A Santa Sé indicou que neste ano o seu concurso de temática humanista, o Prêmio das Pontifícias Academias, será todo sobre o latim.
O ganhador será escolhido pelo Papa Francisco e receberá mais de 21.400 dólares.
Por que a Igreja Católica se importa tanto em promover o latim? Por várias razões.
“No Vaticano, os documentos mais importantes emitidos pelo Papa e pela Santa Sé são escritos oficialmente em latim”;
Disse o secretário da Pontifícia Academia para o Latim, Pe. Roberto Spataro.
A isto se acrescenta que a versão padrão da Bíblia, chamada a Vulgata, também está escrita em latim.
Além desta razão muito prática, disse o sacerdote:
É através do latim que é possível estar em contato com o vasto patrimônio da Igreja ao longo dos séculos;
É “descobrir que esta mesma linguagem foi durante muito tempo o meio do diálogo entre fé e razão”.
O Prêmio 2017 das Pontifícias Academias é patrocinado pelo Pontifício Conselho para a Cultura e a Pontifícia Academia para o Latim, fundada pelo Papa Bento XVI em 2012 através do Motu proprio Latina Lingua.
Este Motu proprio assegura a importância do estudo e da preservação do latim, mas de modo único.
“O Papa Bento quis inspirar a Igreja universal para que não esqueça que o latim é a chave de um imenso tesouro de sabedoria e conhecimento”, disse Spataro.
Em 1962, João XXIII emitiu a Constituição Apostólica Veterum Sapientia, na qual;
“Declarou solenemente” que o latim tem três características distintas;
Que fazem desta antiga língua a “legítima língua para a Igreja Católica Romana”, disse Spataro.
Assim como a Igreja é por natureza “católica” ou “universal”, a língua latina também é internacional, não pertence a um país ou local;
E como já não é uma língua viva, também é imutável.
Isto “torna-o perfeito para avaliações dogmáticas e litúrgicas, pois tal atividade intelectual requer uma linguagem lúcida que não causa ambiguidade na expressão.
É bonito e elegante e a Igreja sempre é amante das artes e da cultura”, explicou o sacerdote.
Organizado anualmente pelo Pontifício Conselho para a Cultura, o Prêmio 2017 das Pontifícias Academias é construído em torno de dois temas:
As propostas metodológicas para o ensino do latim contemporâneo e a recepção do latim cristão antigo entre as épocas medievais e modernas.
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Em 5 de dezembro de 2016, durante o 10º Encontro Nacional do Poder Judiciário, em Brasília, a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Cármen Lúcia afirmou que “a sociedade precisa acreditar no Poder Judiciário para que não faça justiça com as próprias mãos”.
Seria ideal concordar com a ministra, mas a questão é que justiça se faz através do cumprimento das leis o que não é comum no Brasil. Geralmente ocorrem opiniões pessoais, interpretações esdrúxulas das leis, julgamentos políticos e sai livre quem tem recursos financeiros para pagar bons advogados. Acrescente-se a lentidão da justiça, notadamente do STF.
Exceção se faça ao juiz Sérgio Moro, que apoiado no trabalho de promotores e da Polícia Federal tem prendido provisoriamente e depois sentenciado donos das maiores empreiteiras do país, altos executivos dos governos petista, políticos, ou seja, “presos ilustres”, como disse o próprio juiz. Algo inédito no Brasil e sem alongamento de prazos que levam à prescrição dos crimes.
Depois do ministro Joaquim Barbosa, que pôs na cadeia figurões petistas e demais personagens ligadas ao “mensalão”, o juiz Moro faz de modo impressionante a diferença no país da impunidade, dos direitos humanos só para bandidos, que parece ainda seguir o costume do tempo das colônias espanholas quando se dizia: “La ley se acata, pero non se cumple”.
A atuação de Moro na operação Lava Jato não pode atingir o grande número de deputados e senadores envolvidos em crimes variados porque tais parlamentares desfrutam de foro privilegiado e só podem ser julgados pelo STF de conhecida morosidade, onde falta entrosamento entre os ministros e sobram atitudes incoerentes e impróprias a guardiães da Constituição. Nesse último caso recorde-se o espetáculo deprimente dos então presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-Al) e do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, quando estes rasgaram a Constituição para que os direitos políticos de Dilma Rousseff fossem preservados mesmo tendo sido ela cassada.
É verdade que uma comissão do Senado aprovou nesta semana uma emenda que põe fim ao foro privilegiado. Se depois de transitar nosplenários do Senado e da Câmara se tornar definitiva, políticos eleitos serão julgados por juízes de primeira instância e não pelo STF. Entretanto, já apareceu uma pegadinha: cogita-se no Congresso que o político só poderá ser julgado em seu domicílio eleitoral e não onde o crime ocorreu. Isso facilita as coisas, pois pode haver eventual pressão sobre o juiz local.
Realmente, há sempre a possibilidade de escapar quando se é poderoso. Afinal, no Brasil o crime compensa e os honestos é que são penalizados com a burocracia infernal, com cobranças absurdas e rigorosas, com dificuldades de toda espécie.
E falando em escapar, os ministros da 2ª Turma, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, contrariando o voto dos ministros Edson Fachin e Celso de Mello libertaram o grande amigo de Lula, José Carlos Bumlai e o ex-tesoureiro do PP, João Cláudio Genu, ambos condenados por Moro. Mantiveram em prisão domiciliar o lobista Fernando Moura e Eike Batista foi para casa com a ajuda providencial do ministro Gilmar Mendes.
A decisão dos três ministros, diferente do entendimento de seus pares da 1ª Turma, baseia-se na opinião de que a pena só pode começar a partir da condenação em segunda instância. Naturalmente, eles ignoram que 34% da população carcerária presa preventivamente apodrece em calabouços pelo país afora. Será que Toffoli, Mendes e Lewandowski pretendem também libertar tais encarcerados na medida em que todos são iguais perante a lei? Isso parece fora de cogitação na medida em que eles não são ilustres, não possuem um exército de advogados bem pagos nem influência política.
Contudo, um outro tipo de “igualdade” continua a favorecer figurões da Lava Jato e, assim, José Dirceu, outrora homem forte do governo Lula, inventor do mensalão, “capitão do time” de mafiosos, acusado de vários crimes foi solto no dia 2 de abril por decisão de Mendes, Toffoli e Lewandowski, que abriram caminho para o fim da Operação Lava Jato.
Na brecha do modus operandi liberou geral a defesa de Antonio Palocci enviou ao STF pedido de sua libertação, negado em decisão liminar – provisória – pelo ministro Edson Fachin, que decidiu enviar o parecer final para plenário do STF. Resta aguardar a deliberação dos 11 ministros a ser feita, não sabe quando, com longos discursos em “juridiquês” incompreensíveis ao comum dos mortais.
De todo modo, o que já ocorreu no STF indica a dificuldade de se aceitar a exortação da ministra Cármen Lúcia, pois não há como acreditar no Poder judiciário. Diante de tal insegurança jurídica não passamos de um país sem respeito às leis, portanto, sem futuro e sem esperança.
* Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.
O economista Luiz Gonzaga Coelho, diretor-geral do Hospital SOS Cárdio, com experiência internacional na área da saúde, enviou uma carta ao secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner. Merece leitura e reflexão.
“Compartilho com a necessidade de ouvir a população e os trabalhadores, seus anseios e suas preocupações referentes às reformas trabalhistas e tributárias em curso neste momento. Todavia, incentivar e mobilizar os cristãos a ‘suportar’ coletivos (sindicatos e funcionários público) não é dar ouvidos aos trabalhadores e ao nosso povo. Hoje, somos um país medíocre (sim, pois uma nação que permite que quase 70 mil pessoas, em sua maioria jovens, sejam assassinados por ano não merece um outro adjetivo), e esta mediocridade é o resultado de uma educação que nunca incentivou a geração de riquezas e o respeito ao indivíduo, fazendo-nos um país pobre, com coletivos pobres, e destruindo todas as nossas possibilidades de crescimento.
Todos os nossos governantes, e de quase todos os partidos políticos que nos regeram nos últimos 30 anos, por pressão dos sindicatos e de um discurso ‘politicamente correto’ criaram estes monstros que são nossas estruturas e legislações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, que sem uma reforma abrangente e geral, nunca teremos paz social.
Temos um Estado inchado, onde somente 49 milhões de trabalhadores estão formalizados, e destes, 10 milhões são funcionários do governo (não geradores de riquezas) para uma população de 206 milhões... não há necessidade de ser um expert em economia para constatar que esta equação não fecha. Quando abrimos os olhos para tentar entender o porquê deste resultado, constatamos que nossa legislação tributária impede a geração de riquezas, que a legislação trabalhista bloqueia a criação de empregos e do aumento dos salários, e por fim, que o nosso sistema de previdência, como não incentiva a geração de empregos e de riquezas, destrói as contas públicas e nos engessa, aumentando ainda mais os juros e inibindo toda e qualquer iniciativa de melhorar nosso país.
Além deste fato, o trabalhador (aquele que trabalha) está muito mais próximo da empresa que ele trabalha do que seu sindicato. Ele sabe que somente o aumento da oferta de empregos lhe garantirá salário mais alto. O Brasil sempre (e aqui eu incluo a Igreja e a mim também) subestimou os brasileiros, achando que devemos pensar, escolher, defender, sustentar, sem nunca oferecer os verdadeiros instrumentos para que o povo possa crescer de forma ordenada e pelas próprias capacidades.
A Igreja, com sua sabedoria e abrangência global, deveria realizar um verdadeiro comparativo entre todas as nações e assim mostrar aos fiéis que a paz social reina nas nações livres e liberais, sobretudo nas nações com Estado pequeno. O que mais me desola é o fato de que a Igreja de hoje venha a público defender coletivos e ideologias que por onde passaram destruíram os valores cristãos e seus povos (vide Venezuela, Cuba, Coreia do Norte etc.).
Quando uma escola jesuíta, como é o caso do Colégio Catarinense de Florianópolis, por mando do episcopado, fecha para “a greve” e que incentiva os alunos e professores a se manifestar “contra as reformas” sem abrir um espaço para discussão “não ideológica” fazendo representar todos os lados e opiniões, ela está usurpando a missão de geradora de conhecimento e de educação.
Por fim, sou cristão, católico apostólico romano, aplico e pratico os valores cristãos, e por isso manifesto aqui a minha visão de que a Igreja está tomando um caminho que já foi comprovado que não nos levará a lugar algum... Não estamos mais nos anos 1970.
Atenciosamente, Luiz Gonzaga Coelho
NOTA DO EDITOR: O autor é diretor da SOS Cardio em Caxias do Sul
Previdência, do latim praevidentia, quer dizer ver antes, prevenir. O significado de Previdência Social retrata o estabelecimento de um sistema coletivo de amparo futuro, na velhice. A resistência aos necessários ajustes na idade da aposentadoria, em proporção à longevidade, e as dezenas de fatores peculiares subjetivos a cada país, PIB, tradição, cultura, etc, concentra-se nas classes menos instruídas, pesando a geral deficiência no raciocínio matemático.
Estabelecer limites de idade de contribuição e usufruto justo do contribuinte,dentro da média estatística de vida, é uma equação de n incógnitas, que não pode ser resolvida por incendiários de ônibus ou bloqueadores de ruas. Outros países bem mais instruídos que nós – França, Alemanha, Grécia – enfrentando igual problema, foram sacudidos por reações parecidas, não chegaram ao vandalismo. Vandalismo rotineiro no Brasil atual.
A proporção de idosos, beneficiados da medicina, sanidade urbana, alimentação, aumenta com a longevidade, e encolhe o número de jovens contribuintes da previdência necessário para sustentá-los. Ser previdente é sinal de inteligência e precaução; ao revés, ser imprevidente demonstra incapacidade de prever o perigo. O ser humano adquiriu a capacidade de perceber e medir a conseqüência de seus atos, na distância proporcional a seu conhecimento e capacidade cerebral; é o que o distingue dos outros animais. Se não há previdência, domina a imprevidência; e esta leva certamente ao desastre.
A demografia é um fator de inarredável ponderação no conjunto de índices coligidos que devem participar das opções dos governantes no trato da Previdência. Recorro a Giovanni Papini, e seu Gog – livro saboroso, mordaz e irônico – que a seu modo alertava os governos sobre a imprevidência nos primeiros anos do século XX. Numa ilha isolada no Pacífico, uma lei de controle populacional garantia o equilíbrio frente ao limite de recursos alimentares. A cada nascimento que ultrapassasse o limite legal da população, impunha-se a morte do mais velho como necessária a manter a lei de conservação coletiva. Era a previdência extrema resultante da imprevidência anterior dominante.
"Devemos buscar a perfeição na criação, na vocação, no amor, no prazer. Mas tudo isso no campo individual. No coletivo, não devemos tentar trazer a felicidade para toda a sociedade. O paraíso não é igual para todos." (Mario Vargas Llosa)
Foi mais do mesmo. Se alguém ainda tinha dúvidas de como seria a tal greve geral programada para a última sexta-feira, dia 28/04, esse alguém não foi eu. Cantei a pedra falando que o protesto iria ser como o de crianças birrentas quando não conseguem o que querem e foi exatamente isso que aconteceu. Vimos um bando de vândalos fechando ruas, quebrando propriedades privadas e públicas só para chamar a atenção da população. E por quais motivos? Eles alegam os mais nobres, mas no fundo sabemos que são os mais ardilosos.
Se os gritos entoados durante as manifestações eram de perda de direitos trabalhistas, na prática os gritos que estufavam seus peitos eram de perda de tetas trabalhistas. Nenhuma entidade organizadora da manifestação estava ali para reivindicar direitos trabalhistas. Aliás, eles jamais estiveram em alguma manifestação por esse motivo. A verdadeira demanda desses grupelhos organizados sempre foi e sempre será de perder o direito de ganhar dinheiro sem fazer nada. E com o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical isso inevitavelmente irá ocorrer.
Seria chover no molhado a essa altura do campeonato falar que a reforma trabalhista não retira nenhum direito trabalhista. Mas e daí também se tirasse? Qual seria o grande crime? O grande crime seria, diria o pelego tapado, que nossos salários estariam nas mãos dos empresários. Ok, deixe-me ver se entendi. Então quer dizer que os salários ficarem nas mãos dos empresários, o que é completamente falso, é ruim; mas ficar nas mãos dos nossos maravilhosos políticos é ótimo? Essa mesma classe política que nos rouba na entrada e na saída? É nas mãos dessaclasse que o nosso dinheiro está bem empregado? Sim, porque mais da metade do seu salário e dos seus "benefícios" vão justamente para sustentar todas as mordomias imorais e privilégios legais de políticos e seus apaniguados.
E como falei antes, é uma falácia achar que nosso dinheiro ficaria nas mãos dos empresários. Mas para não ficar no achismo vamos fazer as contas. Imaginemos um funcionário que ganha R$5.000. Este funcionário custa a empresa cerca de R$7.650 (sem vale refeição e plano de saúde), mas só vê R$4.000 ao fim do mês. Neste caso, em um ano o funcionário receberá (com férias e 13º) R$56.000. Só que este mesmo funcionário custará a empresa R$107.100! Não precisa ser nenhum gênio para se perceber que nenhum dos lados está saindo vencedor nessa história. Logo, não seria nada difícil que em posse desses números, funcionário e patrão façam um acordo que seja vantajoso para ambos os lados. Que tal fechar em R$80.000 ao ano? Parece difícil essa situação? Impensável? Pois é assim que funcionários de países como os EUA negociam seus salários.
Daí vejo um "intelectual" de esquerda falando: "se o trabalhador não consegue nem negociar uma greve, como irá negociar seu salário?" É, até porque são duas coisas bem similares, não é verdade? Em uma eu quero ganhar sem trabalhar e na outra eu quero ganhar com o que produzo. Tem razão, são situações exatamente iguais!
Em tempo, me desculpem a sinceridade, mas uma pessoa que não sabe negociar nem seu próprio salário, que é o seu ganha-pão, não sabe negociar nada. Uma pessoa assim só pode ser mentalmente incapaz. Sendo assim, sinto informar que negociação salarial é o menor dos seus problemas; você precisa de uma ajuda médica urgente. Alguns já até acharam o remédio, se chama socialismo.
O pior de tudo é que essas pessoas falam em negociação salarial como se fosse uma aberração e que os trabalhadores que estão sob o regime CLT não negociassem salários. Falo isso por experiência própria, que quando era escravo dessa praga celetista tive que negociar salários emtodas as empresas que passei. E adivinhem só. Sempre ficava abaixo do que eu pedia. Foi quando abandonei o regime celetista que pude ver a maravilha que é uma livre negociação, pois foi aí que percebi que cada valor colocado por mim (contratado) na mesa de negociação não representava um valor dobrado para o contratante.
Desta forma, quem quiser continuar sendo extorquido por sindicatos e políticos, fiquem a vontade. A reforma prevê a manutenção dos seus famosos direitos trabalhistas e deixa a opção de contribuição para sindicatos. Mas por favor, não obriguem a todos a seguirem o mesmo raciocínio, tampouco achem que vocês tem procuração para falar em nosso nome. Acreditem, existe inteligência fora da esquerda também, sabiam?
Por isso, espero ansiosamente que essa reforma trabalhista seja aprovada, pois ela é um começo – tímido, mas é um começo. Da mesma forma, espero que futuramente uma reforma mais profunda permita que as pessoas possam abandonar de vez a CLT sem ficarem na ilegalidade. Quem quiser continuar com a CLT, que continue; quem não quiser, sai. É imprescindível que exista essa possibilidade de escolha, pois como podemos ver, algumas pessoas gostam da laranja, já as outras...
(Publicado originalmente em www.alertatotal.net)
Desde o início da ditadura bolchevique sabia-se da utilização de campos de prisioneiros. Nada de estranhar visto que a Rússia, entre 1918-1920, mergulhara numa violentíssima guerra civil entre vermelhos (os bolcheviques) e os brancos (as forças czaristas), ampliada ainda mais pela intervenção de diversas potências estrangeiras (alemães, ingleses, franceses, americanos, japoneses). Todavia verificou-se que, no pós-guerra, o regime soviético vitorioso resolveu intensificar sua política prisional.
Muitos dos primeiros campos visavam servir de laboratórios ideológicos, voltados a demonstrar a notável capacidade de regeneração desenvolvida pelo novo sistema, capaz de reinserir os criminosos, por meio do trabalho produtivo, na sociedade revolucionada. Stalin, inspirando-se no exemplo de Pedro, o Grande, que, a partir de 1703, lançara mão do trabalho forçado para construir São Petersburgo, não demorou em fazer o mesmo.
Milhares de presos foram então arrebanhados para cavarem o grande Canal do Mar Branco (1928-1932) que ligaria Leningrado ao Oceano Ártico, velho sonho dos mercadores russos, mas que logo se mostrou ultrapassado devido à possibilidade da utilização de caminhões. Todavia, o kamarada Stalin fez questão de usar a colossal obra para fins publicitários, para mostrar ao país como o regime soviético mobilizava o povo para empreender grandes feitos de engenharia.
Assim, toda a antiga política czarista dos trabalhos forçados coletivos foi ressuscitada pelo novo regime. só que reciclada e posta a serviço da Grande Causa. Resultou disso que, a partir de 1928, a Comissão Yanson, que transferira do Comissariado da Justiça para a OGPU (Polícia Secreta) a supervisão sobre o "degredo administrativo", decidiu batizar os campos como ITL (Ispravitelno trudovye lagerya), simplesmente campos de trabalho corretivo. As instalações existentes na ilha de Solovetsky, no Mar Branco, situado na região semi-polar da URSS, elogiadas por Máximo Gorki e por outros escritores soviéticos da época, foram então apontadas como um campo-modelo, arquétipos dos que, desde então, foram construídos no restante do país. Todo o Arquipélago Gulag surgiu dali, daquela célula prisional boiando num mar glacial.
Para justificar a lotação cada vez maior deles, Stalin apelou para a justificação ideológica de que conforme o socialismo avançava por todo o país, maior era a resistência das forças contrárias a ele. Situação que o obrigava a ser ainda mais duro do que comumente era. Uma curiosa operação matemática então se deu na década dos anos trinta: mais socialismo significava maior população encarcerada.
Uma enorme rede de "campos de reeducação" espalhou-se pela Rússia Soviética, alcançando inclusive as remotas áreas da Ásia Central, como os desertos do Cazaquistão. E, claro, pelas margens da imensa estrada de ferro que cortava a conhecida Sibéria, a velha pátria dos degredados russos, dos antigos condenados a katorgados tempos do czar (os condenados ao trabalho forçado).
Com as prisões em massa desencadeadas na época da Yezovchnina (as perseguições ao encargo de Nikolai Yezhov, comissário-chefe da então NKVD), quando Stalin determinou a prisão e encarceramento de milhares de suspeitos de "sabotagem" e atividades "anti-socialistas", em geral, ex-membros da elite soviética, e quadros médios do Partido Comunista, estima-se que o GULAG tenha abrigado, entre 1936-1940, dois milhões de prisioneiros.
O martírio de Soljenitsin
Oficial de artilharia durante a Segunda Guerra Mundial, Alexander Soljenitsin, foi condenado, no final do conflito, por um dos artigos do Código Penal soviético que lhe fixou inicialmente uma pena de dez anos. Cumpriu-a inicialmente numa das prisões de elite, situada ao redor de Moscou, antes de ser enviado para os sem-fins da Ásia Central.
A vida nesta primeira instalação é que o inspirou a escrever "O Primeiro Circulo", romance cujo titulo foi extraído do "Inferno" de Dante, espaço reservado aos sábios caídos em desgraça. Stalin, por sugestão do seu novo chefe da polícia política Laurenti Béria (1938-1953), havia concordado em erguer cárceres especiais para pesquisadores e homens de ciência denunciados como suspeitos para que eles pudessem trabalhar juntos nos projetos mais urgentes do regime. Para piorar mais as coisas para ele, foi atacado por um violento câncer no estomago, o que o levou a internar-se num hospital de presos (tema do "O Pavilhão dos Cancerosos").
Libertado após a morte de Stalin, miraculosamente vivo, aproveitando-se da moderada desestalinização que se seguiu, dedicou-se, a partir de 1957, a lecionar matemática em Riazan e a publicar suas novelas e contos que escondera com muito cuidado, muitas delas redigidas nas condições abomináveis da vida de um zek, um prisioneiro dos campos.
Soljenitsin dizia rir-se daqueles homens de letras, seus contemporâneos, que inventavam mil e umas manias, que só conseguiam pegar na pena em condições muito próprias, ideais. Ele aprendera a manejar o lápis ou a caneta ainda quando em marcha com os demais encarcerados, na hora do rancho ou nos intervalos do corte de lenha no mato. A paixão pela literatura fazia dele um obcecado registrador de palavras. Viu-se quase como um furioso enchendo um sem-fim de cadernos e resmas de papel, escritos sem margens e com o mínimo de espaço entre uma linha e outra, nas piores circunstâncias possíveis.
O Impacto do Arquipélago Gulag
Não que a opinião pública do Ocidente não soubesse dos campos de trabalho do regime soviético. Longe disso. Ainda após a Segunda Guerra Mundial, um trânsfuga do governo comunista que pedira asilo político no Canadá chamado Victor Kravchenko os denunciara num livro intitulado na sua edição em inglês como I choose Freedom ("Eu preferi a liberdade", 1947).
Além de afirmar que "a ditadura comunista na URSS não era exclusivamente um problema do povo russo, ou somente das democracias, senão que da humanidade inteira", ele revelara que os comunistas haviam erigido um Estado-Policial como poder discricionário sobre os cidadãos. Um ataque feroz que ele recebeu da imprensa comunista da França, que tentou desqualificá-lo, acusando-o de mentiroso, rendeu-lhe a vitória em dois processos nos tribunais de Paris, em abril de 1949.
O affair Kravchenko, todavia foi esquecido e muitos intelectuais entenderam que as denúncias dele ligavam-se às posições anticomunistas dos norte-americanos nos começos da Guerra Fria e, como conseqüência, deveriam ser um tanto exageradas, senão descabidas. Além disso, ele aparecera no cenário como um traidor da causa. Na memória de outros, todavia, pesava ainda o fato de que fora o regime stalinista quem impusera uma derrota definitiva ao nazismo. A Europa Ocidental ainda tinha na lembrança o sacrifício dos russos em Stalingrado para querer levar adiante um tema tão espinhoso como o levantado por Kravchenko.
Do livro dele, editado em 1947, ao "Arquipélago Gulag" de Soljenitsin, traduzido no Ocidente 27 anos depois, muita desilusão se dera em relação às grandes bandeiras do socialismo.
Os soviéticos haviam feito uma intervenção, com seus tanques, em Berlim, em 1953, em Budapeste, em 1956, e em Praga, em 1968. Em 1961, Kruschev, provocando um enorme estrago na imagem internacional do socialismo, determinara a construção do Muro de Berlim, com ordens de disparar em quem tentasse ultrapassá-lo para alcançar o Ocidente. De libertadores da Europa, os soviéticos passaram a ser vistos como seus mais recentes opressores. Desse modo criou-se um clima bem mais favorável ao acolhimento do relato sobre o Gulag.
Profeta da Rússia Ortodoxa
O livro em si, concluído em 1973, é caótico. Durante alguns anos, Soljenitsin, como se fora um cuidadoso colecionador, recolheu o mais variado número de relatos e depoimentos de gente que fora condenada aos trabalhos forçados, misturando-os com seus próprios registros. Não se trata, pois, da experiência prisional de um só homem, como, por lembrança, deu-se com "Recordações da Casa dos Mortos", de Dostoiévski, mas sim de uma coletânea de dolorosos e pungentes testemunhos daqueles que penaram por diversos anos dentro do Gulag.
O livro, traduzido para diversos idiomas ocidentais, teve o efeito de um tufão. Não se tratava de um fugitivo que saltara o muro ou um renegado do comunismo, mais sim alguém de dentro, que sabidamente trilhara pelo purgatório do stalinismo , e que sobrevivera, um respeitado escritor que atingira fama internacional e que fora indicado ao Prêmio Nobel, em 1970 (ele temia viajar para Estocolmo com receio que as autoridades soviéticas não o deixassem voltar).
Um homem de letras preso às raízes mais profundas da terra russa, um descendente das estepes da região de Rostov, que se negara a deixar o solo natal e só o fizera por motivo do decreto que o expulsou definitivamente do país, em 1974 (exilado nos Estados Unidos, em Vermont, somente retornou à URSS em 1994, durante o governo de Gorbatchov). Soljenitsin não podia ser difamado como um "agente do imperialismo" ou de estar a serviço dos interesses estadunidenses como costumeiramente ocorria nesses casos, quando os jornais esquerdistas ou pró-comunistas procuravam desqualificar uma testemunha que apontasse seu dedo acusador para a URSS ou o seu regime.
Com o tempo, Soljenitsin, como que desiludido das coisas do mundo, assumiu uma posição cada vez mais pessimista, quase de mensageiro apocalíptico. Alguém que, nos moldes dos Velhos Crentes (seita russa do século 19 que tinha ojeriza à ocidentalização e aos costumes modernos), começou a lançar anátemas ao Ocidente, lamentando a perda da originalidade da cultura russa, provocada pela Revolução de 1917 e pela obstinação dos stalinistas em industrializar o país.
Finalmente, para afirmar ainda mais sua aparência de Santo Inquisidor dostoievsquiano ou de profeta tolstoiano, cada vez mais misântropo, deixou que as barbas lhe tomassem inteiramente o rosto, assemelhando-se aos patriarcas mujiques ou aos monges ortodoxos, a quem ele via como as mais originais e representativas figuras da "verdadeira Rússia".
* Carlos I. S. Azambuja é Historiador.