• Jayme Eduardo Machado
  • 09/08/2016
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ABUSAR É A LEI


As gavetas do Congresso Nacional escondem um arsenal de guardados que só aparecem quando as facilidades dos parlamentares são ameaçadas pelo controle dos outros. Quando isso acontece, privilégio vira prerrogativa e controle se transforma em abuso.

Pois bastou que mais de 2 milhões de brasileiros sugerissem projeto com “10 Medidas Anticorrupção”, para que se lhes atravessassem outro com um novo rol de “abusos de autoridade” em substituição à legislação de l965. E cujo destaque - dentre inúmeras “mordaças” distribuídas pelo texto do PL 280/2016 - está no art. 30, que pune a persecução penal, civil ou administrativa “ sem justa causa fundamentada”. Dirão - mas pode haver investigação sem justa causa ?- E se responde – mas quem poderá fazer esse juízo se não o investigador? Mas como o legislador pretende deixar o tipo aberto e indefinido, a intenção de inibir agentes fica por demais evidente. Aqui a possibilidade do cometimento de “crime de hermenêutica”(?), uma novidade, funciona como armadilha a exigir prudência.

Parece claro que o maior legado da Lava-Jato seja uma legislação capaz de transformar o impacto social das suas ações que reprimem a corrupção no limite possível da aplicação de um sistema penal caracterizado pela impunidade, numa força capaz de motivar um conjunto de normas mais aptas à prevenção e à punição da criminalidade que apropria o Estado. Induzindo condutas que prestigiem a ética na política e garantam a consolidação da democracia. Mas é razoável pensar que ela só traçará um círculo virtuoso se assegurar, para o futuro, a progressiva deslegitimação do sistema político-partidário corrupto, e a maior legitimação da iniciativa popular na configuração de um arcabouço legislativo penal e processual penal mais eficaz.

De outra parte, não há negar a necessidade de modernizar a lei que pune abusos de autoridades que apostam na impunidade para exercer o arbítrio, eis que a atual já vai para 51 anos. Mas a sua tramitação em regime de urgência, no momento histórico em que os agentes estatais que ela pretende inibir compõem a seleta minoria que brasileiro ainda não vaia, entra na contramão da conscientização que adquirimos, da necessidade de reformar o Estado a que chegamos. Nele, por temor ao controle, legisladores ainda cometem leis para criminalizar nos outros os abusos a que se acostumou.