para destruir a democracia: “Nós entramos no parlamento de modo a nos abastecer no arsenal da democracia com suas próprias armas. Se a democracia é tão imbecil a ponto de nos prover bilhetes ferroviários gratuitos e salários para esse trabalho, isso é assunto dela. Não chegamos como amigos, nem como neutros. Chegamos como inimigos. Como o lobo que irrompe em meio ao rebanho. É assim que chegamos".

O trajeto da destruição da democracia por seus inimigos começa pelo uso da ação direta e da propaganda da democracia direta para desmoralizar e debilitar a democracia representativa e as instituições do estado de direito democrático, subordinando os objetivos gerais da nação aos objetivos dos seus projetos de poder.

Em terceiro lugar, o outro fator que contribui para a criação de democracias instáveis é de natureza intelectual: o enfoque jurídico-formal da política e seus principais instrumentos, a falácia da imitação institucional e a falácia dos poderes da “razão pura”.

A obra-prima de construção institucional pelo exercício da razão pura, célebre por sua reputação de perfeição, foi a Constituição de Weimar (1918). Sua indiscutível qualidade, que a tornou o modelo de todas as Constituições democráticas desde então, não foi, entretanto, suficiente para evitar que a monstruosidade do regime nazista tenha logrado sua ascensão ao poder dentro das formalidades estabelecidas pela Constituição "perfeita".
Nas palavras do próprio Hitler, "a democracia devia ser destruída pelas armas da democracia".

A grande lição que se extraiu da experiência da Constituição de Weimar é que as constituições, e por extensão as leis, não têm o poder de estabelecer ou mudar os comportamentos que colidam com os valores individuais culturalmente consagrados pela organização social. E isso é verdadeiro, acima de tudo, com relação às constituições que são produto da "razão pura".

Nos marcos deste enfoque, uma boa democracia depende apenas de boas leis, a começar pela constituição. Problemas políticos neste enfoque essencialmente são encarados como problemas jurídicos: ou não há regramento sobre a matéria ou o regramento é inadequado.

Em ambos os casos, para os cultores deste enfoque, a falha é jurídica e a solução é jurídica - novo regramento - o que dará origem a novas falhas que vão exigir outras normas e assim sucessivamente, formando um círculo vicioso de produção legislativa infindável e uma verdadeira fábrica de democracias instáveis.
Essa forma de conceber a política dependeu sempre de três procedimentos, tanto nas assembleias constituintes como nas reformas politicas:

(1) Cópia de instituições políticas de outros países (falácia da imitação institucional);
(2) Capacidade inventiva para criar novidades institucionais abstratamente, sem respaldo na experiência prática e histórica do país (falácia dos poderes da “razão pura”);
(3) Desconsideração das características do “terroir” das instituições políticas e do “terroir” para o qual estão sendo transplantadas.

O resultado deste processo invariavelmente é a elaboração de uma cobertura normativa frágil, que adere de forma superficial e sem organicidade ao corpo político e, portanto, facilmente descartável e substituível por outras com as mesmas características básicas.
Para a ciência política, essa concepção jurídico-formal da democracia é manifestamente insatisfatória e irreversivelmente superada. Essa é a lógica da nossa crônica tentativa de fazer reformas políticas e da igualmente crônica pressão por uma nova constituinte no Brasil.

A cada ano, entretanto, a cada eleição, a cada crise nossos governantes e políticos retiram da gaveta o tema da reforma política, que logo adquire a condição de unanimidade, exatamente porque não tem conteúdo definido. Na política, como regra, só há unanimidade em torno daquilo que não tem conteúdo delimitado. Trata-se, pois, de uma unanimidade em torno do vazio.

A luta política, contudo, passada a fase da unanimidade sem conteúdo, revela os verdadeiros interesses dos diferentes projetos de poder em disputa que tendem a ser abortados nas suas pretensões pelo "poder de veto" dos representantes dos demais projetos.

Daí por fim a atração pela estratégia das ações diretas como alternativa para contornar o poder das instituições representativas legais na promoção de projetos de poder populistas e autoritários.
A política brasileira é um campo fértil para comprovar os caminhos equivocados que temos seguido na saga da construção da democracia. Continuamos prisioneiros da instabilidade democrática, insistindo invariavelmente nos mesmos erros e equívocos.

Qualquer análise séria de uma reforma política realista deve começar pelo estudo das razões históricas, sociais e culturais da nossa já crônica instabilidade democrática. Enquanto isso não for feito, 2015 será mais um ano de reforma política, como 2014 e os anos precedentes também o foram.

Continue lendo