O Supremo ainda discute aquilo que para o cidadão normal seria o óbvio: se alguém é condenado por um juiz e recorre ao tribunal e o tribunal confirma a condenação, não há o que discutir - tem que começar a cumprir a pena, ainda que recorra a um tribunal superior. Dizer que alguém somente fica obrigado a cumprir uma decisão judicial depois do trânsito em julgado, isto é, depois de todos os recursos no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal significa imaginar que a sentença não será cumprida. Suponha um credor esperar um tempo sem prazo para reaver seus recursos. É ameaça de falência. Multiplique-se isso e temos uma economia brasileira inviável. Imagine isso na esfera penal. Torna-se sinônimo de impunidade para quem dispõe de defesa para fazer embargos e recursos até o fim dos tempos.
O sistema penal existe para apurar, com todas as garantias de defesa aos acusados ou suspeitos. Ficando provado o delito ou autoria, a lei penal manda punir, como é óbvio. Mas no “trânsito em julgado” fica difícil punir, com a interminável possibilidade de protelações desde que o condenado disponha de um bom time de advogados. O Supremo tem 11 ministros. Se tivesse 110 não dariam conta de julgar a cachoeira de recursos que chegam todos os dias. Pode levar décadas até a linha de chegada do “trânsito em julgado”. Em meio a essa lentidão de congestionamento, a questão que mais chega ao destino é a prescrição. Passou o tempo, morreu a ação, tanto quanto a vítima ou o credor.
Num sistema sadio, a Justiça tem duas instâncias: a de um juiz singular e a de um colegiado revisor. Revisou, pronto. Acabou. Se não acaba nunca, não há justiça. Pode haver moções específicas quanto a violações da Constituição, que não são recursos do caso em si, mas pedidos para um tribunal constitucional alegando inconstitucionalidade da decisão judicial que terminou em segundo grau com o cumprimento da sentença. Isso é distorcido neste país tropical, para aproveitar infinitas protelações que negam o sistema penal e implantam a impunidade. Bancas de advocacia ficam riquíssimas graças a isso. E acaba gerando reação no sentido oposto. Aí é a punição sem passar por tribunal, num Brasil que tem até pena de morte. Ou gera fúria punitiva contra a impunidade a qualquer preço, que também peca pelo exagero entre promotores e juízes. Qualquer “ouvi dizer” vira testemunho de crime.
Aí, sob uma mesma lei, um juiz do Supremo afasta um Senador de seu mandato e outro juiz do Supremo o recoloca, como se a Constituição não estabelecesse que só quem tira mandato é o plenário da Casa ou a condenação. Sob uma mesma lei, um colaborador premiado fica preso, como Marcelo Odebrecht e outro ganha alforria novaiorquina, como Joesley. O ministro Gilmar Mendes disse que “o Supremo precisa ter um encontro com essas prisões sem prazo... antecipando pena e forçando delações premiadas”. Agora se choca com o juiz federal Marcelo Bretas, que por duas vezes mandou prender empresários cariocas de ônibus e Gilmar por duas vezes mandou soltar. Quando o Ministério Público arguiu sua suspeição no caso, Gilmar argumentou que se isso acontecer, “o rabo abana o cachorro”. Nesta semana, juízes e procuradores promovem ato de desagravo ao juiz Bretas. Inveja do moleiro vizinho de Frederico II, que confiava nos juízes de Berlim.