(Publicado originalmente na Folha)
Os governos de esquerda que se disseminaram pela América Latina, Brasil inclusive, fracassaram. No caso do Brasil (e também da Venezuela), o fracasso não é apenas das políticas adotadas mas também do ponto de vista ético.
Não, não é a análise de algum direitista empedernido mas de ninguém menos que o maior ícone do marxismo, talvez o último marxista relevante ainda existente no planeta, depois que o colapso da União Soviética sepultou todos os demais sob os escombros do Muro de Berlim.
Chama-se Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista político, que completará 90 anos em 2018.
Eis o que disse Chomsky em entrevista para "Democracy Now", programa diário de "notícias independentes", como se pode ler no seu sítio na internet:
Depois de reconhecer que houve conquistas, ressalva que "os governos de esquerda fracassaram em usar a oportunidade disponível para tentar criar economias sustentáveis e viáveis. Quase todos –Venezuela, Brasil, outros, Argentina– dependeram da alta de preços das commodities, que é um fenômeno temporário. O preço das commodities de fato subiu, principalmente por causa do crescimento da China. Por isso houve aumento no preço do petróleo, da soja e assim por diante".
Prossegue: "Em vez de tentar desenvolver uma economia sustentável com manufaturas, agricultura etc, eles simplesmente apoiaram-se nas commodities –matéria prima que podiam exportar".
Neste ponto, Chomsky enfia o dedo na ferida com mais força:
"Isso [a dependência das commodities] é muito daninho, é um modelo daninho de desenvolvimento, porque, quando você exporta grãos para a China, digamos, eles exportam bens manufaturados para você, o que mina suas indústrias manufatureiras".
A análise de Chomsky está longe de ser uma novidade. Uma penca de analistas cansou de fazer a mesma avaliação sobre os governos de Lula e Dilma, para ficar só no caso do Brasil.
O que há de novo é que alguém de esquerda enfim abre os olhos e diz o rei está nu, coisa que nenhum intelectual de esquerda o fez até agora no Brasil.
Apenas frei Betto apontou, mais de uma vez, o fato de que os governos do PT reproduziram políticas de governos anteriores e não introduziram reformas estruturais (se me escapou algum outro analista de esquerda que tenha feito análises parecidas, me avise, leitor).
Mas Chomsky não se limita à crítica no campo da economia. Ataca também a corrupção, nos seguintes termos:
"Como se não bastasse [o modelo daninho de desenvolvimento], houve enorme corrupção. É simplesmente doloroso ver que o Partido dos Trabalhadores no Brasil –que implantou medidas significativas– simplesmente não pôde manter as mãos fora da caixa registradora. Juntaram-se à elite extremamente corrupta, que está roubando o tempo todo, tomou parte [no esquema] e desacreditou-se".
Ao contrário da esquerda brasileira, que continua endeusando Lula como se fosse o único político honesto na face da Terra, Chomsky preconiza a escolha de novas lideranças.
Pede "forças mais honestas que, primeiro de tudo, reconheçam a necessidade de desenvolver a economia de uma maneira que tenha um alicerce mais sólido, não apenas baseado na exportação de matérias primas, e, em segundo lugar, sejam honestas o suficiente para desenvolver programas decentes sem roubar o público ao mesmo tempo".
Quando é que a intelectualidade que se acha de esquerda vai ter a decência básica de dizer o que seu ícone maior está dizendo agora? Até um cardeal petista já admitiu que seu partido "lambuzou-se" (pena que ele próprio esteja na lista dos suspeitos de se ter lambuzado).
Não adianta nada elaborar manifestos com projetos para o país se não se disser que, com a corrupção que corroeu o principal partido da esquerda, não há desenvolvimento possível e, portanto, são necessárias "forças mais honestas".
Por fim, a Venezuela, sobre a qual a esquerda toda silencia: Chomsky não hesita em descobrir o óbvio, ou seja que está em "situação realmente desastrosa".
Além da economia continuar dependente do petróleo, "certamente mais do que no passado", há "a corrupção, a roubalheira, que tem sido extrema, sob e especialmente depois da morte de Chávez". Termina dizendo que as promessas dos primeiros dias do chavismo "têm sido significativamente perdidas".
Até quando a esquerda brasileira vai continuar sócia do imenso fracasso que é o socialismo do século 21 e da promiscuidade com uma empreiteira que confessou, de público, um lote impressionante de maracutaias?
*
Repórter especial.
(Publicado originalmente em institutoliberal.org.br, em 14/02/2014)
Num post anterior, fiz uma lista de pensadores liberais que talvez tenha causado a estranheza de alguns. Não foi descuido e nem obra do acaso. Aquele post tenta mostrar que o movimento liberal é bem maior do que alguns supõe. O liberalismo se caracteriza por sua defesa de três pontos: liberdade individual (respeito ao estado de direito), defesa da propriedade privada, e apoio a um sistema de preços de livre mercado. Todos que defendem esse conjunto de ideias são liberais. Contudo, entre os liberais existem divergências. Dessas divergências temos a formação de vários grupos dentro do movimento liberal. Grupos esses que estão entre os liberais clássicos (conservadores) e os ultra-liberais (libertários).
Num mundo que começasse do zero, certamente conservadores e libertários estariam separados, talvez até em pontas opostas. Contudo, o mundo já existe. Hoje, no Brasil, em termos operacionais, existe apenas uma única diferença importante entre liberais e conservadores: a descriminalização da maconha. Os conservadores são contra, os liberais são a favor. A rigor, os libertários pregam a descriminalização de todas as drogas. Contudo, em termos operacionais, me parece bem pouco provável que a liberação do crack e da heroína tenham espaço político para prosperar nas próximas duas décadas.
Vejamos a questão dos impostos. Eu, enquanto conservador, gostaria de manter a carga tributária ao redor de 20% do PIB. Os libertários são contra impostos obrigatórios, logo defendem uma carga tributária obrigatória de 0%. Suponha que um libertário vença as eleições, por acaso será possível reduzir a carga tributária brasileira dos atuais 36% do PIB para 0%? Óbvio que não, uma sociedade, para manter o estado de direito, não pode sofrer mudanças repentinas dessa magnitude. Logo, tanto um conservador quanto um libertário trabalhariam em conjunto para, gradativamente, irem reduzindo a carga tributária. Acredito que, em 2 décadas, sejamos capazes de reduzir a carga tributária para algo em redor de 20% do PIB. Só a partir desse ponto é que haveria discussão entre os libertários (que pressionariam por mais redução) e os conservadores (satisfeitos com o patamar tributário).
Vejamos a questão da propriedade privada e do sistema de preços via mercado. Novamente, hoje, em termos operacionais, não existe uma única grande diferença entre libertários e conservadores. Quando olhamos as discussões políticas que são feitas, os arranjos econômicos feitos pelos que estão no poder, e as propostas que tramitam no Congresso, fica evidente que a agenda libertária é extremamente similar a agenda conservadora. No Brasil atual não faz o menor sentido um conservador ser atacado por um libertário, ou vice-versa. Libertários e conservadores são, no Brasil atual, aliados óbvios. É simplesmente burrice desperdiçarmos o pequeno espaço que temos brigando entre nós mesmos. Ganharíamos muito mais com uma convivência pacífica, e lutando contra os movimentos contrários a sociedade aberta, do que brigando por questões que, no Brasil atual, sequer estão na agenda ou no espectro de possibilidades.
Para uma ideia ser boa não basta a mesma ser boa, ela precisa ser operacionalmente viável. No Brasil atual a única questão operacionalmente viável que separa liberais de conservadores é a liberação da maconha (que aliás é defendida por todos os partidos de esquerda). Vale a pena essa briga? Vale a pena dividirmos nosso pequeno efetivo para apoiar uma causa que, além de polêmica, só tende a fortalecer os inimigos da sociedade aberta? Não peço aos conservadores que apoiem a liberação da maconha. Não peço aos libertários que sejam contra a liberação da maconha. Peço apenas para que enxerguemos um espectro político maior: no Brasil atual nós somos nossos únicos aliados. Deixemos nossas brigas para, com sorte, daqui 20 anos.
(Publicado originalmente em www.institutoliberal.org.br)
Virou (mais um) motivo de preocupação para os pais de adolescentes a disseminação em escala mundial de um jogo macabro que faria o Jigsaw ficar com inveja: uma espécie de sequência de desafios que culminam com o óbito (voluntário) do jogador. Ambientada nas redes sociais, este versão de “jogos mortais” da vida real instiga os competidores a automutilação, contraírem doenças propositadamente, e, na derradeira fase, cometer suicídio.
A “brincadeira” começou fazendo vítimas entre jovens da Rússia, e já há dois casos cujos indícios apurados pela investigação policial apontam claramente para a prática da “Baleia Azul” no Brasil. Em um deles, ocorrido no Mato Grosso, uma menina de 16 anos, a estudante Maria de Fátima da Silva Oliveira, tirou a própria vida saltando dentro de uma represa. Esta era a última “tarefa” determinada pelos sádicos virtuais.
O que mais chama a atenção nesses episódios é a obediência cega dos adolescentes aos criminosos, a ponto de se jogarem do alto de edifícios ou na frente de trens em movimento, sem pestanejarem e de bom grado. Jovens estes que, a contrario sensu, não costumam respeitar as ordens de seus pais.
No caso ocorrido em Vila Rica/MT, a mãe percebeu que a filha já não dormia direito e passava as noites acordada com o celular e o fone de ouvido, mas “não sabia o que fazer”. Causa estranhamento ela não ter simplesmente tirado o smartphone à força das mãos da mocinha e dado de dedo em sua cara para que fosse dormir de uma vez. Por que será que ela não tomou esta atitude ou empreendeu outra ação corretiva similar – o que seria de se esperar de progenitoras de tempos passados?
Ora, procedimentos como este não são admitidos em nossa sociedade onde o mundo inteiro (especialmente o Estado) dá pitaco em como devem ser criados nossos rebentos. A cultura dominante atualmente reza que não se pode chamar a atenção dos filhos por nada, pois qualquer coisa pode ser enquadrada como “opressão paterna”; não se pode, em absoluto, contrariar os desejos dos “senhorezinhos”, pois seria bullying caseiro – distorcendo por completo o real significado da palavra.
Os pais são, destarte, convertidos em amiguinhos dos filhos, criando um vácuo de autoridade, que acaba por ser preenchido por qualquer pessoa mal intencionada que se apresente.
Posso lhes afirmar sem medo de errar: eu não entraria neste jogo, em meu tempo de púbere, pelo simples fato de que, se eu aparecesse em casa com qualquer sinal de mutilação deliberada, meu pai “terminaria o serviço” com a bainha do facão e me deixaria de castigo sem jogar bola na praça pelo resto do mês. Valeu, pai! Muito embora, por certo, hoje o senhor seria tachado de “fascista” pelos pseudo-educadores cuja opinião ninguém pediu.
O resultado desta insubordinação generalizada entre pais e filhos é uma geração frágil, que vitimiza-se por tudo e sujeita-se a este tipo de comportamento doentio. Como qualquer desvio de suas vontades é motivo de desespero, gera-se uma linha muito tênue entre a felicidade e a depressão: se tudo está como a pessoinha quer, felicidade irrestrita, a vida é bela, selfies em profusão no Instagram; se, todavia, qualquer tipo de apreensão, tristeza ou desilusão entrar no circuito, já é motivo suficiente para lançar mão da Gillette e da banheira. Nonsense total.
Uma boa maneira de combater esta ameaça: alocar parte do tempo das crianças e adolescentes na prática de esportes, escotismo e atividades afins que lhes arranquem, vez por outra, do quarto e do Wifi.
Afinal, só no mundo virtual é possível morrer e começar do zero de novo. Perder contato com o mundo real, portanto, contribui muito para cair nesta armadilha. Cortar a grama e lavar a louça, neste cenário, tornam-se ótimos antídotos contra estas doenças psicológicas da era moderna – efeito contrário ao provocado por seriados como 13 Reasons Why, que tratam suicídios de jovens com naturalidade demasiada, criando uma áurea cool, uma espécie de fetiche sobre este lastimável procedimento.
Em suma: viver 24/7 em um universo de faz-de-conta apartado da realidade fortalece o relativismo moral, uma vez que os conceitos de certo e errado somente encontram fundamento no mundo físico, onde as consequências nefastas de certos atos podem ser constatadas, visualizadas pelos aprendizes de adultos.
Por fim, o recente enfraquecimento da religiosidade e da fé retirou de inúmeras pessoas a perspectiva do significado da existência. Buscar no racionalismo respostas para perguntas tais quais “de onde viemos” e “para onde vamos”, em um estágio da vida onde ainda não usufruímos da estrutura psicológica necessária para encarar determinadas verdades, é um convite à loucura precoce.
Ou seja, esta mistura explosiva de libertinagem dos filhos com afastamento do mundo real mais a ausência de uma crença espiritual abre caminho para que facínoras como esses que promovem o jogo da Baleia Azul convençam jovens a causarem danos a si próprios e a, no limite, tirarem a própria vida – ainda que tão somente para demonstrar a seu grupo de “amigos” sua coragem de aderir a esta maluquice.
Depende tão somente dos próprios pais, portanto, blindar seus pupilos, na medida do possível (e do permitido pelas leis que interferem na criação e pela cultura antidisciplinar em vigor), contra este tipo de investida diabólica. Nada que umas palmadas e uns esporros quando necessário, ensiná-los a lavar o carro e a responsabilizar-se pelo cachorro, mostrar-lhes como é bom empinar pipa e andar de bicicleta, e matriculá-los na catequese não possa resolver. Dar amor e carinho é tão importante quanto mostrar o rumo correto, ainda que seja preciso conduzi-los pelas orelhas e aos prantos. Ossos do ofício paterno.
Ações essas simples e eficazes contra cruéis sociopatas ávidos pelo sofrimento alheio, que buscam suprir e compensar frustrações suas, e ainda contando com o anonimato como aliado – não esquecendo que nossas forças de segurança ainda não conseguem interceptar comunicações efetuadas via Whatsapp, o qual permanece sendo território livre para incorrer em crimes e sair ileso, em nome de uma suposta liberdade de expressão. Um trade-off (ou seja, ceder um pouco de um direito para ganhar em outro) cairia aqui como uma luva, reduzindo a sensação de impunidade destes cyber-bandidos.
Se você achava que ser processado pelo próprio filho poderia ser o maior dos seus problemas, eis que aparecem ameaças como estas para mostrar que a série Black Mirror é bem mais realista e menos fantasiosa do que possa parecer.
Pobre geração Baleia Azul, que não conhece a alegria de jogar Salada Mista!
(Publicado originalmente em O Globo)
Quem foi Marcelo Odebrecht? O mandachuva do país durante o reinado do PT? O chefe de uma sofisticada organização criminosa? Ou o “bobo da corte” afinal preso e forçado a delatar?
E Lula, quem foi? O primeiro operário a chegar ao poder? O maior líder popular da História? Ou o presidente que fez da corrupção uma política de Estado?
Marcelo será esquecido. Luiz Inácio Odebrecht da Silva, jamais.
Em dezembro de 1989, poucos dias após a eleição do presidente Fernando Collor de Melo, o deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP), ex-condestável do novo regime, almoçava no restaurante Piantella, em Brasília, quando entrou a cantora Fafá de Belém, amiga de Lula. “Como vai Lula?”, perguntou Ulysses. Fafá passara ao lado dele o domingo da sua derrota para Collor.
E contou: “Lula ficou muito chateado, mas começamos a beber e a comer, os meninos foram para a piscina e ele acabou relaxando”. Ulysses quis saber: “Tem piscina na casa de Lula?” Fafá explicou: “Tem, mas a casa é de um compadre dele, o advogado Roberto Teixeira”. Ulysses calou-se. Depois comentou com amigos: “O mal de Lula é que ele parece gostar de viver de obséquios”. Na mosca!
Lula viveu de obséquios. Vive. O dinheiro não o atrai. A rotina da política, tampouco. O conforto e as facilidades, sim. Terceiriza a missão de obtê-las.
O poder sempre o fascinou. E para conquistá-lo e mantê-lo, mandou às favas todos os escrúpulos que não tinha.
Os que o cercam em nada se surpreenderam com a figura que emerge das delações dos executivos da Odebrecht.
É um pragmático, oportunista, que se revelou um farsante. Emilio, o patriarca dos Odebrecht, decifrou Lula muito antes de ele subir a rampa do Palácio do Planalto. Conquistou-o com conselhos e dinheiro.
Perdeu nas vezes em que ele foi derrotado. Recuperou o que perdeu e saiu com os bolsos estufados quando Lula e Dilma governaram. Chamava-o de “chefe”. Emílio era o chefe.
Nos oito anos da presidência do ex-operário que detestava macacão e sonhava com gravatas caras, o país conviveu com o Lula que pensava conhecer e, sem o saber, também com Luiz Inácio Odebrecht da Silva, só conhecido por Emílio e alguns poucos.
“Cuide do meu filho”, um dia Lula pediu a Emílio. Que retrucou: “Cuide do meu também”. Emílio cuidou de Fábio. Lula, de Marcelo.
De Lula cuidaram Emílio e Marcelo, reservando-lhe uma montanha de dinheiro em conta especial para satisfazer-lhe todas as vontades. Lula retribuiu com decisões governamentais que fizeram a Odebrecht crescer muito mais do que a Microsoft em certo período.
A Odebrecht pagou a Lula, e Lula pagou a Odebrecht, com a mesma moeda – recursos públicos. Quem perdeu com isso?
A Odebrecht ganhou mais dinheiro à custa de Lula do que ele à custa dela, mas Lula foi mais esperto. Criou seu próprio banco, administrado pela empreiteira. E quando precisava sacar, outros o faziam em seu nome.
Imagina não ter deixado impressões digitais nas negociatas em que se meteu. A polícia já identificou muitas. E outras serão identificadas antes do seu depoimento em Curitiba.
Corrupção mata. Mata sonhos, esperanças, alucinações. Mata o passado, o presente e compromete o futuro. Mata também de morte morrida à falta de saneamento, hospitais, escolas, segurança pública. A impunidade mata tanto ou mais.
A hora e a vez são da Justiça. E ela será julgada pelo que fizer ou deixar de fazer.
(Publicado originalmente em Zero Hora)
O capitalismo gerou o maior desenvolvimento já visto na história humana. Desde seu início, o nível de renda da população do planeta Terra cresce aceleradamente. O padrão de vida das pessoas e os indicadores sociais melhoraram mais nos últimos 250 anos do que em toda a história da humanidade até então.
O capitalismo é um sistema de competição. No qual empresas competem no mercado tentando obter lucros ao oferecer bens e serviços que são mais baratos ou melhores que aqueles produzidos pelos seus concorrentes. É a competição, o mercado, os consumidores que determinam quais são as empresas bem-sucedidas. Aquelas que lucram mais e prosperam.
No Brasil, tem se intensificado nos últimos anos uma espécie de capitalismo distinto. É o chamado Capitalismo de Compadres ou Capitalismo de Laços ou Capitalismo de Estado ou ainda, como chamam os ingleses, Crony Capitalism. Nele, o Estado controla e regula muitos setores econômicos, seja diretamente, através de empresas estatais, ou por meio de regulações ou ainda pela concessão de subsídios creditícios ou tributários. No Capitalismo de Compadres, não há uma competição livre entre as empresas. Ao contrário. O Estado cria dificuldades para vender facilidades.
Os vídeos das delações premiadas da Odebrecht são uma aula sobre o funcionamento das entranhas do Capitalismo de Compadres. O empresário “ajuda” o agente político e, em troca, o agente político “ajuda” a empresa. Além do fato jurídico de que essa ajuda é, na verdade, corrupção, há um fato econômico relevante. Embora o Capitalismo de Compadres seja melhor do que o socialismo puro do ponto de vista da geração de progresso para o país, ele não é capaz de tornar o Brasil um país desenvolvido.
Precisamos de uma nova rodada de liberalização comercial, de desregulamentação de mercados, principalmente na área trabalhista, de eliminação dos subsídios creditícios e tributários destinados aos amigos do rei. Como disse Mário Covas nos anos 90, o Brasil precisa de um choque de capitalismo.
*Professor titular na UFRGS, Ph.D. em Economia
Apesar de ofuscada pela divulgação da lista da Odebrecht, a prisão do ex-secretário de Saúde de Cabral não me surpreendeu. Desde 2010, quando imaginei poder competir com essa gigantesca e sedutora máquina de corrupção, apontei, diretamente, para os desvios na Saúde. Minha ideia era simples. Havia corrupção em toda a parte, mas era preciso priorizar as denúncias. Na Saúde, a corrupção mata. É mais fácil passar a mensagem, embora em outros setores ela também produza grandes estragos.
A variedade de escândalos, desde aluguéis de carros que valiam mais do que os próprios carros, ao superfaturamento da compra de material elementar, como gaze, até equipamentos complexos, não deixava dúvida: roubava-se em tudo. No fundo, todas as pessoas informadas estavam alertas como a vizinha de Sérgio Côrtes, na Lagoa. Ela pediu ao porteiro que a acordasse, a que hora fosse, quando a Polícia Federal viesse prender o assecla de Cabral. O interessante nas gravações reveladas pela Lava-Jato é constatar como a equipe de Cabral pensa, agora que foi descoberta. Sérgio Côrtes queria combinar uma delação premiada com o cúmplice, tomando o cuidado de omitir as cifras roubadas, senão teria que devolver o dinheiro. A condenação pública e a própria cadeia não são os fatores que preocupam Côrtes, mas, sim, uma fórmula de reter o dinheiro acumulado. Tudo de valor que poderia ter sido apreendido em sua casa foi vendido, inclusive obras de arte. Para que servem as obras de arte, senão para serem convertidas em dinheiro? Por isso são compradas pelos corruptos brasileiros. Na verdade, a prisão de Côrtes não surpreendeu a ninguém, nem mesmo a ele. A demora serviu apenas para que se preparasse e salvasse um pouco da grana, uma vez que sempre contam com cadeia curta.
A lista da Odebrecht saiu num momento difícil para mim. Meu avião partia às 6h para Roraima. A opção era dormir ou pesquisar todos os detalhes dos pedidos de inquérito. Matérias tão amplas e vazadas parcialmente acabam trazendo um pouco de confusão. É o ônus do mundo on-line. Lula e Dilma não estavam na lista. Não têm foro privilegiado. Mas alguns admiradores que, no passado, defendiam-nos com o argumento de que todos recebiam dinheiro foram um pouco mais longe: insinuaram, agora, que todos, menos o Lula e a Dilma, receberam. São um espanto.
O tempo vai mostrar que o sistema político brasileiro sofreu um grande baque, e só sua renovação interessa. A esquerda sonha com a vitória de Lula porque acha que vitória na eleição absolve. Nesse quadro mental, a aplicação das leis passa pela contagem de votos. É um caminho para a instabilidade, porque processos legais seguem seu ritmo. Urnas não lavam um passado de crimes. Da mesma maneira, o PSDB terá que reduzir seu leque de candidatos. Os que foram denunciados pela Odebrecht estariam sujeitos também à mesma instabilidade no poder. A diferença entre os dois partidos é o fato de a esquerda se apoiar apenas no nome de Lula. Como é um líder carismático, milhares acreditam nele, mesmo com tantas evidências contrárias. A estratégia é vencer as eleições para escapar da prisão. No caso do PSDB, sem líderes messiânicos, os eleitores tendem a se comportar de uma forma mais severa. Uma candidatura, apenas para se salvar da polícia, seria tão desastrosa que morreria ao nascer. Não foi apenas o quadro da eleição presidencial que se abalou com as delações da Odebrecht. Foi todo o sistema partidário, o modo de fazer eleições — esses temas que já estavam no ar antes da aparição da lista.
Os jornalistas pediram tempo de análise, diante de tantos nomes e fatos surgidos na delação da Odebrecht. Apesar da rapidez que a tecnologia impõe, faria bem a todos que discorrem sobre o tema ler com cuidado toda a massa de informações. Por isso, divido a prisão de Côrtes com a lista. Esta última ainda merece reflexão e debate, algo difícil para mim agora, trabalhando na fronteira com a Venezuela. O caso de Côrtes e da quadrilha de Cabral, no entanto, é um terreno mais seguro. Algumas pessoas costumam dizer que não se alegram com a prisão do outro. Compreendo que sejam assim, mas seria falso admitir esse sentimento em mim. Certas prisões me alegram. Pessoas que roubam na Saúde, superfaturam remédios e próteses, inventam desnecessárias cirurgias e ficam podres de ricas com isso, merecem cadeia. Muitos anos de cadeia.
A sofrida população do Rio, por exemplo, os milhares de rostos anônimos, de corpos doloridos jogados em macas nos corredores dos hospitais, todos estão incluídos no conceito de ser humano. E às vezes escapam dos radares dos autointitulados progressistas que votaram em Cabral, com a bênção de Lula. Vivemos um momento pantanoso, o país precisa de tolerância e alguma unidade para enfrentar seus problemas. Mas existe uma linha divisória incontornável. Os brasileiros precisam responder qual é o seu lado: o de quem roubou ou de quem foi roubado.