(Publicado originalmente no Diário do Poder)
A Justiça Eleitoral apareceu no Brasil após a revolução de 1930, mas a Constituição Federal de 1937, outorgada por Getulio Vargas, excluiu-a do Poder Judiciário. No período de 1937 a 1945 conhecido como Estado Novo, não houve eleições no Brasil. O Decreto-Lei n.º 7.586 de 1945, restabeleceu a Justiça Eleitoral no Brasil para felicidade dos que desejavam poder e prestígio, afinal, quem dava a última palavra após o sufrágio [voto] eram os juízes eleitorais.
A competência da Justiça Eleitoral é atuar exclusivamente nas eleições, homologar os pedidos de candidaturas, as convenções dos partidos, fiscalizar e homologar as prestações de contas das campanhas, julgar recursos contra os abusos e fraudes e diplomar os eleitos. É bom lembrar que a Justiça Eleitoral custa por ano R$ 2 bilhões de reais ao erário e no Brasil as eleições se dão somente a cada dois anos...
A cada vacância nos Tribunais Eleitorais estaduais e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acontece uma verdadeira maratona de operadores do Direito mendigando aquela cadeira togada junto a políticos que, em tese, eles terão que julgar, se prometendo lealdade aos seus apoiadores.
O julgamento na última sexta-feira da chapa “Dilma-Temer”, da eleição presidencial de 2014, ultrapassou o ridículo, pois ministros do TSE estavam visivelmente atuando como se advogados do presidente Temer fossem, ignorando provas criminais e antecipando seus votos para influenciar os demais, sem qualquer preocupação com a opinião pública.
O presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, não conseguiu esconder que estava trabalhando para que aquele julgamento histórico terminasse em “pizza”, o que pode sugerir que ele levou em consideração a sua antiga amizade com o presidente Temer...
A Justiça Eleitoral sempre foi polêmica, não somente pelo alto custo e a sua composição por indicações políticas, mas também por ter dois pesos e duas medidas. No julgamento “Dilma-Temer” o TSE cometeu suicídio eleitoral...
(Publicado originalmente na revista Época)
O deputado Jair Bolsonaro fez um discurso em evento da direita em que se disse cansado do diálogo, e conclamou os presentes a uma intervenção militar para impor de vez a moralidade no País. Foi ovacionado, e todos saíram gritando “se manda, comunista, o Brasil será fascista”. Em seguida, foi a vez de Ronaldo Caiado pedir sangue para a redenção da nação, com base em ensinamentos bíblicos.
Calma, leitor. Nada disso é verdade. Quer dizer: a coisa até aconteceu, mas não com esses personagens, não com essas mensagens. Na verdade, o evento era da esquerda, e os palestrantes eram Roberto Requião e Benedita da Silva. Requião disse: “Não faltaram palavras. Não faltou uma vírgula sequer nos discursos, em nossos artigos, em nossos debates. Dissemos tudo, uma, duas, mil vezes. O que, então, estamos esperando para cruzar o rio, para jogar a cartada decisiva de nossas vidas? Senhores e senhoras, universitários aqui presentes: convençam-se. Não há mais espaço para a conversa e os bons modos”.
Foi muito aplaudido, e a plateia gritava, ensandecida: “Se muda, se muda, imperialista! A América Latina será toda socialista!”. Já Benedita citou a Bíblia para incitar a violência: “Quem sabe faz a hora e faz a luta. A gente sabe disso. E na minha Bíblia está escrito que sem derramamento de sangue não haverá redenção. Com a luta e vamos à luta, com qualquer que sejam as nossas armas!”
Só há um deputado sendo punido por “incitar a violência”: Bolsonaro. E isso porque ele disse que a deputada não merecia ser estuprada. Bolsonaro defende punições bem mais severas para estupradores, até castração química, enquanto a extrema-esquerda e a própria deputada pregam o abrandamento da pena para marginais perigosos.
O caso de Bolsonaro foi tema de inúmeros artigos e reportagens nos principais jornais. A evidente incitação à violência “revolucionária” de Requião e da petista não mereceu destaque na mídia. O ator global Bruno Gagliasso deu chilique e se recusou a permanecer sentado ao lado de Bolsonaro num evento de luta, mas o preconceituoso e intolerante, claro, é o próprio deputado.
No filme “Tempo de matar”, de 1996, o advogado Jake, personagem de Matthew McConaughey, persuadiu o júri quando conta a triste história de uma menininha estuprada. No final, ele pede: “agora imaginem que ela é branca”. O que ele quer é lembrar dos olhos vendados da Justiça, da igualdade de todos perante as leis. Devemos julgar os atos em si, não quem os cometeu, se estão do “nosso” lado ou não.
E por falar nisso: imaginem se fosse Bolsonaro, e não o ministro Barroso, alinhado à esquerda, a se referir a Joaquim Barbosa como “negro de primeira linha”. Qual seria a reação da imprensa? Pois é…
Acabo de ler na esgotosfera do facebook a seguinte pérola:
"Não é sem razão que o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) lançará no próximo dia 13/6 (terça-feira) a campanha “Encarceramento em massa não é Justiça”. De igual modo, o IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a Pastoral Carcerária Nacional – CNBB, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) e o Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação (CEED/UnB) elaboraram 16 (dezesseis) propostas legislativas que buscam impactar a dinâmica sistêmica do encarceramento em massa no país."
Entenderam?
• No Brasil, CAMPEÃO MUNDIAL em mortes, com seus 60 mil homicídios por ano (11% dos crimes no planeta);
• No Brasil onde se mata mais do que na guerra na Síria;
• No Brasil onde, apenas entre 2000 e 2014, foram praticados cerca de 740 MIL HOMICÍDIOS;
• No Brasil onde NO MÁXIMO 8% dos homicídios resultam em denúncias, e onde cerca de 600 mil mandados de prisão se encontram pendentes de cumprimento, os cardeais da extrema-esquerda escalam um estagiário para anunciar a "boa nova": ENCARCERAMENTO É O PROBLEMA! O lema da campanha bem poderia ser: "MORREU FOI POUCO!"
Com todo respeito... AJD? IBCCrim? CNBB? WTF?! O que mais falta? Nardoni pontificando sobre os direitos da criança? Tiririca escrevendo ensaios sobre Camões? Ou palestras de um ex-presidente sobre probidade administrativa?
Claro que não se trata de mera burrice. A estupidez tem limites, a loucura não. Repito aqui trecho de uma postagem por mim feita em relação a caso semelhante (pra não dizer idêntico), ocorrido há bem pouco tempo:
'O ARRAIAL DE CANUDOS À JUMENTOCRACIA
'Da mesma forma que o geólogo interpretando a inclinação e a orientação dos estratos truncados de antigas formações esboça o perfil de uma montanha extinta, o historiador só pode avaliar a altitude daquele homem, que por si nada valeu, considerando a psicologia da sociedade que o criou. Isolado, ele se perde na turba de nevróticos vulgares. Pode ser incluído numa modalidade qualquer de psicose progressiva. Mas posto em função do meio, assombra. É uma diátese e é uma síntese. As fases singulares da sua existência não são, talvez, períodos sucessivos de uma moléstia grave, mas são, com certeza, resumo abreviado dos aspectos predominantes de mal social gravíssimo. Por isto o infeliz destinado à solicitude dos médicos veio, impelido por uma potência superior, bater de encontro a uma civilização , indo para a história como poderia ter ido para o hospício'.
Assim Euclides da Cunha descreveu Antônio Conselheiro, líder messiânico do Arraial de Canudos, protagonista de uma das mais cruentas páginas da história da incipiente (e, diria eu, insipiente) república brasileira. Passado mais de um século desde a publicação do clássico "Os Sertões", sirvo-me da pena de seu autor ante a constatação de que nos dias de hoje, como então, o meio social brasileiro se presta ao florescimento de tipos caricatos (gnósticos broncos, na definição de Euclides), cuja degenerescência intelectual e fragilidade de consciência parecem nutrir-se da própria decomposição do ambiente cultural a que pertencem.
Personalidades saprófagas, de perfil paranoide, que desconhecem até mesmo as origens de suas próprias crenças e se apegam, com fervor religioso, a um pequeno punhado de certezas malformadas, rechaçando histericamente tudo aquilo que se lhes afigure uma ameaça. Por frágeis, cumprem à risca a máxima "Asinum asinus fricat", buscando na confirmação de seus pares aquilo que a razão lhes sonegou e apelando à própria ignorância como fonte insofismável de autoridade intelectual ("se eu não conheço, é porque não existe, é mentira ou está errado).
A esta altura você já deve ter notado que estamos descrevendo uma "jumentocracia": saber menos é mais, pois hão de triunfar todos aqueles cuja estreiteza mental não lhes permita divisar nada além de uma lista de dogmas introjetados em suas cabeças a golpes de formão e palavras de ordem. Se o Conselheiro trazia, num surrão de couro, "papel, pena e tinta, a Missão abreviada e as Horas marianas", os fanáticos de hoje trazem na ponta da língua um arsenal de palavras-gatilho ("punitivismo", "opressão" "desencarceramento", "senso comum", "estado de alarme", "seletividade", "populismo penal"), cuja simples menção - acreditam - lhes confere uma espécie de onisciência fácil, catapultando-os ao Olimpo da pureza espiritual e das boas intenções (são as Paquitas do garantismo penal).'
Acrescento: esse tipo de loucura (ideológica) é temível. Tão temível quanto a coalizão obscura entre padres de passeata, vampiros de honorários e apologistas da barbárie. Todos têm as mãos sujas de sangue inocente. Não merecem qualquer respeito. Quem viver (se viver) verá!
(Publicado, originalmente, no Estadão de 09/06/2017)
Os recentes atos de vandalismo provocados por movimentos que sempre se manifestam promovendo a baderna, destruição de bens públicos e privados - pois são notórios violadores da lei e da ordem, a título de impor o que entendem ser ideal para o país, ou seja, a “república do caos” - deixaram um saldo negativo para a imagem do Brasil, com incêndios e depredações de Ministérios em Brasília.
É de se lembrar que o ex-presidente Lula pediu aos auto confessados delinquentes de colarinho branco da JBS, dinheiro para financiar a ida à Capital Federal de invasores de terras (MST), transportados, em 60 ônibus, com outros violadores da ordem. Onde conseguiram dinheiro para isto, é questão que deve ser averiguada. Geraram uma desordem não contida pela polícia militar em Brasília e só possível de ser debelada quando o Presidente da República chamou as Forças Armadas a intervir, COMO DETERMINA A CONSTITUIÇÃO.
A imprensa, não versada no direito constitucional, e os políticos de esquerda, que chamaram os agressores de bens públicos de “companheiros mascarados”, enxergaram no ato uma violação à ordem democrática.
Ora, agiu, o Presidente da República, rigorosamente como deveria, não se omitindo na preservação da ordem e da lei, pois a Constituição permite o uso das Forças Armadas em tais circunstâncias.
O artigo 142 da CF, “caput” tem a seguinte redação:
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
São três, portanto, suas funções, a saber:
1) Garantir a defesa da pátria;
2) Garantir os Poderes constituídos;
e
3) A pedido de quaisquer deles (Poderes constituídos) assegurar o cumprimento da lei e da ordem.
Em outras palavras, o Título V da Lei Suprema, destinado a assegurar o Estado Democrático de Direito nas crises externas ou internas –nós, os constitucionalistas, denominamos o Título V, de “Regime Constitucional das crises, constituído de 9 artigos (136 a 144) - dá às Forças Armadas (142 a 143) e às forças de Segurança Pública (144) tais funções, que podem ser exercidas, em crises internas, invocando o “Estado de Defesa” (crise localizada) ou de “Sítio” (generalizada), para evitar que a ordem seja tisnada.
Ora, os baderneiros, que não entendem que, na democracia, todas as manifestações populares são válidas, DESDE QUE SEM VIOLÊNCIA, geraram caos impossível de ser controlado pela polícia militar, primeira linha de defesa da ordem pública e da paz social. Sua ineficiência gerou a necessária convocação do Exército, cuja mera presença simbólica já serviu para estancar a desordem, ao ponto de o decreto presidencial poder ser revogado em menos de 24 horas.
A lição não compreendida pelos que desconhecem a Constituição –- além daqueles que fingem não compreendê-la por cinismo, com vistas à imposição arbitrária de seus próprios objetivos-- é de que os constituintes de 88 deram às Forças Armadas o relevante papel de estabilizador das crises políticas e sociais, quando os Poderes se tornarem incapazes de uma solução, por vias normais. Assim, agem na defesa da pátria (fracasso da diplomacia), na defesa das instituições contra agressões físicas (fracasso da população em entender que a violência contra instituições não é própria das manifestações democráticas) ou da lei e da ordem (fracasso da harmonia entre Poderes ou invasão de competência de um na de outro).
O simples fato de criar-se este instrumento supremo e estabilizador, em momentos de crise não solucionada pelo poder civil, foi pensado pelos constituintes de 88, objetivando preservar a mais importante conquista política de um povo, que é a democracia.
John Rawls, em seu livro “Direito e Democracia”, sustenta só ser possível a democracia, a partir da convivência de “teorias não abrangentes”. Ou seja: não há teoria absoluta, na democracia; do debate entre as várias teorias é que surge, para cada Nação, aquela melhor aplicável. Não sem razão, o regime parlamentar é o melhor sistema de governo (responsabilidade a prazo incerto), pois as mudanças políticas fazem-se sem traumas, ao contrário do presidencialismo (irresponsabilidade a prazo certo) em que tais mudanças são sempre traumáticas. Das 20 maiores democracias do mundo, 19 são parlamentaristas e só uma (Estados Unidos) é presidencialista.
Tais considerações eu as faço para esclarecer que tem as Forças Armadas função relevante, para não permitir que a democracia brasileira seja maculada por baderneiros e políticos oportunistas, ou seja, aqueles que geraram o caos econômico, a inflação descontrolada, o desemprego elevado e brutal queda do PIB, além de longos anos de corrupção, sem limites.
A democracia só pode ser vivenciada por povos que compreendem que o debate político é necessariamente oposição de ideias e que estas devem ser sempre expostas sem limites, mas também sem violência, para que a razão e não a emoção gerada pelo populismo venha a prevalecer. A ignorância, de rigor, é a grande arma de que o populismo se serve para conquistar o poder. Mas o líder populista é um despreparado para exercê-lo, razão pela qual, quando o conquista, gera retrocesso e corrupção.
Pode-se criticar o texto constitucional, por adiposidade excessiva em disposições, muitas delas sem densidade constitucional, mas, na essência, Ulisses Guimarães e Bernardo Cabral (presidente e relator) conseguiram de seus pares um texto em que a parte dedicada aos princípios fundamentais é boa, principalmente a que diz respeito aos direitos individuais e ao equilíbrio entre os Poderes, com papel relevante, mas de reserva para crises, das Forças Armadas.
Uma das cenas mais grotescas e repugnantes estampadas na imprensa delata a decadência urbana brasileira – a cracolândia – este acampamento de drogados ambulantes pelo espaço público da mais rica cidade brasileira, qual senhores absolutos e paradoxalmente arrogantes e desvalidos da cidade.
A ralé soberana. A paisagem retrata com tons sombrios a destruição da cidade, refletindo neste escorço o relaxamento moral do país, subordinado ao vício das drogas. As pessoas sadias, operosas, contribuintes impositivos do Estado de direito, assistem impotentes aquele cancro inabalável do crime urbano. Desta tolerância oficial a se arrastar por anos, onde instituto oficializado de Direitos Humanos foi omisso e, na prática, coadjuvante da devassidão física e moral exposta em via pública, emerge surpreendente um personagem decidido a combater o mal explícito – o novo prefeito João Dória. Eis quando o imperativo da ordem social impõe varrer a mazela urbana, aquela instituição totalmente ausente de ação sanitária em todo correr do antanho, irrompe de sua inação para insurgir-se contra o prefeito; como se a cidadania produtiva, civilizada, apreciadora da ordem urbana, protetora da saúde pessoal e social do cidadão, agredida pelo quisto delinqüente invasor das vias públicas, não devesse ser o foco da proteção dos Direitos Humanos – o direito elementar de ir e vir, de usufruir as benesses de sua cidade para a qual destina seus impostos.
Ao enfrentar aquela autoridade que ousou corrigir a injustiça, Inverteu o objetivo legal e racional da saúde pública – ao invés de proteger a população dos ataques dos drogados, das cenas ofensivas por eles escancaradas aos olhos infantis. Quando Oswaldo Cruz estabeleceu a vacina condição obrigatória contra a varíola, Rio de Janeiro de 1904, encontrou violenta reação popular; a população a quem a vacina se destinava a defender preferia a varíola. A racionalidade se impôs felizmente. O mesmo se espera hoje das autoridades de São Paulo e do Brasil: encarar o urbanismo como intérprete dos Direitos Humanos.
• Arquiteto, urbanista, escritor.
(Publicado originalmente em http://www.gazetadopovo.com.br/)
Quando Mark Twain soube de um obituário seu precoce, ironizou: “Parece-me que as notícias sobre a minha morte são manifestamente exageradas”. Será que o mesmo pode ser dito acerca da Europa cristã hoje?
Que o continente, berço da civilização ocidental, está sob ataque, definhando numa crise de valores morais, mergulhado no caos do “welfare state” e do multiculturalismo politicamente correto, qualquer pessoa atenta pode perceber. O estrago do pós-modernismo materialista, niilista e hedonista salta aos olhos.
Mas será que, por conta disso, deve-se adotar uma postura pessimista e fatalista de que não há mais jeito, de que a islamização europeia é uma tendência inexorável, de que não haverá chance de reação? Será que a “profecia” do escritor francês Houellebecq em Submissão se realizará?
Talvez. Mas para dar um tom mais otimista, resgato um longo trecho do livro O homem eterno, de G.K. Chesterton, em que ele argumenta a favor da incrível força da boa-nova do cristianismo, cuja morte já foi prevista inúmeras vezes antes (assim como a do capitalismo desde Marx):
Mas o primeiro fato extraordinário que marca essa história é o seguinte: a Europa foi virada de cabeça para baixo muitas e muitas vezes, e no fim de cada uma dessas revoluções a mesma religião estava outra vez no topo.
[…] Todos os estágios comuns haviam sido vividos: o credo se tornara algo respeitável, tornara-se um ritual, depois havia sido modificado e racionalizado, e os racionalistas estavam dispostos a dissipar o que sobrara dele exatamente como fazem hoje em dia. Quando o cristianismo de repente ressurgiu e os surpreendeu, foi algo tão inesperado como Cristo ressuscitando dentre os mortos.
[…] Por que houve aquele intenso alarme entre algumas das autoridades acerca da versão racionalista de Aristóteles feita pelos árabes? As autoridades raramente se alarmam a não ser quando já é tarde demais. A resposta é que centenas de pessoas provavelmente acreditavam no fundo do coração que o islamismo conquistaria a cristandade; que Averroes era mais racional que Anselmo; que os sarracenos eram no fundo, como na superfície, uma cultura superior.
[…] O que de fato aconteceu foi um rugido feito um trovão de milhares e milhares de jovens jogando toda a sua juventude num exultante contra-ataque: as cruzadas. Eram os filhos de são Francisco, os malabaristas de Deus, que percorreram cantando todas as estradas do mundo; era o estilo gótico subindo como uma revoada de flechas; era o despertar do mundo.
[…] Resumindo: na medida em que é verdade que os séculos mais recentes têm testemunhado uma atenuação da doutrina cristã, eles apenas testemunharam o que testemunharam os séculos mais remotos. E até mesmo o exemplo moderno terminou exatamente como terminaram os exemplos medievais e premedievais.
[…] Se nossas relações e registros sociais mantiverem sua continuidade, se os homens realmente aprenderem a usar a razão para acumular os fatos de uma história tão esmagadora, a impressão é de que mais cedo ou mais tarde até seus inimigos aprenderão com suas incessantes e intermináveis decepções a não ir atrás de algo tão simples como a morte do cristianismo. Eles podem continuar a combatê-lo, mas será como um combate contra a natureza: um combate contra uma paisagem, um combate contra o horizonte. “Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão.”
Quem me acompanha há tempos sabe que não sou exatamente um crente, e já fui até um ateu militante (fase da qual me envergonho um pouco). Mas isso não me impede de analisar a situação friamente, e concluir que o cristianismo, historicamente falando, tem profunda ligação com o relativo sucesso da civilização ocidental. Seu legado é positivo, apesar das falhas (e toda instituição humana será sempre imperfeita, algo que os utópicos não entendem).
Eis um trecho do livro Os caminhos para a modernidade, da historiadora Gertrude Himmelfarb, sobre o lado britânico do Iluminismo (ou melhor, dos Iluminismos), que é comumente ignorado pelos professores fãs da Revolução Francesa sangrenta:
Essa foi a Inglaterra que Montesquieu encontrou no início do século XVIII. O povo inglês, disse ele, “sabe melhor do que qualquer outro povo sobre a Terra como valorizar, ao mesmo tempo, estas três grandes vantagens – religião, comércio e liberdade”. E foi essa a Inglaterra que Tocqueville redescobriu mais de um século depois: “Eu desfrutei, na Inglaterra, do que há muito tempo eu estive privado – uma união entre os mundos religioso e político, entre a virtude pública e privada, entre o cristianismo e a liberdade”.
Acho que qualquer estudo sério e imparcial mostrará que não é tão fácil dissociar o legado da civilização ocidental daquele do cristianismo. Os grandes pensadores atribuíram importância enorme aos valores cristãos nesse avanço da liberdade e do conhecimento. Não é por acaso que existe um abismo quase intransponível entre países dominados pelo Islã e aqueles com origem cristã em termos de tolerância, liberdade individual etc.
Algumas pessoas acham que esse “liberalismo” degenerado de hoje não é capaz de enfrentar a ameaça islâmica. Que falta estamina, coragem, motivação, uma causa maior para lutar, resistir. Sem o patriotismo, por exemplo, quem vai arriscar a vida em nome de uma abstração universal, dos burocratas sem-rosto de Bruxelas? Sem a fé, a esperança no futuro, quem vai desafiar os invasores que demandam total submissão?
Há, até onde sei, um bom debate entre cristãos ocorrendo nos dias atuais. Uns acham que é preciso se reagrupar e lutar de forma mais aberta, mesmo numa sociedade “pós-cristã”, que rejeita seu legado; e outros pensam que a melhor forma de resistir é como na era medieval, encastelando-se em espécies de monastérios onde esse legado fique resguardado, protegido, até o dia em que a civilização resolva beber novamente desta rica fonte.
Como alguém de fora, não vou dar pitaco, não sei qual a melhor estratégia. Só sei que torço para um despertar, se não cristão, então ao menos ocidental, ou seja, o desejo de lutar para preservar tudo isso que herdamos de nossos antepassados, e que não foi pouca coisa (quem discorda que vá passar uma temporada no Irã ou na Arábia Saudita).
Após mais um atentado em Londres, parece que a ficha está caindo, que o povo está cansando. O discurso está endurecendo, finalmente. E sabemos que se alguma esperança há, ela vem da Inglaterra, não da França. Não é implicância; é que a França gosta de produzir ideias erradas mesmo.
Só sei que sem a determinação de manter os valores básicos que definem o Ocidente, nossa civilização sucumbirá, e seu futuro será irreconhecível para nós. É isso que queremos deixar para nossos filhos e netos? Burke falava de um contrato social entre gerações, daqueles que vivem com aqueles que já viveram e aqueles que ainda viverão. Está na hora de lembrar disso. Devemos aos nossos pais e avós, e também aos nossos filhos e netos.
Uma civilização não se sustenta num vácuo de valores. Alguns liberais acharam que tais valores não dependiam da religião. Há controvérsias. O presente mostrou que talvez não seja tão simples assim. E se Chesterton estiver certo, poderemos muito bem presenciar um novo despertar cristão, para combater o niilismo e a desesperança daqueles que aceitam passivamente a submissão e a morte, tudo em nome da “tolerância”, claro. Está na hora de dar um basta aos intolerantes!