(Publicado originaçmentena Folha)
Há economistas no Brasil que se autointitulam "desenvolvimentistas", embora sejam mais bem descritos como keynesianos de quermesse. Dessa tribo, os que se designam "neodesenvolvimentistas" pretendem se diferenciar dos demais quermesseiros por uma suposta ênfase na necessidade de equilíbrio fiscal, "[rejeitando] a noção equivocada de crescimento sustentado pelo deficit público. (...) As contas públicas devem ser mantidas equilibradas".
No entanto, como se diz, o teste do macarrão consiste em colocá-lo na água e ver se amolece. E, no teste do macarrão, a vertente "neoquermesseira" amolece bonito. Apesar da retórica a favor do equilíbrio fiscal, quando colocados diante de um problema concreto, os neoquermesseiros imitam santo Agostinho: ajuste sim, claro, mas não, por favor, agora...
O exemplo mais recente (e não o único) foi cometido aqui mesmo, nas páginas da Folha, por Nelson Marconi e Marco Brancher, que se posicionaram contra a proposta que cria um teto para o gasto público no Brasil.
Começam argumentando que "a participação de despesas e receitas no PIB permaneceu relativamente estável entre 2010 e 2013 nos três níveis de governo", o que é a) falso; e b) irrelevante, dado o aumento recente.
De fato, no período o gasto público primário aumentou de 33,8% para 34,9% do PIB, lembrando que cada ponto percentual do PIB corresponde hoje a R$ 65 bilhões. Não mencionam, ademais, que nos 12 meses até junho deste ano esses mesmos gastos haviam pulado para 38% do PIB.
A propósito, se tivessem feito algum esforço para estimar, como eu fiz, o gasto do setor público nos últimos 20 anos, teriam chegado a números na casa de 29%-30% do PIB em 1997, o que dá uma ideia clara do aumento da despesa nos últimos 20 anos.
Isto dito, à parte repetir a ladainha do ajuste por 20 anos (falsa, dado que em dez anos a indexação do gasto poderá ser revista), criticam a proposta, afirmando que a reforma da Previdência teria que vir antes, como se passar meses discutindo esse tema para lá de complexo fosse algo absolutamente sem custo ante a crise pela qual passamos.
Mais curiosa ainda é sua proposta de reforma: aumentar impostos para financiar os gastos crescentes dessa rubrica. Como se jamais tivéssemos tentado esse truque, que, diga-se de passagem, foi exatamente o que nos trouxe à situação atual.
Não se engane: aumentar os impostos pode, no máximo, adiar mais um pouco o encontro com a realidade, que, ao acontecer, será ainda mais doloroso do que no presente momento.
Também na linha de curiosidades, os autores admitem que a evidência internacional sugere que o teto leva a maior eficiência na distribuição dos recursos e traz o debate orçamentário para o Parlamento, mas que não funcionaria no Brasil, talvez por nos encontrarmos abaixo da linha do Equador, o que, segundo quermesseiros de todas as matizes, inverte também as consequências de políticas devidamente comprovadas.
Agora, caso queira se divertir, sugiro a leitura de artigo do mesmo Marconi aqui na Folha, em agosto do ano passado, que jurava ser possível fazer o ajuste fiscal apenas contendo os desperdícios, possibilidade abandonada em sua última contribuição.
Pode ter mudado de ideia. Mais provavelmente, porém, apenas buscou novos argumentos para justificar a gastança.
Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia.