• Hélio Angotti Neto
  • 20 Novembro 2016

 

(Publicado originalmente em www.midiasemmascara.org)

Movido pelo exemplo ele se aprofundou no estudo da fé que movia aquelas pessoas, e ao fim de uma longa e trágica vida encontrou seu caminho dentro do Cristianismo.


Bernard Nathanson, o rei do aborto, descreve sua trajetória pessoal no livro "The Hand of God: A Journey from Death to Life by the Abortion doctor Who Changed His Mind", publicado pela Regnery Publishing Inc.[1]

Como todas as melhores narrativas autobiográficas presentes em nossa civilização, Nathanson inicia olhando para as próprias trevas. Não foi diferente com o Apóstolo Paulo, Agostinho de Hipona ou Dante Alighieri. Estes estabeleceram modelos ao redor da mesma fórmula de sinceridade plena consigo mesmo, aquele foi capaz de identificar o mesmo modelo em sua própria vida. E profundas trevas de fato foram vasculhadas em seu livro.

Bernard foi um judeu secular filho de judeus seculares. Começou cedo sua história com o aborto, encaminhando com a ajuda de seu pai a sua namorada para que abortasse seu primeiro filho. Já adiante na carreira, ele mesmo fez o aborto de seu outro filho, de uma forma metódica e muita higiênica, quase como a dos proficientes médicos nazistas que exterminavam milhões.

Seu papel na legalização do aborto foi importante, e sua atuação chefiando clínicas de aborto ou fazendo ele mesmo os abortos impressiona. Mais de 75.000 vidas foram tiradas por Bernard Nathanson. Ele era eficiente no que fazia e se destacava, numa época onde os médicos mais desqualificados já migravam para as práticas abortistas.

É claro que por anos atraiu a fúria e o desprezo de muitos médicos de linhagem hipocrática e de defensores da vida humana.

Mas as coisas começaram a mudar quando surgiu um impressionante aparelho: a ultrassonografia! Ao observar as reações do feto no momento em que o mesmo era destruído pela sucção, Nathanson parou de viver na abstração de seu próprio mal e percebeu concretamente a extensão do mal que praticava. Ali estava uma vida sendo destruída, ao vivo, na televisão! E não somente ele, mas outros médicos abortistas nunca mais ousaram eliminar vidas humanas depois de assistir ao que realmente acontecia dentro do útero materno.

O rei do aborto começara a questionar a si mesmo. Abandonou suas práticas anteriores e tornou-se membro do movimento pró-vida americano, angariando para si o ódio e a inimizade de incontáveis médicos e pessoas que agora defendiam o "Direito de Escolha".

Produziu dois documentários impactantes que, obviamente, nunca chegaram à grande mídia, mas que transformaram a forma pela qual muitas pessoas enxergavam essa questão: The Silent Scream (O Grito Silencioso) e The Eclipse of Reason (O Eclipse da Razão).

Em 1987, Bernard recebeu uma carta de uma defensora do direito de escolher o aborto que trabalhara para ele no passado. Ela contava que algo muito tenebroso se passava na clínica onde ela trabalhava. Pedaços de bebês estavam sendo vendidos! Hoje observamos quase que descrentes a Planned Parenthood vendendo órgãos de bebês abortados num verdadeiro açougue humano e nos perguntamos como chegamos aqui. Mas não há novidade na história. As promessas de tratamentos milagrosos já abundavam à época, e ainda abundam, com efeitos colaterais e decepções igualmente presentes em larga escala.

Nathanson faz os cálculos macabros do que seria preciso para efetivar terapias com células fetais, e o resultado impressiona pela quantidade de sangue humano necessário para ações em larga escala realmente efetivas à sociedade.

E a guerra entre abortistas e defensores da vida seguiu acirrada nos Estados Unidos, incluindo alguns casos de tiroteio e violência contra médicos e funcionários de clínicas de aborto. Foram poucos, mas trágicos. Porém, o que mais impactou Bernard foi o exemplo da pacífica maioria que tinha a coragem de suportar as piores humilhações e agressões dos radicais pelo direito de decidir; a maioria que mantinha a resiliência ao lutar por algo que considerava sagrado.
Movido pelo exemplo ele se aprofundou no estudo da fé que movia aquelas pessoas, e ao fim de uma longa e trágica vida encontrou seu caminho dentro do Cristianismo.

Das profundezes do mais tenebroso inferno, repetindo o holocausto em diferentes vítimas, Bernard Nathanson foi alçado a um diferente patamar e sofreu uma impressionante virada em sua visão de mundo. Sua história culminando em sua sofrida transformação é um testemunho real do poder e do efeito do perdão na vida de alguém.

Nota:
[1] NATHANSON, Bernard N. The Hand of God: A Journey from Death to Life by the Abortion Doctor Who Changed His Mind. Washington, DC: Regnery Publishing, Inc., 1996.

Hélio Angotti Neto é médico oftalmologista com graduação pela Universidade Federal do Espírito Santo e residência médica e doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Coordena o curso de medicina do Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC-ES) e é o diretor da seção especializada em humanidades médicas da revista Mirabilia. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética, do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC, do Center for Bioethics and Human Dignity, da Associação Brasileira de Educação Médica e do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho. Coordena o SEFAM (Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina).

 

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  • Eliane Cantanhêde
  • 20 Novembro 2016

 

(Publicado originalmente no Estadão)


Se a classe média, a economia e o País foram ao paraíso nos anos Lula, como, quando, onde e por que o “Brasil grande” da era petista começou a dar errado até se esborrachar no inferno da recessão, inflação, juros, desemprego e impeachment de Dilma Rousseff? É a essas perguntas que “Anatomia do Desastre”, da editora Portfolio-Penguin, 264 pág., responde com uma clareza estarrecedora.

O momento crucial ocorre em 2005, terceiro ano do governo Lula, e tem como personagem chave a própria Dilma. O Brasil estava em êxtase, com o boom internacional das commodities, a continuidade da herança bendita de FHC, Lula como salvador da pátria, a sociedade vibrando. Condições perfeitas para o “choque de austeridade” que Delfim Netto, Antonio Palocci e Paulo Bernardo articulavam para sedimentar o futuro, baseado em déficit nominal zero por cinco a dez anos. Aliás, uma versão preliminar da atual PEC do teto dos gastos.

Na reunião decisiva, relata o livro, Dilma olhava para o teto, como que distraída, e tamborilava os dedos na mesa, como que impaciente, para então demolir as teses de austeridade e responsabilidade fiscal com uma ode ao populismo: “Despesa é vida!”. Meses depois, em entrevista ao Estado, desqualificou a proposta a seu estilo: “É rudimentar”.

Como a história mostrou dramaticamente, rudimentar era ela, que não apenas decretou ali o fim do “choque de austeridade”, mas o ambiente para as pedaladas, o descontrole fiscal, o desastre na economia e, por fim, o enterro do próprio mandato. Com um detalhe sórdido: Dilma só era ministra das Minas e Energia, fora do núcleo das decisões. Como teve tanta audácia? Segundo o livro, ela não falava por ela, mas falava por Lula, já empenhado na reeleição em 2006 e na perpetuação do PT no poder. Logo, Lula e Dilma construíram juntos o desastre.

E foi assim que Dilma subiu depois a rampa do Planalto endeusando a “despesa”, carregando a “nova matriz econômica” debaixo do braço, desdenhando o tripé econômico de austeridade fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante e capaz de manipular preços públicos e desonerações fiscais de acordo com suas ideologias políticas, suas crenças intervencionistas e as conveniências eleitorais do PT (e dela). Deu no que deu. Mas não foi nenhuma surpresa para os autores de “Anatomia do Desastre”.

Ano após ano, desde o final da era Lula, os jornalistas Cláudia Safatle e Ribamar Oliveira, do Valor Econômico, e João Borges, da Globonews, não perdiam uma oportunidade, nas redações ou em encontros casuais, de manifestar perplexidade, ou indignação, com o desastre que se avizinhava. Hoje, cada um deles poderia se gabar: “Eu não disse?” Mas preferiram contar um desastre como “nunca antes na história deste País”, embalado pelo aparelhamento do Estado e pela corrupção sistêmica. É tão chocante que, no prefácio, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga adverte: “Se o texto lhe parecer ficção, a culpa é dos fatos, não dos autores”.

Lula. No Roda Viva, Temer deveria ter respondido sobre a prisão de Lula com um bordão da ditadura: “Nada a declarar”, acrescentando que “isso é com o Judiciário, não com o Executivo”. Mas, sabe-se lá por quê, preferiu admitir que isso causaria “sérios problemas” ao País.

Ele não está falando sozinho. Mesmo na cúpula militar, que não morre de amores por Lula e o PT, a avaliação é de que não se trata apenas de Lula, mas da instituição Presidência da República. A prisão de um ex-presidente é um trauma histórico, principalmente quando ele foi um mito dentro e fora do País.

Então, Lula não vai ser preso? A resposta é o oposto do que se pensa. Se for exclusivamente pela questão jurídica, há fortes indícios de que sim. Se pesar o fator político, não será.

 

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  • Alfredo Marcolin Peringer
  • 19 Novembro 2016

 

A frase acima ganhou notoriedade em 1975, com o lançamento do livro de Milton Friedman, "There's no such thing as a free lunch". Mas há indícios de que ela tenha sido usada bem antes, nas décadas finais do Século XIX, por comerciantes do velho oeste americano que, precisando atrair clientes, ofereciam comida de graça aos fregueses, desde que consumissem bebidas alcoólicas. Como era de se esperar, o custo da refeição ficava oculto no preço das bebidas, não se confirmando a tal promessa do almoço gratuito. É compreensível! Um empreendimento, para sobreviver, tem que ser lucrativo ou, no mínimo, não gerar prejuízo.

Hoje em dia é na administração pública que se revelam os mais altos custos ocultos. Inobstante esteja escrito que o sistema é regido por princípios constitucionais da eficiência, trata-se de uma apreciação formal. É praticamente impossível dar eficiência a uma empresa controlada por decisões políticas e burocráticas, salvo uma ou outra honrosa exceção. Isso fica evidente quando abrimos o campo de atuação pública à iniciativa privada. A abertura faz com que surjam novos bens, novas tecnologias e novas formas de se fazer as coisas, aumentando a produtividade e deixando transparecer os custos ocultos.

No livro citado, Friedman mostra que o melhor desempenho do setor privado, em relação ao público, pode ser explicado de quatro maneiras: a) quando a pessoa gasta o próprio dinheiro, consigo mesma; b) quando ela gasta o próprio dinheiro, com outras pessoas; c) quando a pessoa gasta o dinheiro de terceiros, consigo mesma; e d) quando ela gasta o dinheiro de terceiros, com outras pessoas. E a forma mais produtiva, em termos de custo-benefício, é quando a pessoa gasta o próprio dinheiro, com ela mesma; e a menos produtiva, é a usada pelo governo, ao gastar o dinheiro de terceiros, com outras pessoas.

Aristóteles, o filósofo grego, prefere ajuizar de maneira mais simples as vantagens de se lidar com o que é próprio, vis-à-vis o que é comum a todos, considerando, apenas, que os indivíduos cuidam melhor do que é seu, do que aquilo que é comunitário. Curiosamente, vai além, ao fazer referência a outra superioridade moral da propriedade privada: a oportunidade de se poder praticar a verdadeira benevolência e filantropia, refletindo que não há nenhum mérito quando se distribui o que é dos outros.

A reflexão tem mais valor se for contextualizada ao cenário atual de crise da economia brasileira. Exigir mais "almoços" do setor produtivo neste momento pode nos impelir a uma situação semelhante à batalha de Pirro, onde não há ganhador, seja empresário, consumidor, contribuinte ou fiscalista.

* Economista (UFRGS); grau MBA, conferido pela Michigan State University –USA, especialização em Finanças; e membro Especialista do Instituto Millenium - IMIL

 

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  • Editorial do Estadão, 17/11/2016
  • 19 Novembro 2016

O INTOCÁVEL

Editorial do Estadão, 17/11/2016


Há uma semana, foi lançada em São Paulo mais uma campanha pela imunidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente réu em três processos relacionados a casos de corrupção. O nome do movimento – "Por um Brasil justo para todos e para Lula" – não deixa margens a dúvida quanto à sua natureza. Não basta ser justo com todos. Com Lula, é preciso um pouco mais. Trata-se de mais uma tentativa de manipular valores e princípios democráticos, como a igualdade de todos perante a lei e a presunção de inocência, para fins muito distantes dos ideais democráticos. Querem o velho e imoral tratamento privilegiado para o ex-presidente.

Justiça para todos, sim, mas que para Lula seja reservada uma especial justiça, que não lhe traga constrangimentos nem muito menos ouse questionar o seu comportamento com a fria métrica legal. Sim, todos são iguais perante a lei e devem se submeter à justiça, mas Lula – parecem dizer os promotores da campanha – deve ser mais igual que os outros. Mais que por justiça, o tom do clamor é por uma desigual condescendência.

Idealizada por intelectuais de esquerda e amigos do ex-presidente, a nova campanha escancara viés não igualitário. Há investigações contra ele? Há suspeita de recebimento de alguns favores de caráter um tanto duvidoso? Nesses casos, não basta que ele tenha os mesmos direitos concedidos a todos os outros cidadãos e possa, dentro da mais estrita legalidade processual, responder judicialmente. Não é suficiente tampouco que, em seu pleno exercício do direito de ampla defesa, ele seja excelentemente assessorado por uma banca de renomados causídicos. Tudo isso é pouco para Lula.

Ele precisa de uma organizada campanha de comunicação a difundir impropérios contra as instituições. Ele precisa de comitês em todos os Estados brasileiros e no exterior – a campanha em prol da imunidade de Lula não quer se restringir ao território nacional – a propagar a ideia de que há no País uma "perversão do processo legal". Ele precisa de material impresso e eletrônico para denunciar "prisões banais por meras suspeitas, conduções coercitivas ilegais, vazamentos criminosos de dados e exposição da intimidade".

Pelo que se vê, Lula não gosta de ser tratado como os outros, e exige que partido, simpatizantes e amigos trabalhem para ele. Todo o restante – rever as práticas partidárias, reconectar o partido com o eleitorado, etc. – pode esperar. A máxima prioridade do PT deve ser proteger seu grande chefe dos efeitos das instituições. Dentro dessa lógica pouco democrática, produz-se uma grande mobilização que difunda dúvidas sobre a legitimidade das instituições nacionais e sobre as intenções daqueles que fazem perguntas incômodas a Lula e podem exigir que ele, como um brasileiro igual a todos os outros, responda pelos seus atos perante a lei.

No ato de lançamento da nova campanha, Lula alegou constrangimento por estar ali em causa própria. "Não me sinto confortável participando de um ato da minha defesa. Eu me sentiria confortável participando de um ato de acusação à força-tarefa da Lava Jato, que está mentindo para a sociedade brasileira", disse o ex-presidente, que não se deu ao trabalho de explicar as supostas mentiras da operação. Ao fiel público que foi prestigiá-lo, Lula preferiu oferecer o já habitual e cada vez menos convincente papel de vítima. A novidade ficou por conta da revelação de suas visões particulares, nas quais percebe "um pacto quase diabólico" entre as instituições para destruir sua reputação e o projeto de país que implementou em seus oito anos de governo.

"Eles mexeram com a pessoa errada", concluiu Lula, referindo-se ao trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público, do Poder Judiciário e – como o ex-presidente gosta sempre de incluir – da mídia. Na lógica lulista, há pessoas intocáveis, que as instituições não devem importunar. Há pessoas certas e há pessoas erradas para se mexer. É comovente a profunda consciência da ideia de igualdade do ex-presidente.

 

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  • Guilherme Fiuza, O Globo
  • 19 Novembro 2016


Garotinho — preso na véspera — zombando da prisão de Cabral é um momento insuperável da política brasileira. Mais impressionante que isso, só o Brasil zombando dos fatos. A narrativa espalhada pelo pessoal que vive de espalhar narrativas é que a prisão de Cabral detona o PMDB e, consequentemente, o governo golpista que derrubou a mulher honesta. Como escreveria Nelson Motta: rsrs.

Ainda penando para sair do buraco, o país está louco para ser roubado de novo. Vamos contrariá-lo. Falta um dado essencial na investigação que levou à captura de Sérgio Cabral: a conexão Delta-Dilma. A empreiteira de estimação do ex-governador preso tornou-se subitamente a campeã das obras do PAC — do qual, como se sabe, Dilma é a mãe.

E foi sob essa generosa proteção maternal que a Delta se associou a Carlinhos Cachoeira para plantar o laranjal em torno do Dnit — no escândalo dos superfaturamentos de estradas que o Brasil, claro, já esqueceu. O PMDB de Cabral, portanto, é antes de tudo sócio histórico do PT de Dilma e Lula. Interessante observar que Fernando Cavendish, o ex-poderoso mandachuva da Delta, dedurou à polícia uma boiada inteira para ferrar seu ex-amigo, e aparentemente não tocou nos anjos da guarda de Brasília.

Você está impressionado com os R$ 222 milhões desviados em quatro obras do Rio? Bem, isso é brincadeira de criança perto das fraudes detectadas nas obras viárias do PAC — que não levaram ninguém em cana porque o Brasil estava aclamando mamãe como a faxineira da nação. A negociata do Maracanã aconteceu sob o mesmo guarda-chuva da Copa das Copas — a fantástica conexão entre os picaretas da Fifa e os do PT que rendeu os estádios mais caros da história da competição.

O Maracanã de Cabral é primo do Itaquerão de Lula, já devidamente incluído na Lava-Jato, capítulo Odebrecht. A podridão do PMDB do Rio na última década, exposta agora pela Justiça e pela Polícia Federal, não pode ser alienada do reinado Lula-Dilma. Isso é roubo. O que está acontecendo hoje em Brasília é um pouco diferente.

Ao menos nos postos-chave do governo, Michel Temer fez a dedetização: ouviu a banda boa do Brasil (é incrível, mas ela ainda existe) e colocou no Banco Central, na Fazenda, no Tesouro, no BNDES e na Petrobras comandantes respeitados (todos eles) no mundo inteiro. Não é que Temer seja bonzinho, nem que o PMDB dele seja flor que se cheire: é apenas um presidente fazendo a coisa certa, talvez por instinto de sobrevivência, como fez Itamar Franco no Plano Real.

Quem lembra que a estabilidade monetária foi conquistada num governo do PMDB? Ninguém, porque o plano foi feito apesar do PMDB. Apesar de Renan Calheiros e grande elenco obscuro, o governo Temer abriu espaço para gente séria tomar conta do dinheiro. E todos os indicadores macroeconômicos estão começando a melhorar por causa disso — incluindo milagres como a recuperação da Petrobras, depenada pelos companheiros nacionalistas e guardiões do que é nosso (deles).

Isso é uma tragédia para os profissionais da narrativa miserável. No que a vida do povo melhora, o palanque da salvação bolivariana fica às moscas. Mas o conto de fadas da revolução progressista não pode morrer, porque administração séria é um tédio. Alguém acha que a MPB vai compor um hino para o equilíbrio das contas públicas? Que poeta emprestaria seu charme marginal para o saneamento do Tesouro?

Era preciso pensar numa reação rápida contra o atentado de monotonia, perpetrado pelos homens brancos, velhos, recatados e do lar — e daí surgiu a ideia genial: demonizar a arrumação da casa. Assim nasceu o famoso slogan “A PEC do fim do mundo”. Enfim, um sopro de poesia na aridez cruel dos números — quando todo mundo sabe que esse negócio de fazer conta é coisa de reacionário, especialmente se a conta fecha.

A iniciativa do governo de propor um teto para os gastos públicos é uma ação neoliberal, praticamente nazista, porque certamente impediria o surgimento de novos heróis humanitários como Delúbio, Vaccari, Valério e Dirceu. Qualquer coxinha de esquerda metido em ocupação de escola sabe que, sem cheque especial ilimitado, a revolução engasga.

É comovente ver instituições de ensino invadidas e ocupadas por todo o território nacional contra a PEC do fim do mundo. Existe algo mais poético do que um país inteiro transformado num jardim de infância? Os invasores revolucionários acreditam — ou fazem de conta, o que no universo infantil dá no mesmo — que a PEC é para desviar dinheiro da Educação para o Conde Drácula do PMDB. Fora Temer!

Esses caçadores de Pokémon do pósimpeachment montaram uma cena épica na PUC. A universidade carioca foi “ocupada” contra a vitória de Donald Trump. Como se vê, o videogame ideológico da garotada tem um alcance formidável. Curiosamente, o jogo parece não ter caçada a Lula e Dilma, os bichinhos mais vorazes da fauna local. Tudo bem. Deixem estes para os profissionais. Se o Brasil descobriu Cabral, haverá de chegar à Corte.

 

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  • Marcos Poggi
  • 18 Novembro 2016

 

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu nota com severas críticas à PEC 241 ora em tramitação no Congresso. Nenhuma novidade que possa enriquecer a discussão desse momentoso e controverso tema, apenas os mesmos argumentos já repetidos à exaustão pelos críticos da medida. Não obstante, o pronunciamento da entidade enseja, pelo menos, o aprofundamento da discussão de dois aspectos relevantes no caso.

O primeiro liga-se ao imperativo de superar o quadro de penúria do Estado brasileiro, e as consequências macroeconômicas de tal situação, realidade solenemente ignorada na nota da CNBB. E que impõe a aplicação de um freio de arrumação na administração das contas pública no Brasil. Porque, como disse o professor Delfim Netto, “o problema é que, na ausência de uma política de rígido controle, as despesas públicas aumentam sozinhas”. O segundo aspecto refere-se à discussão do tratamento dado pela PEC às regras que estabelecem o nível mínimo de recursos destinados às áreas de saúde e educação, em relação ao qual a carta dos bispos pode conter, apesar de não explicitado, um detalhe de realce, adiante discutido.

Há duas formas de efetuar o controle de qualquer orçamento: pelo aumento da receita e/ou pela redução das despesas. No caso das contas públicas, para aumento das receitas, via elevação da carga tributária, há um limite. A partir de determinado ponto, à medida que a carga tributária aumenta, a arrecadação cai, no lugar de subir. Tal fenômeno é explicado pelo desestímulo que uma elevada incidência tributária provoca nos agentes econômicos numa economia de mercado. Esse fenômeno pode ser facilmente compreendido pela observação da curva de Laffer, aqui

A teoria em causa trata tão somente dos efeitos da variação da carga tributária sobre o volume da arrecadação fiscal. A questão da adequação ou justiça da estrutura tributária é outra. O que, por conseguinte, não exclui a hipótese de que uma mexida na estrutura tributária possa elevar o ponto na curva de Laffer em que o aumento da carga tributária começa a baixar a arrecadação. Assim, como o nível de tributação no Brasil já encostou ou está muito próximo daquele limite, e não havendo espaço para aumento da receita via elevação de impostos (independentemente de eventuais inadequações e injustiças na aplicação dos tributos no Brasil), há que fazer logo alguma coisa para o efetivo controle das despesas públicas no País.

Quem melhor definiu, no plano macroeconômico, a situação de nossas contas públicas foi o economista Frederico Amorim, com um raciocínio absolutamente direto que pode ser resumido da seguinte forma: com a dívida da União (fora o endividamento dos Estados e municípios) em R$ 3,3 trilhões, o serviço da dívida já passa dos R$ 400 bilhões/ano, o que é insustentável. Desse total, os estrangeiros (apontados por alguns críticos como os vilões do processo), absorvem atualmente cerca de 17%, ficando, portanto, aproximadamente 83% nos bancos, fundos, empresas e pessoas físicas do Brasil.

Uma das consequências de tal situação é uma severa escassez de recursos para realização de investimentos públicos no País, já que as disponibilidades, nesse caso, precisam ser em grande medida canalizadas para pagamento do serviço da dívida. A propósito, é curioso observar que a nota da CNBB “alerta” para o risco de a PEC tornar inviáveis os investimentos em educação e saúde, quando o que se daria sem medidas fortes de controle do endividamento público, como as visadas com a PEC, seria justamente o oposto: a canalização da maior parte dos recursos para investimentos nessas áreas indo para pagamento do serviço da dívida. A menos que se fizesse uma opção preferencial pelo calote e pela hiperinflação.

E não apenas os investimentos públicos seriam fortemente reduzidos: os investimentos privados também o seriam. Em consequência, num quadro como esse a economia não tem como crescer, “porque a poupança, contrapartida macroeconômica dos investimentos, é praticamente toda, ou em grande medida, aplicada na cobertura do déficit público com suas generosas taxas de juros. A receita pública, com as restrições ao avanço da produção, e da arrecadação, também não cresce”. E sem superávit fiscal não há como honrar o serviço da dívida. A saída nesse contexto é fazer novas dívidas para pagar juros. Tal processo tem de ser estancado, sob pena de o País cair numa situação semelhante à da Grécia recentemente.

O segundo aspecto acima mencionado liga-se à limitação de gastos com saúde e educação. É que, apesar de os porcentuais mínimos para essas duas áreas não estarem atreladas à despesa (que a proposta limita), e sim à receita, que, obviamente, não se propõe congelar, há na PEC um dispositivo que limita, a partir de 2017, o crescimento dos gastos com saúde e educação ao total dessas mesmas despesas no exercício anterior corrigidas pela variação do IPCA. Esse dispositivo (que na prática desvincula as despesas com saúde e educação da receita) poderia ser considerado dispensável. Porque sem ele tais despesas só cresceriam em ritmo mais significativo no caso de um aumento superlativo das receitas, o que seria de todo desejável, já que reforçaria o combate às carências nacionais nessas áreas sem provocar dano maior às contas públicas. O único senão seria causado por uma possível necessidade de redução das despesas em outras áreas para atendimento a tais limites mínimos da saúde e educação, que ficariam livres para crescer com a receita. Não obstante, essa não seria uma dificuldade insanável. Uma compensação, ainda que parcial, a esse excesso de cuidado pode ser a anunciada emenda de aumento do limite mínimo de despesas com a saúde de 15% para 17% das receitas da União.

*Economista e escritor
 

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