O ex-presidente quer ser visto não como um cidadão com direitos e deveres como todos os demais brasileiros, e sim como a encarnação dos pobres em geral
O ex-presidente Lula da Silva não aceita ser julgado pelas cortes do Judiciário, mas somente pelo tribunal da história. Diante da iminência de ter de esclarecer, sob juramento, por que recebeu tantos favores de amigos empreiteiros e por que, sob seu governo, nasceu e floresceu o maior esquema de corrupção da história do País, o chefão petista, na falta de uma resposta plausível a essas questões, pretende convencer o País de que seu caso é parte de um ataque generalizado às "conquistas sociais" que o período petista supostamente protagonizou. Ou seja, Lula quer ser visto não como um cidadão com direitos e deveres como todos os demais brasileiros, e sim como a encarnação dos pobres em geral, de modo que obrigá-lo a prestar contas à Justiça seria o equivalente a criminalizar os menos favorecidos.
Nem é preciso enfatizar o quanto de autoritário há nesse pensamento. Os piores ditadores da história contemporânea tinham como estratégia confundir-se com o povo, transformando todos aqueles que pretendiam fazê-los responder por seus crimes em "inimigos do povo". Além disso, colocavam-se acima e além das instituições. Houve época em que até se faziam adorar como deuses. Mais modesto, Lula tem-se limitado a exaltar a pureza cristalina de sua alma. Ele, que nunca foi exatamente um democrata, parece ter decidido enveredar de vez por esse caminho autoritário, que ofende as instituições democráticas, como se estas estivessem a serviço de conspiradores hostis aos pobres e desvalidos.
Talvez desesperado ante a perspectiva cada vez mais real de ser preso e enfrentar o frio da carceragem de Curitiba, do qual se queixou o deputado cassado Eduardo Cunha, Lula mandou seus amigos criarem um movimento nacional para defendê-lo. Conforme reportagem do Valor, os petistas acreditam que não basta responder aos processos nos tribunais – Lula é réu em três ações penais. Para eles, é preciso defender também seu "legado", por meio de uma campanha que inclui a criação de comitês estaduais pró-Lula.
Nem mesmo a reconstrução do PT – que depois de ter sido massacrado nas eleições municipais corre o risco de sofrer uma debandada de parlamentares e enfrenta uma feroz luta interna de chefetes que disputam seus caquinhos – tem precedência sobre o mister de salvar Lula da cadeia. Gilberto Carvalho, boneco de ventríloquo do chefão petista, mandou avisar: "Antes de nos preocuparmos com a sucessão no PT, temos de nos mobilizar em defesa do Lula".
Nessa mobilização, Lula, como sempre faz quando se sente acuado, prometeu percorrer o País, "mas não em sua defesa pessoal, e sim na dos direitos que ajudou a conquistar e que o atual governo quer extinguir", explicou o ex-ministro Gilberto Carvalho, que articula a campanha. "Além do processo de criminalização do Lula e do PT, há um movimento para retirar direitos da população", disse Carvalho.
Com isso, está dada a senha para ligar a defesa de Lula à defesa dos pobres, como se aquele e estes fossem uma coisa só. A estratégia é dizer, na forma de slogans, que "justiça para Lula" é o mesmo que "justiça para todos". Na mesma linha, segundo planejam os marqueteiros, os simpatizantes do chefão petista sairão às ruas bradando, ao mesmo tempo, "tirem as mãos dos nossos direitos" e "tirem as mãos de Lula".
Pode-se esperar, portanto, um recrudescimento do desrespeito de Lula e dos petistas ao Judiciário. Anda a pleno vapor sua campanha de desmoralização do Brasil no exterior, por meio de petições e denúncias esdrúxulas em que seus advogados questionam a lisura dos magistrados de todas as instâncias, com o indisfarçável propósito de criar um clima para, na undécima hora, se não houver alternativa, conseguir que algum regime amigo lhe dê asilo.
No front interno, Lula gravou um vídeo em que diz que os procuradores que o denunciaram são "reféns da imprensa" e os convidou a refletir sobre isso. Já o também denunciado Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, pediu ao juiz Sergio Moro, em sua defesa prévia, que "supere a imagem mental já construída sobre os fatos". Ou seja: para essa gente, só quem está sob influência da imprensa ou se deixa levar por preconceitos é capaz de apontar o dedo para a "viva alma mais honesta deste país".
(Publicado originalmente em português por tradutoresdedireita.org)
Bernie Sanders acredita que os Estados Unidos deveriam se espelhar no modelo sueco e no dos países escandinavos para ”descobrir o que eles fizeram pela sua classe trabalhadora”. O senador de Vermont falou tanto sobre a Suécia em sua campanha que o também senador e candidato do Partido Republicano, Marco Rubio, disse que ”Bernie Sanders é um bom candidato para a presidência — da Suécia”.
Como sueco, devo admitir que isso me fez Sentir o Bern [Fell the Bern em inglês, slogan da campanha do candidato democrata] um pouco. Sanders tem razão: os EUA beneficiaria-se imensamente copiando o modelo escandinavo. Mas Bernie deveria prestar atenção no que deseja. Quando ele pede por ”políticas de comércio que funcionam para as famílias trabalhadoras e não só para os executivos de grandes corporações multinacionais”, os Sociais Democratas da Suécia chamariam isso de ”liberalização”— que teria o benefício de expor os monopolistas à competição — não o protecionismo que o Sanders defende.
Na verdade, quando o presidente Barack Obama visitou a Suécia em 2013, três grandes uniões de comércio suecas mandaram-lhe uma carta solicitando uma reunião, sendo o tema as ”maneiras de promover o livre comércio”. O representante da maior união de comércio social democrata repreendeu o presidente americano pela sua insuficiente preocupação em relação ao livre fluxo de mercadorias.
Essa realidade do meu país não vai agradar os socialistas americanos, mas, como diz o ditado, é melhor ser odiado pelas razões certas do que amado pelas erradas. Ser parecido com a Suécia moderna significa livre comércio, desregulamentação, um sistema nacional de vouchers escolares, pensões parcialmente privadas, inexistência de imposto sobre propriedade e herança, e impostos muito menores sobre empresas privadas. Desculpe pelo banho de água fria, Bernie.
Socialismo Moderninho
É claro que o Sanders não está completamente errado. A Suécia e os demais países escandinavos já experimentaram governos imensos e ideias semi-socialistas. Só tem um problema: essa experiência coincidiu quase que perfeitamente com o único período de prolongada crise econômica na região escandinava nos últimos 100 anos.
A imagem que o Bernie tem da Escandinávia é semelhante ao resto de suas opiniões políticas: paradas no tempo, mais precisamente na década de 1970. Até essa década, Suécia e Dinamarca cresceram muito mais que os outros países europeus e tornaram-se mais ricas que a maioria das nações do planeta, isso ocorreu, em grande parte, pela limitação do governo e um intenso livre mercado. (Noruega é um caso especial, pois seu petróleo e gás formam 22% do PIB nacional, apenas alguns porcentos abaixo da Venezuela. Então, ao menos que a proposta de Sanders seja tirar petróleo do nada, o exemplo norueguês não é relevante).
Durante o seu período de livre mercado, de 1850 a 1950, a receita sueca per capita aumentou oito vezes enquanto a população dobrou. A mortalidade infantil caiu de 15% para 2%, e a expectativa de vida teve um impressionante aumento de 28 anos. E tudo isso aconteceu antes do Estado de bem-estar social começar a ser implantado no país.
Já na década de 1950, a carga tributária da Dinamarca e Suécia, apesar de não serem menores que a de outros países europeus, estava abaixo da americana: 20% e 19% respectivamente, contra 24% nos Estados Unidos.
Foi justamente nessa época, quando nós, escandinavos, estávamos satisfeitos, que começamos a pensar que poderíamos dar as costas ao que nos fez ricos e desenvolvidos. Começamos a regulamentar a economia. Aumentamos os impostos e os gastos do setor público. Os estrangeiros, ao observar a implementação dessas políticas intervencionistas, costumam confundir causa e efeito. Esses que pensam que o pseudosocialismo nos fez ricos devem observar o Bill Gates e acreditar que ele se tornou o homem mais rico do mundo fazendo doações.
Enquanto isso, os países escandinavos personificaram a velha piada de como você faz uma pequena fortuna: começando com uma grande. A Suécia adotou medidas sociais-democratas mais profundamente que seus vizinhos escandinavos, e como resultado a economia regrediu mais que as deles. De maneira lenta mas contínua, as políticas adotadas pelos Primeiros Ministros Tage Erlander e Olof Palme corroeram a produtividade e a antiga e renomada ética de trabalho escandinava. Em 1970, a Suécia era 25% mais rica que a média da OCDE. Vinte anos depois, essa média quase nos alcançou. Uma vez a quarta nação mais rica do mundo, a Suécia se tornou a décima quarta.
Foram tempos terríveis para o empreendedorismo e a iniciativa privada, com sérios problemas nos índices de emprego. Durante essa época, nem um mísero emprego foi criado pela iniciativa privada, apesar da população estar crescendo. Em 2000, só uma das 50 maiores empresas suecas foi fundada depois de 1970.
Como o ministro das finanças, o Social-Democrata Bosse Ringholm, admitiu em 2002: ”Se a Suécia tivesse a mesma taxa de crescimento da média da OCDE desde 1970, nossos recursos seriam muito maiores, a ponto de serem equivalentes a 20,000 SEK ($2,400) a mais, mensalmente, por família.”
Durante esse breve período bolivariano, muitos intelectuais suecos acharam que sua pátria poderia se tornar um pesadelo orwelliano. Os Sociais-Democratas criaram um plano, incrivelmente impopular, de estatização dos negócios privados, e o Parlamento decretou que qualquer transação econômica com intenções de reduzir a taxação seria ilegal, mesmo se a transação em si fosse legal. O fundador de uma das maiores empresas suecas, IKEA, Ingvar Kamprad, saiu do país, junto de muitos outros empresários e a maioria dos nossos atletas famosos.
O autor sueco mais famoso, Vilhelm Moberg, escreveu que o governo estava fora de controle, e que estava entrando num meio termo entre a democracia e a ditadura ”em que todos estão infelizes e desapontados.” Nosso mais famoso diretor de filmes, Ingmar Bergman, foi pego pela polícia no Royal Theatre sob acusação de crimes fiscais, sendo solto pouco tempo depois. Ficou profundamente irritado com o ocorrido e também saiu do país.
Nosso autor de livros infantis mais famoso, Astrid Lindgren, teve que pagar mais que 100% em imposto de renda marginal, o que fez ele escrever um ácido ensaio satírico sobre Pomperipossa, uma bruxa gentil e idosa, e coletores de impostos mal-intencionados: ”Ela achava que os direitos de todos seriam respeitados numa nação democrática. Ninguém deveria ser punido e perseguido porque eles decidiram—voluntariamente ou não—ganhar dinheiro de maneira honesta.” Mas, no final da história, ela encontra uma solução para seus problemas: ”Mas, de repente, ocorreu-lhe um pensamento — mulher, você deveria receber benefícios assistencialistas do governo! Que grande ideia! E desde então Pomperipossa viveu contente as custas do assistencialismo. E ela nunca escreveu outro livro.”
O Social Democrata Kjell-Olof Feldt, ministro das finanças de 1983 até 1990, admitiu, num livro publicado em 1992, que alguns dos planos do governo eram ”insustentáveis”, algumas medidas ”absurdas”, e que a política de impostos era ”perversa.” Essas medidas logo entraram em colapso após um boom na dívida e inflação no final da década de 1980.
Seja o que for que essas medidas insustentáveis e perversas fizeram, elas não beneficiaram a classe trabalhadora que o Bernie Sanders tanto diz representar. O salário real na Suécia caiu aproximadamente 5% entre 1975 e 1995. Os salários nominais cresceram, mas a inflação galopante os devorou.
Época do Boom
Mas no começo da década de 1990 a Suécia começou a abandonar seu Bernieconomics. Entrou num processo de desregulamentações, privatizações, redução de impostos, e abriu o setor público para prestadores privados. Nas duas décadas que se seguiram, o salário real sueco aumentou em cerca de 70%.
[*] Johan Norberg. “Bernie’s Right—America Should Be More Like Sweden”. Reason, Maio de 2016.
Tradução: Nicolas Oliveira
Revisão: Cássia H.
(Publicado originalmente na Tribuna da Internet)
Renan Calheiros é o presidente de uma instituição que um dia decidiu criar uma guarda para... Para quê mesmo? De acordo com a Resolução nº 59/2002, é para cuidar da segurança do presidente da Casa e dos demais senadores "nas dependências do Senado Federal". E ainda, "em qualquer localidade do território nacional e no exterior, quando determinado pelo Presidente do Senado Federal".
Renan acha que um "juizeco de primeira instância" não tem a prerrogativa de molestar policiais do Senado que exorbitam o limite legal de sua atuação ao desarmar grampos determinados por algo como a Operação Lava Jato.
Ou seja: o juizeco não pode parar o processo de obstrução judicial patrocinado pelo senadorzinho. Mas o senadorzinho pode tudo. Inclusive mandar varrer a casa de um deputado que todos sabem quem é e podem imaginar por que foi destinatário de tão dileto favor.
GUARDA PRETORIANA – Não importa que a proteção da guarda pretoriana de Renan Calheiros se estenda para muito além dos detentores de mandato senatorial, como José Sarney, ou alcance até quem jamais tenha sido integrante da Câmara Alta, caso de Cunha. A guarda é de Renan, o dono do Senado, que faz dela o que bem entender. E ai de quem reclamar.
Se alguém como o ministro da Justiça ousa defender a legalidade e a legitimidade da atuação da outra polícia, esta sim uma polícia de verdade, a Polícia Federal, então não será mais ministro pleno, e sim um ministro eventual, temporário, prestes a ser derrubado pelo Comandante-em-Chefe da Polícia do Senado. Hoje, para ser ministro no Brasil, é preciso ter o aval de Renan Calheiros, e também obedecê-lo. Só a vontade do Presidente da República não é suficiente.
José Eduardo Cardozo resistiu durante anos ao mesmo tipo de campanha coativa. O PT queria derrubá-lo porque não controlava a Polícia Federal, que seguia engaiolando petistas. Agora é a vez do PMDB de Renan assacar contra a corporação, ou quem supostamente está ali para controlá-la e livrar a ele e aos companheiros em perigo do risco iminente da prisão e do vexame das conduções coercitivas. Sinal de que os peemedebistas estão pestes a tomar o lugar desonroso dos petistas nas próximas etapas da Lava Jato ?
GENERAL DAS ALAGOAS – Deve ser uma perspectiva realmente assustadora. Ocorre que, para defender seus arroubos napoleônicos, o General das Alagoas acha que pode dispor de suas tropas como bem lhe aprouver, sem limites de nenhuma natureza. É o que Renan gostaria que o Ministério da Justiça fizesse por ele e seus companheiros em dificuldade perante o Poder de juizecos como Sérgio Moro, que também é um reles magistrado de primeira instância.
Mas o que Renan consegue no comando de sua pequena guarda pretoriana, nenhum ministro da Justiça conseguiria da PF. Até porque aquela é uma instituição do Estado, não um apêndice de um governo. Ou: A Polícia Federal não é a Polícia Legislativa que está sob ordens de Renan.
E os súditos devem entender o faniquito do conterrâneo de Deodoro e Teotônio como normal porque, dentro de seu sistema de valores, o Estado é para isso mesmo — para ser usado e usurpado por quem tem poder político, caso de Renan Calheiros. É a isso que alguns recalcados chamam de patrimonialismo.
EM FRANCO DECLÍNIO – Ocorre que esse padrão de comportamento desprovido de limites, que leva alguém a se julgar dono de guardas pretorianas, de polícias federais inteiras, do Estado e do dinheiro de todos os cofres públicos está em franco declínio, como nos lembra Curitiba diariamente. Não fosse pela resistência de áulicos das práticas passadas como o senadorzinho, o dono do mundo, o General da polícia legislativa, ninguém mais neste País iria ouvir falar em tentar controlar a PF ou a guarda do Senado, em proteger de grampos legais gente como o próprio Napoleão do Senado ou seus acólitos.
Infelizmente o passado teima em não passar. A não ser pelo histrionismo das reações, pouco se pode perceber algum avanço no campo que deveria estar a pautar as relações da República — o da ética, da moralidade e da impessoalidade. Mas esse é um mundo completamente novo para gente como o senadorzinho da Polícia do Senado. E talvez eles tenham mesmo dificuldade em entender o que está acontecendo ao seu redor.
Pelo visto, os apuros de Lula, que outro dia mesmo era santo, e a longa prisão de Marcelo Odebrecht ainda não produziram todos os seus efeitos. Mas eles virão, queira Renan ou não, queira Sarney ou não, queira Eduardo Cunha — ou não!
(Publicado originalmente no Estadão)
Renan apela para autonomia dos Poderes para defender abuso de autoridade de arapongas sob suas ordens.
Na sexta-feira 21 de outubro, cumprindo ordens do juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Criminal Federal de Brasília, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), agentes da Polícia Federal (PF) prenderam o diretor da Polícia Legislativa (PL), Pedro Ricardo de Araújo Carvalho, vulgo Pedrão, e mais três subordinados dele. A ação deu início à Operação Métis, palavra grega que significa habilidades e deu nome à deusa da prudência, saúde, proteção, astúcia e virtudes, chamada pelos romanos de Minerva. O objetivo é buscar e apreender provas de um crime grave do qual eles passaram a ser acusados. Segundo o ex-agente da mesma instituição Paulo Igor Bosco da Silva, o órgão estaria sendo usado para fazer varredura de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça em dependências particulares de nobres varões e damas da República.
A acusação é pesada e tornou-se ainda mais grave depois que o colaborador da Justiça acima citado denunciou, em entrevista exclusiva ao Estadão da segunda-feira 24, uma varredura de grampos em telefones do ex-presidente da República e do Senado José Sarney (PMDB-AP) em Brasília. Para piorar, segundo ele garantiu ao repórter Erich Decat, a missão, realizada em julho de 2015, partiu de uma ordem oculta, "não numerada". Se isso for verdade, ela revela a reprise do escárnio dos 300 atos administrativos sigilosos que favoreciam os próprios parlamentares e vários de seus parentes, contrariando o preceito constitucional de publicidade das resoluções do Congresso. Entre estes, a exoneração de um neto do então presidente da Casa, o mesmo José Sarney, tornada secreta para a sociedade não tomar conhecimento do descumprimento de regras contra o nepotismo postas em vigor no ano anterior pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Da tribuna o venerado chefe político garantiu que não sabia "o que é ato secreto". Mas dois meses depois foi obrigado a admitir que sabia, sim, ao reagir à confirmação da informação, publicada no Estadão (que valeu um Prêmio Esso), pelo ex-diretor da Casa Ralph Siqueira.
Ao novo escândalo o sucessor do maranhense na presidência da Mesa da Casa, à qual cabe dirigir os atos da dita PL, Renan Calheiros (PMDB-AL), reagiu com ferocidade. A pretexto de defender a autonomia do Poder Legislativo, "ultrajado" pelos outros dois – o Executivo, ao qual é subordinada a PF, e o Judiciário, a que pertence o juiz federal, sem contar ainda o procurador-geral da República, Rodrigo Janot –, Calheiros soltou os cachorros em nota oficial. "A Polícia Legislativa exerce atividades dentro do que preceitua a Constituição, as normas legais e o regulamento do Senado", disparou. Mas omitiu quais dispositivos dão aos agentes, tratados como capangas, autorização para atuar na prática como operadores de "contrainteligência", usando o palavrão mais adequado para definir a lambança à qual respondem agora os ditos cujos perante a lei.
Pouco se sabe da Polícia Legislativa e serão bem-vindas as informações que a PF, o MPF e a Justiça Federal vierem a obter na investigação da Operação Métis. O que já se sabe, aliás, não aparenta corroborar a função de guarda pretoriana das prerrogativas de suas nobres excelências legisladoras. Por exemplo, uma tentativa de impedir uma ação de busca e apreensão empreendida pela PF na Casa da Dinda, residência do ex-presidente deposto e atual senador Fernando Collor de Mello, que a usou como quartel-general no período em que ficou afastado da Presidência até o Congresso aprovar seu impeachment. Nela um confronto entre PF e PL quase acabou em desforço físico ou coisa pior.
Criada em 1950 como secretaria, esta incorporou departamentos que vão além da função original de proteger o patrimônio da Casa, ganhando atribuições extraordinárias principalmente sob o comando de Sarney e Renan, ambos do PMDB. O salário inicial de um agente é de R$ 16 mil, mais do que o dobro de um policial federal (R$ 7 mil), quatro vezes o de um PM (R$ 4 mil) ou o triplo de um membro da Polícia Civil estadual (variável por Estado, mas no máximo R$ 6 mil). Para prover a proteção pessoal do presidente do Senado ela adquiriu recentemente 31 equipamentos de "contrainteligência". Entre eles, duas maletas Oscor Green, que custam mais de R$ 100 mil cada, e mais dois aparelhos de reconhecimento de espionagem telefônica, a R$ 60 mil a unidade. Conforme um especialista, tais utensílios servem para grampear, não para fazer varredura, que é muito mais simples. Segundo o depoimento desse usuário de aparelhos do gênero (a serviço da lei), a chamada espionagem ambiental pode ser feita com eficácia por aparelhos minúsculos colocados no ambiente, em canetas, chaveiros ou numa caixa de fósforos. Estes custam cerca de R$ 600 cada, podem ser encontrados em lojas de equipamentos eletrônicos e vendidos sem necessidade de registro. As maletas, usadas por detetives particulares ou em espionagem industrial, são aptas a grampear telefones celulares ou mensagens, além de gerenciar escutas ambientais.
As observações acima servem apenas para mostrar que medidas como tetos de gastos não impedem que o dinheiro público seja usado com prodigalidade incomum quando se trata de blindar a imagem pública e o sigilo telefônico de senadores, acima ou abaixo de qualquer suspeita. Por mais que se queira configurar como arbitrárias a busca e a apreensão feitas por autorização de um juiz de primeira instância em escritórios de parlamentares, a Operação Métis flagrou, no mínimo, o uso abusivo da obra de Montesquieu. O teórico da independência dos poderes republicanos como forma de exercer freios e balanços foi usado como pretexto para justificar a ação do cangaço, exercida por arapongas (ou capangas) de Sarney, Renan e Lobão e da patota deles na Câmara dita Alta.
Este episódio já permitiu que se revelasse o cinismo supremo que paira sobre o Legislativo: a nota oficial exarada por Gleisi Hoffmann para reconhecer um pedido de arapongagem explícita, dirigido ao presidente da Mesa da Casa e assinado pela própria papisa da prerrogativa de foro. "Logo após a operação de busca e apreensão realizada em minha casa (sic) em Brasília e em Curitiba, com a prisão de meu marido, Paulo Bernardo, solicitei ao Senado que a Polícia Legislativa, dentro de suas atribuições legais, fizesse uma verificação e uma varredura eletrônica nas residências. Fiz o pedido formalmente. Tem (sic) processo no Senado com autorização formal pra isso", ela escreveu em vernáculo deplorável. Inócuo dizer que, tal como a autoridade que mandou fazer, em sigilo, a varredura pedida, ela não se deu ao trabalho de relacionar os dispositivos constitucionais, legais e regimentais que a autorizam a usar dinheiro público cobrado em impostos de pobres cidadãos, mais empobrecidos pela ação solerte e predadora dos políticos profissionais que se protegem da lei usando o erário, que eles mesmos têm ajudado a dilapidar em proveito próprio. A tentativa de documentar o delito assemelha-se à de um arrombador que reclamasse de sua inocência apresentando à autoridade a nota fiscal do pé de cabra usado no arrombamento. Ou à de um pistoleiro que exigisse ser inocentado por ter autorização para portar arma.
E Michel Temer, que nem para apoiar as justas posições a respeito do imbróglio assumidas por seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e pelo diretor da PF, Leandro Daiello, deu, como seria dever de ofício, o ar da graça de uma fala sua direto do trono? Faz como quadro de Cristo em prostíbulo: a tudo assiste e nada fala.
O sociólogo Marcos Rolim lamentou o infortunado amigo e seu ex- assessor parlamentar Plínio Zalewski. Então militantes do PT, Plínio cheio de dúvidas filosóficas, se empanturrava de Marx a Arendt e ambos anelavam o socialismo democrático no mundo que ruía.
Ao correr do tempo as garras revolucionárias de Plínio foram arrefecendo ante a realidade até acomodar-se no PMDB. Neste evoluiu como funcionário da Assembléia Legislativa. No embate eleitoral em que comandava o PMDB viu-se flagrado em desvio de função pelo adversário. Coisa comum entre funcionários de Assembléias Legislativas. Mas Plínio era homem honrado; envergonhou-se e deprimiu-se. Uma exceção. Sua tragédia serviu ao senhor Rolim para desdobrar-se em paráfrases sentimentais e caluniosas aos adversários, culpando-os pela morte de Plínio. Vezo próprio do esquerdismo caboclo: caluniar e eternizar-se no poder.
O estalinismo, a revolução chinesa, a cubana, Coréia do Norte, Venezuela bolivariana são apanágios seus no Brasil. A violência é válida pra galgar o poder ou garanti-lo. A Lei constitucional não se aplica à esquerda no poder. FHC ao transmitir a presidência foi emotivo e cavalheiro. Lula respondeu com “nós e eles, as elitis, a herança maldita, a direita exploradora”.
A senhora Dilma, coagida por força constitucional a deixar a presidência, convocou à luta contra o golpe. Em pleno Palácio o MST prometia incendiar o país. Hoje, acuado em vários processos por assalto aos cofres públicos em associação criminosa com os maiores empreiteiros do país, Lula enxovalha a Justiça e acusa o STF de covardia. As senadoras vermelhas histericamente impedem as falas dos opositores aos berros. Irmanado a tal companhia o sociólogo Rolim classifica de “fascistas” seus adversários, anunciando seu voto tisnado por calúnia. Erra o alvo. Tigres fascistas são os sicários que agrediram a jornalista Yoni Sánches, os mascarados que vandalizam nas ruas propriedades pública e particular, os salteadores do MST, eram os nazis do nacional socialismo de Hitler. Os democratas e liberais recorrem à Justiça a favor de suas causas.
(Publicado originalmente no Jornal da Tarde, em 03/09/98)
Já acreditei em muitas mentiras, mas há uma à qual sempre fui imune: aquela que celebra a juventude como uma época de rebeldia, de independência, de amor à liberdade. Não dei crédito a essa patacoada nem mesmo quando, jovem eu próprio, ela me lisonjeava. Bem ao contrário, desde cedo me impressionaram muito fundo, na conduta de meus companheiros de geração, o espírito de rebanho, o temor do isolamento, a subserviência à voz corrente, a ânsia de sentir-se iguais e aceitos pela maioria cínica e autoritária, a disposição de tudo ceder, de tudo prostituir em troca de uma vaguinha de neófito no grupo dos sujeitos bacanas.
O jovem, é verdade, rebela-se muitas vezes contra pais e professores, mas é porque sabe que no fundo estão do seu lado e jamais revidarão suas agressões com força total. A luta contra os pais é um teatrinho, um jogo de cartas marcadas no qual um dos contendores luta para vencer e o outro para ajudá-lo a vencer.
Muito diferente é a situação do jovem ante os da sua geração, que não têm para com ele as complacências do paternalismo. Longe de protegê-lo, essa massa barulhenta e cínica recebe o novato com desprezo e hostilidade que lhe mostram, desde logo, a necessidade de obedecer para não sucumbir. É dos companheiros de geração que ele obtém a primeira experiência de um confronto com o poder, sem a mediação daquela diferença de idade que dá direito a descontos e atenuações. É o reino dos mais fortes, dos mais descarados, que se afirma com toda a sua crueza sobre a fragilidade do recém-chegado, impondo-lhe provações e exigências antes de aceitá-lo como membro da horda. A quantos ritos, a quantos protocolos, a quantas humilhações não se submete o postulante, para escapar à perspectiva aterrorizante da rejeição, do isolamento. Para não ser devolvido, impotente e humilhado, aos braços da mãe, ele tem de ser aprovado num exame que lhe exige menos coragem do que flexibilidade, capacidade de amoldar-se aos caprichos da maioria – a supressão, em suma, da personalidade.
É verdade que ele se submete a isso com prazer, com ânsia de apaixonado que tudo fará em troca de um sorriso condescendente. A massa de companheiros de geração representa, afinal, o mundo, o mundo grande no qual o adolescente, emergindo do pequeno mundo doméstico, pede ingresso. E o ingresso custa caro. O candidato deve, desde logo, aprender todo um vocabulário de palavras, de gestos, de olhares, todo um código de senhas e símbolos: a mínima falha expõe ao ridículo, e a regra do jogo é em geral implícita, devendo ser adivinhada antes de conhecida, macaqueada antes de adivinhada. O modo de aprendizado é sempre a imitação – literal, servil e sem questionamentos. O ingresso no mundo juvenil dispara a toda velocidade o motor de todos os desvarios humanos: o desejo miméticode que fala René Girard, onde o objeto não atrai por suas qualidades intrínsecas, mas por ser simultaneamente desejado por um outro, que Girard denomina o mediador.
Não é de espantar que o rito de ingresso no grupo, custando tão alto investimento psicológico, termine por levar o jovem à completa exasperação impedindo-o, simultaneamente, de despejar seu ressentimento de volta sobre o grupo mesmo, objeto de amor que se sonega e por isto tem o dom de transfigurar cada impulso de rancor em novo investimento amoroso. Para onde, então, se voltará o rancor, senão para a direção menos perigosa? A família surge como o bode expiatório providencial de todos os fracassos do jovem no seu rito de passagem. Se ele não logra ser aceito no grupo, a última coisa que lhe há de ocorrer será atribuir a culpa de sua situação à fatuidade e ao cinismo dos que o rejeitam. Numa cruel inversão, a culpa de suas humilhações não será atribuída àqueles que se recusam a aceitá-lo como homem, mas àqueles que o aceitam como criança. A família, que tudo lhe deu, pagará pelas maldades da horda que tudo lhe exige.
Eis a que se resume a famosa rebeldia do adolescente: amor ao mais forte que o despreza, desprezo pelo mais fraco que o ama.
Todas as mutações se dão na penumbra, na zona indistinta entre o ser e o não-ser: o jovem, em trânsito entre o que já não é e o que não é ainda, é, por fatalidade, inconsciente de si, de sua situação, das autorias e das culpas de quanto se passa dentro e em torno dele. Seus julgamentos são quase sempre a inversão completa da realidade. Eis o motivo pelo qual a juventude, desde que a covardia dos adultos lhe deu autoridade para mandar e desmandar, esteve sempre na vanguarda de todos os erros e perversidade do século: nazismo, fascismo, comunismo, seitas pseudo-religiosas, consumo de drogas. São sempre os jovens que estão um passo à frente na direção do pior.
Um mundo que confia seu futuro ao discernimento dos jovens é um mundo velho e cansado, que já não tem futuro algum.