(Publicado originalmente na Folha de Londrina)
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."
(Rui Barbosa, 1914)
Se existe algo que foi distribuído amplamente em nosso país, é o sentimento de vergonha. Entre a elite que nos governa e escraviza, a vergonha tornou-se rara, quase inexistente. Todavia, entre a imensa maioria do povo – esse povo que não faz política, mas a sofre – a vergonha é ubíqua e soberana. Somos uma nação envergonhada. Somos a República da Vergonha. Face aos últimos acontecimentos em Brasília, gostaria de declarar aos meus sete leitores:
Eu tenho vergonha do Brasil.
Eu tenho vergonha dos políticos do Brasil.
Eu tenho vergonha do acordão para salvar os políticos do Brasil.
Eu tenho vergonha da Dilma.
Eu tenho vergonha do Temer.
Eu tenho vergonha da chapa Dilma-Temer.
Eu tenho vergonha da absolvição da chapa Dilma-Temer.
Eu tenho vergonha do Joesley.
Eu tenho vergonha da Odebrecht, da OAS, do BNDES, da Petrobras.
Eu tenho vergonha da Smartmatic. Eu tenho vergonha das urnas eletrônicas. Eu tenho vergonha da apuração eleitoral secreta. Eu tenho vergonha das "diretas já".
Eu tenho vergonha do Lula.
Eu tenho vergonha do FHC.
Eu tenho vergonha do Supremo – suprema vergonha.
Eu tenho vergonha do TSE – superior vergonha.
Eu tenho vergonha do Executivo, do Legislativo, do Judiciário.
Eu tenho vergonha do Gilmar Mendes. Do Barroso, do Marco Aurélio, do Tóffoli, do Lewandowski, do Fachin, do Janot. Eu tenho vergonha, sim senhor.
Eu tenho vergonha do Aécio, do Rocha Loures, do Zé Dirceu, do Moreira Franco, do Cunha, do Palocci, do Mantega, do Edinho.
Eu tenho vergonha do PT, do PSDB, do PMDB.
Eu tenho vergonha da Rede, do PSOL, do PC do B.
Eu tenho vergonha dos Filhos da CUT, dos caras da UNE, dos sem-terra, dos sem-teto, dos sem-vergonha.
Eu tenho vergonha do showzão obsceno no tribunal de Brasília, eu tenho vergonha do showzinho erótico na universidade de Maringá: vergonha é o que há.
Vergonha da esquerda mortadela, vergonha da direita moderna, a vergonha em grupo, a vergonha sozinha. Não é vergonha alheia, não: a vergonha é toda minha.
Vergonha do Jaburu, do Planalto, da Alvorada. Tenho vergonha, não tenho mais nada.
Vem ter vergonha também: a vergonha que eles não têm.
(Publicado em http://www.olavodecarvalho.org)
A característica fundamental das ideologias é o seu caráter normativo, a ênfase no dever ser. Todos os demais elementos do seu discurso, por mais denso ou mais ralo que pareça o seu conteúdo descritivo, analítico ou explicativo, concorrem a esse fim e são por ele determinados, ao ponto de que as normas e valores adotados decidem retroativamente o perfil da realidade descrita, e não ao inverso.
Isso não quer dizer que às ideologias falte racionalidade: ao contrário, elas são edifícios racionais, às vezes primores de argumentação lógica, mas construídos em cima de premissas valorativas e opções seletivas que jamais podem ser colocadas em questão.
Daí que, como diz A. James Gregor, o grande estudioso do fenômeno revolucionário moderno, o discurso ideológico seja enganosamente descritivo, quando parece estar falando da realidade, nada mais faz do que buscar superfícies de contraste e pontos de apoio para o mundo melhor, cuja realização é seu objetivo e sua razão de ser.
Se o cidadão optou pelo socialismo, ele descreverá o capitalismo como antecessor e adversário, suprimindo tudo aquilo que, na sociedade capitalista, não possa ser descrito nesses termos.
Se escolheu a visão iluminista da democracia como filha e culminação da razão científica, descreverá o fascismo como truculência irracional pura, suprimindo da História as décadas de argumentação fascista, tão racional quanto qualquer outro discurso ideológico que prepararam o advento de Mussolini ao poder.
Tendo isso em vista, a coisa mais óbvia do mundo é que nenhum dos meus escritos e nada do que eu tenha ensinado em aula tem caráter ideológico, e que descrever-me como “ideólogo da direita”, ou ideólogo do que quer que seja, só vale como pejorativo difamatório, tentativa de me reduzir à estatura mental do anão que assim me rotula.
Podem procurar nos meus livros, artigos e aulas. Não encontrarão qualquer especulação sobre a boa sociedade, muito menos um modelo dela.
Posso, no máximo, ter subscrito aqui ou ali, de passagem e sem lhe prestar grande atenção, este ou aquele preceito normativo menor em economia, em educação, em política eleitoral ou em qualquer outro domínio especializado, sem nenhuma tentativa de articulá-los e muito menos de sistematizá-los numa concepção geral, numa ideologia.
Isso deveria ser claro para qualquer pessoa que saiba ler, e de fato o seria se a fusão de analfabetismo funcional, malícia e medo caipira do desconhecido não formasse aquele composto indissolúvel e inalteravelmente fedorento que constitui a forma mentis dos nossos “formadores de opinião” hoje em dia (refiro-me, é claro, aos mais populares e vistosos e à sua vasta plateia de repetidores no universo bloguístico, não às exceções tão honrosas quanto obscuras, das quais encontro alguns exemplos neste mesmo Diário do Comércio).
É óbvio que essas pessoas são incapazes de raciocinar na clave do discurso descritivo. Não dizem uma palavra que não seja para ?tomar posição?, ou melhor, para ostentar uma auto-imagem lisonjeira perante os leitores, devendo, para isso, contrastá-la com algum antimodelo odioso que, se não for encontrado, tem de ser inventado com deboches, caricaturações pueris e retalhos de aparências.
A coisa mais importante na vida, para essas criaturas, é personificar ante os holofotes alguns valores tidos como bons e desejáveis, como por exemplo “a democracia”, “os direitos humanos”, “a ordem constitucional”, “a defesa das minorias”, etc. e tal, colocando nos antípodas dessas coisas excelentíssimas qualquer palavra que lhes desagrade.
Alguns desses indivíduos tiveram as suas personalidades tão completamente engolidas por esses símbolos convencionais do bem, que chegam a tomar qualquer reclamação, insulto ou crítica que se dirija às suas distintas pessoas como um atentado contra a democracia, um virtual golpe de Estado.
O desejo de personificar coisas bonitas como a democracia e a ordem constitucional é aí tão intenso que, no confronto entre esquerda e direita, os dois lados se acusam mutualmente de “golpistas” e “fascistas”. Melhor prova de que se trata de meros discursos ideológicos não se poderia exigir.
Da minha parte, meus escritos políticos dividem-se entre a busca de conceitos descritivos cientificamente fundados e a aplicação desses conceitos ao diagnóstico de situações concretas, complementado às vezes por prognósticos que, ao longo de mais de vinte anos, jamais deixaram de se cumprir.
Dessas duas partes, a primeira está documentada nas minhas apostilas de aulas (especialmente dos cursos que dei na PUC do Paraná), a segunda nos meus artigos de jornal.
Os leitores destes últimos não têm acesso direto à fundamentação teórica, mas encontram neles indicações suficientes de que ela existe, de que não se trata de opiniões soltas no ar, mas, como observou Martin Pagnan, de ciência política no sentido estrito em que a compreendia o seu mestre e amigo, Eric Voegelin.
Não há, entre os mais incensados “formadores de opinião” deste país – jornalísticos ou universitários –, um só que tenha a capacidade requerida, já não digo para discutir esse material, mas para apreendê-lo como conjunto.
Descrevo aí as coisas como as vejo por meio de instrumentos científicos de observação, pouco me importando se vou “dar a impressão” de ser democrata ou fascista, socialista, neocon, sionista, católico tradicionalista, gnóstico ou muçulmano.
Tanto que já fui chamado de todas essas coisas, o que por si já demonstra que os rotuladores não estão interessados em diagnósticos da realidade, mas apenas em inventar, naquilo que lêem, o perfil oculto do amigo ou do inimigo, para saber se, na luta ideológica, devem louvá-lo ou achincalhá-lo.
A variedade mesma das ideologias que me atribuem é a prova cabal de que não subscrevo nenhuma delas, mas falo numa clave cuja compreensão escapa ao estreito horizonte de consciência dos ideólogos que hoje ocupam o espaço inteiro da mídia e das cátedras universitárias.
Suas reações histéricas e odientas, suas poses fingidas de superioridade olímpica, sua invencionice entre maliciosa e pueril, seus afagos teatrais de condescendência paternalista entremeados de insinuações pérfidas, são os sintomas vivos de uma inépcia coletiva monstruosa, como jamais se viu antes em qualquer época ou nação.
O que neste país se chama de “debate político” é de uma miséria intelectual indescritível, que por si só já fornece a explicação suficiente do fracasso nacional em todos os domínios: economia, segurança pública, justiça, educação, saúde, relações internacionais etc.
Digo isso porque a intelectualidade falante demarca a envergadura e a altitude máximas da consciência de um povo. Sua incapacidade e sua baixeza, que venho documentando desde os tempos do Imbecil Coletivo (1996), mas que depois dessa época vieram saltando do alarmante ao calamitoso e daí ao catastrófico e ao infernal, refletem-se na degradação mental e moral da população inteira.
De todos os bens humanos, a inteligência – e inteligência não quer dizer senão consciência – se distingue dos demais por um traço distintivo peculiar: quanto mais a perdemos, menos damos pela sua falta. Aí as mais óbvias conexões de causa e efeito se tornam um mistério inacessível, um segredo esotérico impensável. A conduta desencontrada e absurda torna-se, então, a norma geral.
Durante quarenta anos, os brasileiros deixaram, sem reclamar, que seu país se transformasse no maior consumidor de drogas da América Latina; deixaram que suas escolas se tornassem centrais de propaganda comunista e bordéis para crianças; deixaram, sem reclamar, que sua cultura superior fosse substituída pelo império de farsantes semi-analfabetos; deixaram, sem reclamar, que sua religião tradicional se prostituísse no leito do comunismo, e correram para buscar abrigo fictício em pseudo-igrejas improvisadas onde se vendiam falsos milagres por alto preço; deixaram, sem reclamar, que seus irmãos fossem assassinados em quantidades cada vez maiores, até que toda a nação tivesse medo de sair às ruas e começasse a aprisionar-se a si própria atrás de grades impotentes para protegê-la; deixaram, sem reclamar, que o governo tomasse as suas armas, e até se apressaram em entregá-las, largando suas famílias desprotegidas, para mostrar o quanto eram bonzinhos e obedientes. Depois de tudo isso, descobriram que os políticos estavam desviando verbas do Estado, e aí explodiram num grito de revolta: “Não! No nosso rico e santo dinheirinho ninguém mexe!”
A rebelião popular contra os comunolarápios não nasce de nenhuma indignação moral legítima, mas emana da mesma mentalidade dinheirista que inspira os corruptos mais cínicos.
Não só o dinheiro é aí o valor mais alto, talvez o único, mas tudo parece inspirar-se na regra: “Eu também quero, senão eu conto para todo mundo”. É óbvio que, se essa mentalidade não prevalecesse no nosso meio social, jamais a corrupção teria subido aos níveis estratosféricos que alcançou com o Mensalão, o Petrolão etc.
O ódio ao mal não é sinal de bondade e honradez: faz parte da dialética do mal odiar-se a si mesmo, mover guerra a si mesmo e proliferar por cissiparidade.
O mais significativo de tudo é que fenômeno de teratologia moral tão patente, tão visível e tão escandaloso não mereça sequer um comentariozinho num jornal, quando deveria ser matéria de mil estudos sociológicos.
Querem maior prova de que os luminares da mídia e das universidades não têm o menor interesse em conhecer a realidade, mas somente em promover suas malditas agendas ideológicas?
Foi por isso que, mais de vinte anos atrás, cheguei à conclusão de que toda solução política para os males do país estava, desde a raiz, inviabilizada pelo caráter fútil e perverso das discussões públicas.
Só havia um meio – difícil e trabalhoso, mas realista – de mudar para melhor o curso das coisas neste país, e esse curso não passava pela ação político-eleitoral. Era preciso seguir, “sem parar, sem precipitar e sem retroceder”, como ensinava o Paulo Mercadante, as seguintes etapas:
1. Revigorar a cultura superior, treinando jovens para que pudessem produzir obras à altura daquilo que o Brasil tinha até os anos 50-60 do século passado.
2. Higienizar, assim, o mercado editorial e a mídia cultural, criando aos poucos um novo ambiente consumidor de alta cultura e saneando, dessa maneira, os debates públicos.
3. Sanear a grande mídia, mediante pressão, boicote e ocupação de espaços.
4. Sanear o ambiente religioso — católico e protestante.
5. Sanear, gradativamente, as instituições de ensino.
6. Por fim, elevar o nível do debate político, fazendo-o tocar nas realidades do país em vez de perder-se em chavões imateriais e tiradas de retórica vazia. Esta etapa não seria atingida em menos de vinte ou trinta anos, mas não existe ?caminho das pedras?, não há solução política, não há fórmula ideológica salvadora. Ou se percorrem todas essas etapas, com paciência, determinação e firmeza, ou tudo não passará de uma sucessão patética de ejaculações precoces.
Esse é o projeto a que dediquei minha vida, e do qual os artigos que publico na mídia não são senão uma amostra parcial e fragmentária. Imaginar que fiz tudo o que fiz só para criar um “movimento de direita” é, na mais generosa das hipóteses, uma estupidez intolerável.
Quanto ao ítem número um, não se impressionem com os apressadinhos que, tendo absorvido superficialmente alguns ensinamentos meus, já quiseram sair por aí, brilhando e pontificando, numa ânsia frenética de aparecer como substitutos melhorados do Olavo de Carvalho.
Esses são apenas a espuma, bolhas de sabão que o tempo se encarregará de desfazer. Tenho ainda uma boa quantidade de alunos sérios que continuam se preparando, em silêncio, para fazer o bom trabalho no tempo devido.
* Reproduzido, também, em Diário do Comércio, 8 de fevereiro de 2016
(Transcrito do midiasemmascara.org)
Os progressistas sexuais alegam que estão a dar início a um “admirável mundo novo” repleto de liberdade, mas a sua “nova” moralidade é tão antiga como as montanhas.
Quantas vezes já ouviram os progressistas sexuais alegarem que aqueles de nós que defendem a moralidade sexual e o casamento tradicionais estão “do lado errado da história”? Mas como ressalva um livro recente, são os proponentes da revolução sexual que estão a abraçar uma moralidade sexual que a história deixou para trás há milênios – nas ruínas do Fórum Romano.
Sim, a civilização ocidental está a atravessar por uma mudança cultural dramática; no espaço de alguns anos, a nossa sociedade mudou de forma fundamental o entendimento do casamento, abraçou a noção de que os homens podem transformar-se em mulheres, e está agora a promover a ideia de que homens adultos podem-se sentir à vontade para partilhar instalações sanitárias com jovens mulheres. Sem surpresa alguma, estamos também a observar esforços rumo à normalização da poligamia, pedofilia e incesto.
É precisamente em tempos como estes que devemos de ter algum tipo de perspectiva histórica. E é precisamente por isso que o livro do pastor luterano Matthew Rueger com o título de “Sexual Morality in a Christless World,” é cronologicamente apropriado. Nele, Rueger mostra como a moralidade sexual cristã agitou o mundo pagão da Roma antiga. As noções do amor compassivo, da castidade sexual, e da fidelidade marital eram estranhos, e até chocantes para o povo dessa época.
Citando estudiosos atuais, Rueger detalha a visão sexual do mundo romano que durou centenas de anos. As mulheres e as crianças eram vistas como objetos sexuais; os escravos – homens e mulheres – poderiam esperar serem abusados sexualmente; a prostituição estava amplamente difundida; e o homossexualismo predatório era comum. A moralidade sexual cristã (que limita a atividade sexual para o casamento entre um homem e uma mulher com idade para gerar filhos e filhas, cuidar do lar e ensinar os mandamentos bíblicos à descendência) pode ter sido vista como repressiva para os licenciosos, mas ela era um dom de Deus para as vítimas.
Rueger escreve que: as alegações atuais de progressismo e avanços por via da aceitação de “visões sexuais dominantes em torno da sexualidade e do casamento [sic] homossexual” estão totalmente desinformadas… A visão contemporânea em torno da sexualidade nada mais é que um renascimento duma visão do mundo antiga e muito menos compassiva.
Mas ela é também o renascimento duma visão antiga e mais pobre do homem. Imaginem a reação duma escrava pagã romana que aprendia pela primeira vez que ela tinha valor – e não valor monetário como um bem para ser usado e descartado pelo dono – mas valor eterno visto que ela havia sido criada à imagem de Deus.
Ou imaginem a dor de consciência sentida por um marido romano infiel mal ele viesse a saber que Deus havia incarnado, tomado a forma dUm Homem, e que a maneira como ele cuidava do seu próprio corpo e do corpo dos outros era importante para Deus. Sem dúvida, que isto havia de ser importante.
Não podemos desviar o olhar e ignorar este renascimento profano da sexualidade pagã e da sua visão humilhante do ser humano. Mas também não podemos agitar as mãos temerosamente, ou desistir derrotados. Tal como Rueger salienta, Cristo e a Sua Igreja transformaram de maneira radical uma sexualidade mais cruel e mais caótica que a nossa.
Olhem para os crentes antigos que vieram antes de nós: Em vez de sucumbirem ou se acomodarem ao espírito da época, os novos convertidos da Igreja primitiva vieram a entender, tal como escreve Rueger, que
“a moralidade cristã fundamentava-se na pureza abrangente de Cristo e no amor auto-esvaziante… Os cristãos já não poderiam viver como os gregos ou como os romanos. A sua visão do mundo e a visão que eles tinham deles mesmos eram totalmente distintas. Eles agora eram um com Cristo, de coração e alma.”
Agora, escreve Rueger, a sua natureza distinta “não iria poupá-los do sofrimento, mas, sim convidar o sofrimento”. É totalmente claro que o mesmo se aplica a nós cristãos nos dias de hoje. Será que iremos dobrar os nossos joelhos a esta renascida sexualidade pagã, ou será que iremos disponibilizar a liberdade e o plano de Deus para a sexualidade humana para um mundo que desesperadamente necessita dele?
Comentário do editor do blog ‘O Marxismo Cultural’:
Claro que o renascimento desta moralidade sexual pagã não é algo “orgânico” ou consequência natural dos eventos, mas sim ato consciente e planejado levado a cabo pela elite como forma de desorganizar e fragilizar as nações ocidentais. Depois de fragilizadas, e totalmente submissas (devido à sua aderência a escolhas sexuais inferiores e auto-destrutivas), a elite poderá “reinar” sobre elas como bem entender, sem se preocupar numa revolta popular por parte de quem se encontra focado no número de parceiros e parceiras sexuais é que já teve e pode vir a ter.
Por incrível que pareça, os limites que a civilização cristã colocou no comportamento sexual (colocando de lado a sexualidade pagã), resultaram em liberdade, enquanto que os comportamentos sexuais que a civilização pós-cristã está a promover sob a bandeira da “liberdade sexual”, irão ter como consequência a perda da liberdade.
“Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado. Ora o servo não fica para sempre em casa; o Filho fica para sempre. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” – João 8:34-36
Publicado originalmente em CNS News – http://www.cnsnews.com
Tradução e divulgação: O Marxismo Cultural
(Publicado originalmente em O Vespeiro)
E cá estamos, o país a quem a corrupção e um jornalismo “corporate” sem osso cassaram a voz própria, reduzidos a assistir pela TV ao nosso destino ser traçado.
Conforme mil vezes prometido, do jeitinho que foi prescrito e está escrito, a cobra morde o rabo com a fuga dada aos 2ésleys. A ressaca da Queda do Muro, o caminho da ressurreição da esquerda latino-americana pela apropriação dos bancos públicos e fundos de pensão apontados a Lula e José Dirceu por Luiz Gushiken, a operacionalização do esquema com a gazua dos “campeões nacionais” da roubalheira, a desmoralização da política solapada por dinheiro bastante para comprar a metade do mundo, a infiltração do Judiciário ao longo de 13 anos de nomeações, tudo faz parte de um roteiro cuja propriedade intelectual tem sido reconhecida e reverenciada onde quer que sobrevivam ditaduras.
A longa marcha começa nos meados dos 90 pelo controle dos sindicatos de bancários. A “PT-Pol”, de “polícia”, como a chamavam as redações da época, passa a bisbilhotar as movimentações bancárias do País inteiro e a vazar seletivamente para os jornais os maus passos dos adversários. Uma cultura estava nascendo. É pouco a pouco que o jornalismo investigativo se vai entregando à guerra de dossiês.
A vida informatizada traz o esquema para a era do “grampo”. O “mensalão” é o último episódio em que se diferenciam nuances. Flagrado o lulismo em delito de “corrupção sistemática dos fundamentos da República com vista à imposição de um projeto hegemônico”, restava deslocar o foco do todo para as partes e ir daí para a indiferenciação.
É esse o ponto de não retorno: caixa 1, caixa 2, propina, tudo vai, insidiosamente, sendo feito “sinônimo” uma coisa da outra. E aí está a política presa inteira na arapuca, igualada ao pior de si mesma.
Daí para a frente é poder contra poder. E velocidade passa a ser o que decide. Com todos os eleitos (com passagem obrigatória, portanto, por algum “campeão nacional” de financiamento de campanhas) devidamente filmados e gravados basta, doravante, escolher o que publicar. Não é preciso provar mais nada. Não importa o que se disse e mesmo quem o disse em cada gravação. O contágio é por contato. Basta formar os pares. Diante dos avatares murmurando frases entre reticências sobre o cenário de fundo de rios de dinheiro correndo pelo chão, da cena mil vezes repetida do sujeito “ligado a” recebendo furtivamente uma mala, onde enfiar raciocínios com mais de três palavras sobre quem as tem recheado há tanto tempo com tanto dinheiro, e para quê?
Mas o país insiste em se fazer essa pergunta. O Brasil inteiro sabe que tem alguma coisa no ar além das notas voando das vinhetas da televisão. Só que continua órfão de pai e mãe. Não tem quem fale por ele, mas resiste como pode ao salto no escuro para o qual o empurram com tanta pressa. Nega-se às ruas para as quais o conclamam diariamente em prosa e verso. É nada menos que atroador o seu silêncio diante das circunstâncias.
Já o Brasil com voz – que não conduz, deixa-se conduzir – vai no arrasto de uma espiral de ódio. Quem não está na conspiração ou está bebendo vingança, ou está agarrado pelo silogismo moral em que a conspiração quer todo aquele que não “é”. Ninguém interroga os fatos; tudo é sempre empurrado para o “se”, o “quando”, ou o “de que jeito” se conseguirá torná-los consumados como se fosse certo que o sol da democracia renascerá amanhã.
Não é. Há dois Brasis caminhando para um confronto e só um deles sobreviverá. Ou o da “privilegiatura”, reduzindo o da meritocracia à escravidão, ou o da meritocracia, reduzindo o da “privilegiatura” à igualdade. Os dois juntos não cabem mais na conta. Há também dois Judiciários funcionando em paralelo. Um que, tropeçando pelo cipoal legislativo e processual, investiga, colhe provas, processa e condena a partir de Curitiba numa velocidade que comporta credibilidade e tem no horizonte o respeito aos limites do contrato social. E o outro. Há, por fim, dois Legislativos e dois Executivos. Em ambos há quem, tendo jogado o jogo da política como ele é, olha agora inequivocamente para o Brasil e procura saídas. E há os que, na sua fé cega no lado escuro do bicho homem, só olham para Brasília ou para Miami. O problema é que todos têm pelo menos um pé enfiado na “privilegiatura” e nenhum faz força para desatolá-lo.
Vai ser preciso repensar isso. E rápido. Morta a última esperança, o país, na melhor hipótese, está paralisado de novo até outubro de 2018. Nem vale a pena especular sobre o depois. A carga de novas misérias já contratadas nesta beira do caos de que partimos é muito maior do que a que podemos suportar sem nos despedaçarmos. E o Legislativo já tem tido de engolir cala-bocas demais para acreditar que poderá sobreviver a isso com embarques e desembarques espertos ou pedindo ao povo que aplauda o seu apelo por mais sacrifícios.
Já o juiz venezuelizante é o milico de 64 modelo 2017, mas sem a reserva moral. Cava a entrada no jogo by-passando a regra porque é imoral. E este é vitalício. Não tem compromisso nenhum com o instituto do voto nem com a ideia de representação.
É essa a escolha que há. E metade dela já foi feita sem que fôssemos consultados…
Este é, porém, um daqueles raros momentos da História em que a necessidade faz tudo convergir para um ponto com tanta força que até os milagres se tornam possíveis. O único programa econômico que pode fazer o Brasil reviver é também o único programa político que pode redimir a política. Os dois consistem no enfrentamento da “privilegiatura”, o ralo de todos os ralos da economia e o ponto de origem e de destino de toda essa corrupção.
Reforma da previdência “deles”, igualdade, referendo, “recall”. Se propuser à Nação um compromisso sério para mudar definitivamente o sentido dos vetores essenciais de força que atuam sobre o “sistema”, o Legislativo irá de vilão a herói em um átimo e faltarão ruas para as multidões dispostas a entrar nessa briga com ele, com uma força muito maior que a necessária para decidir a parada.
Se não…
(Publicado originalmente em https://bordinburke.wordpress.com)
As reações que se seguiram ao bizarro julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE, em sua maioria, revelaram indignação ante à omissão dos magistrados em seu dever de zelar pela correção do processo eleitoral, a tal ponto de se questionar a própria validade da existência do referido tribunal.
Uma determinada parcela de brasileiros, todavia, enveredou suas opiniões em sentido diverso, dando conta de que, mesmo diante das fartas evidências de que recursos captados junto ao BNDES alimentaram (via empreiteiras envolvidas no Petrolão) a campanha da coligação PT/PMDB em 2014, seria salutar indeferir as AIME e AIJE propostas, em nome, sobretudo, da preservação da ainda incipiente recuperação econômica do país.
Pois é. A melhora dos índices econômicos, ainda que tímida, já se fazia notar e sentir, de fato, após menos de um ano de troca de comando no Planalto. Mesmo que o prometido ajuste fiscal ainda não tivesse sido implementado (com o resultado das contas federais apenas suavizando o rombo herdado do governo anterior), a mera expectativa de políticas mais austeras já animava o setor produtivo, uma vez que o cenário alimentava a esperança de que aumentos de tributos seriam desnecessários no futuro.
Neste sentido, a limitação dos gatos da União aprovada no Congresso Nacional nos estertores de 2016 e a (outrora) iminente reforma da Previdência (ainda que por meio de uma proposta que mantém o insustentável esquema Ponzi) geravam algum alento para empreendedores que teimam em investir no Brasil.
Natural, nesta conjuntura, que indivíduos preocupados com a degradação das expectativas ante (mais uma) troca de chefia de Executivo posicionem-se contra a destituição de Michel Temer neste momento – muito embora seja questionável tal “vista grossa” em nome de uma suposta estabilidade governamental, e que assemelha-se, em boa parte, ao clássico “rouba mas faz” atribuído costumeiramente a Paulo Maluf.
Só que a coisa não é tão simples quanto parece. Se antes dos irmãos Batista fazerem da política nacional um verdadeiro matadouro havia motivos para crer que o vice de Dilma poderia conduzir o processo de restabelecimento financeiro do país, agora restam poucas dúvidas de que sua capacidade de governar tenha sido abalada a tal ponto que a ressurreição do setor produtivo será a última de suas preocupações.
O maior trunfo de Temer tão logo foi empossado no cargo era o amplo apoio no Parlamento angariado na esteira do longo procedimento de afastamento de sua ex-parceira de coligação eleitoral. Visando obter os 342 votos na Câmara e 54 no Senado necessários para emplacar sua ascensão à Presidência da República, ele acabou por lograr uma base de apoio de proporções animadoras, suficiente para legitimar qualquer projeto de lei por ele encaminhado.
Some-se isso ao fato de que ele, por não apresentar aspirações pela reeleição, podia dar-se ao luxo de encampar reformas estruturantes “impopulares” (por serem incompreendidas pelo grosso da população, tal qual as alterações na CLT), aliado, ainda, à ideologia peemedebista tipicamente camaleônica (a qual se adapta ao momento visando manter seu status), e temos que, diante da recessão que assola o país desde 2014, tudo levava a crer que o governo Temer estaria apto a dar a arrancada rumo à saída do atoleiro em que o lulopetismo nos meteu.
E tudo começou relativamente bem. Inflação e taxa básica de juros em franco declive, modestos sinais de retomada das contratações, previsões de PIB para 2017 mais acalentadoras, revisão vital nos benefícios estatais (como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e bolsa-família), dólar em queda, designação de diretores para BNDES e Petrobrás visando a condução mais responsável destas instituições (já que suas extinção e privatização, respectivamente, ainda não estão na pauta do dia), enfim: mesmo em meio às inúmeras concessões feitas à extrema-esquerda, ainda estava valendo bastante a pena aturar o vice de Dilma como mandatário máximo da administração pública.
Isso até 17/05/2017. Desta data em diante, a coisa mudou de figura, e a preocupação com a recuperação econômica deu lugar ao mais puro e simples instinto de sobrevivência dos palacianos. Pior: no afã de manterem-se agarrados aos postos (e ao foro privilegiado), uma guinada “desenvolvimentista” se avizinha.
Sim, exato: após a jornada exitosa no TSE, o próximo desafio do governo Temer é escapar da denúncia que nos próximos dias será apresentada pela PGR ao STF. Para que o Presidente possa responder pelos crimes apontados pelo Ministério Público (sendo afastado de suas funções, para tanto, por até seis meses), é necessário que a Casa Baixa referende com 2/3 de seus membros tal possibilidade. Será fundamental, portanto, que ao menos 172 Deputados votem contra, abstenham-se ou ausentem-se da sessão que tomará tal decisão.
E adivinhem como o governo atual, nesta situação, tentará salvar sua pele? Ora, da mesma forma que tentou Dilma Rousseff: “comprando” apoio junto aos parlamentares e à sociedade como um todo. E isto significa um sonoro adeus à austeridade fiscal.
Já foi noticiado que Michel Temer pretende dar a “áreas específicas” da economia estímulos econômicos diversos, objetivando, em tese, dar um “empurrãozinho” na produção e no comércio – tal qual John Maynard Keynes o aconselharia, por certo. Em outras palavras: destinar dinheiro dos pagadores de impostos a empresários amigos do Rei, escolhendo quem vai ficar rico e causando desordem no processo de trocas voluntárias. Ou seja, mais do mesmo do veneno que nos trouxe ao caos presente, indo na contramão da linha defendida (a maior parte do tempo) por Henrique Meirelles e sua equipe até aqui.
A pretexto de recuperar (momentaneamente) a renda média do brasileiro, o respaldo político é, quase literalmente, comprado – ao preço de comprometer seriamente nosso futuro. Após tanto desgaste junto à opinião pública, conseguir adesão para aprovar qualquer reforma estruturante, a partir de agora, exigirá novas rodadas de “toma lá, dá cá” junto a congressistas e seus patrocinadores (os mesmos capitalistas de compadrio de sempre), além de consentir com alterações nas redações originais (a fim de agradar as bancadas que eventualmente tenham lhe poupado o couro) que desfigurarão por completo estas propostas – e os benefícios delas advindos vão para o ralo (que o diga o esperado veto à derrubada do imposto sindical).
Até mesmo o “acordo do clima” de Paris, solenemente (e corretamente) ignorado por Donald Trump, foi referendado pelo governo brasileiro, em mais um exemplo de como este “pedágio ideológico” precisará ser pago regularmente como forma de acalmar a mídia e os movimentos barulhentos – comprometendo gravemente, neste caso concreto, a competitividade da indústria brasileira frente ao mercado internacional, gerando uma alta fatura a ser paga pelas próximas gerações de brasileiros.
Trocando em miúdos: quem defende a manutenção do atual governo no poder precisa encontrar outra justificativa que não seja a restauração dos índices econômicos, porque esta, infelizmente, ainda vai ter que esperar outro bonde passar – o próximo está previsto para 2018.
De qualquer forma, ressalte-se que Michel Temer só pode ser desalojado do cargo seguindo estritamente o que dispõe a lei. Se à presidenta deposta foram concedidas todas as oportunidades de contraditório em relação aos crimes de responsabilidade de que foi acusada, a seu substituto também não pode ser negado o devido processo legal. Ou isso, ou resignemo-nos com sua permanência até o final de seu mandato tampão. Paciência.
Resistir às tentações revolucionárias, pois, neste momento insólito de nossa história, é dever cívico dos mais relevantes. Nunca deram o poder absoluto a quem não prometia trocar o presente por completo, nem nunca houve totalitarismo sem um povo revoltado com “tudo que está aí” (créditos a Flávio Morgenstern). Se Keynes gostava de repetir que “há longo prazo, todos estaremos mortos”, façamos votos de que nossa claudicante democracia siga respirando em meio a tanto desarranjo institucional e social, ainda que por aparelhos.
Chama a atenção, aliás, que algo bastante curioso pode vir a desenrolar-se na casa legislativa dos representantes do povo muito em breve: caso Rodrigo Janot apresente, de fato, denúncia contra Michel Temer por crimes comuns cometidos no exercício do cargo, os partidos de extrema-esquerda poderão demonstrar se querem mesmo a queda do Presidente ou apenas almejam sustentar este discurso oposicionista até o próximo pleito, e dele colher dividendos eleitorais. A conferir…
(Publicado originalmente no www.midiasemmascara.org)
De 1918 a 1991, o Pravda (em russo, “verdade”) foi o principal jornal da União Soviética e órgão oficial do Comitê Central do PCUS, Partido Comunista da URSS.
Talvez o paradoxo mais famoso descoberto pelos filósofos gregos seja o do “mentiroso”. Um cretense diz que todos os cretenses são mentirosos: se o que ele diz é verdadeiro, então é falso. Simplificando, considere: “Esta frase é falsa.” Se for verdadeira é falsa, se falsa, verdadeira. Os antigos levavam a sério esse paradoxo, pois se o conceito de verdade é intrinsecamente contraditório, como o paradoxo implica, então todo o discurso, todo o argumento, toda a tomada de decisão racional ocorre em um vazio. Um filósofo antigo, Filitas de Cos, em seu desespero na busca de uma solução, cometeu suicídio. Mais recentemente, o grande lógico Alfred Tarski usou o paradoxo para argumentar que a verdade pode ser definida em uma linguagem somente através de uma “meta-linguagem” com um ponto de vista externo. Na visão de Tarski “Esta frase é falsa” não é uma frase possível. Mas eu acabei de escrevê-la!
Um filósofo sobressai-se como um traidor da tradição, Nietzsche, com a famosa declaração que não há verdades, apenas interpretações. A declaração de Nietzsche, se verdadeira, é falsa. Nietzsche, que era mais poeta do que filósofo, não era dissuadido por contradições: era mais importante em sua visão destruir o discurso ordinário do que resgatá-lo. Em seu rastro vieram as tropas de desconstrucionistas, pós-modernistas e relativistas, todos encantados com a idéia de que não há verdade. Que o que eu penso é tão bom quanto o que você pensa – de fato melhor, porque sou “eu” pensando. Se você me oferecer um cargo de professor apesar do fato de que minhas publicações não conterem nada que você reconheceria como verdadeiro ou significativo, então isso mostra que você é tão descolado quanto eu.
Não devemos nos surpreender assim se os nossos departamentos de humanas são agora preenchidos por “professores de pós-verdade”, que devem seu status intelectual às suas provas de que não há status intelectual a ser alcançado.
Tudo isso vem à mente ao refletir sobre o papel da verdade na diplomacia russa. A ideologia comunista descartou a idéia de verdade como se fosse uma construção burguesa. O que importava era poder — e você batizou como verdade aquelas doutrinas que o fornecem. Essa maneira invencível de marginalizar a realidade foi exposta para todos por Orwell, Koestler, Solzhenitsyn e, mais recentemente, Havel. Somente a educação em uma universidade moderna, com doses repetidas de Foucault, Deleuze e Vattimo, pode cegar para os perigos de uma filosofia que vê o poder como o verdadeiro objetivo do discurso. Infelizmente, essa educação existe, e temos que viver com o resultado disso.
Todos os que encontraram a máquina comunista estavam familiarizados com a abolição da distinção entre verdade e poder, incluindo companheiros de viagem como Eric Hobsbawm e Ralph Miliband, que aprovaram isso. O que importava ao Partido Comunista era a meta: a instalação do controle comunista sobre o máximo possível do mundo civilizado. O mito do “cerco capitalista” — a descrição da expansão militar soviética como uma “ofensiva de paz”, as invasões da Hungria, da Tchecoslováquia e do Afeganistão como “assistência fraterna”: tudo parte da diplomacia da pós-verdade. A falsificação do discurso político estendia-se às minúcias. Os judeus eram perseguidos não como judeus, mas como parte da conspiração burguesa-sionista-capitalista. Os católicos foram presos por “subversão da república em colaboração com uma potência estrangeira”. As tentativas da OTAN de instalar defesas antimísseis tornaram-se “atos de agressão que desestabilizavam a Europa”. E assim por diante. O resultado era uma espécie de discurso paranóico que não podia ser respondido com argumento racional, já que cada argumento era mais uma prova de que todos os que denunciavam as mentiras também as diziam. A máquina de propaganda soviética enfrentava todos os fatos gritando a plenos pulmões “mentiras!”, como um lógico louco que grita “essa frase é falsa!”
A paranóia institucionalizada não desapareceu com o colapso do comunismo. Poderá ser superada, mas apenas por uma imprensa livre, instituições livres e universidades que protegem a liberdade de expressão: coisas que estão sob ameaça em todo o mundo pós-verdade e que não existem na Rússia há cem anos. Quando foi mostrado que os mísseis russos derrubaram um avião civil malaio sobre a Ucrânia a resposta era outra vez “mentiras!” As acusações de doping de atletas russos, invasão de contas de e-mails dos EUA, mobilização de tropas na fronteira com a Polônia, movimentos de armamento para o enclave de Kaliningrado, constante violação do espaço aéreo da Suécia — todos encontraram a mesma resposta. A premissa da diplomacia russa é: “Não há verdade e portanto tudo o que você diz é uma mentira.” O que, se verdadeiro, é falso. Como foi demonstrado.
Roger Scruton, “The Russian way of lying”, The Spectator, 23 de Março de 2017.
Tradução: Guilherme Pradi Adam
Revisão: Rodrigo Carmo
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