(Publicado originalmente no Estadão)
Se o presidente Michel Temer for incapaz de cuidar do próprio governo, poderá resgatar o Brasil da pior crise econômica em muitas décadas, talvez a maior da História da República? Ele demorou perigosamente para demitir o ministro Geddel Vieira Lima e liquidar o impasse mais grave, até agora, de seu mandato. A demissão diminui o risco de avançar qualquer ação legal contra o presidente, mas ele obviamente incorreu em alguns erros de avaliação. Subestimou a importância política do escândalo, superestimou a importância de um auxiliar perigoso e deu pouco peso à imagem de um governo supostamente empenhado na recuperação dos padrões da administração. Pode-se esperar, com algum otimismo, um efeito positivo do susto, mas qualquer correção dependerá de um balanço realista dos erros cometidos no Palácio do Planalto. Alguns são graves e, se repetidos, poderão comprometer os objetivos mais importantes do governo.
Bom senso e competência são pelo menos tão importantes quanto a moralidade, quando se trata de governar. Mesmo sem roubalheira, a administração da presidente Dilma Rousseff teria enterrado o País apenas por sua coleção de erros. Equívocos fatais podem ser técnicos ou políticos. Há poucos dias o presidente Michel Temer foi acusado de uma bobagem quase inimaginável: ter pressionado o ministro da Cultura, Marcelo Calero, em favor do interesse do secretário de Governo, ministro Geddel Vieira Lima. Verdadeira ou falsa, essa acusação foi a pior notícia da semana – mais assustadora que a perda de 74.748 empregos formais em outubro ou que o desperdício de 22,9 milhões de trabalhadores por desemprego ou subutilização. Muito mais afetados que o Brasil pela crise de 2008, outros países voltaram a crescer, já há alguns anos, com geração de postos de trabalho. Houve erros e ainda há insegurança, mas em nenhum desses países o governo ficou tropeçando nos próprios pés.
O presidente Michel Temer talvez nunca tenha cometido uma tolice tão grande quanto a citada na imprensa – a tal interferência a favor de um interesse particular. Mas, apesar de sua fama de astuto e prudente, deixou-se envolver num escândalo tão evitável quanto grotesco, desperdiçando energia e capital político essenciais para a nova estratégia econômica.
Nem seria preciso saber, para condená-lo, se o ministro Vieira Lima de fato pressionou seu colega da Cultura para liberar a construção de um edifício em Salvador. A mera conversa sobre um negócio particular já seria, como ensinavam as mães em outros tempos, muito inconveniente. Mas o presidente preferiu preservar seu secretário, considerado indispensável, segundo os aliados, como articulador e negociador político. É difícil, para quem vive fora das jogadas de Brasília, entender a importância de um negociador capaz de expor o governo a uma situação tão constrangedora. Para ser, apesar de tudo, indispensável, uma figura desse tipo deve ter talentos extraordinários.
Também esse ponto é inquietante. Será tão difícil, para o presidente Michel Temer, encontrar e recrutar negociadores competentes e preocupados com o decoro? A qualidade de seu Ministério, desde a interinidade, sempre foi preocupante. Com exceção de uns poucos nomes, na maior parte ligados a assuntos econômicos, a equipe tropeçou desde o começo. Alguns ministros ainda se notabilizaram por fazer declarações inconvenientes e, além disso, por escolherem os piores momentos para se manifestar. Tentando aparecer em lances individuais, logo evidenciaram a dificuldade do presidente para montar e conduzir um jogo de equipe.
Como a agenda econômica é a mais complicada, bastaria ao governo, conforme muitos devem ter imaginado, uma equipe qualificada para cuidar das contas públicas, da inflação, do investimento oficial e do programa de reformas. Quem fez essa avaliação errou.
Todos esses temas envolvem muito mais que desafios técnicos e administrativos. Muitas ações, como a criação de um teto para despesa pública, dependem do Legislativo. Algumas, como a reforma da Previdência e as mudanças trabalhistas, forçarão o governo a se entender também com sindicatos e outras organizações. Qualquer reforma tributária mais ou menos séria terá de passar por um difícil entendimento com os 27 governadores. Se o governo cumprir com sucesso, até 2018, apenas uma parte dessa pauta, com prioridade para a arrumação fiscal, terá realizado um belo trabalho e deixará aberto o caminho para a etapa seguinte.
Para isso um apoio seguro no Parlamento é uma necessidade evidente. Competência jurídica para evitar tropeços legais tem sido e continuará sendo indispensável. Mas também é muito importante a presença de um bom articulador político, no mínimo para garantir os votos necessários no Congresso. Até agora, curiosamente, o político Michel Temer tem mostrado mais discernimento na agenda econômica do que na avaliação dos desafios e riscos políticos.
De toda forma, a semana terminou com duas notícias positivas. Uma delas foi o afastamento, depois de um perigoso atraso, do ministro Geddel Vieira Lima. A outra foi a edição da Medida Provisória (MP) 752/2016, para reativação do programa de concessões. Polêmica em alguns pontos, a MP abre espaço para a renovação antecipada de algumas concessões na área de transportes e para a relicitação de outras. Houve críticas e o governo terá de enfrentar a resistência de concessionários encrencados. Mas foi consumado o lance inicial para reativação do programa de infraestrutura, e esse é um dado animador.
Se der tudo certo, disso poderá surgir o empurrão inicial para a retomada do investimento e a reanimação da economia, depois de uma longa e profunda recessão. Além disso, os cidadãos têm o direito de esperar um presidente, a partir de agora, menos leniente em suas avaliações políticas.