Nota do editor: Desde o dia 15 de outubro, a Igreja tem 35 novos santos, dos quais 30 são brasileiros. Foram vítimas de massacres ocorridos em 1645, no início da ocupação holandesa no Nordeste. (P.P.)
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O feriado do dia 3 de outubro, no Rio Grande do Norte, tem várias versões: históricas, econômica, religiosa, etc, o que leva a incompreensão dos fatos por boa parte da maioria dos moradores das terras potiguares, ocasionando uma certa desvalorização da importância de um dos maiores massacres na história imposta pela colonização, que o país viveu.
Católicos do Rio Grande do Norte recordam, nesta data, o massacre dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu, mortos por holandeses no ano de 1645, por não aceitarem a imposição militar, cultural e da sua religião protestante calvinista, se tornando um momento ímpar da história potiguar de resistência, fé e de defesa dos princípios de liberdade. "Os mártires foram escolhidos como padroeiros do Rio Grande do Norte devido à importância do fato. Eles foram os primeiros mártires do Brasil, por isso o nome protomártires", explica Pe. Antônio Murilo de Paiva, capelão dos mártires.
Os episódios dos massacres de Cunhaú e Uruaçu ocorrem em meio a uma crise no mercado do açúcar, e ao levante de colonos portugueses e brasileiros contra o domínio holandês. Após tomarem a Fortaleza dos Reis Magos, em 1633, os holandeses passaram a chamar Natal de "Nova Amsterdã” e a Fortaleza de “Castelo Keulen”. O deslocamento das forças seguiu devastadora para o interior do estado.
Jacob Rabbi
Mas para contar essa trágica história, é preciso conhecer um personagem que tomou posição de destaque neste contexto: Jacob Rabbi. Ele era o comandante sanguinário da tropa de tapuias, potiguares e holandeses, inicialmente apontado como intérprete entre os holandeses e os tapuias.
Rabbi era alemão, natural do condado de Waldeck, emigrou para a Holanda onde foi contratado pela Companhia das Índias Ocidentais Holandesas. Quando veio para o Brasil permaneceu durante quatro anos vivendo entre aqueles indígenas e assimilou os costumes nativos, num verdadeiro processo “indianização”. Ele vivia com uma nativa Janduí de nome Domingas, num sítio de sua propriedade, chamado "Ceará".
Não demorou muito para que a história fosse testemunha da sua real função no país. Ele é considerado, pelos historiadores, como uma das figuras mais sinistra, abominável e hedionda do domínio holandês no Nordeste do Brasil. No comando das tropas de janduís e potiguares, Rabbi foi responsável por vários saques e chacinas em engenhos, entre as capitanias do Rio Grande, Paraíba e Pernambuco. Todos os assaltos, saques e morticínios dos índios janduís rendiam gado, roupa e jóias ao amigo Rabbi e como resultado, conseguiu acumular uma pequena fortuna.
Na noite de 4 de abril de 1646 Jacob Rabbi foi morto, em Natal, de modo violento a tiros e golpes de espada. A maioria dos historiadores defende que a morte de Jacob Rabbi foi planejada pela Companhia das Índias Ocidentais , com o intuito de dar um basta às atrocidades do alemão.
O Massacre de Cunhaú
Jacob Rabbi e um grupo de índios janduís e potiguares, além de soldados holandeses, chegaram ao engenho Cunhaú, atual município de Canguaretama, em 15 de julho de 1645. Ele se apresentou como emissário do Supremo Conselho Holandês de Recife e convocou a população para uma reunião, após a missa do dia seguinte, dia 16, um domingo, na capela de Nossa Senhora das Candeias. Conhecido dos moradores de Cunhaú, Rabbi era sinônimo de ódio e destruição por onde passava, provocando temores dos moradores.
Os historiadores estimam que 69 fiéis estavam presentes no lugar, cumprindo apenas o preceito religioso, não portando armas. Durante a celebração, após a elevação da hóstia, os soldados holandeses trancaram todas as portas da igreja. A um sinal de Rabbi, os índios invadiram o local e chacinaram os colonos.
Relatos posteriores, alguns deles de emissários do governo holandês que investigaram o episódio, descrevem cenas de violência, atrocidades e requintes de crueldade contra os fiéis. Desarmados, os colonos não tinham como resistir e se resignaram à morte. Atendendo a exortação do padre André de Soveral, que celebrava a missa, muito foram executados em meio as orações. O próprio padre foi morto a punhaladas. Antes de ser morto, ele ainda disse aos indígenas para não tocar nas pessoas ou nas imagens e objetos do altar, porque seriam cortadas as mãos e as partes do corpo de quem o fizessem. Com esta ameaça, os tapuias recuaram, mas os potiguares - menos supersticiosos e mais acostumados a religião dos portugueses - não se intimidaram e prosseguiram com o ataque.
Algumas pessoas se refugiaram na casa do engenho, mas tiveram um fim semelhante ao das que estavam na capela. Os flamengos e índios invadiram a casa. Houve certa resistência, três colonos conseguiram escapar pelo telhado, mas a superioridade numérica dos índios e dos holandeses acabou prevalecendo. Depois da chacina, o engenho foi saqueado.
Massacre de Uruaçu
As atrocidades continuaram no Rio Grande do Norte. Os acontecimentos de Cunhaú se espalharam rapidamente por toda a capitania do Rio Grande do Norte e capitanias vizinhas. A população ficou assustada e temia novos ataques dos tapuias e potiguares, instigados pelos holandeses.
O receio se confirmou. Três meses depois da tragédia de Cunhaú, no dia 03 de outubro, aconteceu o martírio de mais 80 pessoas, na Comunidade de Uruaçu, em São Gonçalo do Amarante, também sob o comando de Rabbi, ajudado pelo chefe da tribo potiguar Antônio Paraopaba, “educado” pelos holandeses.
Depois do massacre em Cunhaú alguns moradores influentes, liderados pelo padre Ambrósio Ferro, que exercia as funções de vigário de Natal, pediram abrigo no Castelo Keulen, nome dado a Fortaleza dos Três Reis Magos, em Natal. Os que não foram, construíram uma paliçada para proteger a localidade conhecida como Potengi. O número de moradores refugiados na paliçada é incerto. Para os cronistas portugueses eram 70 homens, mas documentos holandeses citam 232 pessoas.
Pesquisas em documentos holandeses e portugueses mostram que o cerco a paliçada do Potengi durou 16 dias. Foi iniciada em setembro pelo grupo de Jacob Rabbi e, depois, contou com reforços enviados pelo Castelo de Ceulen, incluindo duas peças de artilharia. O bombardeio forçou a rendição dos luso-brasileiros.
Ocupada a paliçada do Potengi, os holandeses levaram cinco reféns para o Castelo de Keulen. Os demais colonos ficaram confinados na paliçada. No dia 2 de outubro chegou a ordem do conselho holandês para executar os principais líderes dos colonos, desestimulando a revolta em terras do Rio Grande.
Não há comprovação dessa ordem, mas o fato é que no dia seguinte, 03 de outubro de 1645, foram levados para Uruaçu: Antônio Vilela, Cid, seu filho, Antônio Vilela Júnior, João Lostau Navarro, Francisco de Bastos, José do Porto, Diogo Pereira, Estevão Machado de Miranda, Francisco Mendes Pereira, Vicente de Souza Pereira, João da Silveira, Simão Correia e o próprio padre Ambrósio Francisco Ferro, e foram todos executados.
Os relatos citam que ao chegar em Uruaçu, a tropa formou um quadrado e, no interior ficaram o sacerdote mais os colonos. Foi dada a ordem para que eles se despissem e se ajoelhassem. Jacob Rabbi chamou os nativos para que eles completassem o massacre. A crueldade foi ainda maior, braços e pernas foram decepadas, crianças foram partidas ao meio e grande parte dos corpos foram degolados.
À morte deles, segue-se a chacina dos que estavam refugiados em Potengi, depois de terem sido retirados da paliçada e levados para o mesmo porto.
O local exato do segundo massacre de colonos no Rio Grande do Norte, o antigo porto de Uruaçu, ainda é uma incógnita e motivo de controvérsias entre pesquisadores e historiadores. A dificuldade está no fato de que Uruaçu não tinha propriamente um local de moradia, como em Cunhaú. Era apenas um porto às margens do rio Potengi-Jundiaí, para quem ia ao engenho Potengi. Aponta-se que o lugar do morticínio ficava a aproximadamente 1 km de distância do povoado e era denominado “Tinguijada”, área onde hoje abriga o Monumento dos Mártires de Uruaçu.
Religiosidade
Em reconhecimento ao feito dos Mártires de Uruaçu, em 16 de junho de 1989 o processo de beatificação foi concedido pela Santa Sé. Em 21 de dezembro de 1998 o papa João Paulo II assinou o decreto reconhecendo o martírio de 30 brasileiros, sendo dois sacerdotes e 28 leigos.
Em março de 2000, o papa João Paulo II beatificou os mártires de Cunhaú e Uruaçu como exemplos de fé cristã e defensores da Igreja Católica. Naquele ano, o Governo do Estado, em resposta à uma solicitação da Arquidiocese de Natal, decretou o feriado de 3 de outubro. A data é simbólica.
Atualmente, os mártires são lembrados em duas datas, no dia 16 de julho em Canguaretama, e dia 3 de outubro em São Gonçalo do Amarante.
São lugares de romarias e peregrinações a Capela dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu em São Gonçalo do Amarante; o Santuário dos Mártires, no bairro Nossa Senhora de Nazaré em Natal, e a capela de Nossa Senhora das Candeias no antigo engenho de Cunhaú.
A carta
As atrocidades dessa chacina foi narrada por diversos cronistas da época. Exemplo disso é a carta de Lopo Curaro Garro de 1645. Veja a descrição.
* Publicado originalmente no dia 03/10/2015 em http://clebiomedeiros.blogspot.com.br/
Vivemos numa época onde querem que os padres se casem e que os casados se divorciem.
Querem que os héteros tenham relacionamentos líquidos sem compromisso, mas que os gays se casem na Igreja.
Que as mulheres tenham corpos masculinizados e se vistam como homens e assumam papéis masculinos. Querem que os homens se tornem "frágeis" e delicados e com trejeitos, como se fossem mulheres. Uma criança com apenas cinco ou seis anos de vida já tem o direito de decidir se será homem ou mulher pelo resto da vida, mas um menor de dezoito anos, não pode responder pelos seus crimes.
Não há vagas para os doentes nos hospitais, mas há o incentivo e o patrocínio do SUS para quem quer fazer mudança de sexo.
Há acompanhamento psicológico gratuito para quem deseja deixar a heterossexualidade e viver a homossexualidade, mas não existe nenhum apoio deste mesmo SUS para quem deseja sair da homossexualidade e viver a sua heterossexualidade e se o tentarem fazer, é crime.
Ser à favor da família e religião é ditadura, mas urinar em cima dos crucifixos é liberdade de expressão.
Se isso não for o Fim dos Tempos, deve ser o ensaio...
“A idéia de que o judiciário não possa exercer seu poder cautelar para impedir um crime que está em curso é a negação do Estado de Direito. Significa dizer que o crime é admissível para certas pessoas”. Ministro Luís Roberto Barroso
Foi um espetáculo deprimente o encerramento da sessão do ex Supremo. A ministra Carmen Lúcia, a presidente, tropeçava nas palavras e emitia frases confusas como se procurasse explicar o que não entendia; paralogia denunciadora. Acordara na véspera com o presidente do senado e provável réu na Lava Jato, uma solução “harmônica” para a crise dita institucional, solução sob medida aos pares na antevéspera de denúncias da PGR, pela qual o STF pode decretar o afastamento do parlamentar acusado de crime, e o colegiado dos colegas autorizados a rejeitar a sentença judicial. O “afastado” fica livre destruindo provas e obstruindo a justiça.
A solução jabuticaba da ministra e seu parceiro senador. Não há crise onde impera a lei e quando esta é interpretada pelo órgão supremo da justiça, cuja função e razão de ser é elidir desavenças constitucionais e emitir sentenças inapeláveis - o STF.
Lastimavelmente, no Brasil, esta corte fraquejou e humilhou a República. A hesitante e confusa fala da presidente pode se explicar, na injunção inarredável de manifestar-se após o voto do decano, sua argumentação demolidora contra o escapismo judicial dos parlamentares ameaçados pela Lava Jato.
Foi constrangedor. Esta senhora condenou-se à nódoa inapagável da suspeição. Mostrou-se frágil no desempenho onde se exigia coragem, não esteve à altura do tempo, da importância e da estatura republicana. Contemple-se a emblemática figura representativa da Justiça. Remonta à civilização egípcia, desenhada nos afrescos subterrâneos das pirâmides - a mulher imponente, ereta, vedada, empunhando a balança decisória à mão esquerda e a espada na destra, sagrou-se em simbolismo percuciente repaginado até hoje, repetindo-se há séculos na arte e nas estampas das casas judiciais de quase todas as nações, qual mais fidedigno simbolismo da Justiça: de pé, cega, impessoal, soberana, empunhando a balança da ponderação e a espada pesada da punição. Impoluta, respeitável.
Não deixa de ser um tanto ridícula a escultura de Ceschiatti à testa da arquitetura do nosso judiciário – a figura descansa inflexa no assento, a espada justiceira dormitando imprestável no colo. Poderia o grande escultor brasileiro, em maliciosa premonição, escandir na pedra o futuro da justiça cabocla, numa antevisão dolorosa da decrepitude da justiça brasileira? Quem decifrará? Sua obra veio de imprevisto imortalizar no granito um dia de vergonha da pátria.
Em artigo recente, defendi que na dramática situação fiscal do Estado não falta apenas dinheiro. Falta coragem. Coragem para tomar decisões responsáveis, quase sempre as mais difíceis.
Argumentei que, diante de dois comandos constitucionais, o do repasse dos duodécimos e o do pagamento dos salários, o governador resolveu descumprir apenas um deles. E adivinha qual é? Os salários do Executivo continuam atrasados.
Para superar a crise, o governo deve agir com racionalidade e determinação. Razão para adotar medidas saneadoras definitivas, e não paliativos, com base em diagnósticos objetivos. Determinação para peitar privilégios camuflados em falsos direitos.
Do contrário, podemos sair dessa crise para afundar em outra ali adiante. Nossas mazelas são estruturais, não apenas conjunturais. Há soluções impostergáveis, como a redução do tamanho do Estado. Privatizar, conceder e fazer parcerias naquilo que não é a essência dos deveres do poder público.
Há, ainda, iniciativas moralizadoras que poupam o erário de dispêndios inconcebíveis para um Estado que sequer fornece segurança adequada aos cidadãos. Uma delas é o PL 148, que o governador enviou à Assembleia em agosto último. A iniciativa prevê a redução do número de sindicalistas que ganham sem trabalhar. Correta, mas tímida porque propõe a redução, e não a eliminação da distorção.
Em pronunciamento na tribuna, o deputado Marcel van Hattem denunciou o que chamou de "cabidão": 317 servidores que consomem R$ 37,7 milhões por ano, cedidos para seus respectivos sindicatos.
Em vez de sugar um Estado falido, sindicatos devem se sustentar com recursos próprios. A regra, aliás, vale para partidos políticos. O fundo eleitoral criado na semana passada é excrescência da nossa legislação.
O princípio é simples. Se o partido e o sindicato me atendem, contribuo. Caso contrário, deixo-o à míngua.
A decisão agora cabe ao parlamento gaúcho. Ao votar o projeto, deixará claro de que lado está. Se do lado do interesse maior da sociedade, ou do lado das corporações.
Em tempos de pregações heterodoxas, necessário reforçar o condão da política. É por meio dela que os conflitos inerentes a sociedades democráticas serão resolvidos.
*Publicado originalmente em Zero Hora.
* Ex-secretário do Planejamento e Gestão e ex-Presidente do Banrisul.
Para quem deseje se orientar na política de hoje – ou simplesmente compreender algo da história dos séculos passados –, nada é mais urgente do que obter alguma clareza quanto ao conceito de "revolução". Tanto entre a opinião pública quanto na esfera dos estudos acadêmicos reina a maior confusão a respeito, pelo simples fato de que a idéia geral de revolução é formada quase sempre na base das analogias fortuitas e do empirismo cego, em vez de buscar os fatores estruturais profundos e permanentes que definem o movimento revolucionário como uma realidade contínua e avassaladora ao longo de pelo menos três séculos.
Só para dar um exemplo ilustre, o historiador Crane Brinton, em seu clássico The Anatomy of Revolution, busca extrair um conceito geral de revolução da comparação entre quatro grandes fatos históricos tidos nominalmente como revolucionários: as revoluções inglesa, americana, francesa e russa. O que há de comum entre esses quatro processos é que foram momentos de grande fermentação ideológica, resultando em mudanças substantivas do regime político. Bastaria isso para classificá-los uniformemente como "revoluções"? Só no sentido popular e impressionista da palavra. Embora não podendo, nas dimensões deste escrito, justificar todas as precauções conceptuais e metodológicas que me levaram a esta conclusão, o que tenho a observar é que as diferenças estruturais entre os dois primeiros e os dois últimos fenômenos estudados por Brinton são tão profundas que, apesar das suas aparências igualmente espetaculares e sangrentas, não cabe classificá-los sob o mesmo rótulo.
Só se pode falar legitimamente de "revolução" quando uma proposta de mutação integral da sociedade vem acompanhada da exigência da concentração do poder nas mãos de um grupo dirigente como meio de realizar essa mutação. Nesse sentido, jamais houve revoluções no mundo anglo-saxônico, exceto a de Cromwell, que fracassou, e a Reforma Anglicana, um caso muito particular que não cabe comentar aqui. Na Inglaterra, tanto a revolta dos nobres contra o rei em 1215 quanto a Revolução Gloriosa de 1688 buscaram antes a limitação do poder central do que a sua concentração. O mesmo aconteceu na América em 1786. E em nenhum desses três casos o grupo revolucionário tentou mudar a estrutura da sociedade ou os costumes estabelecidos, antes forçando o governo a conformar-se às tradições populares e ao direito consuetudinário. Que pode haver de comum entre esses processos, mais restauradores e corretivos do que revolucionários, e os casos da França e da Rússia, onde um grupo de iluminados, imbuídos do projeto de uma sociedade totalmente inédita em radical oposição com a anterior, toma o poder firmemente resolvido a transformar não somente o sistema de governo, mas a moral e a cultura, os usos e costumes, a mentalidade da população e até a natureza humana em geral?
Não, não houve revoluções no mundo anglo-saxônico e bastaria esse fato para explicar a preponderância mundial da Inglaterra e dos EUA nos últimos séculos. Se, além dos fatores estruturais que as definem – o projeto de mudança radical da sociedade e a concentração do poder como meio de realizá-lo –, algo há de comum entre todas as revoluções, é que elas enfraquecem e destroem as nações onde ocorrem, deixando atrás de si nada mais que um rastro de sangue e a nostalgia psicótica das ambições impossíveis. A França, antes de 1789, era o país mais rico e a potência dominante da Europa. A revolução inaugura o seu longo declínio, que hoje, com a invasão islâmica, alcança dimensões patéticas. A Rússia, após um arremedo de crescimento imperial artificialmente possibilitado pela ajuda americana, desmantelou-se numa terra-de-ninguém dominada por bandidos e pela corrupção irrefreável da sociedade. A China, após realizar o prodígio de matar de fome trinta milhões de pessoas numa só década, só se salvou ao renegar os princípios revolucionários que orientavam a sua economia e entregar-se, gostosamente, às abomináveis delícias do livre mercado. De Cuba, de Angola, do Vietnã e da Coréia do Norte, nem digo nada: são teatros de Grand Guignol, onde a violência estatal crônica não basta para esconder a miséria indescritível.
Todos os equívocos em torno da idéia de "revolução" vêm do prestígio associado a essa palavra como sinônimo de renovação e progresso, mas esse prestígio lhe advém precisamente do sucesso alcançado pelas "revoluções" inglesa e americana que, no sentido estrito e técnico com que emprego essa palavra, não foram revoluções de maneira alguma. Essa mesma ilusão semântica impede o observador ingênuo – e incluo nisso boa parte da classe acadêmica especializada – de enxergar a revolução onde ela acontece sob a camuflagem de transmutações lentas e aparentemente pacíficas, como, por exemplo, a implantação do governo mundial que hoje se desenrola ante os olhos cegos das massas atônitas.
O critério distintivo suficiente para eliminar todas as hesitações e equívocos é sempre o mesmo: com ou sem transmutações súbitas e espetaculares, com ou sem violência insurrecional ou governamental, com ou sem discursos de acusação histéricos e matança geral dos adversários, uma revolução está presente sempre que esteja em ascensão ou em curso de implantação um projeto de transformação profunda da sociedade, se não da humanidade inteira, por meio da concentração de poder.
É por não compreenderem isso que muitas vezes as correntes liberais e conservadoras, opondo-se aos aspectos mais vistosos e repugnantes de algum processo revolucionário, acabam por fomentá-lo inconscientemente sob algum outro de seus aspectos, cuja periculosidade lhes escape no momento. No Brasil de hoje, a concentração exclusiva nos males do petismo, do MST e similares pode levar liberais e conservadores a cortejar certos "movimentos sociais", na ilusão de poder explorá-los eleitoralmente. O que aí escapa à visão desses falsos espertos é que tais movimentos, ao menos a longo prazo, desempenham na implantação da nova ordem mundial socialista um papel ainda mais decisivo que o da esquerda nominalmente radical.
Outra ilusão perigosa é a de crer que o advento da administração planetária é uma fatalidade histórica inevitável. A facilidade com que a pequena Honduras quebrou as pernas do gigante mundialista mostra que, ao menos por enquanto, o poder desse monstrengo se constitui apenas de um blefe publicitário monumental. É da natureza de todo blefe extrair sua substância vital da crença fictícia que consegue inocular em suas vítimas. Com grande freqüência vejo liberais e conservadores repetindo os slogans mais estúpidos do globalismo, como por exemplo o de que certos problemas – narcotráfico, pedofilia, etc. – não podem ser enfrentados em escala local, requerendo antes a intervenção de uma autoridade global. O contrasenso dessa afirmativa é tão patente que só um estado geral de sonsice hipnótica pode explicar que ela desfrute de alguma credibilidade. Aristóteles, Descartes e Leibniz ensinavam que, quando você tem um problema grande, a melhor maneira de resolvê-lo é subdividi-lo em unidades menores. A retórica globalista nada pode contra essa regra de método. Ampliar a escala de um problema jamais pode ser um bom meio de enfrentá-lo. A experiência de certas cidades americanas, que praticamente eliminaram a criminalidade de seus territórios usando apenas seus recursos locais, é a melhor prova de que, em vez de ampliar, é preciso diminuir a escala, subdividir o poder, e enfrentar os males na dimensão do contato direto e local em vez de deixar-se embriagar pela grandeza das ambições globais.
Que o globalismo é um processo revolucionário, não há como negar. E é o processo mais vasto e ambicioso de todos. Ele abrange a mutação radical não só das estruturas de poder, mas da sociedade, da educação, da moral, e até das reações mais íntimas da alma humana. É um projeto civilizacional completo e sua demanda de poder é a mais alta e voraz que já se viu. Tantos são os aspectos que o compõem, tal a multiplicidade de movimentos que ele abrange, que sua própria unidade escapa ao horizonte de visão de muitos liberais e conservadores, levando-os a tomar decisões desastradas e suicidas no momento mesmo em que se esforçam para deter o avanço da "esquerda". A idéia do livre comércio, por exemplo, que é tão cara ao conservadorismo tradicional (e até a mim mesmo), tem sido usada como instrumento para destruir as soberanias nacionais e construir sobre suas ruínas um onipotente Leviatã universal. Um princípio certo sempre pode ser usado da maneira errada. Se nos apegamos à letra do princípio, sem reparar nas ambigüidades estratégicas e geopolíticas envolvidas na sua aplicação, contribuímos para que a idéia criada para ser instrumento da liberdade se torne uma ferramenta para a construção da tirania.
*Publicado originalmente em Digesto Econômico, setembro/outubro de 2009.
A grande mídia tem um papel importante na sociedade atual, pois ainda é por ela que a maioria dos indivíduos se informam e tem parcelas de acesso ao entretenimento, independentemente do meio midiático, seja pela televisão, rádio, mídia impressa e internet. Autores "progressistas" como Antonio Gramsci, Walter Benjamin, Jürgen Habermas, Frederick Pollock e Jean Paul-Sartre atentaram para o poder da mídia para uso político, na busca da dominação das massas, culminando na revolução socialista. Andrew Fletcher, poeta e político escocês que viveu entre os séculos XVII e XVIII, em um dos seus discursos, dizia que "Me deixe fazer as canções de uma nação que eu não me preocupo com quem fará as leis". Com essa frase, o escocês atenta para a importância da cultura na formação política, mostrando que a política é o reflexo da cultura da população.
No Brasil, desde a fundação do Partido Comunista Brasileiro em 1922, há trabalho midiático para difusão de ideias socialistas e comunistas. Primeiramente com a formação intelectual que tem como marco a ascensão de Leônidas de Rezende, professor da Faculdade Nacional de Direito (atual UFRJ), defensor das ideias marxistas e importador das leituras de Marx para o ambiente acadêmico. Leônidas foi um dos fundadores do primeiro jornal declaradamente de esquerda do Brasil, o jornal "A Nação", no ano de 1923 que em 1927 tornou-se um órgão oficial dentro do Partidão, como também é chamada a legenda.
Posteriormente, formou-se uma nova geração de intelectuais socialistas com nomes como Roland Corbsier, Nelson Werneck Sodré, Álvaro Vieira Pinto, Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort, Celso Furtado, Sérgio Buarque de Hollanda, Antônio Cândido e Ignácio Rangel. Uma parcela desses intelectuais usa, como exemplo de se levar o Brasil ao socialismo, o exemplo soviético, de criação da chamada intelligentzia, um grupo de pensadores que buscaria explicar o socialismo para a população.
No ano de 1952, é criado o Clube de Itatiaia, onde os pensadores debateriam o desenvolvimento nacional e as formas de como se atingir resultados. Do grupo, nasce o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), órgão vinculado ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) criado pelo decreto No 37.608/1955, do então presidente Café Filho. O ISEB nasce com uma mescla de intelectuais das mais diversas correntes políticas, do comunista Nelson Werneck Sodré ao liberal Roberto Campos. Porém, os intelectuais ligados ao pensamento socialista foram hegemonizando o ISEB, sobretudo após o governo de Juscelino Kubitschek realizar a internacionalização da economia brasileira. E em 1958, o grupo liderado por Hélio Jaguaribe e Roberto Campos é expulso da composição do instituto, fazendo com que o corpo diretor tenha apenas pensadores de esquerda.
A partir da saída do grupo liderado por Hélio Jaguaribe, saem publicações do instituto com um viés marxista, como as coleções "Cadernos Brasileiros", "Revista Civilização Brasileira" e "História Nova", em parceria com o Centro de Popular de Cultura (CPC), criado pela União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1961. Tal grupo foi criado para divulgar a chamada arte popular revolucionária, promovendo o caráter didático e coletivo das artes, bem como o engajamento político do artista.
Entre os membros do CPC estavam Oduvaldo Vianna Filho, Dias Gomes, Cacá Diegues, Nara Leão e Geraldo Vandré, artistas que nunca esconderam suas posições políticas. As peças teatrais produzidas pelos membros da instituição fizeram muito sucesso nos anos 1960, catapultando tais nomes no cenário cultural brasileiro da época. No livro "Em Busca do Povo Brasileiro", de Marcelo Ridenti é mostrada toda a história do CPC e desses artistas de esquerda, na busca de conquistar as classes médias e populares para apoiarem o socialismo.
Com a tomada do poder pelos militares em 1964, o ISEB e o CPC foram fechados sob acusação de serem difusores do comunismo. Intelectuais ligados ao ISEB foram morar em outros países, como França e Chile. Mas muitos membros do CPC ficaram Brasil e conquistaram cada vez mais sucesso no meio cultural mesmo com a censura, como Dias Gomes e Oduvaldo Vianna Filho. E em 1969, Dias Gomes é convidado por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, também conhecido como Boni, que a época era chefe de programação e produção da Rede Globo para escrever novelas para a emissora.
Da sua fundação em 1965 até 1969, a Rede Globo comprava folhetins colombianos, mexicanos, cubanos e argentinos para serem exibidos na emissora, porém a audiência era baixa e Boni tinha sido contratado pela emissora com a intenção de catapultar a audiência da emissora. O chefe de programação estabeleceu o atual modelo do horário nobre da emissora, com três novelas (18h, 19:30h e 21:00h), com um noticiário local e o Jornal Nacional intercalando as novelas.
A partir da chegada de Dias Gomes e Boni na emissora carioca, a Rede Globo passou a liderar nos índices de audiência em todo o país. E a novela "O Bem Amado", escrita por Dias Gomes em 1973 teve índices de audiência altíssimos no Brasil. O sucesso da novela foi tão estrondoso que abriu o mercado brasileiro de novelas para o exterior, com a exibição em 30 países do folhetim.
A novela é uma crítica a classe política da época, representado na figura do protagonista Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), que tentava inaugurar o cemitério da cidade fictícia de Sicupira de qualquer forma, criticando sobretudo as obras do chamado "Milagre Econômico", realizadas durante o governo Emílio Garraztazú Médici. As críticas militares vieram a direção da emissora da vênus platinada, mas o dono da emissora Roberto Marinho, não fez nenhuma resistência ao trabalho de seus dramaturgos. Marinho dizia em reuniões com lideranças governamentais que "dos meus comunistas, cuido eu".
Aliado a não-resistência dos veículos de mídia, havia também a chamada "estratégia da panela de pressão", criada pelo General Goldbery do Couto e Silva. O governo da época pautava-se em combater a esquerda revolucionária, representada pelas guerrilhas, deixando o debate de ideias em um segundo plano, entregando de bandeja toda a atividade intelectual para a esquerda brasileira.
Depois do sucesso de "O Bem Amado", outras novelas com mensagens de esquerda foram exibidas, como "O Espigão" (1974), "Roque Santeiro" (1985), "O Rei do Gado (1996)", "Mulheres Apaixonadas" (2003), "Avenida Brasil (2011)", "Babilônia" (2015), para dar alguns exemplos. Nas novelas da Globo, como mostra Leandro Narloch em artigo a Veja, observa que sempre os grandes vilões de novelas são pessoas de alto poder aquisitivo em uma grande sede pelo poder, na eterna busca da demonização da riqueza.
Para se entender o problema atual e para buscar a sua resolução, é necessário entender como chegamos até este estágio. A liberdade econômica e a liberdade individual tem sua importância em uma sociedade livre, mas a cultura tem a sua própria, pelo fato de moldar a classe política. Se estamos no estado atual no Brasil, muito se deve a hegemonia cultural de esquerda que predominou pelos últimos 50 anos, e teve como seu marco os governos do PT nos últimos 13 anos, governo que sofreu impeachment devido a conhecida incompetência das gestões socialistas. Está em jogo, agora, a guerra cultural, e, como Ludwig von Mises dizia: "Ideias e somente ideias podem iluminar a escuridão".
Referências bibliográficas
RIDENTI, Marcelo. Em Busca do Povo Brasileiro. São Paulo, UNESP, 2014.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1999.
PÉCAUT, Daniel. Os Intelectuais e a Política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo, Ática, 1992.
NARLOCH, Leandro. Os ricos segundo as novelas e os intelectuais de esquerda. Disponível emhttp://veja.abril.com.br/blog/cacador-de-mitos/os-ricos-segundo-as-novelas-e-os-intelectuais-de-esquerda/.
QUINTELA, Flávio. Mentiram (e muito) pra mim. São Paulo, Vide Editorial, 2015.