• Mylla Sampaio
  • 17 Outubro 2016

 

O Brasil atravessa tempos turbulentos no âmbito político-econômico.Por isso, a Livraria Resistência Cultural Editora presta um grandioso serviço à nação ao lançar a terceira edição da obra Uma breve teoria do poder, de autoria do ilustre jurista Ives Gandra da Silva Martins.

Ao longo de vários capítulos enriquecidos com extensas e importantes notas, o autor debruça-se sobre temas conexos ao controle, exercício e manutenção do poder. Inicia afirmando quea busca pelo poder é um instinto de sobrevivência e inerente à natureza humana, para visitar a teoria de Montesquieu sobre a tripartição dos poderes (a qual julga tão importante que dedica o apêndice da obra a considerações sobre o tema) e então fazer uma valorosa distinção entre duas personagens da vida pública, sendo a primeira escassa e a segunda, abundante:“o estadista quer servir aos outros; o político quer servir-se dos outros; o estadista sonha alto no interesse da nação; o político sonha colocar-se no alto, por prestígio pessoal e, não poucas vezes, por dinheiro; o estadista preocupa-se mais com o povo e a nação, do que com ele; o político, mais com ele, do que com o povo ou com a nação”. Constata também que a demagogia é intrínseca ao sistema político e nem mesmo os louváveis estadistas escaparam da tentação de manipular as massas.

O Brasil tem padecido nas mãos de seus administradores pela incompatibilidade – nem sempre necessária – entre o poder e o servir. Para o autor, na realidade pátria, a busca pelo poder é feita por apreço ao domínio e às benesses nada republicanas que o acompanham, distanciando-se da obrigação em prestar serviços públicosde qualidade para o povo. Aduz, ainda, que o servir é apenas efeito colateral dos projetos pessoais dos políticos que vilipendiam o patrimônio comum, pois seu fim não é o desenvolvimento da nação, mas sua perpetuação no poder, o que remete ao populismo sintomático que impera na América Latina (cujos líderes das nações que a compõem são citados tantas vezes como exemplos da desastrosa afeição ao domínio e não às pessoas).

O livro é atemporal, mas pode-se identificar com facilidadea realidade brasileira em diversos momentos, a exemplo do capítulo em que discorre sobre a pouca eficácia da lei como limitadora do poder: no Estado Democrático de Direito, as ações dos governantes estão limitadas pela lei, mas basta que consigam apoio da maioria parlamentar para alterarem os diplomas normativos que estão em dissonância com suas vontades. Não foi isso que aconteceu quando o Congresso Nacional modificou a lei para admitir a reeleição e permitir que Fernando Henrique Cardoso se elegesse por mais quatro anos? Não foi isso que fez o governo petista ao conseguir os votos suficientes dos parlamentares para mudar o cálculo do superávit primário em 2015?

Por fim, a concepção de que o imposto é uma norma de rejeição social, que o progresso advém dos indivíduos e não dos burocratas, que o governo apropria-se das riquezas e benfeitorias criadas e promovidas pelos cidadãos ecríticas ao inchaço do Estado brasileiro dão um toque liberal à obra do advogado, quemais uma vez presenteia seus leitores com escritos da mais alta qualidade. Um monumento literário das Ciências Políticas.
 

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  • Guilherme Fiuza
  • 16 Outubro 2016

 

(Publicado originalmente em O Globo 21/10/2016)


Com a impunidade de Cunha, você podia até defender Lula e Dilma numa boa, por mais que eles roubassem o Brasil


A prisão do companheiro Eduardo Cunha deixou aturdidos os heróis da resistência democrática. Como vão explicar isso em casa?

Cunha era o grande vilão do golpe, a mente perversa que arquitetou a destituição da mulher honesta para entregar o poder aos brancos, velhos, recatados e do lar. A impunidade do Darth Vader do PMDB era o lastro da lenda, a prova de que estava tudo armado para arrancar do governo os quadrilheiros do bem. Mas eis que Sérgio Moro, esse fascista que só persegue os bonzinhos, prende Cunha. E agora?

É grave a crise. Eduardo Cunha era a reserva moral do PT. E do PSOL, da Rede e seus genéricos. Com a impunidade dele, você podia até defender Lula e Dilma numa boa, por mais que eles roubassem o Brasil na sua cara: bastava dizer que era contra o Cunha — o fiador do golpe, o homem do sistema. Mas que sistema é esse que põe seu articulador no xadrez? Ficou confuso. Melhor tomar uma água de coco, que o sol está forte.

Os juros começaram a cair depois de quatro anos. A inflação de outubro é a menor em sete anos, e ano que vem o desemprego começa a baixar. Isso não é mágica, é governo. Temer faz parte da mobília antiga do PMDB, e não tem nenhuma bandeirinha simpática para acenar. Se aparecer em alguma negociata, adeus. Mas, ao assumir o Planalto, resolveu escalar os melhores para tomar conta do dinheiro. Banco Central, Tesouro, Fazenda, BNDES, Petrobras — todos sendo desinfetados pelos melhores cérebros, mundialmente reconhecidos.

Por que Michel Temer fez isso, e não simplesmente substituiu os parasitas esganados do PT pelos velhacos do PMDB? Não interessa, perguntem a ele.

A vida no Brasil vai melhorar, e isso é muito grave. O que será daquelas almas puras que gritam “fora Temer” e se tornam instantaneamente grandiosas? O que será dos corações valentes que ficam bem na foto denunciando a entrega do país ao bando do Cunha? Talvez só uma Bolsa Psicanálise para fazer frente a tanto sofrimento.

Na época do Plano Real foi igualzinho. Na privatização da telefonia, que libertou a população dos progressistas retrógrados de sempre, esses mesmos que gritam contra o golpe (ou seus ancestrais) estavam lá nas barricadas — apedrejando quem chegava para os leilões. Eram os heróis da resistência democrática contra a ganância capitalista. Aí a privatização se consumou, a vida de todo mundo melhorou, e os heróis foram combinar a próxima narrativa — pelo celular.

A eleição no Rio de Janeiro, terra de Eduardo Cunha, apresenta um fenômeno surpreendente. No primeiro turno, a cidade confirmou a sua vocação de oposição a si mesma. No segundo turno, Marcelo Crivella disparou. Como pode? Gente esclarecida, eleitores de candidatos respeitáveis como Fernando Gabeira e que jamais votariam num bispo da Igreja Universal, cogitando votar em Crivella?

Talvez a resposta seja simples: Marcelo Freixo é o candidato contra o golpe. O bom entendedor fez suas contas: o discurso que cultiva a mística de esquerda, à prova de vida real, é exatamente o que destruiu o país nos últimos 13 anos.

Freixo surgiu muito bem na vida pública. Fez um trabalho corajoso de denúncia das milícias, num tempo em que muitos as viam como justiceiras contra os traficantes. Se tornou personagem real de “Tropa de elite”, clássico extraído do trabalho excepcional de Luiz Eduardo Soares — acadêmico de esquerda que jamais sujeitou sua honestidade intelectual às místicas lucrativas. Já Freixo preferiu se tornar o personagem de si mesmo. Seria ótimo, se fosse de verdade.

Falar a verdade dá trabalho. O próprio Gabeira correu o risco do suicídio político algumas vezes, para não trair suas convicções. Primeiro a fazer a crítica da luta armada ainda em plena ditadura, apoiou a privatização da telefonia pelo governo FH — e na época era difícil ao eleitorado de esquerda ver aquilo como o melhor para a coletividade, e não uma traição neoliberal. Depois desembarcou da base de Lula no auge, ao enxergar a putrefação do governo pré-mensalão: “sonhei o sonho errado”.

As viúvas do governo que caiu de podre 13 anos depois disso ainda tentam ver em Dilma (se lembram dela?) uma vítima inocente da direita: preferem embelezar o pesadelo a parar de sonhar.

No Rio, o sonho errado ainda rende um bom mercado eleitoral. Na ânsia de cultivar essa mística revolucionária, Freixo estimulou protestos violentos (nega, mas estimulou) — logo ele, que denunciou as milícias sanguinárias. Apoiou sindicalistas que bloquearam o trânsito e engessaram a cidade. Para vender o seu peixe humanista, ele prende e arrebenta — como diria o general Figueiredo.

Infelizmente, ainda há quem escolha candidato pelo crachá de progressista ou conservador (no sentido de moderno ou retrógrado). Então vamos lá, sem crachá: quem põe em risco seus votos para defender o bem comum, como fez Gabeira, é progressista; quem põe em risco o bem comum para defender seus votos, como faz Freixo, é conservador.

E não adianta botar o Cunha no meio, porque agora ele está ocupado.

 

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  • Ipojuca Pontes
  • 16 Outubro 2016


Os comunistas foram fragorosamente derrotados no plebiscito costurado na Ilha Cárcere para livrar a cara das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), bando narcoterrorista que há mais de cinco décadas vem detonando a vida da Colômbia e da América Latina. Para quem ignora os fatos, as Farc atuavam (e atuam) como braço armado do Partido Comunista Colombiano. De início, eram apenas um projeto esboçado durante os motins de “el Bogotazo”, em 1948, mas tornado trágica realidade dezessete anos depois sob o comando de Manuel Marulanda Velez, o “Tirofijo”, índio astucioso que entrevistei no final dos anos 1960 para documentário produzido pela TV alemã sobre as guerrilhas virulentas que, já então, tomavam conta do noticiário internacional.

(Uma pergunta: “Tirofijo” por quê? Bem, para desencadear a guerra de guerrilha na Colômbia, Marulanda e asseclas se apropriaram de um vastíssimo corredor de terras que atravessa boa parte do norte do país. Sua tática consistia em ocupar o alto dos morros próximos às estradas (“carreteras”). De lá, ele próprio, com incrível precisão, atirava nos motoristas que se recusavam a pagar pedágio. Dos que procuravam fugir da “contribuição”, Tirofijo, para dar o “bom exemplo”, cortava a garganta do recalcitrante e puxava a língua pela glote, compondo, no cadáver, uma máscara de horror. Depois de fotografá-los, mandava imprimir e distribuir cartazes de suas vítimas mundo afora).
Foi exatamente assim que as Farc, hoje uma das mais ricas e poderosas organizações criminosas do mundo, se impôs na América Latina.

Muito bem, voltemos à vaca fria. Como sabem todos, inclusive os comunistas, o que o povo colombiano repudiou no plebiscito não foi o badalado acordo de paz, sempre bem-vindo, mas, sim, a nefasta armação castrochavista bolada para fazer das Farc um arremedo do PT dentro da Colômbia. (Não esquecer que um dos primeiros atos de Juan Manuel Santos – presidente tido e havido como traidor – foi receber Hugo Chávez no Palácio Narino propondo, por baixo do pano, a legalização política do exército terrorista e sua transformação em organização partidária).

De fato, inculpar o bando terrorista dos milhares de crimes (hediondos) cometidos ao longo de cinco décadas, e ainda por cima declarar seus integrantes como habilitados para disputas eleitorais e o livre exercício do poder político seria o mesmo que cuspir na cara (e na alma) do povo colombiano.

Como esperado, os colombianos não se deixaram lograr pelas manobras fraudulentas de Santos e corriola. De fato, como poderia a população da Colômbia esquecer décadas de violência, sequestros, torturas, assassinatos em massa, narcotráfico, contrabando de armas, ocupação de terras pela força, roubo de cargas, bombardeios, incêndios, pagamento de pedágios, assaltos, estupros e devastações sem fim? Impossível. Passar por cima de semelhantes monstruosidades seria, no mínimo, um ato de alta traição. Assim, não derrotar pelo voto a farsa tramada em Havana (logo onde, meu Deus!) sob a orquestração capciosa de embusteiros fanáticos como Fidel, Raul, “Timochenko” e a anuência criminosa de Juan Manuel Santos – e, pior, sem um único representante do lado oposto – seria o mesmo que baixar a cabeça diante do algoz e aceitar como legais a perfídia, o logro e a servidão.

Conforme previsível, a mídia esquerdista mostrou-se frustrada com a vitória indiscutível do “não”. Diante do fato, foi de um cinismo colossal. Seus analistas e “formadores de opinião”, sem considerar a dor dos colombianos, torceram e distorceram tudo ao sabor das próprias aspirações ideológicas. E, tal como no caso do referendo em que o Reino Unido votou contra sua permanência na falida União Europeia, e derrotou na bucha a burocracia socialista de Bruxelas, a mídia amestrada cegou para a realidade mais elementar e desconsiderou o fato de que o colombiano devota desde sempre um profundo horror às Farc e ao Partido Comunista.

Simples assim.

PS – Segundo a contabilidade da oposição, as Farc, que já financiaram com polpudos dólares do narcotráfico as campanhas presidenciais de Lula e Hugo Chávez, via o “embaixador” Olivério Medina, têm escondidos e não declarados, por baixo, só em Cuba, mais de US$ 250 bilhões.

Se quiserem, compram a Petrobras, avaliada hoje em US$ 120 bi. E em dinheiro vivo.

(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempo.
 

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  • Cardoso Filho
  • 16 Outubro 2016

 


 Com certeza, é hoje o homem mais admirado do Brasil. Milhões reverenciam o juiz federal Sergio Moro como herói, por sua atuação firme e decidida no combate à corrupção envolvendo políticos e grandes empresários brasileiros. Corrupçãoque, embora histórica, alcançou níveis estratosféricos nos treze anos de governos petistas.

 Em qualquer aparição pública, seja em mercado, aeroporto, loja, restaurante etc., ésaudado e aclamado efusivamente, tem de posar para “selfies” e conceder autógrafos, e ele reage sempre com modéstia, com sorriso de alguém pouco à vontade, como o tímido que é, e essa simplicidade e certo desconforto com os aplausos mais o elevam na admiração geral. O sucesso, bebida que a tantos embriaga, não lhe subiu à cabeça.

 Mas deve ser difícil ser Sérgio Moro. Nem falo da responsabilidade como juiz nas ações penais derivadas das investigações promovidas pela Operação Lava-Jato. Só ela já seria de tirar o fôlego. Complicado é viver sem descanso o personagem público em que se transformou – paladino do combate aos políticos e empresários safados e corruptos enredados na maior teia de desvios de dinheiro público até hoje descoberta por aqui. Como pode ser só ele mesmo, tendo de carregar o tempo todo a reluzente roupagem de herói?

 Moro personifica a sede de justiça de todo brasileiro honesto. Desde que Cabral bateu às costas do Brasil, fomos um povo injuriado, aviltado em nossa dignidade pelos crimes cometidos impunemente pelos poderosos. A cadeia, dizia-se, havia só para os negros e pobres, e os fatos cuidavam de confirmar a percepção popular, de tal modo que a infamante afirmaçãoimpregnou nossa cultura comonódoa irremovível. Éramos assim mesmo, um povinho, e continuaríamos para todo o sempre condenados a essa miséria moral, e o brasileiro meio que se conformou.Como lutar contra a natureza, contra um desígnio maldito, contra um atributo enterrado em nossa essência? E o brasileiro baixava a cabeça em resignação bovina, impotente diante da força poderosíssima do mal e da desgraça que o marcava como a um gado.

 Eis que surgiu a Operação Lava-Jato. De repente, acontecia algo que contrariava e desmentia nossa crença até então inabalável. Sim, os braços da Justiça podiam alcançar também os ricos e poderosos que viviam no mundo dos colarinhos brancos,até então protegidos pelas artimanhas processuais de caríssimas bancas de advogados.O milagre operava-se por meio da ação do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e do juiz federal Sérgio Moro, este com seus despachos e sentenças corretas e implacáveis, e o brasileiro identificou nele, juiz, a moralidade e justiça que iriam lancetar e erradicar o tumor maligno da corrupção política desenfreada.

 Foi deste modo que o herói sufocou o indivíduo. Moro tornou-se símbolo da possibilidade e esperança de o Brasil tornar-se um país digno, em que a competência e honestidade prevalecerão sobre o atraso e o crime. E, por isso, em cada gesto, cada postura, cada ação, cada palavra, sabe-se observado pelos milhões que o aplaudem e por uma minoria raivosa que, temente da pena severa do magistrado, espera por algum deslize para atacá-lo.E representar o herói o tempo todo deve cansar pra burro.

 Alguns homens perdem o trem da História. Aconteceu com Joaquim Barbosa. Surgiu como um bastião em defesa da justiça e da luta contra a corrupção dos políticos, atuou com brilhantismo no julgamento dos réus do escândalo do mensalão, mas, após, preferiu desembarcar. Retirar-se para a aposentadoria régia e tranquila. Lavou as mãos. Alguns alegam que o fez por problemas de saúde. Outros, por sofrer ameaças físicas. Seja o que for, pouco ou nada importa. Aos homens que são distinguidos com a dourada oportunidade de fazer a diferença para melhor na História de um povo não se admite a fuga, a renúncia. Os verdadeiros estadistas, os esplêndidos homens, os heróis de uma pátria são os que arrostam os perigos e riscos pessoais em nome da visão grandiosa e nobre de sua missão. Sem estes, não existe o grande país, não existe o grande povo.

Outubro de 2016.

 

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  • Darcy Francisco Carvalho dos Santos
  • 14 Outubro 2016

 

Afirmar que os beneficiados por leis vigentes em épocas passadas não podem propor sua alteração é um pensamento reducionista.

Tudo o que existe no mundo está em contínuo movimento. Nunca nos lavamos na mesma água, disse o velho filósofo Heráclito Efésio. Muitas ideias que foram libertárias no passado, no futuro não passarão de rotinas. A realidade social está num contínuo vir-a-ser.

Joaquim Nabuco, um dos maiores abolicionistas, foi educado por uma família escravocrata. Então, mesmo indiretamente, ele recebeu algum benefício da escravidão. Assim como Nabuco, há na História diversos exemplos nesse sentido.

Dizer que não podem propor reformas previdenciárias os governantes que em momento anterior foram beneficiados por regras que hoje querem mudar equivale a dizer que muitos abolicionistas do passado deveriam ter defendido a continuidade da escravatura, porque ela os beneficiou.

Na época em que foram criadas muitas das leis previdenciárias ainda vigentes, a inatividade era considerada uma extensão do serviço público e, como tal, não necessitava contribuição e nem preocupação com a idade mínima para aposentadoria. Além disso, a expectativa de vida era bem menor. Num primeiro momento, o número de contribuintes era muito maior do que o de beneficiários, e a bomba-relógio que estava sendo montada passou despercebida.

Agora, a realidade é outra. A situação inverteu-se. Os déficits previdenciários são altos e crescentes, tanto na previdência pública, como no INSS. Precisamos fazer reformas e quem vai fazê-las se a geração presente, que desfruta dos benefícios e até de privilégios obtidos pela legislação passada não pode fazê-las?

Teremos que buscar pessoas em outros países, naturalizá-las e elegê-las parlamentares para que elas façam as reformas? Impossível.

Não interessa quem está propondo as reformas, o que interessa é se elas são necessárias e qual o seu conteúdo. O resto é crença de quem, desconhece as consequências que advirão de não fazê-las, como o risco do não pagamento dos atuais aposentados, que, geralmente, são contra as reformas mesmo sem ser atingidos por elas.

 

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  • Prof. Paulo Moura
  • 14 Outubro 2016

 

O assalto à Petrobrás é o maior escândalo de corrupção da história. Graça Foster, pressionada a avaliar o prejuízo da empresa para fechamento do balanço apontou, à época, a cifra de R$ 88,6 bilhões de prejuízo. E foi demitida. Em seguida a Petrobrás publicou balanço estimando o prejuízo em R$ 6 bilhões. Algum tempo depois a Polícia Federal revelou a estimativa de R$ 20 bilhões, ainda assim, uma diferença considerável em relação ao valor apontado por Foster.

O que está por trás dessa diferença? Fórmulas de cálculo? Informações imprecisas? Ignorância?

De fato, o montante do prejuízo somente poderá ser calculado após o encerramento das investigações, inclusive nos setores governamentais que recém começam a ser alcançados pelas investigações (Eletrobrás, BNDES, Saúde).

Os fatos desnudados pela Lava Jato sugerem que por trás de todas (ou de quase todas) as decisões sobre investimentos públicos nacionais e internacionais dos governos Lula e Dilma (obras públicas, obras internacionais financiadas pelo BNDES, investimentos de fundos de pensão das estatais, perdão de dívidas internacionais de ditaduras “amigas”, financiamento público para empresários “amigos”, desonerações tributárias e edição de MPs, havia assalto aos cofres públicos. Tudo isso, desde 2003.

Qual o peso da corrupção na construção da crise em curso, a mais grave da nossa história?

O cálculo do prejuízo precisa considerar, em primeiro lugar, a avaliação dos custos do impacto desse escândalo sobre a captação (ou impossibilidade de) de financiamentos internacionais pelo governo e empreendedores privados. Empresas brasileiras perderam valor de mercado e viram encarecer ou ser negado seu acesso ao crédito. Os investimentos em infraestrutura no país, em curso e futuros estão ameaçados, assim como estão sob suspeita as obras das Olimpíadas de 2016, tocadas por empreiteiras envolvidas na Lava Jato. Os prejuízos, nesse caso, atingem também a imagem internacional do Brasil.

Agregue-se à conta o cálculo dos prejuízos dos acionistas internacionais da Petrobrás a ser adotado pela Justiça dos EUA e da Europa, cuja cobrança, estimada em US$ 98 bilhões, será lançada contra os cofres das estatais brasileiras com ações em bolsa. Esse prejuízo, em última instância, recairá sobre o pagador de impostos brasileiro dado que a Petrobrás e demais estatais quebradas não dispõem dos recursos para essas indenizações.

Dito isso, observemos a forma como os envolvidos estão sendo cobrados: a) devolução das propinas; b) multas; c) acordos de leniência com cálculo de prejuízo sob circunstâncias, no mínimo, controvertidas e valores para lá de duvidosos.

Informação recente sobre a delação do Marcelo Odebrecht dá conta de que o MPF lhe pediu R$ 7 bilhões de indenização. Marcelo Odebrecht, em resposta, aceitaria pagar R$ 5 bilhões parcelados. Ora convenhamos, chancelar um acordo desse tipo ignorando os fatores de cálculo aqui sugeridos é, no mínimo, ingenuidade.

Um dos argumentos para justificar esses acordos é o de que é preciso salvar as empresas e punir os indivíduos, alegando que não podemos levar as empresas à falência. Pois bem, admitindo-se como plausível esse argumento, qual deveria ser a forma justa de punir os verdadeiros responsáveis?

Na nossa maneira de entender esse cálculo deveria considerar:

1 – Qual o sobrepreço das licitações fraudadas em cada contrato cartelizado à época de sua pactuação, comparado ao preço de mercado de obras similares (TCU)? (Obs.: pela Lei da Corrupção essa diferença seria de 20%).

2 – Quanto os acionistas nacionais e internacionais investiram em ações, tomando por base as informações fornecidas ao mercado pela Petrobrás (e demais estatais e bancos públicos nos casos correlatos), e quanto perderam com a descoberta da verdade?

3 - Qual o montante desse prejuízo em valores atualizados monetariamente, considerando juros, inflação e câmbio?

Tendo-se em conta esses critérios, não seria despropositado imaginar que os R$ 88,6 bilhões que causaram a demissão de Graça Foster estejam mais próximos da verdade. Quiçá subestimados.

Diante disso, por mais que os valores até agora recuperados pareçam impressionantes, eles são, de fato, uma pequena parte dos valores devidos.

Qual é, então, o roubo do século que segue ocorrendo e ninguém vê?

É a propina cobrada pelos ex-diretores presos da Petrobrás?

São os bônus por resultado pagos aos executivos das empreiteiras?

É a propina cobrada pelo PT, PP e PMDB para financiamento eleitoral ou enriquecimento pessoal de seus dirigentes?

São os valores destinados ao Lula em forma de pagamentos de palestras, ocultação de patrimônio ou financiamento de seu instituto?

Não! Isso seriam meros pixulecos ou acarajés!

Quem são os verdadeiros responsáveis pelas decisões estratégicas das empreiteiras?
Para executar que função eram remunerados os executivos presos?

Ora, para permitir que se roubassem bilhões nas licitações cartelizadas e fraudadas, cujos montantes envolvem sobrepreço de 20%, 30% ou mais!

Onde está esse dinheiro?

Essa riqueza, óbvio, foi transferida para o patrimônio pessoal dos acionistas desses conglomerados empresariais. Exceto Marcelo Odebrecht, o único acionista preso, os demais estão todos soltos e impunes.

A Odebrecht possuía 60% das ações da Brasken. Essas ações deveriam ser repassadas à Petrobrás (ou ao Estado brasileiro) antes que sejam transferidos para novos financiadores da Odebrecht como está ocorrendo. Isso pagaria o prejuízo? Não? Quanto valem as ações da Odebrecht Ambiental (que também está à venda) e quem são os acionistas dessa empresa? A Andrade Gutierrez é dona da Light e da CCR. A Camargo Correia é dona da CPFL (também à venda) e sócia da CCR. A OAS é dona do grupo INVEPAR em parceira com os fundos de pensão das estatais, também fraudados pelo mesmo esquema. Os acionistas dessas e das demais empresas de seus respectivos grupos, todos, possuem sim patrimônio para ressarcir as vítimas.

As vítimas somos nós, pagadores de impostos e demais acionistas das estatais saqueadas.

Porque o silêncio em torno dessa questão?
 

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