• Genaro Faria
  • 04 Março 2016

Quando um ministro da Justiça é trocado por um afilhado do ministro da Casa Civil e por pressão política de um ex-presidente, ambos investigados por supostos crimes de improbidade pela Polícia Federal, órgão subordinado ao Ministério da Justiça, não há como não vislumbrar nessa manobra um golpe capaz de infirmar o último esteio sobre o qual se funda uma democracia.

Tenho lido, aqui e ali, censuras de jornalistas sérios que, no entanto, parecem ignorar os fundamentos do Direito Administrativo, e por isso mesmo consideram essa questão de um modo epidérmico, superficial, divorciado das consequências que ela implica para a sobrevivência do Estado de Direito, numa palavra, a Democracia.

A um servidor, agente público, seja ele nomeado por força da qualificação em concurso público ou por comissão - caso em que o critério para a sua nomeação não se sujeita a nenhuma regra objetiva - não cabe o direito discricionário. Um servidor público não essa liberdade de escolher sequer a oportunidade que lhe parecer mais propícia para fazer o que a lei lhe determina.

Este é o caso de um delegado da Polícia Federal, por exemplo, que é nomeado pelo Ministro da Justiça, mas não é subordinado a ele senão que cumpra suas funções conforme a norma objetiva e nos limites de sua competência legal.

Este é o traço distintivo entre um policial e um jagunço.
Se um policial tiver que obedecer às ordens de quem o nomeia e, não, à lei, então estará instalada a insegurança de um regime no qual o governante é o Estado, portanto, a lei. L’État c’est moi, como proclamou o rei francês Louis XIV.

Ora, não é este o Estado, mutatis mutandis, ou seja, com os apetrechos da coroa e cetro substituídos por um quepe militar e a batuta de um ditador que os “democratas populares” se empenham para estabelecer aqui?

É claro que sim. E nada poderá demovê-los de buscar, devotamente, esse reino aqui na terra. Um reino onde todos serão dignamente miseráveis, porque ignaros e alienados, e os eleitos, os ungidos pela fé inquebrantável na utopia socialista os governarão dos templos jacobinos da deusa da Razão.

Parece uma fábula? Não duvide. É uma fábula mesmo. Um país no qual o maior líder político não tem a menor cerimônia de dizer que tem preguiça de ler até jornal, muda o figurino para ficar parecido com a elite econômica que ele diz detestar e fez, premido por contingências insuperáveis, uma sucessora que, apesar de ter nascido e estudado aqui, nunca aprendeu alíngua que lhe seria nativa, se não for uma fábula será o quê? Um filme de ficção científica?
 

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  • Fernanda Barth
  • 03 Março 2016

(Publicado originalmente no site fernandabarth.com.br)

Recebi, uns dias atrás, a mensagem do colega do grupo Pensar +, Ricardo Bergamini, dando conta de mais um absurdo que tentam emplacar no Congresso, que parece a própria Ilha da Fantasia, onde medidas absurdas são propostas e tomadas, sem avaliar as consequências econômicas, baseadas unicamente no pensamento mágico de que o dinheiro público nunca se esgotará.

Enquanto a sociedade está preocupada com a crise econômica e política que assola o país, o senador Romero Jucá (PMDB de Roraima), com a anuência e aprovação do senador Randolfe (Amapá), da recém formada REDE, tentam emplacar uma PEC que emprega, de uma só vez, 10 mil novos funcionários públicos federais – SEM CONCURSO – e pagos com o nosso dinheiro. Meu colega Bergamini a apelidou de “PEC Rexona”, pois “sempre cabe mais 10 mil funcionários quando o dinheiro é público”. O projeto (PEC 03/2016) deve ser votado na Comissão de Constituição e Justiça esta semana.

Já temos uma quantidade absurda de servidores no Congresso Nacional, para atender 81 senadores e 513 deputados federais. Bergamini lembrou que, conforme relatório de outubro de 2016 do Ministério do Planejamento, hoje temos 35.256 servidores públicos (24.896 Ativos e 10.360 inativos). Os 24.896 servidores ativos não caberiam no estádio Mané Garrincha em Brasília.

PROJETO NÃO PREVÊ IMPACTO FINANCEIRO
Estes 10 mil novos servidores eram antigos Cargos de Comissão (de livre nomeação pelos políticos), trabalhadores em cooperativas contratadas pela administração pública e até quem tem apenas um recibo ou comprovante de depósito para comprovar o vínculo de serviço prestado. A maioria contratados para serviços diversos pelos próprios senadores, em seus estados de origem, Roraima e Amapá. Não há, em ambos as redações, qualquer menção ao impacto financeiro extra que a proposição acarretará. Segundo estimativa do Ministério do Planejamento, que é contra a PEC, o custo adicional aos cofres públicos pode variar entre R$ 80 milhões e R$ 100 milhões ao mês. Isto poderia chegar a R$ 1,2 bilhões por ano.

“FAZENDO JUSTIÇA” CONTRA A LEI
Nos termos em que tramita no Senado, a proposta contraria um dos pilares da Constituição de 1988: o concurso público como forma prioritária de ingresso no serviço público e a única que permite ao servidor adquirir estabilidade.

Nos anos finais do regime militar (1964-1985), quando a ditadura resolveu dar autonomia política ao território de Rondônia, os trabalhadores que prestaram serviços ao território foram incorporados pela União, mesmo sem ter realizado concurso público. Mas na época, tal possibilidade não era vedada pela Constituição – a restrição foi imposta a partir de 1988, com a promulgação do texto constitucional em vigor.

Para Randolfe, é preciso agora “fazer justiça” e garantir o vínculo funcional dos servidores dos ex-territórios, pois a relação trabalhista teria sido estabelecida antes da vigência da atual Constituição. Para Jucá também e uma questão de “justiça” e reconhecimento pelo trabalho dos que “contribuíram […] principalmente, para que Roraima e o Amapá se erguessem como unidade da Federação”. Segundo o peemedebista, o grupo foi importante inclusive para a implantação do “poder público local”. Deve estar falando dele mesmo e do IMPÉRIO que construiu no Estado. Se estes servidores não foram incorporados na época do governo Fernando Henrique Cardoso, agora precisam ser apenas por concurso público. Abrir uma exceção à regra, apenas para fazer “justiça” é na verdade politicagem.

GARANTINDO VOTOS ETERNOS
Roraima e Amapá, somados, respondem por menos 0,5% do PIB nacional – os estados não possuem indústrias e nem são grandes produtores de alimentos ou matérias primas, portanto, totalmente dependentes dos recursos da União. De acordo com dados referentes a 2014 e reunidos nos portais da Transparência da União e do Governo do Estado, Roraima, por exemplo, tem cerca de 85 mil servidores federais, estaduais e municipais, para uma população de apenas 505 mil habitantes – média de um servidor para cada seis pessoas. Estive em Roraima em 2014 e 2015 e pude atestar que o funcionalismo público é o maior setor da economia, depois vem o Bolsa Família. Isto favorece o coronelismo político vigente nestes estados, onde todos que querem trabalhar e viver, devem favores a algum político poderoso.

Os respectivos senadores estão nomeando suas bases eleitorais, garantindo-lhes renda e voto eterno. Enquanto em São Paulo um senador se elege com 11 milhões de votos, em Roraima e no Amapá bastam em torno de 100 mil votos. Em ano de eleições municipais e grave crise financeira, estes 10 mil soldados políticos, cheios de gratidão, serão poderosos cabos eleitorais para eleger os prefeitos e vereadores apoiados pelos senadores Jucá e Randolfe. Esperamos que a CCJ do Senado não aprove este Projeto.
 

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  • Jayme Eduardo Machado
  • 03 Março 2016

(Publicado originalmente em Zero Hora)

Ainda que não ambicione reverter a injustiça de nosso sistema de Justiça penal, o projeto “10 Medidas Anticorrupção” propõe abrir uma janela da qual possamos todos enxergar um horizonte mais justo. É isso. Quase 4 milhões de brasileiros, número equivalente ao dos que viabilizaram a iniciativa popular que resultou na Lei da Ficha Limpa, não podem estar enganados. E muito menos se deixar enganar pelos que, ao invés de colaborar no aprimoramento do sistema, preferem “espiolhar” inconstitucionalidades sem oferecer uma só sugestão para melhorá-lo.

Nesse vale-tudo para desmoralizá-lo, o contorcionismo do saber jurídico acadêmico pode ir a extremos como teorizar sobre hipóteses absurdas, algumas nem sequer identificadas, erros não demonstrados e inverdades que os proponentes das “10 Medidas” sequer imaginam. Como, por exemplo, acerca do direito pleno ao “habeas corpus”, que elas obviamente asseguram, mas nos limites do seu exercício para a garantia fundamental do investigado, não para iluminar o “sendeiro” dilatório que conduz à impunidade pela trilha da prescrição. Ou em torno do agravamento da pena que o projeto adota, não para além da aplicada ao homicídio, como sugerem as críticas, mas para ensejar o aumento do prazo prescricional.

Faltaria espaço para contrapor, uma a uma, objeções algumas plenas de engenho, mas, de regra, inúteis. Que às vezes resvalam, ou na vulgaridade do desrespeito institucional, ou na estagnação mental dos que usam antolhos para conservar sua visão de conve- niência ao abrigo das soluções encontradas por sistemas judiciários de democracias mais aptas ao combate à corrupção e menos sujeitas aos riscos da impunidade. Que aqui predomina há mais de 500 anos, desde a origem portuguesa de nosso corrompido patronato político.

Com os olhos do interesse público, veremos que a única garantia do nosso sistema judiciário que o projeto viola é a do próprio arcabouço da impunidade em que se baseia. Críticos, para serem úteis, façam como os 4 milhões de brasileiros e terão recuperado mais de 500 anos.

*Jornalista, ex-subprocurador-geral da República
 

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  • Fernando Schüler
  • 02 Março 2016

(Publicado originalmente na revista Época)

As aulas voltaram, por essas semanas, e decidi tirar a limpo uma velha questão: há ou não doutrinação ideológica em nossos livros didáticos? Pra responder à pergunta, fui direto na fonte: analisei alguns dos livros de história e sociologia mais adotados no país. Pesquisei nas editoras, encontrei uma livraria que dispunha de todos os exemplares e pus mãos à obra. Já li muita coisa na vida, mas não foram fáceis as horas que passei tentando entender o que se dizia em todos aqueles livros. No fim, acho que entendi.

O resultado é o seguinte: dos dez livros que analisei, 100% tem um claro viés ideológico. Não encontrei, infelizmente, nenhum livro “pluralista” ou particularmente cuidadoso ao tratar de temas de natureza política ou econômica. Talvez livros assim existam, e gostaria muito de conhecê-los. Falo apenas dos que me chegaram às mãos. Tudo livro “manco”. E sempre para o mesmo lado.

Com um adendo: vale o mesmo para escolas públicas e privadas. Imagino não serem poucos os sujeitos que jantam à noite, com os amigos, e reclamam do viés “anticapitalista” da sociedade brasileira. Sem desconfiar que anticapitalista mesmo é o discurso que seu filho adolescente vai engolir na manhã seguinte, sem chance de reação, no colégio.

O viés politico surge no recorte dos fatos, na seleção das imagens, nas indicações de leitura, na recomendação de filmes e links culturais. A coisa toda opera à moda Star Wars: o lado negro da força é a “globalização neoliberal” e coisas afins; o lado bom é a “resistência” do Fórum Social Mundial, de Porto Alegre, e dos “movimentos sociais”, MST à frente. Tudo parece rudimentar demais para ser verdade. Mas está lá, nos livros em que nossos adolescentes estudarão.

No Brasil contemporâneo, chega a ser engraçado. FHC é Darth Wader; Lula é Luke Skywalker. Pra ser sincero, a saga de George Lucas me parece bem mais sofisticada do que o roteiro seguido pelos nossos livros didáticos. Em particular, quando tratam de nossa história recente.
No livro Estudos de História, da Editora FTD, por exemplo, nossos alunos adolescentes aprenderão o seguinte sobre o governo de Fernando Henrique: era neoliberal (apesar de “tentar negar”) e seguiu a cartilha de Collor de Melo; os “resultados dessas políticas foram desastrosos”. Na sua época, havia “denúncias de escândalos, subornos, favorecimentos e corrupção” por todos os lados, mas “pouca coisa se investigou”.

Nossos alunos saberão que “as privatizações produziram desemprego”, e que o país assistia, naqueles tempos, ao aumento da violência urbana e da concentração de renda e à “diminuição dos investimentos”. E que, de quebra, o MST pressionava pela reforma agrária, “sem sucesso”.

Na página seguinte, vem a luz. Ilustrado com o decalco vermelho da campanha “Lula Rede Brasil Popular”, o texto ensina que, em 2002, “pela primeira vez” na história brasileira, alguém que “não era da elite” é eleito presidente. E que, graças à “política social do governo Lula”, 20 milhões de pessoas saíram da miséria. Isso tudo faz a economia crescer e, como resultado: “telefones celulares, eletrodomésticos sofisticados e computadores passaram a fazer parte do cotidiano de milhões de pessoas, que antes estavam à margem desse perfil de consumo”.

Lendo isto, me perguntei se João Santana, o marqueteiro do PT, por ora preso em Curitiba, escreveria coisa melhor, caso decidisse publicar um livro didático. E fui em frente.

Na leitura seguinte, do livro História Geral e do Brasil, da Editora Spicione, o quadro era o mesmo. O PSDB é um partido “supostamente ético e ideológico” e os anos de Fernando Henrique são o cão da peste. Foram tempos de desemprego crescente, de “compromissos com as finanças internacionais”, em que “o crime organizado expandiu-se em torno do tráfico de drogas, convertendo-se em verdadeiro poder paralelo nas favelas”. E mesmo “dentro das prisões”, transformadas em “centros de gerenciamento do tráfico e do crime organizado”, acrescentam os autores.

Com o Governo Lula, tudo muda, ainda que com alguns senões. Numa curiosa aula de economia, os autores tentam explicar por que a “expansão econômica” foi “limitada”, naqueles anos: a adoção de uma “politica amigável aos interesses estrangeiros, simbolizada pela liberdade ao capital especulativo”; pela “manutenção, até 2005, dos acordos com o FMI” e dos “pagamentos da dívida externa”.
O livro termina apresentando a tensão entre o Brasil “pessimista”, dos anos FH, com os anos “otimistas” do lulismo, e conclui com um prognóstico: “as boas notícias nos últimos anos indicavam que talvez os anos do pessimismo a toda prova já tenham passado e, nesse caso, pode ser o momento do não negativo como um novo paradigma para o Brasil”.

O livro História conecte, da Editora Saraiva, segue o mesmo roteiro. O governo FHC é “neoliberal”. Privatizou “a maioria das empresas estatais” e os U$ 30 bilhões arrecadados “não foram investidos em saúde e educação, mas em lucros aos investidores e especuladores, com altas taxas de juros”. A frase mais curiosa vem no final: em seu segundo mandato, FH não fez “nenhuma reforma”, nem tomou “nenhuma medida importante”. Imaginei o presidente deitado em uma rede, no quarto andar do Palácio do Planalto, enquanto o país aprovava a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), o fator previdenciário (1999) ou o bolsa escola (2001).

FHC manteve o país “alinhado” e “basicamente dependente dos EUA”, enquanto Lula aumentou as relações diplomáticas e comerciais com a “União Europeia e vários países africanos, asiáticos e sul-americanos”. FH havia beneficiado os especuladores; Lula beneficiou os “trabalhadores” e as “camadas mais pobres”. De quebra, “apoiou as indústrias de exportação” e “incentivou muitas empresas a se internacionalizarem”. Lendo isso, tive ganas de sair pelas ruas, com uma bandeira vermelha. Mas me contive.

O padrão “João Santana” se repete no livro História para o ensino médio, da Atual Editora. É curioso o tratamento dado ao caso do “mensalão”. Alguma menção ao julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal? Não. Nossos alunos saberão apenas que houve “denúncias de corrupção” contra o governo Lula, incluindo-se um caso conhecido como mensalão, “amplamente explorado pela imprensa liberal de oposição ao petismo”.

No livro da Atual Editora, é interessante perceber o tratamento dado à América Latina. A tensão política surge, como de regra, a partir da clivagem “contra ou a favor do neoliberalismo”. Nossos alunos serão instruídos sobre a resistência oferecida “à globalização capitalista neoliberal” pelo Fórum Social Mundial, de Porto Alegre, e poderão saborear, sob o rótulo de “fonte histórica”, um trecho do “manifesto de Porto Alegre”.

Sobre o Mercosul, nossos alunos aprenderão que o Paraguai foi excluído do bloco em 2012, em função do “golpe de Estado” que tirou do poder o presidente Fernando Lugo. Saberão que, com a eleição de Hugo Chávez, a Venezuela torna-se o “centro de contestação à política de globalização capitalista liderada pelos Estados Unidos”. Que “a classe média e as elites conservadoras” não aceitaram as transformações produzidas pelo chavismo, mas que, mesmo assim, o comandante “conseguiu se consolidar”. Sobre a situação econômica da Venezuela, alguma informação? Alguma opinião crítica para dar uma equilibrada no jogo e permitir que os alunos formem uma opinião? Nada, por óbvio.

Interessante é o tratamento dado às ditaduras na América Latina. Para os casos da Argentina, Uruguai e Chile, um capítulo (merecido) mostrando, no detalhe, os horrores do autoritarismo e seus heróis: extratos de As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano; as mães da Praça de Maio, na Argentina; o músico Victor Jara, executado pelo regime de Pinochet, e uma sequência de indicações de filmes sobre a “resistência” e a luta pelos direitos humanos, no continente. Tudo perfeito.

Quando, porém, se trata de Cuba, a algumas páginas de distância, a conversa é inteiramente diferente. A única ditadura que aparece é a de Fulgêncio Batista. Em vez de filmes como Antes do anoitecer, sobre a repressão cubana ao escritor e homossexual Reynaldo Arenas, nossos estudantes são orientados a assistir Diários de motocicleta, Che, e Personal Che.

Não deixa de ser engraçado. Quando fala da Argentina, o livro sugere uma “Visita ao patrimônio” no “Parque da Memória”, uma (justa) homenagem às vitimas do terrorismo de Estado, em Buenos Aires. Quando trata de Cuba, a “visita ao patrimônio” sugerida pelos nossos isentos autores é ao “Museu da Revolução”, com especial recomendação para observar o “pequeno iate” em que Fidel e Che aportaram para a gloriosa revolução. E, imperdível: uma salinha, o rincón de los cretinos, feita para ridicularizar tipos como Batista, Reagan e Bush.

As restrições do castrismo à “liberdade de pensamento” surgem como “contradições” da revolução. Alguma palavra sobre os balseros cubanos? São milhares, neste mais de meio século. Alguma fotografia, sugestão de filme ou “link cultural”? Alguma coisa sobre o paredón cubano? Há fotos muito boas sobre estes temas, mas nenhuma aparece em livro nenhum.

Alguma coisa sobre Oswaldo Payá, Orlando Zapata, Yoani Sánchez e a luta pelos direitos humanos na Ilha? Alguma coisa sobre as “Damas de Blanco”? Zero. Nossos estudantes não saberão nada sobre isto. Não terão essa informação para que possam produzir seu próprio juízo. É precisamente isso que se chama ideologização.

A doutrinação torna-se ainda mais aguda quando passamos dos livros de história para os manuais de sociologia. Em plena era das sociedades de rede, da revolução maker, da explosão dos coworkingse da economia colaborativa, nossos jovens aprendem uma rudimentar visão binária de mundo, feita de capitalistas malvados x heróis da “resistência”. Em vez de encarar de frente o século XXI e suas incríveis perspectivas, são conduzidos de volta a Manchester do século XIX.

Não acho que superar esse problema seja uma tarefa trivial. A leitura desses livros me fez perceber que há um “mercado” de produtores em série de livros didáticos muito bem estabelecido no país, agindo sob a inércia de nossas editoras e a passividade de pais, professores, diretores de escolas e autoridades de educação. Pessoas comprometidas com uma visão política de mundo e dispostas a subordinar o ensino das ciências humanas a essa visão. Sob o argumento malandro de que “tudo é ideologia”, elas prejudicam o desenvolvimento do espírito crítico de nossos alunos. E com isso fazem muito mal à educação brasileira.

*Doutor em Filosofia (UFRGS) e Professor do Insper. É titular da Cátedra Insper Palavra Aberta e curador do Projeto Fronteiras do Pensamento.
 

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  • Sergio Kaminski
  • 01 Março 2016

(Publicado originalmente no Jornal do Comércio)

O estado voltado para si próprio, despreparado para bem administrar o País, corporativo, preguiçoso, corrupto e distante da sociedade... Estado aqui entenda-se os poderes públicos em todas suas instancias, dos municípios até Brasília. Estado, segundo o Dicionário Houaiss (século XIII) é designado com simplicidade como "conjunto das instituições que controlam e administram uma nação".

A deterioração da situação fiscal brasileira e dos "nossos" políticos é gritante e, desde muito, é o fator que arrasta a nação para os porões da mal cheirosa moralidade pública... Um estado patrimonialista incapaz de observar seus limites e cumprir seus deveres para com a sociedade que sustenta sua preguiça e descompromisso com sua finalidade. O Brasil quer e precisa avançar. Mas, o estado é o maior obstáculo a ser vencido. Minado por corporações fétidas protegidas por uma legislação benevolente para com os "servidores públicos"... 

Um estado autoritário e patrimonialista, demagogo e de aparência democrática, onde as contas públicas se deterioram cada vez com maior velocidade. Um estado onde ninguém é responsável por erros e roubos... Mas todos se inserem nos louros de conquistas. É preciso um estado competente, que custe o mínimo necessário e invista com parcimônia, propiciando uma vida digna para a população. 

Nossos partidos e seus líderes pouco contribuem para que ocorram mudanças. Definem seus grupos e tratam primeiro de cuidar de si e de sua turma. Como já afirmara Frédéric Bastiat, economista francês falecido em 1850, "O estado é a grande ficção em que todos esperam viver às custas de alguém mais". O universo dos que produzem e geram riquezas cada vez mais é exaurido por aquele que abriga as ervas daninhas que sugam a seiva de uma árvore frondosa chamada Brasil. E nós, brasileiros, que com nosso trabalho e suor geramos emprego, renda, riquezas e impostos? O que será de nós?

* Empresário
 

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  • Fernando Gabeira
  • 29 Favereiro 2016

(Publicado originalmente em O Globo)

"A liberdade é vermelha", escreve num post de Paris Mônica Moura, mulher do marqueteiro João Santana. É uma alusão a uma trilogia de filmes inspirados nas cores da bandeira francesa. O primeiro deles se chamou "A liberdade é azul". É compreensível que Mônica Moura tenha escolhido o vermelho entre as cores da bandeira. E que tenha escolhido a liberdade do lema da Revolução Francesa, que também conta com fraternidade e igualdade.

João Santana e Mônica ficaram milionários levantando a bandeira vermelha, no Brasil, na Venezuela, com as campanhas agressivas do PT e do chavismo. Com os bolsos entupidos de dólares, a liberdade é vermelha, pois à custa da manipulação dos eleitores latino-americanos, João Santana e Mônica Moura podem viajar pelo mundo com um padrão de vida milionário.

Mas chega o momento em que a cadeia é vermelha, e Mônica Moura não percebeu essa inversão. Nas celas da Polícia Federal e do presídio em Curitiba, o vermelho predomina. José Dirceu, Vaccari, o PT é vermelho. Marcelo Odebrecht, a Odebrecht é vermelha, basta olhar seus cartazes.

Uma vez entrei na Papuda e filmei uma cela vermelha com o número 13. Os condenados do mensalão estavam a ocupar o presídio. A divulgação da imagem foi um Deus nos acuda, insultos: as pessoas não têm muita paciência para símbolos. Mônica Moura fala esta linguagem. Se tivesse visto o take de seis segundos da cela vermelha, ela iria buscar outra cor para a liberdade.

A situação de Dilma e a do chavismo convergem para um mesmo ponto: tanto lá quanto aqui a aspiração majoritária é derrubá-los do poder. João Santana, num país onde se valoriza a esperteza, foi considerado um gênio. Gênio da propaganda enganosa, dos melodramas, dos ataques sórdidos contra adversários. O único critério usado é a eficácia eleitoral avaliada em milhões de dólares, certamente com taxa extra para os postes, Dilma e Haddad.

Sua obra continental se espelha também no resultado dos governos que ajudou a eleger: Dilma e Maduro são rejeitados pela maioria em seus países. O que aconteceu na semana passada é simplesmente o fim do caminho. Com abundantes documentos, cooperação dos Estados Unidos e da Suíça, não há espaço para truque de marqueteiros.

O dinheiro de Santana não veio de fora. Saiu do Brasil. Saiu de uma empresa que tinha negócios com a Petrobras, foi mandado para o exterior por seu lobista Zwi Skornicki. E saiu também pela Odebrecht.

A Lava Jato demonstrou que a campanha de Dilma foi feita com dinheiro roubado da Petrobras. E agora? Não é uma tese política, mas um fato, com transações documentadas.

Na semana passada ouvi os panelaços por causa do programa do PT. O programa foi ao ar um dia depois da prisão de João Santana. Mas o tom era o mesmo, uma mistificação para levantar os ânimos. E um pedido de Lula: parem de falar da crise que as coisas melhoram.

Em que mundo eles estão? Em 2003, já afirmei numa entrevista que o PT estava morto como proposta renovadora. Um pouco adiante, com o mensalão, escrevi "Flores para los muertos", mostrando como uma experiência que se dizia histórica terminou na porta da delegacia.

Na semana passada, escrevi "O processo de morrer". Não tenho mais saída exceto apelar para "O livro tibetano dos mortos", que dá conselhos aos que já não estão entre nós. O conselho é seguir em frente, não se apegar, não ficar rondando o mundo que deixaram.

Experimentei aquele panelaço como uma cerimônia de exorcismo: as pessoas saíam às janelas e varandas para espantar fantasmas que ainda estavam rondando as casas. Poc, poc, poc. Na noite escura, o silêncio, um grito ao longe: fora PT. E o PT na tela convidando para entrar nas fantasias paradisíacas tipo João Santana, já trancafiado numa cela da PF em Curitiba.

Simplesmente não dá para continuar mais neste pesadelo de um país em crise, epidemia de zika, desemprego, desastres ambientais, é preciso desatar o nó, encontrar um governo provisório que nos leve a 2018.

De todas as frentes da crise, a que mais depende da vontade das pessoas é a política. Se o Congresso apoiado por um movimento popular não resolver, o TSE acabará resolvendo. Com isso que está aí o Brasil chegará a 2018 como um caco, não só pela exaustão material, mas também por não ter punido um governo que se elegeu com dinheiro do assalto à Petrobras.

É hora de o país pegar o impulso da Lava Jato: carro limpo, governo derrubado, de novo na estrada. É uma estrada dura, contenções, recuperação da credibilidade, quebradeira nos estados e cidades. É pau, é pedra, é o fim do caminho.

A semana, com a prisão do marqueteiro do PT e os dados sobre as transações financeiras, trouxe mais claramente o sentido de urgência. E a esperança de sair desta maré.

 

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