• Alexandre Garcia
  • 02 Janeiro 2018

 

 Em três semanas, o Tribunal Regional Federal em Porto Alegre vai julgar o recurso do ex-presidente Lula, contra a sentença de 9 anos e meio de prisão por receber, como propina da OAS, o triplex de Guarujá. Nunca antes na História deste país um condenado que se diz inocente quis retardar o julgamento de seu recurso no tribunal revisor. Lula e os seus seguidores reclamam do que consideram rapidez da Justiça. Isso significa que eles têm a expectativa de confirmação da culpa do condenado. Se for absolvido, vai ser surpresa. Se for condenado, se torna inelegível, pois a Lei da Ficha Limpa diz que o condenado em colegiado - no caso o trio de desembargadores - não pode obter registro como candidato. Também fica sujeito à prisão, para dar inicio ao cumprimento da pena, ainda que recorra ao Tribunal Superior de Justiça.

 Enquanto estiver livre, nada impede que se mantenha em campanha eleitoral, ainda que condenado. E quando chegar o prazo de registro de candidaturas, pode indicar alguém para assumir a candidatura em seu nome, como fez com Dilma. Afinal, Lula lidera todas as pesquisas para presidente. No passado, elegeu Haddad prefeito de São Paulo, mas na última eleição municipal, não conseguiu eleger prefeitos de capital nem no Nordeste. Só o PT do Acre, com suas particularidades positivas, elegeu o prefeito da capital. Por isso, o partido aguarda a decisão do Tribunal de Porto Alegre, para buscar alguém que vá além de poste, para ter Lula como cabo eleitoral, caso confirmada a condenação. Se for absolvido, Lula será o candidato do PT, mais uma vez, ainda que tenha sido denunciado nove vezes e seja réu em seis processos.

 As pesquisas que mostram Lula na liderança usam nomes que necessariamente podem não ser candidatos de fato. Vai depender das decisões de seus partidos. O IBOPE mostra Lula e Bolsonaro no segundo turno e cerca de 25% entre indecisos, brancos e nulos. O DATAFOLHA e outros trabalham com 10 nomes. O Instituto Paraná apura que 47% pretendem anular ou votar em branco - o que, somado à tradicional abstenção, pode chegar a dois terços do eleitorado. Em geral, os políticos estão em baixa e os partidos terão que administrar isso, oferecendo candidatos compatíveis com a exigência de honestidade e competência.

 O excelente articulista Percival Puggina sugere que escolhamos candidato imaginando quais deles convidaríamos para compartilhar um jantar em nosso lar. A algum deles você confiaria a gerência de sua microempresa familiar? - pergunta Puggina. Pelo nível geral do eleitorado, o candidato, por mais qualidades que tenha, sabe que se não for um demagogo populista, tem pouca chance. Além disso, presidente sozinho é uma andorinha que não faz verão. Presidente depende do Congresso, e Temer sabe disso pois se salvou de Joesley-Janot; Lula sabe disso quando seu mandato passou incólume pelo Mensalão. Também sabem disso Jânio Quadros, Collor e Dilma, que ficaram sem a presidência quando precisaram do Congresso. Por isso, não adianta um bom presidente sem que elejamos também bons deputados e senadores.

Nota do Editor: Distinguido, agradeço a gentil referência feita a mim pelo eminente jornalista e estimado amigo.
 

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  • Olavo de Carvalho
  • 02 Janeiro 2018

 

Os apóstolos do Estado nacional, que espumam de indignação patriótica à simples idéia de privatizar alguma empresa estatal, tornam-se de repente globalistas assanhados quando um poder supranacional vem defender os interesses deles contra os interesses da pátria.

Essa conduta é tão repetida e uniforme que só um perfeito idiota não perceberia nela um padrão, e por trás do padrão uma estratégia. Desde logo, “a pátria” que eles celebram se constitui exclusivamente de estatais, onde têm sua base de operações e de onde dominam não somente uma boa fatia do Estado, mas também os sindicatos de funcionários públicos e seus monumentais fundos de pensão.

Defendendo sua toca com a ferocidade de javalis acuados, desprezam tudo o mais que compõe a noção de “pátria” e não se inibem de colocar-se a serviço de ONGs e governos estrangeiros quando atacam as instituições nacionais, desmoralizam as Forças Armadas, desmembram o território brasileiro em “nações indígenas” independentes, impõem normas à educação de nossas crianças, fomentam conflitos raciais para destruir o senso de unidade nacional e, em suma, arrebentam com tudo o que constitui e define a essência mesma da nacionalidade. Da pátria, só uma coisa lhes interessa: o dinheiro e o poder que lhes vêm das estatais.

Em segundo lugar, o nacionalismo que ostentam é de um tipo peculiar, desde o ponto de vista ideológico. É um nacionalismo seletivo e negativo, que enfatiza menos o apego aos valores nacionais do que a ojeriza ao estrangeiro – e mesmo assim não ao estrangeiro em geral, como seria próprio da xenofobia ordinária, mas a um estrangeiro em particular: o americano.

Assim, por exemplo, não sentem a menor dor na consciência quando, sob o pretexto imbecil de que toda norma gramatical é imposição ideológica das classes dominantes, demolem a língua portuguesa e acabam suprimindo do idioma duas pessoas verbais (mutilação inédita na história lingüística do Ocidente); mas, ante o simples ingresso de palavras inglesas no vocabulário – um processo normal de assimilação que jamais prejudicou idioma nenhum, e que aliás é mais intenso no inglês do que no português –, saltam ao palanque, com os olhos vidrados de cólera, para denunciar o “imperialismo cultural”.

Ser nacionalista, para essa gente, não é amar o que é brasileiro: é apenas odiar o americano um pouco mais do que se odeia o nacional. Mas, para cúmulo de hipocrisia, seu alegado antiamericanismo não os impede de celebrar o intervencionismo ianque quando lhes convém, por exemplo quando ajudam alegremente a desmoralizar a cultura miscigenada que constitui o cerne mesmo do estilo brasileiro de viver e lutam para impor entre nós a política americana das quotas raciais, em consonância com as campanhas milionárias subsidiadas pelas fundações Ford e Rockefeller.

Do mesmo modo, seu antiamericanismo fecha os olhos à entrada de novos códigos morais – feministas e abortistas, por exemplo – improvisados em laboratórios americanos de engenharia social com a finalidade precisa de destruir os obstáculos culturais ao advento da nova civilização globalista.

Redução do nacionalismo à defesa das estatais, substituição do antiamericanismo ao patriotismo positivo, adesão oportunista ao que é americano quando favorece a esquerda: desafio qualquer um a provar que a conduta constante e sistemática da chamada “esquerda nacionalista” não tem sido exatamente essa que aqui descrevo, definida por esses três pontos.

Nunca, na História, houve patriotas a quem se aplicasse tão exatamente, tão literalmente e com tanta justiça a observação de Samuel Johnson, de que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas.

• Publicado originalmente na Época, 26 de maio de 2001
 

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  • José Nêumanne
  • 01 Janeiro 2018

 

Sabe aquele truque do punguista que bate a carteira do transeunte incauto e, antes que ele reaja, sai correndo e gritando “pega ladrão” pela rua acima? Pois é esse exatamente o golpe com que o Partido dos Trabalhadores (PT) enfrenta a pendenga judicial protagonizada pelo seu primeiro, único e eterno candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aiatolula para seus devotos, Lulinha paz e amor para os que por ele se deixam enganar. Primeiro, eles gritam “golpe!”, como gritaram quando Dilma Tatibitate Rousseff foi derrubada pelas próprias peraltices, anunciando que disputar voto sem ele na cédula não é eleição, é perseguição. Depois saem correndo atrás do prejuízo... dos outros.

A narrativa desse golpe, que eles tratam como se fosse um contragolpe, é a de que seu plano A a Z de poder tem sido acusado, denunciado e condenado e está agora à espera de uma provável, embora ainda eventual, confirmação da condenação em segunda instância. No caso, a Polícia Federal atuaria como se fosse um bate-pau de coronéis da política, que não querem ver o chefão de volta ao poder para desgraçar o Brasil de vez, depois do desastre que produziu a distribuição igualitária do desemprego dos trabalhadores e da quebradeira dos empresários, esta nossa isonomia cruel. O Ministério Público Federal seria um valhacouto de pistoleiros dos donos do poder. E os juízes que condenam, meros paus-mandados de imperialistas e entreguistas. Quem vai com a farinha da lógica volta com o pirão da mistificação: é tudo perseguição.

Talvez seja o caso, então, de lembrar que nem isso é original. Aqui mais uma vez o PT pavloviano que baba quando o padim fala recorre à filosofia do velho prussiano Friedrich Nietzsche proclamando o eterno retorno. Não queriam refundar o PT depois do assalto geral aos cofres da República? Pois muito bem, lá vão voltando os petistas às suas origens nos estertores da ditadura. Naquele tempo, os grupos fundidos hesitavam entre a revolução armada e a urna. Optaram pela paz e prosperaram.

Os guerrilheiros desarmados à custa de sangue, tortura e lágrimas voltaram do exílio convencidos de que só venceriam se assumissem o comando de um partido de massas. E o ideal para isso seria empregar o charme dos operários do moderno enclave metalúrgico do ABC. Lula, que desprezava os filhinhos de papai do estudantado e os clérigos progressistas, aceitou o papel que lhe cabia de chefe dos desunidos e então reagrupados. Afinal, sua resistência à volta dos ex-armados era só uma: queria dar ordens, nunca seguir instruções. E deixou isso claro a Cláudio Lembo, presidente do PDS paulista e emissário do general Golbery do Couto e Silva enviado a São Bernardo para convencê-lo a apoiar a anistia.

A conquista da máquina pública não derramou sangue dos militantes, que avançaram com sofreguidão sobre os cofres da viúva e os dilapidaram sem dó. Viraram pregoeiros do melhor e mais seguro negócio do mundo: ganhar bilhões sem arriscar a vida, como os traficantes do morro, demandando apenas os sufrágios dos iludidos. A desprezada e velha democracia burguesa virou um pregão de ocasião: só o voto vale. A eleição é a única fonte legítima do poder. Os outros pressupostos do Estado democrático – igualdade de direitos, equilíbrio e autonomia dos Poderes, impessoalidade das instituições – foram esmagados sob o neopragmatismo dos curandeiros de palanque.

A polícia, o Ministério Público e a Justiça tornaram-se meros (e nada míseros!) coadjuvantes da sociedade da imunidade que virou impunidade. A lei – ora, a lei... – é só pretexto. Agora, por exemplo, a Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, é um obstáculo que, se condenado na segunda instância, Lula espera ultrapassar sem recorrer mais apenas às chicanas de hábito, mas também à guerrilha dos recursos. Estes abundam, garantem Joaquim Falcão e Luiz Flávio Gomes, respeitáveis especialistas.

Não importa que a alimária claudique, eles almejam mesmo é acicatá-la. Formados no desprezo à democracia dos barões sem terra e dos comerciantes sem títulos dos séculos 12 e 18, os lulistas contemporâneos consideram o voto, que apregoam como condão, apenas um instrumento da chegada ao poder e de sua manutenção – como a guilhotina e a Kalashnikov. José Dirceu, que não foi perdoado por ter delinquido cumprindo pena pelo mensalão, ganhou o direito de sambar de tornozeleira na mansão, conquistada com o suor de seus dedos, por três votos misericordiosos. Dias Toffoli fora seu subordinado. Ricardo Lewandowski criou a personagem Dilma Merendeira. E Gilmar Mendes entrou nessa associação de petistas juramentados como J. Pinto Fernandes, o fecho inesperado do poema Quadrilha, que não se perca pelo título, de Carlos Drummond de Andrade. Celso de Mello e Edson Fachin foram vencidos.

Na semana passada, o ex-guerrilheiro, ex-deputado e ex-ministro estreou coluna semanal no site Nocaute, pertencente ao escritor Fernando Moraes, conhecido beija-dólmã do comandante Castro. Na primeira colaboração, Dirceu convocou uma mobilização nacional no próximo dia 24 de janeiro, em defesa dos direitos do ex-presidente Lula, “seja diante do TRF-4, em Porto Alegre, seja nas sedes regionais do Tribunal Regional Federal” (sic). O post, com o perdão pelo anglicismo insubstituível, é a síntese da campanha que atropela o Código Penal e a Lei da Ficha Limpa, apelando para disparos retóricos e balbúrdia nas ruas, à falta de argumentos jurídicos respeitáveis. Nada que surpreenda no PT, cujo passado revolucionário sempre espreitou para ser usado na hora que lhe conviesse. E a hora é esta.

O voto é apenas lorota de acalentar bovino. Estamos com a lei e o voto, que já lhes faltou no ano passado e dificilmente será pródigo no ano que vem. Mas não podemos vivenciar a fábula A Revolução dos Bichos, de Orwell. Pois o papel de ruminantes é o que nos destinaram. Só nos resta recusá-lo.

*Jornalista
** Publicado originalmente no Estadão
 

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  • Alexandre Garcia
  • 30 Dezembro 2017



Aqui no Brasil estão soltando condenados, inclusive os por corrupção, pelo generoso indulto de Natal; há o festivo saidão natalino e de Ano-Novo, enquanto o Supremo alivia prisões cautelares de corruptos. No indulto, um ladrão de automóveis sem reincidência, condenado a 12 anos, pode sair depois de dois anos e 5 meses, pelos meus cálculos. No país em que o número de policiais-militares mortos este ano no Rio de Janeiro, chega a 132, enquanto escrevo estas linhas. No hemisfério norte, semana passada, um tribunal de Nova Iorque condenou à prisão perpétua, sem direito a saidões, indultos, progressão de pena ou liberdade condicional, o matador de um policial. Ao pronunciar a sentença, o juiz disse:

Pelo assassinato do policial Brian, que estava em serviço, a sentença do tribunal é prisão perpétua. Toda a vida, sem liberdade condicional. Para tornar mais simples para o seu cérebro comprometido, você vai morrer na prisão. Nunca mais irá respirar ar puro fora do aço e do concreto de uma prisão do Estado de Nova Iorque. Essas sentenças são aplicadas juntas, consecutivas com cada uma. Em adição aos 300 dólares de sobretaxa obrigatória, uma taxa de 25 dólares para o sistema de assistência às vitimas de crimes, uma taxa de 50 dólares de registro de DNA, todas a serem pagas pelo condenado. Cientifico seu advogado do direito de recorrer e de tirar sua cara com esse sorriso cínico fora deste Tribunal.

É assim que a maior democracia do planeta trata matadores de policiais. A notícia do crime explica que fora o segundo assassinato de um policial no semestre. Aqui, com a corrupção institucionalizada no topo, os jovens de periferia são mais atraídos para o crime - sempre com a droga como eixo. A imagem de mais de 50 milhões do dinheiro de Geddel fala por si, sobre a corrupção generalizada. Crimes políticos que se entrelaçam com o crime comum. Violência no campo, invasões, depredações, toleradas por razões ideológicas, se equiparam aos assaltos nas estradas e nas cidades. Mentiras jogadas ao léu por políticos equiparam-se às balas “perdidas” em letalidade da cidadania. Assim, matar policiais é matar as leis.

Assim como desarmaram os cidadãos, emasculando o Direito de Defesa, armam mal os policiais, privam de proteção maior os que estão no front, enfrentando bandidos bem armados com fuzis modernos, recém-contrabandeados. As viaturas da polícia são de dar pena, como se o Brasil não pudesse fazer um bom acordo antidroga com os Estados Unidos, em troca de carros poderosos, blindados, potentes, estáveis, de tração integral, para perseguir os que assaltam - e encarceram a população atrás das grades de seus lares. Quando o policial Brian foi morto em Nova Iorque, a porta de sua casa ficou cheia de flores; o prefeito visitou a família; as honras fúnebres foram de herói; o condenado pagou uma taxa para o fundo de assistência às vítimas. Por aqui, os valores estão invertidos.

 

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  • Jorge Hernández Fonseca
  • 29 Dezembro 2017

 

Como nos anos anteriores e com os elementos fornecidos pelos eventos atuais, quero analisar os cenários prováveis no próximo ano. Para a análise, farei considerações sobre o que estimo sejam os quatro cenários principais no futuro imediato da ilha:

• a análise da sucessão de Castro como fator de "mudanças";
• a eleição presidencial venezuelana e o controle da ilha dos processos desse país;
• relações cubano-americanas e presença de Trump presidindo os destinos dos EUA;
• as relações que Cuba reinicia com um ex-aliado russo.

No interior da ilha, Diaz Canel será o sucessor de Raúl Castro na presidência formal do país, se as expectativas forem finalmente confirmadas. Eu acredito que esta revisão da autoridade é um aspecto fundamental na provável quebra do esquema de comando até então monolítico dentro da ditadura cubana e a luta pelo poder - agora interna e subterrânea - que se tornaria patente. Um sinal importante a este respeito é o necessário e surpreendente adiamento da aposentadoria do ditador e a seleção de seu sucessor. Isso certamente desencadeou conjecturas associadas a disputas internas sobre quem será selecionado para a presidência formal pois o adiamento, em si, destaca a importância desse fato. Penso que o sucessor será Diaz Canel e que o adiamento deve mais a fatores não relacionados à pessoa que irá substituir Raúl Castro, embora essa substituição produza um agravamento da luta pelo poder dentro da ditadura, que acabará favorecendo, a curto ou médio prazo, a causa da liberdade e da democracia do sofrido povo cubano.

 Venezuela: Cuba depende como nunca antes da Venezuela “madurista”. A principal tarefa da contra inteligência cubana é transformar Nicolás Maduro no candidato presidencial do chavismo para as próximas eleições presidenciais e que este candidato será eleito na caricatura eleitoral a ser montada no início deste ano para perpetuar Maduro no poder. Maduro será o candidato "eleito", mas o futuro do “madurismo” não longo.

Com relação aos EUA, Cuba 2018 aproveitará o período de calma proporcionado pelos obstáculos interpostos ao governo Trump, malgrado as mudanças que ele já promoveu na anterior política entre os dois países. Acredito que Trump quer resolver o problema cubano a médio prazo, esperando, para agir, que a sucessão e/ou o desaparecimento físico do último Castro acabem se manifestando como um conflito interno entre os reformadores e a velha guarda.

 No entanto, a disputa geopolítica entre os EUA e a Rússia fez com que o último país voltasse para a ilha, começando a fornecer petróleo e planejando instalar bases militares (ou paramilitares) em Cuba, direta ou secretamente, o que complica a estratégia de Trump. Este aspecto é explosivo. Pode ser um jogo geopolítico, segundo o qual os russos começaram a apoiar o castrismo como resposta ao apoio militar dos EUA à Ucrânia. Esta relação poderia, finalmente, ser definida deixando - por parte da Rússia - os cubanos em "mãos" dos EUA, em troca de que os EUA deixassem os acontecimentos da Ucrânia nas "mãos" russas, com as exceções e recomendações usuais em ambos os casos .

Por fim, a difícil situação social, econômica e material de Cuba e da Venezuela resulta de métodos políticos ditatoriais e pode levar a uma explosão social com resultado libertador inesperado. E não seria improvável, então, o efeito dominó de um regime sobre o outro.

Os artigos deste autor podem ser encontrados em http://www.cubalibredigital.com

 

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  • Olavo de Carvalho
  • 28 Dezembro 2017

A ILUSÃO CORPORALISTA
Olavo de Carvalho



O que separa da humanidade normal os abortistas, gayzistas, globalistas, marxistas, liberais materialistas e outras criaturas afetadas de mentalidade revolucionária não é uma questão de opinião ou crença: é uma diferença mais profunda, de ordem imaginativa e afetiva.

Aristóteles já ensinava – e a experiência de vinte e quatro séculos não cessa de confirmar – que a inteligência humana não forma conceitos diretamente desde os objetos da percepção sensível, mas desde as formas conservadas na memória e alteradas pela imaginação. Isso quer dizer que aquilo que escape dos limites do seu imaginário será, para você, perfeitamente inexistente. O imaginário, por sua vez, não reflete somente as disposições do indivíduo, mas os esquemas lingüísticos e simbólicos transmitidos pela cultura. A cultura tem o poder de moldar o imaginário individual, ampliando-o ou circunscrevendo-o, tornando-o mais luminoso ou mais opaco.

O imaginário da espécie humana quase inteira, ao longo dos milênios, foi formado por influências culturais que o convidavam a conceber o universo físico como uma parte, apenas, da realidade total. Para além do círculo da experiência imediata, existia uma variedade de outras dimensões possíveis, ocupando o território imensurável entre o infinito e o finito, a eternidade e o instante que passa.

A partir do momento em que o universo cultural passou a girar em torno da tecnologia e das ciências naturais, com a exclusão concomitante de outras perspectivas possíveis, era inevitável que o imaginário das multidões fosse se limitando, cada vez mais, aos elementos que pudessem ser expressos em termos da ação tecnológica e dos conhecimentos científicos disponíveis. Gradativamente, tudo o que escape desses dois parâmetros vai perdendo força simbolizante e acaba sendo reduzido à condição de "produto cultural" ou "crença", sem mais nenhum poder de preensão sobre a realidade. O empobrecimento do imaginário é ainda agravado pela crescente devoção pública ao poder da ciência e da tecnologia, depositárias de todas as esperanças e detentoras, por isso mesmo, de toda autoridade.

sso não quer dizer que as dimensões supramateriais desapareçam de todo, mas elas só se tornam acessíveis ao imaginário popular quando traduzidas em termos de simbologia tecnológica e científica. Daí a moda da ficção científica, dos extraterrestres e dos deuses astronautas. Mas é claro que essa tradução não é uma verdadeira abertura para as dimensões espirituais, e sim apenas a sua redução caricatural à linguagem do imediato e do banal.

Uma das conseqüências disso é que o corpo, milenarmente compreendido como um aspecto entre outros na estrutura da individualidade, passou a ser não apenas o seu centro, mas o limite último das suas possibilidades. Aquelas potências do ser humano que só aparecem quando ele é confrontado com a dimensão da infinitude e da eternidade tornam-se absolutamente inacessíveis e passam a ser explicadas como "crenças culturais" de épocas extintas, com a conotação de atraso e barbarismo. Daí, também, que as mais hediondas realizações da sociedade tecnológica, como a guerra total e o genocídio, tenham de ser explicadas, de maneira invertida e totalmente irracional, como resíduos de épocas incivilizadas em vez de criações originais e típicas da nova cultura. O "formador de opinião" dos dias que correm é incapaz de perceber a diferença específica entre o totalitarismo moderno e as formas imensuravelmente mais brandas de tirania e opressão conhecidas na antigüidade e na Idade Média. Para ele, o Gulag e Auschwitz são a mesma coisa que a Inquisição. Quando lhe demonstramos que as formas extremas de controle totalitário da conduta individual eram perfeitamente desconhecidas em toda parte antes do século XIX, ele sente aquele mal-estar de quem vê o chão abrir-se sob seus pés. Então muda de conversa imediatamente ou nos amaldiçoa como fanáticos fundamentalistas.


Publicado originalmente no JB de, 4 de dezembro de 2008 e em http://www.olavodecarvalho.org/a-ilusao-corporalista/
 

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