• Olavo de Carvalho
  • 25 Abril 2016


(Publicado originalmente no Diário do Comércio, em 8 de junho de 2012)

No artigo anterior, mencionei alguns termos da “língua de pau” que domina hoje o debate público no Brasil, inclusive e sobretudo entre intelectuais que teriam como obrigação primeira analisar a linguagem usual, libertando-a do poder hipnótico dos chavões e restaurando o trânsito normal entre língua, percepção e realidade.

Mas estou longe de pensar que os chavões são inúteis. Para o demagogo e charlatão, eles servem para despertar na platéia, por força do mero automatismo semântico decorrente do uso repetitivo, as emoções e reações desejadas. Para o estudioso, são a pedra-de-toque para distinguir entre o discurso da demagogia e o discurso do conhecimento. Sem essa distinção, qualquer análise científica da sociedade e da política seria impossível.

A linguagem dos chavões caracteriza-se por três traços inconfundíveis:
1) Aposta no efeito emocional imediato das palavras, contornando o exame dos objetos e experiências correspondentes.

2) Procura dar a impressão de que as palavras são um traslado direto da realidade, escamoteando a história de como seus significados presentes se formaram pelo uso repetido, expressão de preferências e escolhas humanas. Confundindo propositadamente palavras e coisas, o agente político dissimula sua própria ação e induz a platéia a crer que decide livremente com base numa visão direta da realidade.

3) Confere a autoridade de verdades absolutas a afirmações que, na melhor das hipóteses, têm uma validade relativa.

Um exemplo é o uso que os nazistas faziam do termo “raça”. É um conceito complexo e ambíguo, onde se misturam elementos de anatomia, de antropologia física, de genética, de etnologia, de geografia humana, de política e até de religião. A eficácia do termo na propaganda dependia precisamente de que esses elementos permanecessem mesclados e indistintos, formando uma síntese confusa capaz de evocar um sentimento de identidade grupal. Eis por que a Gestapo mandou apreender o livro de Eric Voegelin, História da Idéia de Raça (1933), um estudo científico sem qualquer apelo político: para funcionar como símbolo motivador da união nacional, o termo tinha de aparecer como a tradução imediata de uma realidade visível, não como aquilo que realmente era – o produto histórico de uma longa acumulação de pressupostos altamente questionáveis.

Do mesmo modo, o termo “fascismo”, que cientificamente compreendido se aplica com bastante propriedade a muitos governos esquerdistas do Terceiro Mundo (v. A. James Gregor,The Ideology of Fascism, 1969, e Interpretations of Fascism, 1997), é usado pela esquerda como rótulo infamante para denegrir idéias tão estranhas ao fascismo como a liberdade de mercado, o anti-abortismo ou o ódio popular ao Mensalão. Certa vez, num debate, ouvi um ilustre professor da USP exclamar “Liberalismo é fascismo!” Gentilmente pedi que a criatura citasse um exemplo – unzinho só – de governo fascista que não praticasse um rígido controle estatal da economia. Não veio nenhum, é claro. A palavra “fascismo”, na boca do distinto, não era o signo de uma idéia ou coisa: era uma palavra-gatilho, fabricada para despertar reações automáticas.

Deveria ser evidente à primeira vista que os termos usados no debate político e cultural raramente denotam coisas, objetos do mundo exterior, mas sim um amálgama de conjeturas, expectativas e preferências humanas; que, portanto, nenhum deles tem qualquer significado além do feixe de contradições e dificuldades que encerra, através das quais, e só através das quais, chegam a designar algo do mundo real. Você pode saber o que é um gato simplesmente olhando para um gato, mas “democracia”, “liberdade”, “direitos humanos”, “igualdade”, “reacionário”, “preconceito”, “discriminação”, “extremismo” etc. são entidades que só existem na confrontação dialética de idéias, valores e atitudes. Quem quer que use essas palavras dando a impressão de que refletem realidades imediatas, improblemáticas, reconhecíveis à primeira vista, é um demagogo e charlatão. Aquele que assim escreve ou fala não quer despertar em você a consciência de como as coisas se passam, mas apenas uma reação emocional favorável à pessoa dele, ao partido dele, aos interesses dele. É um traficante de entorpecentes posando de intelectual e professor.

A freqüência com que as palavras-gatilho são usadas no debate nacional como símbolos de premissas autoprobantes, valores inquestionáveis e critérios infalíveis do certo e do errado já mostra que o mero conceito da atividade intelectual responsável desapareceu do horizonte mental das nossas “classes falantes”, sendo substituído por sua caricatura publicitária e demagógica.

Como chegamos a esse estado de coisas? Investigá-lo é trabalhoso, mas não substancialmente complicado. É só rastrear o processo da “ocupação de espaços” na mídia, no ensino e nas instituições de cultura, que foi, pelo uso obsessivamente repetitivo de chavões, uniformizando a linguagem dos debates públicos e imantando de valores positivos ou negativos, atraentes ou repulsivos, um certo repertório de palavras que então passaram a ser utilizadas como gatilhos de reações automatizadas, uniformes, completamente predizíveis.

Se você é treinado para ter sempre as mesmas reações diante das mesmas palavras, acaba enxergando somente o que é capaz de dizer, e dificilmente consegue pensar diferente do que os donos do vocabulário o mandaram pensar. Esse foi um dos principais mecanismos pelos quais a festiva “democratização” do Brasil acabou extinguindo, na prática, a possibilidade de qualquer debate substantivo sobre o que quer que seja.
 

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  • Juan Koffler
  • 25 Abril 2016


Até que ponto a deseducação humana tem avançado sobre o todo social, destruindo-lhe seus fundamentos existenciais?

Uma pergunta que não quer calar: à medida em que as tecnologias (em sentido lato) avançam e rompem barreiras inimagináveis, antes pensadas como intransponíveis, a educação se tecnologiza em níveis incríveis e globalizados; a informação torna-se massiva, invadindo todos os rincões das classes sociais; a comunicação expande seus tentáculos e assume velocidade incrível, superando o lapso espaço-tempo; o ser humano passa a ser um frio conjunto de bits e bites; que avanços efetivos e claros houve para a inter-relação social?

Uma mirada superficial já parece ser suficiente para arriscar uma resposta: os conflitos intersubjetivos cresceram exponencialmente; a desagregação familiar foi potencializada; a alienação parental alcançou patamares nunca antes vistos; o ser humano, em suma, perdeu seu Norte, incentivado pela gana insana de querer sempre mais, não importando o custo desse seu desvairado sonho.

Nos contornos da política brasileira, ficaram cada vez mais claros os sintomas que caracterizam uma luta de classes sem quartel. Em apenas treze anos, o Brasil tornou-se um verdadeiro campo de batalha sem quartel, sem normas, sem ordem, sem progresso. Os conflitos bélicos em outros cantos do planeta, cresceram em seus tons ameaçadores. As "guerras santas" pós-modernas, ao som do extremismo islâmico, colocaram em cheque todo o globo. Os discursos politiqueiros inflamaram-se, embora nada de enriquecedor e de pacificador tenham carreado à conturbada sociedade nacional e mundial.

A educação é a base da sociedade
Como compreender o recrudescimento virulento do animus vivendi nacional e mundial, se aquelas tecnologias da informação e da comunicação (TIC), supracitadas, avançaram a passos gigantescos? Simples. Se em tempos de outrora as instituições de educação (lato sensu) já eram escassas, hoje, com sua multiplicação desordenada, geraram um universo educativo difuso e puramente mercantilista no qual o importante passou a ser arrecadar cada vez mais, com o mínimo de esforço empreendedor.

Tergiversaram-se entendimentos (como o da dicotomia clássica feminino x masculino), oficializando-se a opção pelo sexo ao bel-prazer do indivíduo. Algo como "assuma o sexo que lhe pareça melhor ou mais interessante" e, o que é ainda pior, já desde tenra idade. Um ilegítimo crime contra a natureza humana, o qual, quando aplicado a seres ainda em formação (crianças impúberes), podem (e provavelmente irão) confundir o frágil entendimento desses indivíduos.

Em relação à educação familiar, o distanciamento trazido pela pós-modernidade às relações parentais praticamente deixou o ser em formação à deriva, sem qualquer bússola comportamental. Fundou-se, assim, a auto-educação, sem castigos, sem limites, sem orientação, sem responsabilidade. Para tanto, colaborou ativamente a desagregação do núcleo familiar básico, agora transmutado em brilhantes telas de TV, de jogos eletrônicos, de artefatos portáteis de inter-comunicação.

A educação (informal-familiar e formal), em suma, foi despejada sobre a responsabilidade do próprio indivíduo, cru e nu ainda, para que se auto-moldasse ao sabor da sorte (ou do azar). E é este indivíduo que ingressará a uma universidade e à sociedade como mais um profissional, suportado por uma formação nada condizente com os níveis de competitividade crescentes; que poderá ser o professor do futuro; que assumirá um cargo político e os destinos de uma nação. Um estranho e bizarro paradoxo social.

Sem educação é uma característica semelhante à de um edifício cuja estrutura de concreto foi mal calculada, frágil e pouco ou nada duradoura. Assim é também o ser humano pós-moderno.

 

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  • Luiz Carlos Da Cunha
  • 24 Abril 2016


“Percamos o Império, mas salvemos o livro único, Shakespeare”. Carlyle

Há quatrocentos anos morria o maior dramaturgo da língua inglesa. Singularmente no mesmo dia em que nasceu em Stratford-on-Avon. Ainda jovem ligou-se a grupos teatrais, populares na época em que não havia cinema o teatro era presença indefectível em todo lugarejo. Principiou sua carreira de escritor criando peças cômicas. Quando descobriu as tragédias gregas de Sófocles, Eurípedes traduzidas ao latim, seu interesse literário derivou para o épico e histórico. A partir desta descoberta sua imaginação e criatividade dramática disparam num suceder de peças imortais que abordam todos os sentimentos humanos; esmiúçam o ódio, o amor, a calúnia, o ciúme, o cinismo, a angustia, a ambição, o poder, a honra. Todas estas idiossincrasias já perfilavam o teatro dramático grego. Shakespeare não plagiou, ele inspirou-se naquelas tragédias adaptando-as a língua falada inglesa, quando o latim predominava como idioma vernáculo; Thomas Bacon, homem de ciência escrevia em latim o idioma universal sob o primado da Igreja Católica e erudito da aristocracia européia, com ênfase na realeza britânica, cujos personagens históricos permeados por outros ficcionais de textura psicológica foram imortalizados pelo seu gênio, consagraram-se encarnações do ódio e do amor extremados ao paroxismo da loucura humana se derramam nas peças rei Lear, MacBeth, Ricardo III, Henrique VIII. No teatro burilou a língua inglesa onde as palavras soam na musicalidade apropriada ao momento e a precisão da idéia. Shakespeare navega no Renascimento literário tal como Dante firma o idioma italiano padrão literário, Cervantes nas figuras de Don Quijote e Sancho Pança espelham a “alma da civilização ocidental”, no dizer de Santiago Dantas, alicerça o classicismo da língua espanhola. São três artífices do idioma nacional, divisores do antes e depois de cada um na evolução da literatura de suas nações. Camões o equivalente em nossa língua infelizmente foi se esvanecendo como um luminar distante restrito a Portugal. Não se sustentou na altitude consagradora e perene dos seus iguais europeus, como merece. Entre os brasileiros permanece tão desconhecido de nossos estudantes universitários como os hieróglifos de Tutancâmon. Certamente o conhecimento do latim proporcionou a Shakespeare as traduções gregas dos clássicos dramaturgos Sófocles, Eurípedes e Aristófanes ensinaram-lhe a técnica teatral de hipnotizar o espectador ao ver representadas nas cenas fictícias suas próprias inquietações psicológicas, os paradoxos emocionais da espécie humana que permanecem insolúveis pro tempore. Em Romeu e Julieta ou O mouro de Veneza Shakespeare se inserem na atmosfera social da Itália e se apóiam em histórias venezianas vertidas ao inglês. Daí a reprodução perfeita do cenário social e urbano e familiar veneziano da época onde se desenrolam a tragédia e as comédias.

Os personagens shakespearianos conflitam no palco os sentimentos dramáticos da condição humana, expostos na rudeza e paroxismo das paixões. Hamlet – o príncipe da Dinamarca encarna a vingança. Othelo - o rei enlouquecido pelos ciúmes sutilmente instilado à sorrelfa pelo êmulo vira homicida da mulher amada. Brutus – o político padrão e espelho da moral republicana - mata o imperador Cesar que anelava ser rei. Romeu e Julieta – os amantes apaixonados que se desenlaçam no suicídio para vencer suas famílias rancorosas e inconciliáveis. A morte igualmente sentida pelos inimigos é o preço do arrependimento.

O bardo escreveu, estima-se, mais de cem peças teatrais. Setenta chegaram impressas até ao conhecimento documental do presente.

Carl Sagan, o cosmólogo, lamentava tenham se perdido outras maravilhas no tempo. A propósito da referência ao cientista, devo apontar com admiração e gáudio a recorrência de personalidades científicas anglo - saxônicas aos pensamentos de Shakespeare. Recordo de Stephen Hawking, Richard Dawkings, James Watson (Nobel de medicina de 1954) ou Bertrand Russel abrindo suas teses com epígrafes do bardo inglês. Citarei algumas: As horas silenciosas se aproximam (Ricardo III); Não se coloque entre o ladrão e sua presa (Rei Lear); Quando os três nos encontraremos de novo? (MacBeth); O que foi que viste no sombrio passado no abismo do tempo? Ser ou não ser? Eis a questão; Há mais mistérios entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia; Há algo de podre no reino da Dinamarca (Hamlet) Glorias vãs deste mundo, pompas fúteis. Tenho-vos ódio. (Henrique VIII); Posso viver numa casca de noz e me sentir o rei do universo. (Epígrafe de Breve historia do tempo, de Hawking).

Explica-se a familiaridade dos cientistas ingleses pela obra shakespeariana pela presença da literatura nos currículos universitários. Trata-se de condição inarredável a todo acadêmico saído de Oxford falar e escrever com elegância e clareza a língua materna, exigência normal na formação científica. Não há conflito entre literatura e ciência. Escolho dentre tantas peças de sua lavra, no fito de homenageá-lo aos 400 anos de sua morte, a tragédia histórica Júlio Cesar. O tema político que nela é o cerne, guarda a perenidade dos dramas políticos de todos os tempos. Podemos encontrar aqui e ali nas falas dos personagens conflituosos a semelhança com os confrontos e contradições e desmazelos hodiernos. A verossimilhança não é proposital; as ilações derivam de cada juízo particular no viés tendencioso de cada qual. Conhecer Shakespeare e sua arte pode contribuir para entender a política coeva, aos estudiosos das relações humanas, um instrumento elucidativo das paixões humanas desatadas no jogo pelo poder. Emocionante captar o ritmo crescente da oratória subversiva em Júlio César- o imperador temido e respeitável - que a ambição desmedida e a volúpia em vestir a coroa real, desafiam os brios republicanos. Para a máxima audácia, a máxima pena: Lex romanorum.

Seu filho adotivo Brutus, requestado pelos optimates senatoriais, assume a liderança da revolta. O dramaturgo faz deste o personagem principal, o epicentro do drama, esculpido no conflito moral e psicológico imortalizado na figura moral do político republicano. A subordinação do interesse individual ao imperativo da lei legitimada pelo Estado, e o Estado legitimado pela lei, e limitado em seu poder na igualdade de direitos cívicos. César ameaçou o estado de direito quando ambicionou a realeza. A justiça não era um poder independente; ao senado cumpria resolver o conflito entre o executivo amparado na força das Legiões e a corporação legislativa. Porém, quem desafiar Cesar sem o respaldo das Legiões, dos generais e senadores, está fadado ao cutelo. Assim funcionava a justiça governamental do Império Romano. Para cortar a ambição de Cesar impunha-se antecede-lo na ação. Na execução do plano letal de justiciamento, Bruto lidera o cortejo funéreo com aparência de séquito de honra, seguindo Cesar no anfiteatro do Senado. De chofre o atacam. Em golpes sucessivos de espadas e punhais, um a um os confidentes sangram o desavisado imperador. O grande César, imperador do mundo demora seu último olhar na face do último agressor: Até tu Bruto? Na história da humanidade a luta pelo poder adulcora os crimes por justificativas morais. Abro aqui um parêntese enfático: Eça Queiroz pode surpreender os apaixonados pela Marselhesa quando escreveu sobre a Revolução Francesa; “Eram sanguinários, mas exerciam a crueldade sob a ilusão do bem universal”.

Ao final de Júlio César Bruto, o honrado Bruto dirige-se ao povo justificando o crime. Agiu em defesa da república. A multidão se solidariza com o honrado Bruto. Morra Cesar! Seguiu-lhe o discurso do amigo de Cesar, Marco Antônio. É o momento da oração apoteótica, o elogio de Cesar, o discurso emocionante do talento político capaz de torcer a crença popular adversa na direção oposta da crença popular. Inverte-a seu favor. É a arte da eloqüência. A mesma claque que há pouco aplaudia Bruto, se volta contra ele em fúria repentina.

Em 1954 na crise provocada pelo suicídio de Vargas, seu adversário Carlos Lacerda, escritor primoroso, traduziu a peça política de Shakespeare com a eloqüência oratória de que era exímio portador. Transcrevo frases pinçadas mais sugestivas.

Bruto - Se houver aqui um amigo de César perguntar por que Bruto se levantou contra ele, eis minha resposta: Não foi por amar menos César, mas por amar mais a Roma. Lágrimas para sua amizade, alegria para sua fortuna, honra para seu valor e morte por sua ambição.

Marco Antônio (trechos selecionados) – Vim para fazer o enterro de César, não para elogiá-lo. O mal sobrevive aos homens que o fazem, mas o bem fica enterrado com seus ossos. O nobre Bruto vos contou que César era ambicioso. Se ele foi, grave falta era a sua. Gravemente ele a espiou. Até ontem a palavra de César podia resistir o mundo inteiro. Hoje ei-lo aí, sem que ante seu cadáver se curve o mais humilde. Vede este manto? O furo deixado pela adaga de Cássio; Vede o furo deixado pela adaga de Cássio; contemplai o estrago feito pelo invejoso Cássio. Através deste furo apunhalou-o Bruto. Foi o golpe mais ingrato. De todos, foi o golpe mais ingrato, pois quando a Bruto viu o nobre César, a ingratidão mais forte que o braço dos traidores.

Este discurso inverteu num relance a crença popular. De solidariedade a Bruto virou a dvinização de Cesar. Assim redirecionando a história. Cesar morto vence Bruto.

x x x 

Sonetos
Impossível esquecer neste sumário sumaríssimo o significado dos sonetos na obra literária do poeta. Deixou uma centena lapidada em brilhantes versos. A motivação é teimosamente a senectude e a superação da velhice pela herança filial. Não há em qualquer deles apelo a Deus. O soneto é a expressão poética definida por dois quartetos e dois tercetos; nos primeiros apresentam-se parâmetros da idéia central; o último terceto revela o fecho de ouro. É o sublime. Todos os versos são rimados e obedecem a métrica definida. Obedecidas estas condições definidoras que desafiam o talento dos grandes poetas. Shakespeare consagrou nos sonetos a mais excelsa melodia da palavra. Escolhi dois traduzidos pelo escritor e poeta brasileiro Ivo Barroso. Certo estou de que não pode haver melhor homenagem aos quatrocentos anos da morte de Shakespeare, vinda do Brasil e da língua portuguesa que esta versão portuguesa de seus sonetos:

1 - Dos seres ímpares ansiamos a prole / Para que a flor do belo não se extinga, / E se a rosa madura o tempo colhe / Fresco botão sua memória vinga. / Mas tu, que só com os olhos teus centrais / Nutres o ardor com as próprias energias / Causando fome onde a abundância jaz / Cruel rival, que o próprio ser crucias. / Tu, que és do mundo hoje o galardão / Arauto da festiva Natureza / Matas teu prazer inda em botão / E sovina, esperdiças na avareza / Piedade, senão ide, tu e o fundo / Do chão, comer o que é devido ao mundo.

2 – Quando o assédio dos quarenta invernos / Se cavarem as linhas de teu rosto / Da juventude os teus galões supernos / Pobres andrajos se tiverem posto /Se então te perguntarem pelo fausto / De teus dias de glória e de beleza / Dizer que tudo jaz no olhar exausto, / Opróbrio fora, encômio sem grandeza. /

Mais mérito terias nessa usança / Se pudesses dizer: “Meu filho há de / Saldar-me a dívida, exculpar-me a idade” / Provando que a beleza é tua herança. / Fora tornar em novo as coisas velhas / E ver o sangue quente enquanto engelhas.

X x x

PS. Eu não abandonei o trema; não obedeço a picaretagem de acadêmicos subsidiados. Quem pode acompanhar com os versos do original inglês, valorizará o talento do tradutor.
 

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  • Paulo Briguet
  • 23 Abril 2016

(Publicado originalmente em http://www.bonde.com.br - 21/04/2016)

De como o PT matou, esquartejou e enterrou as esperanças de um país inteiro

Se Tiradentes vivesse nos dias de hoje, seria chamado de sonegador, golpista e assassino. Sonegador porque lutou contra os impostos (que eram de 20% sobre o ouro produzido, e não 40% do PIB, como hoje). Golpista porque lutou contra um governo corrupto, impopular, ilegítimo e autoritário. Assassino porque era um militar (tanto que se tornaria patrono da PM). Os petistas não só apoiariam o desmantelamento da confraria de coxinhas da época, a Inconfidência Mineira, como também aplaudiriam, aos gritos de "Não vai ter golpe!" o enforcamento do Mártir da Independência. 

É irônico que Brasília que faça aniversário justamente em 21 de abril, Dia de Tiradentes. Pois hoje a capital federal, projetada como a cidade comunista perfeita por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, é o símbolo do isolamento do PT e da quadrilha governante em relação ao que 90% do País pensa e quer. Parte de Brasília — o Congresso Nacional — já se deu conta de que precisa ouvir o povo brasileiro se quiser sobreviver politicamente.

Mas a Rainha Vermelha e seus súditos, negando-se a abandonar a Nowa Huta do Planalto Central, ainda insistem em fazer ouvidos de mercador. O que temos é um país inteiro lutando contra um bizarro edifício de discursos delirantes, slogans redigidos por um marqueteiro que está na cadeia e medidas provisórias sem pé nem cabeça, muito menos constitucionalidade. Eis o Palácio da Mortadela — o hospício em que um bando de criminosos tenta subjugar uma nação.

Hoje os enforcados do PT somos nós, o povo brasileiro. Enforcaram as nossas esperanças, esquartejaram o nosso futuro e querem jogar aos lobos famintos o pouco que sobrou. É por isso que o PT precisa acabar. É por isso que o impeachment é só um começo, e um começo bem tímido. Em cada lar, em cada rua, em cada cidade, em cada hospital, em cada escola, em cada empresa, em cada canto do Brasil somos todos pequenos tiradentes que ouvem a voz de Cecília Meireles descrevendo os delírios de uma infeliz monarca diante de seus súditos:

Entre vassalos de joelhos,
lá vai a Rainha louca,
por uma cidade triste
que já viu morrer na forca
ai, um homem sem fortuna
que falara em Liberdade..

Batedores e lacaios,
camaristas, cavaleiros,
segue toda a comitiva,
nesses estranhos passeios
que oxalá fossem felizes
para Sua Majestade.

Colinas de esquecimento,
praias de ridentes águas,
palmas, flores, nada esconde
aquelas visões amargas
que noite e dia a Rainha
cercam de horror e ansiedade.

Ai, parentes, ai, ministros,
ai, perseguidos fidalgos...
Ai, pobres Inconfidentes,
duramente condenados
por que sombria sentença,
alheia à sua vontade!

"Vou para o Inferno!" - murmura.
"Já estou no Inferno!" "Não quero
que o Diabo me veja!" - clama.
(É sobre chamas do Inferno
que rola a dourada sege,
com grande celeridade...)

Do cetro já não se lembra,
nem de mantos nem coroas,
nem de serenins do Paço,
nem de enterros nem de bodas:
só tem medo do Demônio,
de seu fogo sem piedade.

Toda vestida de preto,
solto o grisalho cabelo,
escondida atrás do leque,
velhinha, a chorar de medo,
Dona Maria Primeira
passeia pela cidade.

(Romanceiro da Inconfidência, Romance LXXXII ou Dos passeios da Rainha louca.)
 

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  • Gilberto Simões Pires
  • 23 Abril 2016

(Publicado originalmente em pontocritico.com em 22/04/2016)

PUNIÇÃO

Os leitores do Ponto Critico, pelo menos estes, estão absolutamente conscientes do quanto me esforcei para explicar que crimes de responsabilidade fiscal, como consta na Constituição, são passíveis de punição. Ora, se isto está explícito na Carta Magna, quem pratica crimes deste tipo deve saber que corre um ÚNICO RISCO: O IMPEACHMENT.


PRISÃO
Na minha ótica, como a Constituição prevê apenas o -afastamento- do Chefe da Nação que cometeu o crime de responsabilidade, a lei mostra ser demasiadamente branda. No meu entender, dependendo do tamanho e da reincidência do crime, além de afastado do cargo, o culpado também deveria cumprir pena prisional.


PROCESSO DEMOCRÁTICO
Ora, qualquer criança sabe que tudo aquilo que está escrito na Constituição foi previamente discutido e aprovado pelos constituintes, de forma amplamente democrática. Isto significa, em qualquer idioma, que um processo de -Impeachment- só avança depois que a maioria dos representantes eleitos pelo povo se convence dos crimes cometidos. 


GOLPE
Por mais que o processo de -Impeachment- da presidente Dilma, por todos os obstáculos que já foram colocados pelo STF, esteja absolutamente claro e garantido pela Constituição, os petistas e assemelhados continuam firmes e fortes dizendo a todo momento que Dilma está sendo vítima de um Golpe.


INFINITA NEGAÇÃO
Isto nos leva a crer, de maneira definitiva, que qualquer intenção de convencimento de que o processo é pra lá de DEMOCRÁTICO é nula. Portanto, diante desta implacável e infinita negação quanto ao entendimento de que -pedalada fiscal- é crime de responsabilidade, resolvi que não adianta insistir.


DICIONÁRIO PETISTA-COMUNISTA
Está mais do que claro que no dicionário petista-comunista, redigido pelos intelectuais que integram e colaboram com os ditames do Foro de São Paulo, a palavra -Impeachment-, quando se trata de um petista ou assemelhado, é sinônimo de Golpe. Simples assim.


SIMPLES ASSIM
Em não havendo mais o que fazer, o que nos resta é continuar observando e atendendo exclusivamente o que diz e manda a Constituição. A rigor, no dicionário dos pensantes consta que Golpista é aquele quem não aceita o cumprimento da lei. Simples assim.

 

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  • Jayme Eduardo Machado
  • 22 Abril 2016


      Não, não se trata de defender Eduardo Cunha e suas vilezas, pois seria tão inútil como ouvir o governo Dilma justificar sua corrupção. Ademais, o presidente da Câmara já mostrou que sabe, como ninguém, se proteger, até porque, se não o fizer, ninguém fará por ele. E mesmo aqueles que o defendiam, desistiram, porque se percebe que é tão indefensável quanto o governo que fustiga.

       Escamotear vilanias, eis o pecado do seu talento.

Seu repertório prático começa por aparentar tendência anti-impeachment quando rejeita várias dezenas de pedidos com a mesma finalidade. Mas, antes, dos 39 que jogou fora, guardou a cereja. E a saboreou quando se tornou oportuno retaliar, mas não aceitou a inclusão de fatos que, embora imputáveis à presidente, não eram relativos ao mandato iniciado em 2015. Ao concordar com o que era útil ao governo atacado, na real estava também obstruindo o caminho para nulidade futura, o que certamente aconteceria sem a restrição do procedimento à atualidade dos fatos imputáveis. Confirmou-se quando, na sessão extraordinária do STF, a defesa da presidente se esforçou para anular a denúncia com o que dela Cunha já havia retirado. Eis a virtude do vilão na sua expressão mais técnica.

Mas o que a denúncia não pôde mostrar, porque se refere ao “antes de 2015”, Cunha sabe que a lei manda omitir, mas percebe ainda melhor que é o que ninguém esqueceu. Pois todos lembram dos maus antecedentes como razões pra lá de suficientes para escancarar a improbidade da presidente. De modo que tornou as “pedaladas” e os “decretos” que fundamentam o crime de responsabilidade, o foco que a obriga a se defender do “menos”, sem qualquer chance de se defender do “mais”. Que é tudo o que antecede 2015, está na cabeça de todos porque passo a passo é revelado pela Lava-Jato, e deságua no lastimável “estado a que chegamos”. Por coerência, valeu-se do mesmo argumento para rejeitar, no confronto com a comissão de ética da Câmara, tudo que não diga respeito ao foco, “mentir na CPI”. Eis a virtude do vilão na sua expressão mais astuta.

Por fim, quando na sessão de admissão do processo de impedimento, Cunha defrontou impassível dedos em riste apontando para a próxima bola da vez, lembrou o vilão audacioso de que nos fala Montaigne que “... mesmo no cadafalso, antes de ser enforcado, não perde a esperança de que alguém saia em sua defesa”-. E quem fez isso foram os do próprio governo Dilma com a acusação de que o impeachment não existiria sem ele. Na verdade os governistas enriqueceram seu rico acervo de incoerências, pois desnudaram a virtude do vilão na sua expressão mais eficaz.

* Ex-subprocurador-geral da República.



    

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