John Maynard Keynes irrompeu na filosofia política no limiar do século XX. E ganhou notoriedade ao final da II Guerra Mundial em 45, sobre as ruínas materiais e sociais que engoliam o continente europeu na fome e desemprego. O liberalismo do laisser faire reduzia-se impotente e frágil diante do desafio catastrófico de reerguer a economia. Neste cenário apontou Keynes propugnando ao Estado, aos governos o papel de conduzir a economia, naquilo que o empreendedorismo individual mostrava-se incapaz de cumpri-lo. Tese que Franklin Roosevelt levou à prática nos EUA de 39 a 45. Funcionou.
Guardando as devidas proporções, nossa Olimpíada pautou-se por um keynesismo sem fundos. Governos federal, estadual e municipal inadimplentes investiram maciçamente na festa esportiva mundial na esperança de que sobrasse algum proveito à cidade. Dos delírios demagógicos restaram as contas milionárias. E mais, a imposição inarredável de conservar o capital imobilizado ou abandoná-lo à ruína. Compromisso assumido por um estado incapaz de pagar os salários do funcionalismo. O governo olímpico do Rio, no auge da crise hospitalar, foi socorrido por três bilhões do governo deficitário Federal, cujo orçamento grava 170 bi negativos em 2016.
O economista Angus Deaton, prêmio Nobel de 2015, destacou-se nos estudos da micro-economia - a demanda e opção do comprador, o trivial comportamento popular exibido na feira diária. Pode servir à vista da Olimpíada. Afirma Deaton: aumentar apenas a renda dos mais pobres não reduz a pobreza se não for acompanhada do acesso à saúde e educação; mais importante que estimular o consumo é estimular a poupança para reduzir a pobreza. Deaton condenou a doação monetária e outras formas de assistencialismo aos governos africanos no combate à pobreza.
O crescimento econômico é que reduz a pobreza; não as doações. Deste confronto imaginário, ergue-se desafiadora a apolínea questão: pode um país endividado ao horizonte imprevisível, numa capital em guerra cercada de favelas, bancar uma Olimpíada?
(Publicado originalmente em http://www.folhadelondrina.com.br/blogs/paulo-briguet)
Antes, vamos deixar claro: há muitíssimos professores e estudantes que realizam um trabalho sério nas universidades brasileiras, especialmente nos cursos de ciências exatas e biológicas, mas mesmo em departamentos de humanidades. A existência desses heróis (silenciosos ou silenciados) me faz acreditar que o nosso ensino superior ainda tem alguma esperança. A eles, professores e alunos de bom coração e ativa massa encefálica, este texto se dirige prioritariamente, bem como aos pais de alunos que estão preocupados com o futuro de seus filhos e do Brasil.
Estabelecidas as exceções, passemos à regra. Fato é que a universidade pública brasileira, sobretudo na área de humanas, tornou-se um território dominado pela militância esquerdista. Hoje são instituições DI-DI. Não, não me refiro ao Didi Mocó dos Trapalhões, mas a outro fenômeno bem menos engraçado: nossas faculdades viraram fábricas de DIplomas e DIlmas. Na melhor hipótese, o sujeito sai da faculdade com um diploma na mão, que o autoriza a exercer determinada profissão, sem necessariamente lhe dar a competência para tal. Na pior hipótese, o jovem sai da universidade transformado em pequenos jeans wyllys ou marinas silva. Vira um profissional — mas um profissional da militância.
Isso é gravíssimo. De nada adiantará "tirar a Dilma", ou mesmo extinguir o PT, se o povo brasileiro, conservador e democrata em sua imensa maioria, não acabar com a produção de dilmas em série na universidade pública.
Nota bene: Marx, Lênin, Gramsci e Paulo Freire não devem ser retirados dos currículos acadêmicos. Muito pelo contrário! Eles devem continuar lá; devem ser estudados em profundidade. O que não se pode fazer é botar só sparring intelectual para brigar com eles. Você sabe: sparring é aquele boxeador que nunca vence uma luta, precisamente porque a razão de sua existência é apanhar.
Adam Smith, Comte e Durkheim, ainda que tenham lá suas qualidades (especialmente o primeiro), não passam de sacos de pancada com os quais a militância acadêmica simula a existência de um verdadeiro debate intelectual. Mas os esquerdistas fogem como diabo da cruz do confronto com obras e autores que verdadeiramente desmontam suas mentiras. Eu poderia fazer aqui uma lista imensa, mas direi apenas dois nomes de autores que trituram a ideologia marxista com o desassombro de um personagem de Clint Eastwood: são eles o filósofo Roger Scruton e o historiador Paul Johnson, ambos ingleses. Ambos ignorados nos campi.
Recentemente, uma amiga professora universitária disse que quase todos os colegas de seu departamento são negacionistas do Petrolão, ou seja, acreditam que a roubalheira do PT não passa de uma "invenção da Globo" e um "golpe das elites". Eu sonho com uma universidade em que tal cegueira de estupidez não prospere nunca. E tenho esperança de que um dia esse campus existirá. Minha esperança está em vocês: professores e estudantes que amam o bem, a beleza e a verdade. Só vocês poderão acabar com a fábrica de dilminhas. Que Deus nos ajude.
"O camponês da Bavária e de Baden que não consegue enxergar para além do campanário da sua igreja local, o pequeno produtor francês de vinho que é levado à bancarrota pelos capitalistas de grande escala que adulteram vinho, e o pequeno plantador americano depenado por banqueiros e congressistas e jogado para longe da corrente maior do desenvolvimento, são convocados, no papel, a assumir a direção do Estado pelo regime da democracia política. Mas, na realidade, em todas as questões básicas que determinam os destinos dos povos, quem toma as decisões pelas costas da democracia parlamentar são as oligarquias financeiras."
Esse parágrafo consta daquilo que foi provavelmente o discurso mais decisivo do século XX: as palavras de Leon Trotski no ato de fundação do Comintern em 1919, que determinariam em linhas gerais a estratégia do comunismo mundial por mais de meio século e, de algum modo, continuam a inspirá-lo até hoje.
Como descrição da realidade, essas palavras continuam válidas: decorrido um século, o povo trabalhador e pagador de impostos continua tentando melhorar o curso das coisas por meio do voto, sendo constantemente ludibriado e frustrado pelas oligarquias financeiras e políticas que burlam o processo legislativo e impõem suas decisões por meio de tratados internacionais, decretos de presidentes, portarias de ministérios, regulamentos de repartições, de prefeituras, de administrações regionais e uma infinidade de outros artifícios, obrigando todo mundo a obedecer leis que nem mesmo existem.
Só o que mudou, nesse ínterim, foi a identidade ideológica dos personagens. A minoria bilionária age em parceria com a esquerda internacional -- isto é, com os herdeiros de Trotski -- para impor a populações estupefatas, por vias transversas que neutralizam o processo legislativo, as mudanças socioculturais mais artificiosas e contrárias às crenças e valores do povo: feminismo, gayzismo, desarmamento civil, multiculturalismo, liberação das drogas, sexualização prematura das crianças nas escolas, dissolução das identidades nacionais por meio da imigração forçada, anticristianismo militante etc. etc.
O povão simples apega-se cada vez mais aos seus valores antigos, cristãos e patrióticos, esperando fazê-los triunfar por meio de candidatos como Donald Trump, Jair Bolsonaro ou Nigel Farage, sendo por isso estigmatizado pela grande mídia de esquerda (a única que existe) como fascista, nazista, racista, assassino de gays, negros e mulheres etc. etc.
A aliança mundial de globalistas e esquerdistas é o fenômeno mais geral e importante da nossa época, e não há um só fato da vida cultural ou política ocidental que não seja, em mais ou em menos, determinado por ela.
À troca de papéis corresponde, pari passu, a inversão não só do conteúdo, mas da própria função do discurso público: a classe dominante rouba as palavras do povo para condená-lo e intimidá-lo como se ele fosse ela, e ela o povo. Intelectuais, artistas, jornalistas e publicitários pagos generosamente pela elite governante bilionária fazem-se de defensores da população ludibriada para poder continuar a ludibriá-la e a acumular poder e dinheiro sob os pretextos mais sedutores e hipnoticamente populistas que uma mendacidade ilimitadamente inventiva já logrou conceber.
Esse discurso meticulosamente invertido é uma invenção, já velha, de engenheiros sociais que, é claro, não se deixam enganar pelo seu próprio ardil. Mas, quando a moda se dissemina no baixo clero do show business, das universidades e da mídia, ela modifica profundamente a psique de multidões inteiras de idiotas úteis, que sentem – e sentem com muita emoção – estar dizendo a mais pura verdade no instante mesmo em que repetem chavões que sua própria experiência direta desmente da maneira mais flagrante. É a síndrome da autopersuasão histérica que, como já explicava o dr. Andrew Lobaczewski, se espalha entre pessoas de mente fraca quando colocadas sob a influência de psicopatas astutos.
Exemplos dessas mentes fracas não faltam. As redações, as cátedras universitárias, o cast inteiro dos canais de TV estão repletos deles. Escolho um a esmo, só porque é desta semana. Com aparente sinceridade, o sr. Fernando Meirelles, publicitário responsável pelo show de abertura das Olimpíadas, escreve no seu Twitter (reproduzo com as execráveis grafias originárias):
"Bolsanaro vai odiar a cerimônia. Trump também. Pelo menos nisso acertamos. A cerimônia de hoje terá índios, empoderamento dos negros e das mulheres, transgêneros e um alerta contra os riscos do uso de petróleio."
Os pobres e oprimidos são aí representados pelos índios, negros, mulheres e transgêneros. Os ricos opressores, pelos srs. Trump e Bolsonaro. Por meio do show, o sr. Meirelles, os patrocinadores do espetáculo e o governo aparecem como advogados dos primeiros contra a prepotência reacionária dos segundos, vagamente identificados, de passagem, como ligados de algum modo aos interesses da macabra indústria do petróleo.
Mas quem não sabe que, para montar o espetáculo, o sr. Meirelles recebeu 270 milhões de reais de um bilionário esquema público-privado que jamais deu ou daria um tostão a políticos como Trump e Bolsonaro, aos quais odeia tanto quanto o povão os ama?
Quem não sabe que o "empoderamento dos índios, negros e mulheres" é a Leitmotiv do discurso propagandístico de uma elite globalista que continua – para usar as palavras de Trotski – "jogando para longe da corrente maior do desenvolvimento" os trabalhadores, os pequenos plantadores, os micro-empresários e, por isso mesmo, uma multidão de "índios, negros e mulheres"?
E quem não sabe que os donos do petróleo são ainda os árabes, os maiores assassinos de gays e mulheres que já existiram no mundo, contra os quais o show do sr. Meirelles não ousaria nem ousou dizer uma palavrinha incômoda sequer?
Em que mundo, em que fração do universo imaginário o sr. Trump fez algum dano a gays e mulheres, que pelo menos fosse comparável ao que essas criaturas sofrem nas mãos dos muçulmanos sob aplausos frenéticos e incondicionais da esquerda internacional à qual o sr. Meirelles indiscutivelmente pertence e à qual mostrou descarada fidelidade por meio do símbolo comunista do punho esquerdo cerrado?
E em que planeta do mundo da fantasia o sr. Bolsonaro, um modesto capitão da reserva que jamais foi visto sequer ao lado de um bilionário, faz parte da elite opressora?
Sem dúvida o sr. Meirelles acredita no que diz. Mas não acredita pelos meios normais do conhecimento humano e sim por meio da autopersuasão histérica que desmente de maneira brutal e ostensiva tudo o que ele vê, tudo o que ele sabe, tudo o que lhe chega pelos cinco sentidos. O sr. Meirelles não raciocina a partir da sua própria experiência, mas da sua própria voz. Indo da boca para o ouvido, sua alma se entrega toda mole-mole nos braços de um discurso auto-hipnótico que lhe dá, como compensação automática, um prêmio de 270 milhões e a ilusão de fazer bonito.
Com isso não quero dizer que o sr. Meirelles, só por expressar francamente o seu sentimento, seja honesto ou veraz. Se o tipo de sinceridade do fingidor histérico se distingue da mentira deliberada por não saber que é mentira, ela distingue-se das palavras do observador honesto porque não tem nada, absolutamente nada a ver com a categoria da veracidade. Constitui-se de sentimento apenas, e a nada o sentimento é mais obediente do que a imaginação. O fingidor histérico imagina alguma coisa na hora, sente em conformidade com ela, e diz o que sente. A distinção entre o verdadeiro e o falso nem lhe passa pela cabeça. E, se você lhe diz que o discurso dele é falso, ele entende que você apenas sente diferente dele, que tudo não passa de um confronto de emoções opostas, de uma disputa de poder entre dois corações – naturalmente, um malvado – você – e um bonzinho – ele.
A histeria – sempre é bom lembrar – nada tem a ver com chiliques, gritinhos e crises de nervos, embora às vezes recorra a esses instrumentos expressivos quando a crença na mentira começa a falhar e tem de ser reforçada pela mise-en-scène. A histeria é eminentemente fingimento auto-hipnótico, tanto mais forte quanto mais tranqüilo e sereno em aparência.
Aquilo que, na mente do manipulador psicopata, começou como uma mentira concebida friamente para tais ou quais propósitos práticos se torna, na mente passiva e servil dos seus imitadores, um modo de ser, um habitus profundamente arraigado e difícil de remover. A personalidade do psicopata não é afetada pelas suas mentiras, cvoncebidas para uso alheio. A do fingidor histérico é transfigurada e remoldada pela mentira, até que o poder de persuasão da própria voz se sobrepoõe ao apelo dos sentidos, da memória e da razão. O ser humano normal acredita no que vê, no que experimenta e no que sabe. O fingidor histérico, naquilo que aprendeu a dizer.
Como bem observou o dr. Lobaczewski na sua Ponerologia – com certeza o livro mais importante de ciência política das últimas décadas --, numa sociedade dominada por criminosos psicopatas, o fingimento histérico se espalha como uma epidemia, que, se não controlada em tempo, acaba por se tornar o estado de espírito geral e permanente de amplas camadas sociais, especialmente aquelas que encontram nisso um modo de vida, como por exemplo os professores, os jornalistas, os publicitários e os artistas do show business, classes que, por definição, e mesmo em circunstâncias normais, vivem de repassar discursos aprendidos.
Subsidiado por patrocínios bilionários, o fingimento histérico brasileiro fez da abertura das Olimpíadas a sua mais vistosa apoteose.
A reportagem da Época é antiga, de 2015. Mas muito atual. Vê-la hoje me suscitou uma série de reflexões. De onde vem a nossa indisciplina? Porque somos tão indisciplinados e irresponsáveis?
Como milhões de brasileiros, convivo diariamente, e sou testemunha e vítima da indisciplina do nosso povo no trânsito. 43 mil mortes por ano atestam claramente que somos indisciplinadíssimos nas ruas e estradas. Recentemente me envolvi em um acidente de trânsito, com perda material total de dois veículos. Escapei ileso, mas o outro motorista escapou com vida por muito pouco.
Na minha vida profissional na área petroquímica, também convivo com as consequências da indisciplina de empregados colegas que deveriam zelar pelo rigoroso cumprimento de procedimentos operacionais e de segurança. Incontáveis vezes tive que reparar equipamentos danificados pelo não cumprimento de procedimentos, ou seja, por pura indisciplina.
Também na vida social e afetiva somos indisciplinados. A enorme quantidade de traições amorosas e o alto número de paternidades não assumidas atestam o quão irresponsáveis somos, até mesmo com aqueles que deveriam ser nossos entes queridos.
Por fim somos indisciplinados nas salas de aula, com nefastas consequências no aprendizado e na qualificação dos nossos cidadãos. A reportagem de Época não deixa dúvidas, e apenas coloca em números aquilo que já era uma percepção nítida de boa parte da sociedade.
Mas de onde vem esta indisciplina e esta irresponsabilidade? Seria uma característica moldada pelas gerações mais recentes em nosso país? Suspeito que sim, mas na falta de dados, vou fazer um mergulho no meu passado e tentar ver o que foi que a nossa geração fez, e qual poderia ser a sua ligação com o atual estado de coisas.
Sou da geração do Diretas já. Esta geração cresceu sob o domínio da ditadura militar, e acabou com algum atraso absorvendo as idéias libertárias do verão de 68 e da contracultura. Nossos heróis morreram de overdose, como disse Cazuza. Certamente disciplina não estava entre os valores cultivados neste cenário de rebeldia.
Participei de greves estudantis. Fiz parte de diretórios acadêmicos na faculdade. Incontáveis vezes cabulei aulas pagas pelos contribuintes para ficar bebendo com os amigos, discutindo a solução dos problemas do mundo no bar da faculdade de filosofia (sempre ela) da UFRGS. Frequentei aulas alcoolizado. Colegas meus o fizeram sob o efeito de drogas, inúmeras vezes. Pichei os muros da escola de engenharia da UFRGS muitas vezes.
Também fomos bastante simpáticos ao ideário esquerdista. Inúmeras vezes votei em candidatos do PCdoB ou do PT. Eu confesso, fui um dos eleitores que ajudou Lula a se eleger pela primeira vez presidente em 2002. Inúmeros da minha geração fizeram o mesmo e hoje se arrependem. Lobão não é nem de longe um caso isolado.
Porém, como um dia cantou o roqueiro gaúcho Gesslinger, toda forma de conduta se transformou em luta armada. O que não esperávamos é que este comportamento libertário e irresponsável da nossa época evoluísse para a completa degeneração de valores da nossa sociedade. Não conhecíamos Gramsci e a insidiosa teoria de tomada do poder sutil, corroendo por dentro as estruturas da democracia dita burguesa, nem a sua correlação com a degradação moral de uma sociedade. Mas sem sabermos direito, acabamos colaborando para o quadro que hoje observamos na sociedade brasileira. Como observou Olavo de Carvalho, “O gramscismo é ...... uma estratégia de ação psicológica, destinada a predispor o fundo do "senso comum" a aceitar a nova tábua de critérios proposta pelos comunistas, abandonando, como "burgueses", valores e princípios milenares”. E creio eu que assim se fez a bagunça hoje reinante na sociedade brasileira e nos seus valores, ora bastante deturpados.
E ai voltamos para a indisciplina e a degradação de valores que hoje observamos. Como consertar o estrago feito? Como evitar que o rumo da sociedade continue sendo este, de degradação de valores morais cada vez mais intensa? Não faço a mínima idéia de como reverter este processo. Espero que alguns pensadores não comprometidos com o marxismo apontem alguns rumos para o início desta recuperação. Não sei como os da minha geração pensam a respeito. Mas de minha parte, dentro das minhas enormes limitações pessoais e intelectuais, tudo o que posso fazer é me arrepender pelos erros cometidos no passado, pedir perdão à sociedade, e me dedicar à firme oposição ao aparato comuno-gramsciano-petista que tentou (e quase conseguiu) dominar o Brasil. No resto, é seguir lutando pela liberdade de idéias, liberdade econômica, pelas liberdades democráticas, e restauração dos valores morais básicos. Lobão não está só."
(Originalmente publicado em rodrigoconstantino.com)
Na foto: Venezuelanos aguardam em fila com dinheiro na mão para comprar comida, em Pacaraima, em Roraima; a cidade fronteiriça de 12 mil habitantes, até lojas de material de construção e farmácias começaram a vender arroz, farinha, açúcar e óleo, para atender a alta demanda. Fonte: Folha
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A maioria dos liberais foca nas vantagens materiais do capitalismo, o que é legítimo, uma vez que são destoantes da opção socialista mesmo, e sabemos como muitas pessoas “votam” com o bolso. Mas considero tão ou mais importante abordar o aspecto moral do capitalismo, um sistema calcado nas trocas voluntárias entre indivíduos, numa busca por ganhos mutuamente benéficos. Foi o que fez João Luiz Mauad, diretor do Instituto Liberal, emartigo publicado no GLOBO hoje.
Ele toma como pano de fundo a desgraça que se abateu sobre a Venezuela hoje, com cenas chocantes de escassez generalizada, gente revirando lixo como se fosse rato, pessoas morrendo nos hospitais e gatos e cachorros abandonados por falta de recursos. A tragédia venezuelana não foi inesperada, ao menos não para os liberais. Era tudo bem previsível, e cansamos de alertar. Hoje a esquerda faz um constrangedor silêncio, como mesmo um esquerdista como Clóvis Rossi denunciou:
É um sinal claro (apenas mais um, aliás) que indica o redondo fracasso do chamado “socialismo do século 21”. Há outros sinais, talvez ainda mais dramáticos: a agência de notícias Reuters relata que crescente número de mulheres jovens recorre, a contragosto, à esterilização, para evitar as agruras da gravidez e da criação de filhos em um país em crise tão infernal.
Explica a agência: “Contraceptivos tradicionais, como preservativos e pílulas anticoncepcionais, praticamente desapareceram das prateleiras, empurrando as mulheres rumo à cirurgia de difícil reversão”.
Dá para censurar os governos de Argentina, Brasil e Paraguai, que se recusam a passar a Presidência do Mercosul a essa ruína irremediável?
Espantoso é que a esquerda brasileira silencie ou, pior, defenda um modelo que é o mais redondo fracasso. Torna-se inexoravelmente sócia do fracasso.
Voltando ao texto de Mauad, ele aponta como causa dos problemas o mau uso das instituições capitalistas, o que pode gerar alguma confusão em leigos. O socialismo será sempre utópico e, portanto, inalcançável. Mas os meios utilizados para se tentar chegar a ele levam sempre e inexoravelmente ao mesmo destino: o caos em que mergulhou a Venezuela hoje. Diz Mauad:
É lamentável que, em pleno século XXI, ainda sejamos testemunhas de episódios como esse, na Venezuela, onde milhões de pessoas foram levadas a acreditar numa quimera socialista já testada e reprovada inúmeras vezes através dos tempos. Infelizmente, por trás desse engodo está a má reputação do capitalismo, nem tanto em relação aos seus aspectos econômicos, mas especialmente morais.
Muito embora nem os mais empedernidos marxistas neguem que o advento do capitalismo possibilitou uma prosperidade material constante e crescente, tirando da miséria milhões de pessoas nos quatro cantos da Terra, muitos ainda continuam desconfiados do sistema e prontos a culpá-lo pela maioria dos problemas sociais, reféns que são de clichês como “um outro mundo é possível” ou “de cada um conforme a sua capacidade, para cada um conforme a sua necessidade”.
Do outro lado, há muito pouca gente interessada em demonstrar as vantagens e, principalmente, o lado moral e ético do capitalismo. Poucos se dão conta, por exemplo, de que, no livre mercado, os indivíduos só são recompensados quando satisfazem as demandas dos outros, ainda que isso seja feito exclusivamente visando aos próprios interesses. Ao contrário de outros modelos, o capitalismo não pretende extinguir o egoísmo inerente à condição humana, porém nos obriga constantemente a pensar na satisfação do próximo, se quisermos prosperar. Além disso, para obter sucesso em grande escala, você tem de produzir algo que agrade e seja acessível a muitas pessoas, inclusive aos mais pobres, e não apenas aos mais abastados.
Quando você abastece seu carro aqui nos Estados Unidos, aparece uma mensagem no visor agradecendo pelo negócio e pela escolha. Quando o avião aterrisa, escutamos o piloto agradecendo pela escolha da companhia aérea. Como lembra Mauad: “Não por acaso, quando um cliente entra numa loja, a primeira coisa que ouve do vendedor é: “Em que posso ajudá-lo?”. E a última coisa que ambos dizem, depois de uma compra, é um duplo “obrigado!”. Um sinal inequívoco de que aquela transação foi vantajosa para ambos”.
O capitalismo fortalece os laços de cooperação e cordialidade, enquanto o socialismo leva ao cinismo, à inveja e ao uso da força para se obter o que se demanda. É verdade que o capitalismo produz resultados materiais bem superiores, mas esse não é “apenas” seu grande mérito: ele é também um sistema bem melhor sob o ponto de vista moral. E é isso que os liberais precisam destacar com mais frequência.
Mauad comenta ainda sobre as desigualdades, que existem em qualquer sistema, mas lembra que no capitalismo elas estarão ao menos mais ligadas ao mérito individual, enquanto na burocracia socialista elas dependem de favores e coação.
Aqui, porém, Mauad erra ao considerar que as pessoas com mais energia e melhores ideias chegam ao topo em ambos os sistemas: “As pessoas com as melhores ideias, as mentes mais criativas e mais energia para o trabalho tenderão a alcançar o topo, tanto no capitalismo como numa burocracia socialista”. Não! No socialismo, os que chegam ao topo são os piores, os mais cínicos e mentirosos, os populistas, os bandidos, os exploradores. Vide no Brasil petista, ou na Venezuela de Chávez e Maduro, ou em Cuba.
Sob todos os aspectos o capitalismo é bem melhor do que o socialismo. Deveríamos bater mais nessa tecla de que a superioridade moral também é espantosa, e que um abismo intransponível separa um modelo baseado em trocas voluntárias de outro voltado para a “igualdade” forçada, que leva ao caos e à degradação de valores básicos da civilização.
O Globo, 27 de dezembro de 2003
“O world, thou choosest not the better part!” (George Santayana)
Língua, religião e alta cultura são os únicos componentes de uma nação que podem sobreviver quando ela chega ao término da sua duração histórica. São os valores universais, que, por servirem a toda a humanidade e não somente ao povo em que se originaram, justificam que ele seja lembrado e admirado por outros povos. A economia e as instituições são apenas o suporte, local e temporário, de que a nação se utiliza para seguir vivendo enquanto gera os símbolos nos quais sua imagem permanecerá quando ela própria já não existir.
Mas, se esses elementos podem servir à humanidade, é porque serviram eminentemente ao povo que os criou; e lhe serviram porque não traduziam somente suas preferências e idiossincrasias, e sim uma adaptação feliz à ordem do real. A essa adaptação chamamos “veracidade” -- um valor supralocal e transportável por excelência. As criações de um povo podem servir a outros povos porque elas trazem em si uma veracidade, uma compreensão da realidade -- sobretudo da realidade humana -- que vale para além de toda condição histórica e étnica determinada.
Por isso esses elementos, os mais distantes de todo interesse econômico, são as únicas garantias do êxito no campo material e prático. Todo povo se esforça para dominar o ambiente material. Se só alguns alcançam o sucesso, a diferença, como demonstrou Thomas Sowell em Conquests and Cultures, reside principalmente no “capital cultural”, na capacidade intelectual acumulada que a mera luta pela vida não dá, que só se desenvolve na prática da língua, da religião e da alta cultura.
Nenhum povo ascendeu ao primado econômico e político para somente depois se dedicar a interesses superiores. O inverso é que é verdadeiro: a afirmação das capacidades nacionais naqueles três domínios antecede as realizações político-econômicas.
A França foi o centro cultural da Europa muito antes das pompas de Luís XIV. Os ingleses, antes de se apoderar dos sete mares, foram os supremos fornecedores de santos e eruditos para a Igreja. A Alemanha foi o foco irradiador da Reforma e em seguida o centro intelectual do mundo -- com Kant, Hegel e Schelling -- antes mesmo de constituir-se como nação. Os EUA tinham três séculos de religião devota e de valiosa cultura literária e filosófica antes de lançar-se à aventura industrial que os elevou ao cume da prosperidade. Os escandinavos tiveram santos, filósofos e poetas antes do carvão e do aço. O poder islâmico, então, foi de alto a baixo criatura da religião -- religião que seria inconcebível se não tivesse encontrado, como legado da tradição poética, a língua poderosa e sutil em que se registraram os versículos do Corão. E não é nada alheio ao destino de espanhóis e portugueses, rapidamente afastados do centro para a periferia da História, o fato de terem alcançado o sucesso e a riqueza da noite para o dia, sem possuir uma força de iniciativa intelectual equiparável ao poder material conquistado.
A experiência dos milênios, no entanto, pode ser obscurecida até tornar-se invisível e inconcebível. Basta que um povo de mentalidade estreita seja confirmado na sua ilusão materialista por uma filosofia mesquinha que tudo explique pelas causas econômicas. Acreditando que precisa resolver seus problemas materiais antes de cuidar do espírito, esse povo permanecerá espiritualmente rasteiro e nunca se tornará inteligente o bastante para acumular o capital cultural necessário à solução daqueles problemas.
O pragmatismo grosso, a superficialidade da experiência religiosa, o desprezo pelo conhecimento, a redução das atividades do espírito ao mínimo necessário para a conquista do emprego (inclusive universitário), a subordinação da inteligência aos interesses partidários, tais são as causas estruturais e constantes do fracasso desse povo. Todas as demais explicações alegadas -- a exploração estrangeira, a composição racial da população, o latifúndio, a índole autoritária ou rebelde dos brasileiros, os impostos ou a sonegação deles, a corrupção e mil e um erros que as oposições imputam aos governos presentes e estes aos governos passados -- são apenas subterfúgios com que uma intelectualidade provinciana e acanalhada foge a um confronto com a sua própria parcela de culpa no estado de coisas e evita dizer a um povo pueril a verdade que o tornaria adulto: que a língua, a religião e a alta cultura vêm primeiro, a prosperidade depois.
As escolhas, dizia L. Szondi, fazem o destino. Escolhendo o imediato e o material acima de tudo, o povo brasileiro embotou sua inteligência, estreitou seu horizonte de consciência e condenou-se à ruína perpétua.
O desespero e a frustração causados pela longa sucessão de derrotas na luta contra males econômicos refratários a todo tratamento chegaram, nos últimos anos, ao ponto de fusão em que a soma de estímulos negativos produz, pavlovianamente, a inversão masoquista dos reflexos: a indolência intelectual de que nos envergonhávamos foi assumida como um mérito excelso, quase religioso, tradução do amor evangélico aos pobres no quadro da luta de classes. Não podendo conquistar o sucesso, instituímos o ufanismo do fracasso. Depois disso, que nos resta, senão abdicarmos de existir como nação e nos conformarmos com a condição de entreposto da ONU?