• José Nêumanne
  • 15 Favereiro 2017

 

(Publicado originalmente no Estadão)

 “Eu quero dizer que é constitucional a figura da anistia, qualquer que ela seja”, disse o mais novo Ruy Barbosa da praça. Trocando em miúdos essa frase cretina, pode-se chegar à conclusão de que, se todos os autores de crimes hediondos forem anistiados por uma benemerência de seus coleguinhas parlamentares, a decisão será fiel à Constituição da República?

Não o leve a mal, caro leitor. O entrevistado de sábado no Estadão quer apenas anistiar os partidos políticos que cometerem crimes fiscais em campanhas eleitorais. “Delação só deve ser admitida com delator solto”. Será que o distinto cavalheiro, que, por enquanto, está solto, se candidata à delação? Qual o quê! Quer apenas desmoralizar delações de criminosos confessos presos para livrar-se das acusações que pesam sobre seus ombros. A que a Operação Lava Jato poderá levar o Brasil, se não for contida sua natureza de “inquérito universal”? A resposta do distinto foi magnânima: “Não acho que deva ser extinta, mas conduzir ao ponto que (sic) estamos chegando da criminalização da vida pública, é o que nos envia para a tirania”. Ou seja, como já disse o padim Lula, político corrupto que ganha eleição deveria gozar de impunidade. E Papai Sarney fez tanto pelo Brasil que não deveria participar dessa tolice de igualdade de todos perante a lei. Com direito a estender a prerrogativa a seus apaniguados?

O autor dessas frases lapidares (são verdadeiras pedradas!) não tem autoridade nenhuma para proferi-las. Mas tem poder. Ah, isso, tem, sim! Pode crer, preclaro leitor. O cidadão chama-se Edison Lobão, tem 81 anos e é maranhense de Mirador. Adquiriu o conhecimento jurídico com que nos tenta impingir as pérolas reproduzidas no Estadão de sábado em entrevista que deu a Julia Lindner e Caio Junqueira, quando era jornalista (medíocre) de província ou carregando pasta de José Sarney, mercê de quem foi governador do Maranhão de de 1991 a 1994, é senador e fez o filho suplente e também titular, enquanto era ministro de Minas e Energia (de 21 de janeiro de 2008 a 31 de março de 2010), no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, depois, durante o primeiro mandato da presidente Dilma Roussef. No Senado, atuou no chamado “baixo clero” e, no Ministério, desempenhou o papel atribuído pela sabedoria popular a quadro de Cristo em prostíbulo: “a tudo assiste e nada fala”. Pois, sob sua carantonha de facínora de faroeste passou despercebido o maior escândalo de corrupção da História da humanidade: o propinoduto da Petrobrás. Por conta dessa distração, coitado, é investigado pela Polícia Federal (PF) e pela força-tarefa da Operação Lava Jato. É que é acusado de prática de corrupção passiva por delatores premiados, alguns dos quais, por sinal, estão soltos. Embora cumpram pena no conforto do lar, sem carregar as bolotas de ferro dos Irmãos Metralha de Walt Disney, mas tornozeleiras bem menos incômodas. Justiça seja feita a Lobão: ele não podia perceber a roubalheira da Petrobrás mesmo, pois, afinal, ocupava-se em não deixar pedra sobre pedra do setor mineral e energético nacional. Nisso, aliás, funcionou com perícia e astúcia.

O poder fica por conta do grupo do PMDB que, sob a liderança de Renan Calheiros, dá as ordens no Senado da República. A ponto de fazê-lo presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com prerrogativa de pautar projetos que só serão votados em plenário após passarem por seu crivo. Seu saber jurídico, adquirido na condição de suspeito e acusado, determinará o destino de projetos dos sonhos dele e de mais uma dezena de coleguinhas que frequentam a referida comissão. Tais como a anistia para caixa 2 de partidos e políticos que desconhecem as leis fiscais que as instituições a que pertencem aprovaram por maioria, e o destino dos investigadores que, por ironia do destino, pisam nos seus calos.

A fotografia de André Dusek que ilustra a entrevista do indigitado Grão-Senhor do Norte poderia ser reproduzida e emoldurada na parede da CCJ e também servir de símbolo para a Casa de Noca na qual todos moramos neste país, cuja bandeira clama por “ordem e progresso”, mas onde os políticos preferem anistia só pra eles e instituições policiais e judiciárias amordaçadas e algemadas. Não se trata de uma exclusividade do Poder Legislativo, que tem a agravante de se dizer “representante da cidadania”. No Executivo, chefiado por jurista celebrado, o constitucionalista Michel Miguel Elias Lulia Temer, professor da PUC~SP, exerce-se a mesma caradura com idêntica sem-cerimônia.

Durante nove dias, 147 pessoas (os dados não são oficiais, ou seja, o Estado não os conhece, mas do Sindicato dos Policiais Civis do Espírito Santo) morreram na Grande Vitória, desde que as esposas dos policiais militares, reivindicando aumento dos salários dos provedores de seus lares, passaram a ocupar calçadas à frente dos quartéis da PM para evitar que seus consortes saíssem para trabalhar. Desde então, a população capixaba teve interrompidas atividades comezinhas, como frequentar escolas, andar em transporte público e fazer compras. Nesse ínterim, Sua Excelência o constitucionalista-mor se preocupa em censurar veículos de comunicação que noticiam chantagem de hackers que invadiram a intimidade do WhatsApp da primeira-dama, Marcela Temer. E, principalmente, em liberar da enfadonha rotina do serviço o titular do Ministério da Justiça, o também constitucionalista Alexandre de Moraes, para simular sabatina na CCJ do compadre Lobão em madrugadas regadas à “champanhota” de Ibrahim Sued em luxuosas chalanas a deslizarem na superfície do Lago Paranoá.

O excelentíssimo causídico, com seu glabro crâneo à Mussolini, portanto, licenciou-se do cargo e não teve de viajar para cuidar da vida em risco de quem mora em Vitória ou das famílias de cariocas que tentaram assistir ao clássico entre Flamengo e Botafogo no Estádio Nilton Santos, no subúrbio do Rio, domingo à noitinha. Oito torcedores foram baleados (um morreu, outro está em estado gravíssimo) à porta do Engenhão, porque a polícia só foi para as redondezas da praça de esportes depois que o sol sumiu no horizonte e as praias não exigiam mais sua presença.

No lugar do ilustrado Cuca Lustrada, foi a Vitória, em nome do governo, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, que falou grosso, mas nada resolveu. O professor de Direito Modesto Carvalhosa até hoje não entendeu por que tantos constitucionalistas não percebem que, em vez de patrulhar ruas ou transportar meganhas de helicóptero para seus quartéis, o Exército, por ordem do comandante-chefe, poderia ocupar os quartéis, prender os amotinados e assumir o comando da situação. Acrescento que os praças poderiam aproveitar a viagem e retirar, se necessário for no colo, da frente dos portões as senhoras desocupadas que protagonizam um espetáculo grotesco e injustificável, que de tão mambembe nem sequer pode ser comparado ao circo, nobre atividade artística em que brilham bons e honestos palhaços profissionais e temerários e ágeis trapezistas.

Aliás, por falar em espetáculo, o que fazia o casal em prisão domiciliar portando tornozeleiras João Patinhas Santana e Mônica Moura na noite de sábado no show dos Novos Baianos na Concha Acústica do Tca, em Salvador? Será que a PF soteropolitana, responsável por seu isolamento da sociedade, estava cuidando de exigir do presidente a substituição do chefe, num dos maiores acintes corporativistas desde que o primeiro ministério, o da Justiça sem Cidadania nem Segurança Pública, foi criado?

Santo Deus! No fim deste conto de terror, o Lobão Mau vai matar o caçador antes que ele retire a vovozinha de sua pança empazinada?

*Jornalista, poeta e escritor
Foto: André Dusek/Estadão

 

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  • Carlos Alberto Di Franco
  • 13 Favereiro 2017

(Publicado originalmente no Estadão)


O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, defendeu recentemente a legalização da maconha como forma de aliviar a crise do sistema penitenciário brasileiro. Segundo ele, a medida desmontaria o tráfico de drogas e, com isso, o número de condenados diminuiria. O ministro afirmou que, se a experiência desse certo com a maconha, seria o caso de legalizar também a cocaína.

Inacreditável a superficialidade da afirmação! Legalize-se o crime e está tudo resolvido.

Barroso, infelizmente, não se dá conta do peso da toga e do alcance das suas opiniões. Transmite o descompromisso de um comentário de mesa de bar. Conseguiu a manchete. Mas em nada contribuiu para uma discussão séria e construtiva.
Não existe região brasileira hoje que não esteja duramente marcada pela tragédia das drogas.

É uma rede complexa, que envolve desde uma dona de casa, um motorista de taxi, um usuário de drogas, resultando em um mercado cada vez mais intricado, com vários tipos de trocas, e envolvendo outras atividades legais como transporte, estocagem, aviação e até mesmo bancos.

A partir de 2006, com a Lei 11.343, nenhum usuário foi preso simplesmente pelo fato de consumir drogas. Essa mudança legal na época foi considerada boa até mesmo pelos setores da sociedade que defende a legalização das drogas.

Ela poderia ter sido um avanço se, com a despenalização do usuário, fosse acrescentado como alternativa o necessário encaminhamento para o tratamento e orientação, como uma das medidas para não só ajudar o usuário, mas também enfraquecer a rede do narcotráfico. Nada disso foi feito e o que aconteceu nesses últimos dez anos foi um contínuo aumento e a diversificação do tráfico e do consumo.

Os países que conseguiram combinar uma ação legal firme com uma estrutura de tratamento efetivo poderiam ser considerados paradigmas para o Brasil.
A Suécia, por exemplo, mudou sua atitude depois de reconhecer o impacto negativo das medidas mais “liberais”. Lá – onde o consumo de drogas voltou a ser ilegal após cerca de 30 anos de liberação - os dependentes surpreendidos por qualquer agente da lei, da segurança ou do serviço social devem ser encaminhados para tratamento.
Esse tipo de política, que é consensual na Suécia, leva os diferentes partidos a desejar que a próxima geração de suecos não faça uso de nenhuma droga.

Essas histórias de sucesso não são levadas em consideração pelos paladinos da legalização das drogas no Brasil.
Esse lobby está com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que pede a descriminalização do porte de drogas. O argumento falacioso é que o uso de drogas é um comportamento que afeta somente o indivíduo e que, portanto, seria inconstitucional uma lei cerceando esse direito.

Equívocos têm consequências e apresentam uma dura fatura humana. Não podemos deixar que minorias ativas e politicamente corretas tomem conta do nosso destino.
 

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  • Edésio Reichert
  • 12 Favereiro 2017

Não precisa ser instruído nem muito inteligente para chegar em qualquer cidade, próximo de 100 mil habitantes ou mais, e perceber como são excludentes e prejudiciais, as decisões de nossos administradores e legisladores públicos, a respeito do que significa transporte público para pessoas. Pouquíssimas cidades fogem a essa situação. Estas não são objeto deste artigo, assim como não é, o metrô, por ser transporte que se aplica a poucas cidades.

Toda pessoa maior de idade tem direito a ter um veículo? Sim. Toda pessoa maior de idade, que tem um carro, tem direito de ir trabalhar com ele? Sim. Se toda pessoa que possui veículo utilizá-lo como meio de transporte para ir trabalhar as ruas comportam? NÃO.

Então o que leva uma pessoa a decidir ir trabalhar com o próprio carro? Seguramente, a condição financeira que tem, aliada à praticidade que gera. Logo, aquele que vai de transporte público - principalmente de ônibus – só o faz por não ter condições de bancar as despesas de um veículo e por não ter outra opção, pois se tivesse não iria de ônibus.

Como é possível considerar o transporte público bom e atraente, se o sonho de quem o utiliza, é não usá-lo mais?

Quer humilhação mais desprezível do que deixar explícito a uma pessoa que ela é pobre? Não basta as dificuldades que ela tem na vida - não importando aqui as razões - o sistema de transporte que está à sua disposição, precisa confirmar que ela não tem condições financeiras para usar outro meio.

Em sua maioria, ônibus e trens urbanos, são sujos, cheirando mal, sem ar condicionado, superlotados, por demais demorados, barulhentos, pontos de embarque e desembarque sem proteção adequada,poucos terminais de transbordo, sem preferência de vias e em semáforos (especialmente ônibus), etc.

Absolutamente claro que é um sistema para pessoas pobres. E grande número dos usuários desse sistema, por sua pouca instrução, jamais poderão conquistar a condição de ir com seu próprio carro trabalhar. Sob esta perspectiva, o mal maior é o que pode se desenvolver no coração dessas pessoas: o ressentimento. Pessoa ressentida não trabalha direito, pode ter mais problemas de saúde, problemas psicológicos, de relacionamentos, dificuldades de colaboração, etc.
Carro e cidade jamais se harmonizarão, não foram feitos um para o outro. Cidade combina com transporte público e sempre pensando em maior número possível, mas para pessoas, não para pessoas pobres.

Aqui reside o principal desafio: mudar a cultura do veículo como meio de transporte dentro das cidades, incluindo as motos, pelos riscos que apresentam. Esta é uma daquelas brigas necessárias, que deveriam ser enfrentadas por administradores e legisladores corajosos, não importando os entraves legais, burocráticos e daqueles que tem mais condições financeiras. Todos os esforços dos homens públicos deveriam concentrar-se nesta direção: PREFERÊNCIA ABSOLUTA para o transporte público, para atrair todo tipo de pessoa. E quem quiser ou precisar do veículo próprio para trabalhar? Sem problemas, saiba que o transporte público terá preferência.

Temos muitas cidades bem organizadas, limpas, com harmonia entre os elementos naturais e os edificados pelo homem; mas quando olhamos o seu sistema de mobilidade, número de veículos, motos, os estacionamentos nos espaços públicos, uma verdadeira tragédia.

Com esse sistema, a vida das pessoas vai sendo sendo sugada pelo tempo, no trânsito, dentro de um carro, em um transporte coletivo, perdendo saúde, convivência familiar, produtividade no trabalho.

Como mudar esta realidade? Certamente não será fácil a solução. Porém o princípio de tudo é ter vontade e coragem de mudar. Além disso, os poucos exemplos de cidades do Brasil e as soluções já encontradas mundo afora, deveriam servir de inspiração, tanto para mudar leis como para criar políticas públicas direcionadas para esta prioridade: TRANSPORTE PÚBLICO PARA PESSOAS.

É surpreendente o número de autoridades que viajam ao exterior e retornam elogiando os sistemas de transporte que lá fora viram. E aqui quase tudo continua como está.

E nossas cidades, cada vez mais populosas, sob o ponto de vista aqui analisado, vão tornando a vida das pessoas num pedacinho do inferno.

* O autor é pequeno empresário no Paraná.
edesioreichert@gmail.com

 

 

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  • Prof. Luis Milman
  • 11 Favereiro 2017


O ambiente universitário brasileiro, a exemplo do jornalístico, é um terreno no qual sempre proliferou a mentalidade esquerdista. O Partido dos Trabalhadores, desde os anos 80, é o preferido de professores e alunos, que ostentam sua militância abertamente e com orgulho. Na medida em que o PT foi se tornando um partido de governo, partidos de esquerda mais à margem do poder, como o PC do B, o PSTU e o PSOL, passaram a dividir com os petistas a liderança do movimento estudantil, enquanto os sindicatos docentes, especialmente das universidades públicas, continuaram a ser dominados por petistas. O PT substituiu o antigo PCB, o Partidão – do qual, em muitos aspectos, é um esbirro- na preferência da intelligentsia universitária. Assim, não é novidade que sempre tenha havido, por parte deste setor, uma adesão confessional aos padrões de pensamento e organização marxistas.

Para todos os efeitos, estar vinculado ao PT ou, em segundo plano, aos demais partidos da esquerda, aberta ou informalmente, significa, ainda hoje, possuir uma carta de recomendação ideológica, sem a qual é muito difícil abrir as portas para a participação em grupos que dominam a política e movem a burocracia universitária. A credencial é responsável pela ocupação de cargos diretivos e pela consequente ascensão na carreira docente, sem falar na participação assídua em congressos nacionais e internacionais e, principalmente, nas agências estatais de fomento à pesquisa, que controlam a distribuição de bolsas de estudo para alunos e verbas polpudas para professores . Para aqueles que não se ajustam ao perfil ideológico dominante, que são independentes ou não-alinhados ao ideário hegemônico, resta resignarem-se com um autêntico exercício de sobrevivência profissional, em um contexto que, não raras vezes, torna-se, até mesmo, hostil.

A contraface deste esquerdismo que sequestrou a Universidade brasileira é a inexistência de setores articulados mais identificados com referências teóricas de direita. Entenda-se por direita, aqui, não o espantalho reacionário que os petistas, ou a esquerda brasileira como um todo, fabricou para justificar sua doutrinação. A direita que importa é aquela dos conservadores e liberais, que defende os valores da democracia republicana, da economia de mercado, da tradição e costumes judaico-cristãos e da liberdade individual. Esta está praticamente extinta na Universidade, muito por culpa de sua própria falta de combatividade e de sua aceitação pacífica do expurgo ideológico a que foi submetida pela esquerda.

Externamente, apenas para fins de propaganda, os esquerdistas que dominam os campi, sustentam que são democratas e que há, na universidade, um fluxo de pensamento livre. Não há. Este fluxo é condicionado pela aceitação, por parte da maioria esmagadora de professores e estudantes, de modo tácito ou explícito, da mentalidade revolucionária marxista ou paramarxista e de sua superioridade moral. Um professor, na área de Humanidades, por exemplo, tem muita dificuldade operacional para expor as ideias políticas de Hume, Burk ou Toqueville, ou a crítica ao socialismo de Mises e Hayeck, num ambiente no qual Marx , Gramsci, Adorno e Dvorkin são praticamente vistos como sublimes.

São imperceptíveis, na Universidade brasileira, os registros do debate e da abertura intelectual. Em seu lugar, há um compadrio doutrinário e a consequência de décadas desta hegemonia esquerdista é aquilo que chamo de espiral da mediocridade. Nas salas de aula e nos encontros de pesquisadores repetem-se à exaustão as fórmulas surradas de pensadores marxistas. Há muito espaço, também, para anarcomarxistas, como Foucault, ou para pós-modernistas como Derrida, além de uma penca de autores de expressão menor que seguem estas linhas. Tudo produzido de maneira repetitiva para consumo da clientela acadêmica. Não há diferença entre formação e doutrinação . A reflexão dá lugar ao automatismo e os modos de expressão, na mesma medida em que a capacidade crítica é substituída por uma adesão do sujeito a uma dogmática já existente, limitam-se a propagar e a produzir cópias caricatas dos modelos que habitam o Olimpo das ideias revolucionárias e desconstrutivistas.

É a este quadro, em linhas gerais, que está reduzida a intelectualidade na Universidade brasileira. É de se reconhecer, no entanto, que está surgindo, devido à degradação política do PT, uma demanda por mais inteligência na sociedade. Esta demanda reflete-se no meio acadêmico, onde a situação confortável da esquerda passou a sofrer alguma contestação, mesmo que ainda incipiente. Uma das defesas do esquerdismo, digamos, corporativo da Universidade, é fazer com que suas práticas e hábitos permaneçam opacas para essa mesma sociedade que a sustenta. A vida intelectual e a burocracia universitárias ainda constituem uma caixa-preta para o cidadão comum. É preciso urgentemente devassá-la.
 

Prof. de Filosofia

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  • Eliane Cantanhêde
  • 11 Favereiro 2017

(Publicado originalmente no Estadão)

É hora de alguém soprar um velho conselho ao ouvido do presidente Michel Temer: “Devagar com o andor que o santo é de barro”. Quando tudo parecia melhorar, com as presidências da Câmara e do Senado na mão, inflação e juros caindo, arrecadação subindo, o PMDB e Temer se animaram, superestimaram a própria força e passaram a agir como se não devessem satisfações a ninguém, nem à opinião pública. Errado.

Desprezando os outros 27 candidatos, Temer lançou o ministro tucano Alexandre de Moraes para julgar a Lava Jato no Supremo. Até aí, tudo bem, porque Fernando Henrique e Lula, por exemplo, indicaram ministros que tinham cargos em seus governos. Afora um muxoxo estudantil ou outro, Moraes vem sobrevivendo aos corredores poloneses: os futuros colegas, associações do mundo jurídico e os principais partidos assimilaram bem a escolha.

Temer, porém, errou duplamente com Moreira Franco: ao não nomeá-lo ministro no início do governo e ao nomeá-lo ministro três dias depois da homologação das delações da Odebrecht, em que é citado mais de 30 vezes. A dedução lógica é que foi para livrar Moreira do juiz Sérgio Moro e acomodá-lo no foro privilegiado, e mais confortável, do STF. Um juiz do DF suspendeu a nomeação, a Advocacia-Geral da União (AGU) suspendeu a suspensão, uma juíza suspendeu a suspensão da suspensão.

Resultado: Temer comprou uma briga com a Justiça, atraiu um desgaste político desnecessário e corre o risco de engolir uma doída derrota hoje, caso Celso de Mello vete a ascensão de Moreira a ministro, tanto quanto Gilmar Mendes impediu a posse de Lula na Casa Civil de Dilma para – como se imaginava – ganhar foro privilegiado. Ok, a AGU alega que, como Moreira já estava no governo, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Cola?

Para piorar, o PMDB indicou por aclamação o senador Edison Lobão para presidir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que vai, entre tantas outras coisas, sabatinar Moraes para o STF. Lobão foi ministro de Minas e Energia de Lula e Dilma, exatamente quando a Petrobrás esfarelava, e é alvo de quatro inquéritos no STF, dois deles relacionados à Lava Jato.

É um escárnio o partido do presidente da República colocar alguém assim na CCJ, num momento explosivo. E mais: a vitória de Lobão confirma que Renan Calheiros continua mandando no Senado a partir da liderança do PMDB. O desgaste é do Congresso, mas respinga no Planalto. E, diferentemente de Renan, Temer tem muito a perder com lances audaciosos.

Para piorar, a PF apontou indício de corrupção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM do Rio, personagem central para a aprovação de medidas essenciais na retomada do crescimento econômico, a começar da reforma da Previdência e da flexibilização trabalhista – que, aliás, ganhou impulso ontem na própria Câmara. Com a CCJ do Senado nas mãos de Lobão e a Câmara presidida por um alvo da PF, o que se esvai é a credibilidade dos agentes das reformas.

Por falar em Rio, que coisa, hein? Massacres em Manaus, Boa Vista e Natal, o colapso da segurança pública no Espírito Santo, a ruína do Rio, a prisão de dois ex-governadores do estado (Garotinho saiu, Cabral continua preso)... Não bastasse, a justiça eleitoral mandou cassar Luiz Fernando Pezão (do PMDB!) e seu vice, Francisco Dornelles, enquanto a PM e manifestantes transformam a Cidade Maravilhosa em campo de batalha.

A sensação geral é de desmando, de fim de uma era, e Temer deveria ser menos autoconfiante e concentrar energias na recuperação da economia e na escolha de um ministro da Justiça acima de qualquer suspeita, que não irrite ainda mais a opinião pública. Cuidado com o andor e com o santo. O momento não é de audácia, é de prudência.

 

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  • Luís Milman
  • 09 Favereiro 2017

 

As catástrofes políticas, sociais e econômicas que caracterizam todos os regimes comunistas estão delineadas nos escritos de Marx. Porém, o marxismo não é uma doutrina insepulta, mas uma forma de religião que provoca um pandemônio cognitivo, inviabiliza o senso crítico e devasta os padrões morais do sujeito que adere a ele. Para Marx, a força das ideias era puramente destrutiva e seus efeitos deveriam ser sentidos em todos os aspectos da vida: destruir a economia de trocas livres, devastar a noção de indivíduo, destroçar as formas de organização política e social, pulverizar os costumes e a religião. Tudo está ao alcance do devastador mainstream ideológico marxista, que o crente no materialismo dialético passa a professar depois de ter se convertido a esta confissão.

Os regimes marxistas ruíram na Europa depois de quase um século de opressão e miséria. Sua vertente catocomunista impregnou, no entanto, a Igreja da América Latina e penetrou na política partidária do continente, com a ajuda da Universidade e de intelectuais devotados à causa, como os frankfurteanos, os pós-modernistas e os descontrucionistas. E essa vertente culturalista foi bem sucedida. A percepção dominante no mundo ocidental tornou-se relativista e permissiva. Padrões estéticos foram redefinidos para dar abrigo à vulgaridade e à banalidade alegadamente de extração popular da arte pop e da indústria do entretenimento, cuja referência é a destruição de valores milenares. A alta cultura foi nivelada a um vale-tudo em nome da mitificação do espontaneísmo das massas.

A criminalidade, a depravação e a drogadição tornaram-se fetiches na música e nas artes cênicas. A família, que já havia sido alvo dos ataques de Marx, foi transformada em vilã num enredo que apregoa a sua substituição pela promiscuidade. A sexualidade foi transmutada em exercício de taras, em nome de uma liberação feminina e da luta contra a dominação do macho. Foi despida do pudor e do recato, passando a ser praticada como parte essencial da luta política contra a opressão que está, segundo a ideologia destrutiva, em todo lugar.

O resultado, no Ocidente pós-II Guerra, foi o surgimento de uma mentalidade emasculada em todos os setores da vida, delineada pela hipertrofia de comportamentos extravagantes e de super-direitos abstratos. Por outro lado, nada do que se alicerça nos valores judaico-cristãos pode dar, nesta perspectiva, origem ao belo ou ao justo. A naturalidade com que se reproduzem, na mídia e na escola, clichês infanto-juvenis sobre opressão, igualdade e diversidade infesta a concepção contemporânea de mundo com um cavalar complexo de culpabilização do ego e faz com que mesmo a forma mais inocente de se expressar seja alvo de autopoliciamento, Os neologismos formados com a palavra fobia injetam, na vida social, o sintagma de combate de estudantes profissionais e de seus modelos pré-moldados na psicose nihilista.

É preciso sempre opor-se a esse contra-Renascimento, a essa era de trevas na qual a maioria das pessoas é atraída, pela cultura degenerada difundida pela mídia, ao exercício da autopiedade e ao nihilismo. A resistência à hegemonia do obscurantismo materialista deve mobilizar todos os assuntos da vida, porque o marxismo é holista. A luta é pela reconquista da condição humana por quem ainda não se deixou contaminar pela ideologia da destruição.

*Professor de Filosofia.

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