(Publicado originalmente em ucho.info)
“Perdei toda esperança, ó vós que entrais” – Dante Alighieri
No seu poema clássico “A Divina Comédia”, Dante Alighieri, o gigante da literatura universal, sai à procura de Beatriz, sua musa, símbolo da perfeição, da pureza e da verdade revelada. Tendo o poeta Virgílio como guia, o pai da língua italiana atravessa o Inferno, o Purgatório e chega ao Paraíso, vivenciando, na dramática trajetória, o que os estudiosos consideram a “árdua transição da servidão das paixões para a liberdade e a perfeição moral”. Na ambiciosa obra, de tessitura poética complexa, são múltiplos os planos de leitura, entre eles, o histórico, o moral, o alegórico e o místico.
Nas três partes que formam o poema, a do Inferno, pelo rigor e minúcia da descrição, é tido como o canto melhor acabado. Nele, o poeta empreendeu esforço colossal e deu asas ao seu enorme poder de imaginação. Em resumo, a travessia do Inferno, além de dolorosa, intimida e assombra. De fato, toda a mitologia que hoje circunscreve o universo demoníaco está contida neste canto de leitura obrigatória, difícil e cada vez mais atual.
O Inferno de Dante, um tenebroso abismo em forma de cone, compreende nove círculos e o Anteinferno (ou Vestíbulo). Os cinco primeiros círculos formam o Alto Inferno. Os quatro restantes compõem o Baixo Inferno, em cujas profundezas impera Lúcifer, glutão insaciável, barbudo, narinas frementes, rosto vermelho de ira e fonte inesgotável do Mal. Em todos os círculos agonizam legiões de almas penadas, na reverberação de gritos, lamentos e imprecações, padecendo sob as labaredas do fogo eterno e de tempestades de gelo, mergulhados em tachos de lavas fumegantes, atormentados todos pelo odor do enxofre e pelo acicate de tridentes pontiagudos manejados sem descanso por mil demônios.
No oitavo círculo – o que mais desperta atenção – dez fossos isolam em padecimentos os sedutores, os aduladores, os simoníacos, os fraudulentos, os hipócritas, os ladrões, os maus conselheiros, os fundadores de seitas e os falsários – em suma, a caterva que todos nós por essas bandas conhecemos bem.
Com efeito, há uma enorme semelhança entre o Inferno de Dante e o inferno atiçado no Brasil pelo Dr. Lula, o Anjo Decaído trombeteado pelos comunistas de todos os matizes. Não seria exagero afirmar que o país triturado pelo PT é um fac-símile do Inferno percorrido pelo poeta florentino e, em certos aspectos, ainda mais doloroso.
Duvida? Bem, basta olhar em derredor: em todo o espaço brasileiro (círculos) prevalecem a violência, o medo, o sofrimento e a aflição. Nas cidades poluídas, em cada esquina, calçada, ponto de ônibus, saída de banco, etc., o sujeito pode ser assaltado, vilipendiado, esfaqueado e levar pelos cornos um tiro definitivo. Correntes de lama contaminada levam de roldão vidas, municípios, rios e mares. Enchentes tempestuosas e secas inclementes massacram populações inteiras em meio ao desamparo da Providência. No ar, nuvens negras de mosquitos viróticos provocam o desespero de mães deserdadas e crianças indefesas, com muito choro e sem vela. Nas praças públicas, açoitados pelo desemprego, pela miséria e pelo vicio da droga, multidões de mendigos errantes (“população de rua”) agonizam entre impropérios e mútuas agressões. E no vestíbulo do inferno tupiniquim, as almas penadas que padecem no limbo e procuram escapar e produzir, são castigadas pelos impostos sufocantes para usufruto do vosso Lúcifer caboclo e sua estupenda legião de demônios.
Há, no entanto, que se fazer uma ressalva na simétrica relação entre o Inferno de Dante e o Inferno de Lula. Por aqui, ao contrário dos que padecem no oitavo círculo dantesco, a caterva de ladrões, hipócritas, fraudulentos, corruptos em geral, ministros conselheiros e ideólogos fundadores de seitas etc. etc., não só não é penitenciada, mas elevada à condição de uma legião de querubins no eterno gozo de manjares regados a amantes clandestinas e taças de “Romanée Conti”.
PS – Muita boa gente acredita que logo chegará o dia do Juízo Final e Lúcifer e seus demônios serão punidos e nos deixarão em paz. Pode ser. Mas, no nosso caso, conhecendo as figuras diabólicas instaladas nas profundezas do Planalto, acredito mais na legenda que Satã mandou colocar no portal do seu Inferno, epígrafe do presente artigo.
(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.
(Publicado originalmente em O Globo)
Ao ler e ouvir as manifestações da presidente e de seu grupo ministerial, que não se dão conta de que, sob seu governo, o país está afundando num poço ainda sem fundo, fico com a impressão que foram invadidos pelo espírito dos músicos do Titanic, que continuaram tocando, enquanto o navio naufragava lentamente.
Não é possível que não tenham percebido o fracasso dantesco do Plano Dilma 1 e que o Plano Dilma 2, deste segundo mandato, conseguiu acrescentar uma notável “contribuição de pioria” ao já desastrado plano do primeiro mandato.
A expressão aqui usada não representa um neologismo — como aquele utilizado pela presidente Dilma, ao dar sexo vernacular ao mosquito fêmea, chamando-o de “mosquita” —, mas ironia, há anos utilizada por tributaristas em contraposição ao tributo “contribuição de melhoria”, quando se trata de tributos de má qualidade.
O certo é que o segundo rebaixamento promovido pela Standard & Poor’s, a perda do selo de bom pagador da Moody’s, a incapacidade de um ajuste fiscal a curto prazo, a manutenção de uma máquina esclerosada e ineficiente com não concursados preenchendo dezenas de milhares de cargos, a necessidade de impedir o impeachment através de toda espécie de concessões a parlamentares, a dificuldade de conviver com seu partido, com o empresariado e seus ranços ideológicos num saudosismo permanente dos ineficazes regimes de esquerda — sendo seu dileto amigo Maduro o mais estupendo exemplo da derrocada populista —, tudo isto tem transformado a presidente Dilma na pior presidente da República que o Brasil já teve.
Não percebeu a primeira mandatária que, sem confiança, nenhum governante governa e, na sua pessoa, a confiança é quase nenhuma. Sem confiança, ninguém investe, porque não acredita no governo, nem vê segurança em seus investimentos.
Sem investimento, o país patina, o desemprego aumenta e, para equilibrar as contas, em vez de reduzir o peso da burocracia e das alíquotas tributárias para reanimar a sociedade, o governo busca aumentar mais os tributos sobre um doente que se encontra na UTI, que precisa de transfusão de sangue, e não de sangria.
O plano apresentado é pífio. Correto no que diz respeito à Previdência, mas seus efeitos só ocorrerão a longo prazo; tímido no que diz respeito aos cortes orçamentários e quase nulo, no que diz respeito à redução da máquina burocrática.
Os discursos em Brasília são de euforia, por ter colocado um fiel seguidor na liderança do PMDB; por ter feito um mutirão contra a “mosquita”, que põe 400 ovos, por culpar a crise internacional, o permanente vilão de seu desastre.
Nenhum mea-culpa, nenhum plano para reais reformas tributária, administrativa, trabalhista, política e do próprio Judiciário, que consome 1,2% do PIB — enquanto o Poder Judiciário alemão consome 0,32% e o francês, 0,20%.
Não tenho dúvida de que esta insensatez, que retira a esperança de todo o povo e não promove investimentos — projeta-se uma queda do PIB de 10%, nos dois primeiros anos do segundo mandato —, certamente levará para além de 2016 a crise por ela gerada, sem luz no fim do túnel.
Do poço em que o Brasil afunda ainda não se vê o fundo, mas todos nós estamos fadados a acompanhar o governo Dilma em seu dramático naufrágio, ao som da sereníssima orquestra do Titanic.
(Publicado originalmente no Estadão)
Não bastassem a crise econômica, o aparelhamento político e a reta final da “sua” CPI, os fundos de pensão das estatais estão sendo chacoalhados por duas novas informações: o presidente do Postalis (Correios) caiu e o prejuízo da Vale do Rio Doce em 2015 foi de R$ 44,2 bilhões, o maior já registrado por uma empresa da Bolsa em 30 anos.
Antônio Conquista, do Postalis, já vinha na mira da Polícia Federal e da Superintendência de Previdência Complementar (Previc) por investimentos que levaram a um rombo estimado em bilhões de reais. Onde estava com a cabeça quando, por exemplo, autorizou, ou permitiu, que o fundo jogasse o dinheiro da aposentadoria de milhares de funcionários em títulos da... Venezuela?!
E onde a Vale entra na história? Assim como milhares de brasileiros aplicaram seu rico FGTSzinho na Vale e na Petrobrás, os fundos de pensão também investiram nas duas grandes. Deu errado. A Vale foi atingida pela onda da China e a consequente queda do preço das commodities, logo, os fundos perdem muito. E todo mundo já conhece o tsunami na Petrobrás.
As novas informações coincidem com a reta final da CPI que apura má gestão e eventuais desvios nos fundos de pensão dos Correios (Postalis), do Banco do Brasil (Previ), da Caixa Econômica Federal (Funcef) e da Petrobrás (Petros). O relatório deve ser apresentado na semana que vem, com votação em meados de março.
Segundo o presidente da CPI, deputado Efraim Filho (DEM-PB), é muito mais fácil desviar recursos dos fundos do que roubar da Petrobrás: “No petrolão, precisava fazer licitação, ter projeto, iniciar a obra, criar o superfaturamento. Dava trabalho. Nos fundos, o dinheiro vai direto a título de investimento, é injeção na veia”.
Receberam dinheiro dos fundos a OAS, a Odebrecht, a Engevix e a Sete Brasil, estrelas dos escândalos da Petrobrás. E ilustra: a OAS assumiu o passivo da Bancoop (que deu no tríplex de Guarujá) em troca de milhões de reais dos fundos; a Sete Brasil (símbolo do petrolão) levou uns R$ 3,5 bilhões dos fundos com apenas um mês de vida.
“Se isso não é tráfico de influência, é o quê?”, indaga Efraim, lembrando que, dos quatro principais fundos, três são presididos por petistas. Esse detalhe deixa de ser detalhe, especialmente se alguns fundos podem aplicar um bom porcentual sem autorização de um colegiado ou de instâncias superiores.
Tudo somado – crise econômica, má gestão, politização –, o resultado é que os fundos têm rombos gigantescos e, para o “equacionamento do déficit”, começaram a garfar parte da aposentadoria dos participantes. O Postalis abriu a temporada com 4%, a Funcef vem atrás em abril com 2,78%, o Petros fica para o segundo semestre e a Previ é só questão de tempo.
Como contraponto, o presidente da Funcef (CEF), Carlos Alberto Caser, diz que o maior vilão da situação dos fundos é “a conjuntura econômica”, ressalva que cada caso é um caso – ou cada fundo é um fundo – e reclama que há uma gritaria porque a Funcef deve cortar 2,78% dos benefícios nas vacas magras, mas já concedeu 11,28% em janeiro deste ano e aumentou 30% nas vacas gordas (2006 a 2011).
Funcionário de carreira da CEF, Caser é filiado ao PT desde 1990, mas reage à tese do aparelhamento petista: “Vá lá ver quem preside as estatais em São Paulo, em 20 anos de PSDB”. Ele também não gosta de traduzir “déficit” por “rombo”, acha que é “injustiçado” e, diante da crise ética do País, prega: “Não se pode pôr todo mundo no altar dos sacrifícios”.
O fato, porém, é que os fundos de pensão são mais um flanco dos já combalidos governos do PT e o relatório final da CPI deve lançar um poderoso slogan para a oposição. Segundo o deputado Efraim, os fundos de pensão escancaram “a face mais cruel dos escândalos petistas, que é roubar do aposentado”
Publicado no "Estadão" de 26.02.2016
Na última quinta-feira, 18 de fevereiro, exatamente um dia após a eleição do novo líder do PMDB na Câmara dos Deputados, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 91, cujo texto permite “ao detentor de qualquer mandato eletivo desligar- se do partido pelo qual foi eleito, nos 30 dias seguintes à sua promulgação, sem prejuízo do mandato”.
Esta janela partidária carimbada pelo oportunismo escancarou o quão insaciável um parlamento pode ser na sua volúpia por vantagens. Afinal, é necessário recordar que há um regramento em vigor disciplinando a matéria. Trata-se da Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015, que autoriza a mudança de partido efetuada durante o período de 30 dias antecedentes ao prazo de filiação exigido para concorrer à eleição, desde que isto ocorra no término do mandato que esteja em curso.
Insatisfeitos com esta norma que haviam deliberado anteriormente, os congressistas decidiram aprovar outra mais generosa, uma espécie de salvo-conduto geral. O motivo é simples. De acordo com aquela primeira, em 2016 somente os vereadores poderiam trocar de partido preservando seus mandatos. Agora, com amparo na EC nº 91/16, todos os mandatários podem fazê-lo até meados de março sem estar “no término do mandato em curso”. Isto realmente não era necessário. Desbordou do razoável.
Legislando duas vezes o mesmo assunto no espaço de seis meses, o parlamento nocauteou o bom senso e mandou a disciplina partidária para a lona. Flertou com a licenciosidade. Na prática, o fisiologismo embutido na EC nº 91/16 se desdobra em vários efeitos, todos prejudiciais ao já cambaleante sistema representativo brasileiro. Vejamos alguns deles.
Piorou a imagem da política. Banalizou a exceção contida na Lei nº 13.165/15. Baralhou alianças eleitorais, parlamentares e governamentais. Estimulou o toma lá dá cá nas cadeiras parlamentares. Vitaminou artificialmente um formato partidário falido. Assegurou aos trânsfugas trocar novamente de partido daqui a dois anos. Em resumo: o Congresso Nacional desidratou a democracia ao abrir uma janela de vidros trincados.
*Advogado e consultor
(Publicado originalmente no Alerta Total – www.alertatotal.net)Tovarich Stalin, Garotão, em 1902
A corrupção é uma história não contada do terror stalinista do pós-guerra, mas essa história consta do livro Stalin, a Corte do Czar Vermelho, onde constam os dados que compõem este texto.
Os magnatas – como eram denominados os homens do círculo de Stalin – e marechais saquearam a Europa com muito mais justificativa depois do que os alemães haviam feito com a Rússia. Essa verdadeira elite imperial deixou de lado sua antiga "modéstia bolchevique". Embora aos visitantes do exterior sempre fosse dito que o kamarada Stalin "não suporta a imoralidade", ele ria dos luxos de seus generais com suas cortesãs, porém seus arquivos transbordavam de denúncias de corrupção que ele deixava de lado "para mais tarde".
Jukov – marechal Gueorgi Konstantinovic Jukov – que chegou a ser imaginado por Stalin como seu possível sucessor, logo após a derrota da Alemanha em 1945, montou em sua datcha, em Moscou, uma espécie de museu de ouro e pinturas. Os marechais se beneficiaram da etiqueta feudal de pilhar pela qual os oficiais roubavam seu butim e depois pagavam uma espécie de tributo a seus superiores. Alguns, todavia, não precisavam dessa ajuda: o marechal do ar Golovánov, um dos favoritos de Stalin, desmontou a casa de campo de Paul Josef Goebbels (ministro da Propaganda da Alemanha hitlerista) e levou-a de avião para Moscou, uma façanha que iria arruinar sua carreira.
Os soldados chegavam em primeiro lugar aos tesouros, mas eram os membros do NKVD ((Narodny Komissariat Vnutrennikh Del), que ficavam com a melhor fatia. Em Gagra, Laurenti Beria (chefe do NKVD) perseguia e impressionava atletas femininas numa frota de lanchas pilhadas. Abakúmov (Victor Abakúmov, chefe do Departamento Especial do NKVD) que andava por Moscou em carros esportivos italianos, saqueou a Alemanha com uma extravagância digna de Goring (Hermann Wilhelm Göring, general alemão, comandante da Luftwaffe), mandava aviões a Berlim para trazer grandes quantidades de roupas íntimas, montando um tesouro de antiguidades como se fosse uma loja de departamentos. Trouxe de avião da Alemanha a estrela do cinema alemão e mulher misteriosa internacional Olga Tchekhova, para ter um caso com ela. Quando a atriz Tatiana Okuniévskaia – já estuprada por Beria – o recusou, ganhou sete anos nos Gulags.
O staff de Stalin estava atolado na corrupção. Vlassik (general; chefe da Segurança do Kremlin) mantinha suas cortesãs em casas de repouso oficiais, com uma tripulação de pintores vulgares, chekistas (como eram denominados os membros da NKVD) sanguinários e burocratas sibaritas. Limousines faziam a entrega de concubinas, que ganhavam apartamentos, caviar, entradas para as paradas na Praça Vermelha e jogos de futebol. Vlassik seduzia as esposas de seus amigos mostrando-lhes fotografias de Stalin e mapas de Potsdam. Chegou mesmo a roubar das casas de Stalin, saqueando a vila de Potsdam, subtraindo peças de porcelana, três touros e dois cavalos, levados para sua casa em trens e aviões do MGB (Serviço Federal de Proteção). Ele passou boa parte da conferência de Potsdam bebendo, fornicando ou roubando.
Havia também um imenso desperdício de comida nasdatchas de Stalin. Vlassik logo foi denunciado por vender as sobras de caviar, provavelmente por Beria, a quem ele, por sua vez, denunciara. Recorde-se que Vlassik e Beria, mais tarde, foram presos, condenados e mortos.
As amantes de Vlassik, tal como os alcoviteiros de Beria, deram informações sobre eles a Abakúmov (outro que posteriormente foi preso, condenado e morto), o qual, por sua vez, foi denunciado por seu rival no MGB, o general Serov (Ivan Serov, um dos principais dirigentes da polícia política de Stalin na Polônia), que escreveu a Stalin sobre a corrupção e a libertinagem de Abakúmov. Stalin guardou as cartas para uso posterior. Comentava-se que o próprio Serov teria roubado a coroa do rei da Bélgica. Cortesãs, alcoviteiros e generais do MGB informavam a Stalin uns sobre os outros, num carrossel de favores sexuais e traições.
Os potentados de Stalin passaram a viver em escritórios forrados por tapetes persas e grandes pinturas a óleo. Suas casas eram palácios: o chefão de Moscou ocupava agora todo o palácio do /grão-duque Serguei Alexandrovitch. O próprio Stalin fomentou essa nova era imperial quando, depois de Yalta, encantou-se com os palácios Livadia, de Nicolau II, e Alupka, do príncipe Vorontsov. "Ponha esses palácios em ordem", escreveu a Beria em 27 de feverereiro de 1945. Ele gostou tanto do palácio de Alexandre III em Sosnovka, na Criméia, que mandou construir uma datcha lá. A partir de então, os magnatas e seus filhos reservaram esses palácios por meio do 9º Departamento do MGB. Stepan Mikoian, piloto da Força Aérea. Filho de Sergo Mikoian, um proeminente membro do Politburo, passou a lua de mel no palácio Vorontsov. Stalin passou férias no Livadia. As famílias iam de avião para o Sul numa ala especial da linha aérea estatal.
Os filhos gozavam de privilégios, mas tinham que dar o exemplo e seguir os ditames do partido. Quando Jdanov (Andrei Alexandrovitch Jdanov, político soviético e organizador do Kominform em 1947. Um de seus filhos casou-se com uma das filhas de Stalin. Morreu em 1948 aparentemente de causas naturais) denunciou o jazz, Nikita Kruschev quebrou os adorados discos de jazz de seu filho.
Svetlana Stalin, filha de Stalin, notou como as datchasdas famílias Mikoian, Molotov (Vyacheslav Mikhailovich Molotov, político soviético) e Vorochilov (Kliment Vorochilov, militar e dirigente político soviético) estavam cheias de "presentes dos trabalhadores", tapetes, armas de ouro caucasiano, porcelanas. Os magnatas viajavam em limousines ZIS blindadas, baseadas no Packard americano, por ordem de Stalin, seguidos por uma cauda de chekistas com as sirenes abertas. Os moscovitas chamavam esse desfile de "casamento de cachorro".
Um destacamento inteiro, comandado por um general era designado para cada líder. Havia tantos deles que cada membro do Politburo podia formar um time de volei, com os Beria jogando contra os Kaganovitch (Lazare Moïsseïevitch Kaganovitch, dirigente político). Na linguagem do MGB, o magnata era chamado de "sujeito", suas casas de "objeto" e os guardas de "acessórios do sujeito". As crianças costumavam rir quando escutavam dizer que "o sujeito está a caminho do objeto". Malenkov (Gueórgui Maximiliánovitch Malenkov, político, membro do Politburo, expulso do partido em 1961) ia da rua Granovski para o Kremlin cercado por uma falange de "acessórios".
As senhoras dos membros do Politburo tinham seu designer de alta costura controlado por um departamento do MGB. Desenhavam os ternos dos homens e os vestidos das mulheres. Donjat Ignatovitsh Abram, um alfaiate judeu criava uniformes, inclusive o do generalíssimo Stalin. Era o Dior do Politburo e Nina Adjubei, baixa, redonda, muito forte e nariz chato, era sua Chanel. Viam-se por toda a parte pilhas de Harper's Bazaar e Vogue. Ela copiava dessas revistas, de Dior, ou fazia criações próprias. Polina Molotov (mulher deVyacheslav Mikhailovich Molotov) nem sempre pagava e essa prática foi denunciada a Stalin, que passou uma reprimenda ao Politburo.
Stalin mantinha o controle sobre todos esses privilégios, continuando a escolher os carros para cada líder. De tal forma que Jdánov ganhou um Packard blindado, um Packard normal e um ZIS 110, Beria, um Packard blindado, um ZIS e um Mercedes, enquanto outros ficavam com Cadillac e Buick. Stalin concedeu à viúva de Alexander Scherbakov, um dos magnatas do Kremlin, que morreu vítima de alcoolismo, uma pensão de 2 mil rublos por mês, mil rublos a seus filhos até a formatura, 700 rublos para sua mãe e 300 para sua irmã. A viúva recebeu também uma quantia bruta de 200 mil rublos e sua mãe 50 mil, uma prodigalidade impensável para o trabalhador médio.
Foi essa a nova ordem imperial na corte do kamarada Stalin, o Czar Vermelho, após o final da II Guerra Mundial, uma época que, segundo diria Nikita Kruschev após ser entronizado como Secretário-Geral do PCUS, "deixou a todos com sangue até os cotovelos".
(Publicado originalmente em O Globo)
O documento enviado pelo Juiz Sérgio Moro no dia 6 ao Tribunal Superior Eleitoral confirmando o uso de dinheiro desviado da Petrobras em doações ao Partido dos Trabalhadores como se fossem de origem legal tem importância política não apenas por que Moro ressalta que o TSE foi usado para lavar o dinheiro da corrupção na estatal, mas sobretudo por que o fez atendendo a ofícios enviados pelo ministro João Otávio de Noronha, corregedor-geral da Justiça Eleitoral.
Disse o Juiz Moro:” (...) a lavagem gerou impacto no processo político democrático, contaminando¬-o com recursos criminosos, o que reputo especialmente reprovável. Talvez seja essa, mais do que o enriquecimento ilícito dos agentes públicos, o elemento mais reprovável do esquema criminoso da Petrobrás, a contaminação da esfera política pela influência do crime, com prejuízos ao processo político democrático”.
Não foi, portanto, uma iniciativa de Moro, que poderia ser taxada como uma perseguição ao PT, mas parte de investigação do TSE, uma das quatro abertas a pedido do PSDB. Tudo indica que todas as demais serão rejeitadas, pois se baseiam em denúncias ou difíceis de provar ou que dependem da visão pessoal do juiz que analisará o caso.
O Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, por exemplo, já avisou, em um documento sobre uma Ação Judicial de Investigação Eleitoral, que não via gravidade na denúncia de compra de votos a ponto de invalidar uma vitória eleitoral ocorrida em um universo tão amplo de eleitores.
Mas na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo por abuso de poder econômico a situação é mais grave pois, como salienta o juiz Sérgio Moro, já existe decisão da Justiça no sentido de condenar o então tesoureiro do PT João Vaccari Neto. "Destaco que na sentença prolatada na ação penal 5012331-04.2015.404.7000 reputou-se comprovado o direcionamento de propinas acertadas no esquema criminoso da Petrobras para doações eleitorais registradas."
Tal ação penal condenou Vaccari e mais 27 pessoas por diversos crimes, entre os quais a lavagem de dinheiro através do TSE. A Força-tarefa do Ministério Público Federal identificou o uso de doações oficiais para disfarçar o recebimento propina em pagamento lícito mas que, na verdade, tratava-se de lavagem de dinheiro. A pedido de Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, foram feitas 24 doações ao Partido dos Trabalhadores (PT) entre outubro de 2008 e abril de 2010, totalizando R$ 4,26 milhões.
Na sentença, o juiz Moro relaciona, entre outros, os seguintes dados que o levaram a condenar Vaccari por lavagem de dinheiro com as doações ao PT: “a) a prova material da realização das doações eleitorais pelas empresas PEM Engenharia, Projetec Projetos, Setec Tecnologia e SOG Óleo e Gás ao Partido dos Trabalhadores, da qual o acusado João Vaccari Neto era tesoureiro; b) a confissão de Augusto Mendonça, controlador das empresas doadoras, de que as doações eleitorais foram feitas por solicitação de Renato de Souza Duque e que faziam parte do acordo de pagamentos de propinas pelo contrato obtido pelo Consórcio Interpar com a Petrobrás, sendo abatidas da dívida; c) (...) a declaração de Augusto Mendonça de que tratou o assunto das doações com o próprio João Vaccari Neto; d) a vinculação circunstancial entre parte dos pagamentos da Petrobrás ao Consórcio Interpar e as doações eleitorais; f) a confissão de Pedro Barusco do recebimento de propinas pela Diretoria de Engenharia e Serviços da Petrobrás por contratos da empreiteiras com a estatal, inclusive pelo contrato do Consórcio Interpar, e a declaração de que parte da propina era dirigida ao Partido dos Trabalhadores, com a intermediação de João Vaccari Neto, que se fazia presente em reuniões entre Pedro Barusco e Renato de Souza Duque para tratar deste assunto específico; g) (...) a declaração de Eduardo Hermelino Leite de que foi procurado por João Vaccari Neto para realizar doações eleitorais como forma de pagamento acertado de propina em contratos da Camargo Correa com a Petrobrás; h) as declarações de Paulo Roberto Costa e de Alberto Youssef de que parte das propinas decorrentes dos contratos da Petrobrás eram dirigidas a partidos políticos e que João Vaccari Neto intermediava os repasses ao Partido dos Trabalhadores; e i) a declaração de Alberto Youssef de pagamento de propina em contrato específico da Petrobrás para o Partido dos Trabalhadores, com intermediação de João Vaccari Neto e sua cunhada, Marice Correa Lima.