Adriano Marreiros
Dizem que eu odeio Les Non-Magiques. Os Trouxas. Os Não-Magi. Os Sem-Feitiços. Eu não os odeio. Não odeio. Pois eu não luto por ódio. Digo que os Trouxas não são inferiores, mas diferentes. Não são inúteis, mas de distinto valor. Não são descartáveis, mas têm uma disposição diferente.
Grindenwald
(Filme 2: Os Crimes de Grindenwald)
Assisti ao terceiro filme da saga Animais Fantásticos e Onde Habitam. Ainda bem que nada era realidade. Seria um mundo de trevas...
Em todos os filmes, Gellert Grindenwald era sedutor, parecia legal, falava macio, com um tom aveludado...
Quando uma militante de sua causa tentou atacar um Auror (policial bruxo que atuava contra os bruxos das trevas): aproveitou a legítima defesa dele para inverter as coisas e acusar os Aurores de serem violentos...
Dizia que defendia “The Greater Good”, “O Bem-Maior”, que queria evitar uma nova guerras: mas agia como quem viria a provocá-la... Dizia querer uma “Democracia” bruxa: uma em que a minoria subjugaria a maioria de Trouxas ou Não-Magi, ainda que a maior parte da própria minoria não quisesse isso, apenas os militantes de sua ideologia. E quem não queria isso: não queria o bem, não queria o bem maior!!! E quem não queria o bem maior? Só poderiam ser pessoas odientas, que o difamavam, inventavam coisas sobre ele e seus seguidores, que usavam o discurso de ódio contra ele, um iluminado que lutava por uma nova era, pelo bem: e isso é um fato! E a Liberdade não é para isso, não é para impedir o Bem-Maior, então deveriam ser perseguidos e presos... Porque ele só queria um “Bem-Maior”...
Chegou a tentar fraudar a eleição bruxa, enfeitiçando a criatura mágica que fazia a escolha, para que ela fizesse o que ele queria: matou-a e transformou-a num zumbi a seu serviço, um inferius[1] animal. Aliás, ele só concorreu porque seus crimes foram estranhamente anulados por um Ministro: o Ministro da Magia da Alemanha. Precisava de muita magia mesmo pra anular aqueles crimes.
Mesmo com tudo isso, até pessoas cultas, algumas até por amor, por ingenuidade, acreditaram quando ele se colocava como um ser de luz, um líder que só queria o bem maior para todos, que lhes daria liberdades. Outros acharam que poderiam conseguir uma superioridade com tal apoio. Outros queriam lucrar politicamente. Outros só queriam dar vazão a seus instintos das trevas, integrando uma milícia do ódio – um ódio do bem, claro, com censura, calúnias e perseguição... do bem... Mas a maioria dos seus seguidores era só tola mesmo...
Voldemort, décadas mais tarde, foi até mais poderoso, até governava no lugar do Ministro da Magia, que era impedido de decidir por meio de feitiços feitos a mando do Lorde das Trevas, por meio de uma Maldição Imperdoável, a Imperius: mas nunca se fez de bonzinho e só conseguiu voltar ao poder porque a imprensa oficial, em conluio com o Ministério, chamava de mentira – fake news – as verdades ditas por Harry e Dumbledore e atacava, censurava e punia quem ousasse repetir essas verdades. E criaram verdades oficiais...
Mas Voldemort nunca invocou o monopólio da luz: sempre se disse o Lorde das Trevas. Nunca se preocupou com o bem, nunca negou que para ele só o poder importava. Nunca se disse democrata: sempre se mostrou ditatorial e com ódio dos opositores.
Dois lobos violentos e sem escrúpulos: mas só um deles em pele de cordeiro...
ROSIER: Quando vencermos, eles fugirão das cidades aos milhões. Eles tiveram seu tempo.
RINDELWALD: Não digamos tais coisas em voz alta. Queremos apenas liberdade. Liberdade para sermos nós mesmos.
ROSIER: Para aniquilar os não-bruxos.
GRINDELWALD: Nem todos eles. Nem todos. Não somos impiedosos. O animal de carga sempre será necessário...
(Também do Filme 2: Os Crimes de Grindenwald)
* Compre aqui o livro de crônicas do autor.
Fernão Lara Mesquita, em O Vespeiro.
Tema recorrente tanto entre os estudiosos do assunto quanto entre os diletantes é o dos ingredientes necessários para uma sociedade migrar para a democracia.
No Capitulo IX de A Democracia na América (1830), a apenas 42 anos de distância da fundação e às voltas com as primeiras tentativas fracassadas de importação do novo sistema para a Europa e outros cantos da própria América, Tocqueville trata das “Principais causas que contribuem para manter a republica democrática nos Estados Unidos”.
Destaco esse manter porque em diversos trechos anteriores do livro ele já tinha tratado dos excepcionalismos que permitiram instalar um governo do povo, pelo povo e para o povo na América, cujas instituições têm por base, não mais a propriedade de tudo pelo Estado que se confunde com o monarca (como continua sendo nas ditaduras e quase ditaduras de hoje), mas a garantia pelo Estado da propriedade privada conquistada com trabalho por cada indivíduo. Foram eles, entre outros menores: a ausência de uma privilegiatura a ser derrubada instalada ha séculos no poder e o sistema de colonização inglês entregue a empresas privadas que, ao oferecer glebas de terra aos plebeus que se dispusessem a povoar os novos territórios criou, pela primeira vez na história da humanidade, uma nação de proprietários.
Neste capítulo Tocqueville já trata de outra etapa do processo e examina os três elementos que o debate de seu tempo apontava como decisivos para a consolidação da democracia americana: as condições físicas dos Estados Unidos que garantem acesso fácil à riqueza, a engenhosidade das suas leis e “os costumes dos anglo-americanos” (hoje dir-se-ia sua “cultura”).
É para desclassificar os dois primeiros que ele cita a América do Sul cujos povos “estão em territórios com as mesmas condições físicas de prosperidade mas não têm as mesmas leis nem os mesmos costumes e por isso são miseráveis”. E também o México, que “embora situado em território tão rico quanto o da união anglo-americana e tendo-lhe copiado as mesmas leis, não conseguiu adaptar-se ao governo da democracia”. E conclui: “se fosse preciso classificá-las eu diria que (ainda que cada uma tenha seu peso no processo) as causas físicas contribuem menos que as leis, e as leis menos que os costumes”.
É nestes que ele se concentra, então:
“Os povos europeus partiram das trevas da barbárie para avançar para a civilização e as luzes e seu progresso foi desigual. Alguns progrediram correndo; outros avançaram andando; muitos ficaram parados e dormem ainda hoje à beira do caminho. Os anglo-americanos já chegaram civilizados ao solo que sua posteridade ocupa hoje; tinham pouco a aprender, bastava para eles não esquecer (…) São muito poucos os sábios mas não ha nenhum ignorante. A população inteira está entre esses dois extremos (…) O pioneiro da marcha para o Oeste é um homem civilizado que resolveu viver por um tempo na floresta. Avança pelos desertos do Novo Mundo com a Bíblia, um machado e seus jornais debaixo do braço”.
“Não queira fazer um americano falar sobre a Europa. Vai ficar limitado às idéias gerais e indefinidas (…) Mas se você o interrogar sobre o seu próprio país, verá dissipar-se rapidamente essa nuvem. Ele explicará quais são os seus direitos e quais os meios para exercê-los; mostrará que sabe bem por quais regras se pauta o mundo político e que ele está perfeitamente familiarizado com a mecânica das leis”.
Quem se interroga sobre as condições para a democracia na babel meticulosamente cultivada com deseducação e censura institucionalizadas do Brasil a 192 anos de distância do momento em que Tocqueville o fez e mais de um século depois dos estudos de Max Weber (1905) sobre a relação que há entre a ética protestante, fruto de uma revolução que, mais que religiosa, foi educacional, e o espírito do capitalismo, filho da democracia, sabe bem da importância que essa quase perfeita distribuição do conhecimento entre os colonizadores da América do Norte teve para a fundação do novo regime.
Mas o que Tocqueville quer destacar neste capítulo é, de novo, sua admiração pelo papel formativo que as instituições autenticamente democráticas (inglesas) têm. Um papel tão grande ou maior, acrescentaria eu como brasileiro, que o papel deformativo que têm as instituições anti-democráticas…
Em capítulo anterior já discutido aqui (NESTE LINK) ele dizia, da instituição do júri, sobretudo a do júri para causas cíveis da Inglaterra, que “ele serve para dotar todo e qualquer cidadão da experiência de ser juiz, e essa experiência é a que melhor o prepara para ser livre. Ela reafirma, em todas as classes sociais, o respeito pela coisa julgada e pela idéia do Direito. É a maneira mais eficaz de, ao mesmo tempo, fazer o povo exercer o seu poder e aprender a exercer o seu poder numa democracia”.
Neste capítulo em que exalta “os costumes dos anglo-americanos”, ele constata que “É participando da confecção das leis que os americanos aprendem a entende-las; é governando que eles aprendem sobre as formas de governo” . Tudo acontece, portanto, de uma maneira orgânica que se auto-alimenta. E então aponta o fator que diferencia “os costumes” dos anglo-americanos dos do resto dos europeus para fazê-los indispostos para a democracia. “Nos Estados Unidos todo o sistema de educação está voltado para a educação política; na Europa o objetivo principal é preparar para a vida privada”. Ou seja, cada qual respondendo à sua própria história, uns aprendem a ser o poder, os outros a defender-se contra o poder.
Democracia, enfim, é sobretudo uma questão de treino. Como tudo o mais nesta vida, só se aprende de verdade fazendo.
Esse é o aspecto oculto que põe em causa a tese da “decadência da democracia americana” muito em voga num mundo quase todo ele jejuno em democracia, onde a imprensa só cobre, dos Estados Unidos, as ações do governo federal, o único espaço que ela compreende porque é aquele em que a democracia quase não entra. O “treino” do cidadão americano que, todos os dias e cada vez mais, decide diretamente, no voto, cada minúcia de tudo que afeta sua vida nos estados e nos municípios onde de fato vive, explica a resistência exasperada que, por falta de lideranças que traduzam e dêem consequência mais prática a essa forma tão rara de força, esse cidadão pleno, desconhecido de quase todo o resto do planeta e menosprezado pela sua própria mídia de massa, expressa de modo inarticulado vociferando na praça pública da internet e “votando contra” muito mais do que a favor do que se lhes apresenta nas eleições majoritárias.
É a censura dessa válvula de escape das praças públicas eletrônicas privadas que é hoje objeto da luta decisiva para a democracia nos Estados Unidos e no mundo que Elon Musk parece ter comprado. Mas isso é tema para próximos artigos.
Jorge Hernández Fonseca
Com a derrota do marxismo comunista, o atual campo político internacional passa a configurar duas áreas antagônicas: os nacionalistas e os globalistas. Os primeiros priorizam os valores nacionais sobre os laços externos, a exemplo do Reino Unido, que acaba de se separar da União Europeia, consciente de que seus valores nacionais não deveriam estar subordinados aos poderes centralizados por uma representação da "União", muitas vezes contrária aos seus interesses como Nação. Os globalistas (nada a ver com globalização) defendem a "unidade política" de vários países, buscando em última análise um "Governo Mundial".
Claro, existem nuances nesta classificação. A globalização comercial, por exemplo, é um fenômeno defendido e aceito por ambos os lados. A chave é a subordinação política implícita dos globalistas, que os nacionalistas rejeitam. Dito isto, vamos à guerra que Putin declarou contra a Ucrânia sob pretextos duvidosos, senão confusos.
Putin fez da Rússia um país nacionalista que preservou suas raízes históricas, culturais e religiosas e que proclama cultivar seus valores mais tradicionais, mas se posicionando como o centro político de toda a Eurásia, dentro de uma filosofia messiânica russa. Por esta razão, e apesar de ser reconhecido como um país nacionalista, acaba de declarar guerra a um vizinho por nenhum motivo maior do que a preservação de sua “segurança nacional” – entendida como garantia de que seu vizinho atacado não a colocasse em perigo – escondendo seu verdadeiro objetivo: conquistar para a Rússia o país vizinho. Nada a ver com o nacionalismo do século XXI e sim com uma perspectiva "imperialista" de despojar de seu território um país independente, por várias razões falaciosas.
Vejamos. A Rússia de Putin argumenta que grande parte do território da Ucrânia "sempre pertenceu" à Rússia czarista, mostrando sua pretensão imperialista hegemônica, que nada tem a ver com o nacionalismo do século 21 de que falamos antes. Se a Ucrânia existe como país independente, é porque a antiga União Soviética, num primeiro momento, exibiu ao mundo como novas “repúblicas”, partes da antiga União das Repúblicas Soviéticas; mais tarde, quando as diferentes repúblicas antes unidas na URSS se separaram, a Rússia teve participação ativa nas definições então feitas
Se a península da Crimeia era russa e não ucraniana, por que a própria Rússia a tornou parte da Ucrânia quando todas as repúblicas se separaram desde o início? O Mundo sabe de uma Ucrânia independente, com territórios que a Rússia nunca reivindicou: é a Ucrânia que foi membro da antiga URSS e a Ucrânia que se separou da URSS quando esta se desmantelou, que incluiu sempre a região de Donbas (agora reivindicada pela Rússia ) e a península da Criméia, anexada em uma guerra predatória há alguns anos. A Ucrânia é o que a Rússia decidiu que era quando a URSS foi desmantelada e agora, como país nacionalista, não pode reivindicar o que não é seu.
Putin, com esta guerra imperialista, coloca um obstáculo gigante para o nacionalismo como ideologia aceitável do século XXI. A única salvação para os nacionalistas do nosso século é acrescentar uma categorização adicional para impor à Rússia: "país imperialista", independentemente de ter ideias nacionalistas ou globalistas. Impõe guerra a seus vizinhos por objetivos territoriais ou de "segurança nacional" para esconder intenções hegemônicas. Se um Governo Mundial é questionável, pior é um Governo Mundial comandado pela Rússia, assim como proclamam os ideólogos russos que Putin segue.
* Os artigos deste autor podem ser consultados em http://www.cubalibredigital.com
** O autor é cubano, engenheiro mecânico, professor em várias instituições universitárias em Cuba e no Brasil, onde vive há 23 anos.
Valdemar Munaro
Fatos e personagens que credenciam milhões de pessoas à fé e à tradição cristãs são celebrados e revividos particularmente nestes dias, os mais santos do ano. Decorridos dois mil anos, continuam a irradiar verdades e ensinamentos que não encontramos em outro tempo e lugar. Vívidos e densos, demarcam o antes e o depois da história, extrapolam veias teológicas e revelam conteúdos que transcendem o muro das igrejas. Roger Garaudy, intelectual marxista francês, lamentava esquisitamente o 'sequestro' do Galileu pelos cristãos e reivindicava sua devolução à inteira humanidade: "Homens de igreja, devolvei-nos o Cristo!'
Quem, com efeito, de coração simples e honesto, atender aos relatos da paixão do Nazareno não permanece indiferente. 'Divisor de águas', 'pedra de tropeço' no caminho das sabedorias humanas, Jesus de Nazaré é espinha dorsal do destino e sentido do mundo. Gente de toda estirpe, intelectual ou inculta, nobre ou plebeia, rica ou pobre se sente interpelada por aqueles acontecimentos bíblicos. Discorrer sobre 'Deus', segundo Dostoievski, tornou-se assunto manso e contornável se comparado ao 'fato' Cristo que, desde então, engarrafa e complica o emaranhado fluxo de argumentos e discursos que formulamos. Diante do crucificado, 'sábios' se tornam estultos, desprezados e humildes se erguem e são exaltados. Sem Cristo, as coisas teriam outra ordem e viveríamos marasmos existenciais infindáveis como num eterno retorno.
As narrativas relacionadas ao Servo de Javé levam-nos a uma cristologia repleta de abismos físicos, morais e espirituais. Ali se encontram realidades humanas e divinas amalgamadas a acontecimentos e palavras que dão novo significado ao que vivenciamos e fazemos. A cruz de Cristo não é só revelação do Divino antes desconhecido, mas é também revelação dos recônditos e sombrios mistérios que medram as subjetividades. O crucificado misturou-se à nossa condição de criaturas, retratou nossa miséria e/ou grandeza, quebrou o absurdo de nossos sofrimentos, orientou nossa parca e agudizada liberdade, purificou nossa porca, infeliz e anêmica justiça, iluminou nossa carunchada convivência cívica, corrigiu o sentido pálido e obscuro que dávamos à vida.
Embora fosse a encarnação do amor, da justiça e da vida, ele foi crucificado. "Fizemos pouco caso dele", diz Isaías (53). Foi tratado como um idiota e tresloucado quando, na verdade, "tomou sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos; e nós o reputávamos como um castigado, ferido por Deus e humilhado. Ele foi castigado por nossos crimes e esmagado por nossas iniquidades; o castigo que nos salva pesou sobre ele; fomos curados graças às suas chagas" (Is 53).
O conhecido F. Nietzsche (1900), irreverente e alucinado, abriu as portas do século XX, supondo ser porta voz de uma sociedade em decomposição e pôs nos lábios de um louco a notícia do desaparecimento de Deus na alma contemporânea. Exaltando a morte de Deus, concluiu efeitos trágicos como se fossem vitoriosos no seu livro 'Assim Falou Zarathustra': "Como vamos confortar a nós mesmos, os assassinos de todos os assassinos? Aquilo que era mais sagrado e poderoso de tudo o que o mundo ainda possuíra sangrou até a morte sob nossas facas: quem vai enxugar esse sangue de nós? Que água existe para que nos limpemos? Que festivais de expiação, que jogos sagrados teremos de inventar? Será que a grandeza desse ato não é grande demais para nós? Será que nós mesmos não temos que nos tornar deuses apenas para parecer dignos dele? Nunca houve ato maior; e quem quer que nasça depois de nós – por causa desse ato pertencerá a uma história superior a toda história até então".
A 'morte de Deus' não tem lógica, nem é científica (se morrer, não é Deus e se for Deus, não morre), mas se, porventura, alguém conseguir extirpar Deus de sua vida, arcará com as consequências de um crime inexpiável. A mensagem nietzschiana pretende tirar consolação do ato deicida crendo atingir uma superioridade histórica.
É-nos permitido imaginar o esforço de muitos (que vieram antes de Cristo) para encontrar a sabedoria. O matemático Pitágoras (sec. VI a. C.), o 'iluminado' Buda (483 a. C.), o sábio Sócrates (399 a. C.), o filósofo Platão (347 a. c), o grande Aristóteles (322 a. C.), o poderoso Júlio César (44 a. C.) ou o célebre orador Cícero (43 a. C.) são alguns exemplos. Se tivessem encontrado O ressuscitado, provavelmente, descobririam Nele a convergência e a foz de suas buscas sapienciais. A história, porém, diferentemente de Nietzsche, não seria superior em razão do ato criminoso e assassino impetrado pelos homens, mas pelo poder do Crucificado que venceu a morte e o pecado.
Agnósticos e ateus, como podemos ver, sobremaneira entre modernos e contemporâneos, entre eles Kant, Nietzsche, Voltaire, Rousseau, David Hume, Schopenhauer, Hegel, K. Marx, L. Feuerbach, A. Comte, A. Gramsci, Sigmund Freud, Sartre, Marcuse, Camus e outros tantos, incomodaram-se com Cristo (sem conseguir ignorá-Lo ou destruí-Lo) e desprezaram sua herança. Suas posições racionais não os desobrigaram, porém, da insana tarefa de escavar, alhures, motivos que pudessem justificar o empenho humano pela construção das utopias e dos paraísos terrestres.
O que sobrou daquele esforço titânico em achar sentido para um mundo niilista e sem Deus, foi investir e esperar pelo futuro feito não por mãos divinas, mas por homens dotados de ciência e razão. O que esses profetas e cientistas sociais nos propuseram foi, no fim das contas, esperar a conquista ou a chegada de uma humanidade apocalíptica e trágica que se expressará no advento, pelas vias da seiva evolucionista darwinista, de uma raça super humana (na linguagem de Nietzche), espécie de gente potente, delirante e genial, situada acima do bem e do mal, ou, esperar dos mecanismos e segredos da psicanálise por uma civilização desneurotizada e sem traumas, ou, enfim, esperar da força revolucionária, lavada e lavrada na cartilha marxista, por um mundo comunista, sem classes e sem injustiças.
Contudo, paradoxalmente, tais catequeses transformadoras, com sua práxis secular, prometeica e anti-evangélica, ensinam que devemos aguardar os super humanos construídos e moldados por artífices, eles mesmos, quebradiços e doidos (como o próprio Nietzsche que morreu sifilítico e enlouquecido) ou o mundo libertado das neuroses por mãos neuróticas e charlatãs (como as de Freud e seu discípulo behaviorista, J. Watson) ou o mundo livre de injustiças por feitores e arquitetos sociais, injustíssimos, hipócritas e podres (como Marx, Engels, Lenin, Stalin, Che Guevara, Fidel e tutti quanti).
Se, por um lado, há os que rejeitam a 'pedra angular', por outro, há uma gama infindável de pessoas que, ao longo da história, bebeu das fontes cristãs encontrando ali não os fardos pesados, mas a senda do caminho, o bálsamo para suas feridas e tribulações. Não há, para quem quer ser cristão, diminuição alguma de sofrimentos ou dificuldades pelo fato de crer, mas o discípulo que peregrinar este mundo na fé, tem em sua alma a lâmpada que ilumina seus passos. Àquele que caminha na fé, não lhe será tirada, tampouco, qualquer porção de inteligência e liberdade.
F. Dostoievski (1881), romancista russo, concluiu que as tribulações de Cristo são também as tribulações dos cristãos. Não estamos sós, nem somos primogênitos no que fazemos e vivemos. No texto 'O Grande Inquisidor' (extraído de Os Irmãos Karamazov), o autor indica, com rara beleza e profundidade (não visto na teologia oficial) quão próximas são as tribulações de Cristo com as dos homens. Exemplo, são as tentações do deserto (Mt 4).
Com efeito, Cristo, muito antes de ser pregado ao madeiro na Sexta-Feira Santa, anteviu os sinais de sua paixão nas adversidades do deserto. O deserto, como sabemos, está, física e paradigmaticamente, situado em terra virgem ou prostituída. O início de tudo, ninho do big bang, devia ser alucinantemente árido e sem vida, mas, se imaginarmos um futuro totalmente contaminado e destruído, a mesma fisionomia encontraremos lá.
Entretanto, apesar da aridez e da secura, os desertos guardam sementes de vida. Neles moram demônios, mas também raízes de fé e liberdade. Abraão, 'pai dos crentes' peregrinou no deserto, Israel, sua descendência, aprendeu a obediência às Leis e o 'caminho' pascal em desertos. No deserto, bodes expiatórios eram sacrificados, João Batista, à semelhança dos profetas, anunciou a era messiânica e Judas, o traidor, serviu-se dele para expiar seu remorso e se suicidar.
Os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas narram que Jesus, conduzido pelo Espírito, foi ao deserto. Lá, depois de jejuar e orar durante os dias que lembram a quaresma, sentiu fome. Do mesmo modo como odores de putrefação atiçam e instigam hienas e cães selvagens saírem de suas sombras para disputar carnes vivas ou em decomposição, a fome desperta e atrai demônios. O homem faminto (de pão e de Deus) se torna presa de satânicos à espreita. Os famintos constituem matéria incandescente à manipulação, à instrumentalização, ao servilismo. A fome e a miséria, postas aos pés de perversos sedentos de poder, tornam-se escabelo no qual quaisquer formas de escravidão se assentam.
Ao sentir fome, Jesus recebeu a visita do demônio que o incitou a fugir da cruz. Do grego diá+bolos, o termo significa 'aquele que divide ou separa'. Se, de um lado, o sym+bolos reúne, ilumina, congrega e une, de outro, o diá+bolos divide, desagrega, confunde. O espírito diabólico é a fonte de conflitos e divisões entre humanos. Onde reina o espírito simbólico tende-se à comunhão, à harmonia, à claridade, à paz. O diabo, ao invés, promotor de conflitos e desvios, não visita Cristo em seu estado confortável; visita-o oportunisticamente em situação 'desértica', de fome e desamparo. Revestido de sorrateira intenção só visa dividir o Filho do Pai e o Pai do Filho.
É em situação de 'deserto' que somos tentados, não inversamente. Sob vicissitudes de fraqueza o diabo tentou Jesus propondo-lhe o milagre, o espetáculo, a autoridade como doces soluções para sua amarga missão.
Propôs-lhe enganosas e fáceis vias de enfrentamento das inevitáveis dificuldades e sofrimentos que a vida contém. Proposta diabólica é vender com 'baixo custo' as plenitudes, as liberdades, a salvação. Todo ser humano, de qualquer época, lugar e condição, nesse quesito, é e será tentado tanto quanto o foi Jesus.
A tentação do milagre pretende que se transformem magicamente pedras em pão. No anseio de riqueza o homem a quer sem o concurso do trabalho. Almeja a colheita do trigo sem o seu plantio, deseja percorrer caminhos permanecendo sentado. É a tentação de ganhar grátis o que muito custa, ter vida cômoda com modos malandros, ter progresso econômico gangrenado com astúcias de corrupção e desonestidade, obter prêmios sem mérito, bônus sem ônus, benefícios sem sacrifícios, pão sem grãos esmagados, prazer sem consciência, amor sem renúncia, nem sofrimento.
O espetáculo, por sua vez, é tentação que pretende transformar o virtual em real, substituindo realismos de acontecimentos e pessoas com ideais desconectados e imaginários. O espetáculo tornou-se a excitante, atualíssima tentação que nos leva para fora do modesto mundo verdadeiro que vivemos, a fim de nos lançar na ilusória fascinação do que ocorre nos filmes, teatros e virtualidades. O tentáculo das realidades virtuais seduz do mesmo modo como Satanás tentou Jesus e os homens do seu tempo. Transformar realidades em sonhos e sonhos em realidades é especialidade do 'diábolos'. O historiador Paul Jonhson nos assegura: os que fustigam para que fujamos do mundo real para irmos ao mundo da imaginação, assemelham-se aos demônios do deserto, nossos inimigos.
A mais terrível e sedutora tentação, enfim, é a da autoridade. Nela se aninha a adaga que atinge o cerne de nossa dignidade. O diabo, levando Jesus para uma colina, lhe disse: "Tudo isso que vês pode ser teu se, prostrado, me adorares". Moral da história: a mais terrível, sutil e perigosa das tentações está aqui, no enxerto sorrateiro de astúcias que conduzem os homens à servidão. A liberdade negociada é o início escravagista. Escravizarmos ou sermos escravizados é ladeira fácil, muito fácil, basta pouco, muito pouco; é suficiente uma dose de beleza, riqueza, poder ou força, uma pitada de fraqueza física ou moral, alguma porção de pobreza, carência, dívida, fome, sede, desejo ou enfermidade. Num toque de magia e sedução nos tornamos sutilmente dominadores ou dominados, escravizadores ou escravizados. A escravidão, quase sempre vista sob óticas exteriores, na verdade, não é um problema apenas histórico, social e político. É também e, sobretudo, drama das interioridades em ação. Sutil e perversamente, o enredo das relações humanas pode nos submeter fácil e flacidissimamente ao domínio dos outros em razão de nossas fraquezas. Mas também, inversamente, podemos nos transformar em astutos manipuladores das vidas alheias em razão de suas fragilidades.
No picadeiro da vida política e social sempre albergamos a companhia de partidos políticos, universidades, escolas, agentes sociais, igrejas, organismos e indivíduos dispostos, com suas ideologias e estratégias, prontos à manipulação. Tais demônios à espreita rondam nossas frágeis e vulneráveis liberdades. Forças diabólicas continuamente regem a vida dos outros sob a alegação de, pela prostração, obter ou dar dignidades. Jesus ensina que rastejamentos não se ajustam à dignidade dos filhos de Deus.
Se a tentação da autoridade engole e cerceia o dom e a graça de nossa liberdade, aprendemos que a prostituição da alma se iguala à morte. A fé autêntica não estrangula liberdades, mas, como diz Dostoievski, dilata. E, no entender de Tomás de Aquino, a fé não nasce do medo, nem da escravidão, mas da confiança, do amor e da liberdade. Não há amor sem liberdade, não há liberdade sem amor. Por essa via, compreendemos que, nenhum outro mestre respeita e promove a dignidade humana quanto Jesus. Nada Ele fez para nos assustar ou seduzir, obrigando-nos a aceitá-lo.
O preço da liberdade, entretanto, se chama responsabilidade. Na vitrine dos tempos hodiernos estão expostos sintomas de uma geração que ama ser livre, mas detesta ser responsável. Naqueles sintomas se escondem as sombras diabólicas, promotoras e difusoras de síndromes como de Peter Pan: a criança que não quer crescer. Alimentada e corroborada por covardias educacionais e ideológicas a síndrome de Peter Pana advoga o direito de não ser adulto e faz crer ser possível a felicidade sem responsabilidade. Todas as reinvindicações em voga estão encharcadas da consciência pelos direitos, mas sofrem anemias quando se trata de deveres. Sovados por doutrinas esquerdopáticas essa síndrome nos persegue dia e noite.
"De todas as tiranias, escreveu o escritor C. S. Lewis, uma tirania exercida pelo bem de suas vítimas pode ser a mais opressiva. Pode ser melhor viver governado por milionários ladrões que por moralistas onipotentes. A crueldade dos milionários ladrões pode às vezes dormir, a cupidez deles pode em algum momento ser saciada; porém aqueles que nos atormentam para nosso próprio bem nos atormentarão indefinidamente, pois fazem isso com a aprovação de suas consciências".
O 'diábolos' nos atormenta a fim de esvaziarmos a consciência das exigências morais. Na esfera política o caso é mais grave. O autor inglês, Kenneth Francis diz: "Não há nada pior que um Estado com uma consciência hiperativa. Como um agricultor excessivamente cioso, que deseja o melhor para seu gado antes que ele seja morto no matadouro. (...)
O marxista italiano Antônio Gramsci (1891 – 1937) disse que a transformação da cultura era de suma importância para a obtenção do poder político. É por isso que países comunistas têm Ministérios da Cultura. E não há melhor jeito de transformar a cultura que com livros, mídia, música, TV, filmes e outros tipos de entretenimento".
Abalroados pelas sutilezas da malícia, somos tentados pelo demônio a buscar não a 'porta estreita', mas a 'larga' que nos levará ao inferno. Na frase dita por um brasileiro bem corroído e corrompido, segundo a qual 'Deus é petista', esconde-se o musgo blasfematório no qual estamos metidos e que nos conduzirá para o brejo. Socialistas como ele, selam esquizofrenias espirituais e morais quando propõem uma cruz sem Cristo e um Cristo sem cruz. É uma ignomínia romântica fazer de Cristo um revolucionário descrucificado, como Barrabás ou Che Guevara. É outra ignomínia abjeta descristificar a cruz pela qual desesperados e miseráveis se desesperam e se miserabilizam ainda mais.
Nos marxismos enrustidos ou proclamados habitam inimigos do Crucificado que, sendo inocente e justo, nenhuma facilitação encontrou (até fel bebeu quando suplicou água) no suplício da cruz. Porcos também comem ou engolem pérolas porque não sabem ou não reconhecem seu valor e seu custo. Ingratidão e orgulho são, portanto, asas morais que guiam essa gente. Em tudo se contrapõem ao crucificado, por isso, o Homem de Nazaré não se ajusta ao petismo e seus asseclas. Destes, livre-nos Deus. E antes que voltem, urge, como Jesus, afastá-los do nosso caminho.
Santa Maria, 14/04/2022
* O autor é professor de Filosofia na UNIFRA
Gilberto Simões Pires
PANDEMIAS
Mais do que sabido, a GRANDE CAUSA que levou, a OMS -Organização Mundial de Saúde- a decretar -ESTADO DE PANDEMIA-, foi a rápida e intensa propagação, por todos os cantos do planeta, do vírus -COVID-19-. Pois, o que muita gente ainda não percebeu, muito por força da péssima INFLUÊNCIA DA MÍDIA, tanto nacional quanto internacional, é que o GRANDE E MAIOR EFEITO, resultante dos criminosos LOCKDOWNS impostos por governantes -socialistas-, se transformou numa AGRESSIVA PANDEMIA, propagado pelo vírus -INFLAÇÃO-, ainda que o FMI- Fundo Monetário Internacional-, ou mesmo a ONU -Organização das Nações Unidas- não tenham decretado.
INFLAÇÃO DECORRENTE DA BAIXA OFERTA
O fato é que a INFLAÇÃO se espalhou rapidamente, penalizando amargamente tanto fornecedores quanto consumidores. De novo: impedidos de produzir, os fornecedores ficaram impossibilitados de atender um enorme contingente de consumidores que por estarem -confinados- viram crescer o apetite por vários produtos, fazendo valer a velha e infalível LEI DA OFERTA E DEMANDA, onde a elevação de preços é fruto da escassez. Vejam que a escassez se fez presente não apenas por força do lockdown, que atingiu em cheio produtos e serviços, mas decorrente fruto da fantástica CRISE DE ENERGIA HÍDRICA; da forte ESTIAGEM; e da baixa oferta de combustíveis decorrente do conflito Rússia-Ucrânia.
ALERTA DO FMI
Como se percebe, a INFLAÇÃO não deu trégua nem escolheu este ou aquele país para mostrar a sua cara feia e perversa. Os índices que medem, mundo afora, o movimento de alta dos preços dos mais variados produtos aí estão para mostrar o quanto a renda média -per capita- vem diminuindo. Vejam que o FMI está alertando para o fato de que a elevação da inflação é um fenômeno bem disseminado, atingindo em cheio, com o mesmo vigor, por exemplo, os Estados Unidos, a Zona do Euro, os países da América Latina e as nações do Leste Europeu.
A GRANDE CAUSA
Ora, como a INFLAÇÃO está presente em todos os países do mundo, promovendo desastres de toda ordem e sem trégua, isto faz crer que estamos diante de uma evidente e clara PANDEMIA. De novo: o que precisa ser sempre lembrado é que a GRANDE CAUSA, aquela que deu o pontapé inicial e perverso foram os criminosos LOCKDOWNS, que desorganizaram por completo a relação -OFERTA E CONSUMO-, além de promover enterros, em cova rasa, de milhares de empresas e empregos.
FENÔMENO MONETÁRIO
Anotem aí: enquanto as cadeias produtivas não forem reestabelecidas e a renda não alcançar o patamar que leva a um importante equilíbrio entre o que é OFERTADO e o que é CONSUMIDO, a PANDEMIA INFLACIONÁRIA não dará trégua. Entretanto, se os governantes mundo afora resolverem emitir moeda para favorecer o consumo, aí o FENÔMENO MONETÁRIO entra para levar a INFLAÇÃO para patamares absurdamente altos. Vide o que acontece, por exemplo, na Venezuela e na Argentina.
Fernão Lara Mesquita
Em entrevista ao New Statesman esta semana Sergey Karaganov, assessor de confiança dos presidentes Boris Yeltsin e Vladimir Putin, assim como do ministro do Exterior deste último, Sergei Lavrov, repetiu o recado: para a Russia esta é "uma guerra existencial", de modo que se não tivermos "algum tipo de vitória" vai haver "uma escalada" que, sim, pode ser nuclear.
Claro, países nunca deixam de existir, mas para Vladimir Putin e sua camarilha de ladrões essa guerra é, sim, "existencial". Por que razão não houve ainda nem mesmo uma escalada na guerra convencional mas, ao contrário, uma "revisão dos objetivos" da "operação especial" desastradamente posta em curso em 24 de fevereiro pelo ex-agente da KGB, deixando de lado a vitória a qualquer custo para adotar este "algum tipo de vitória" que "é preciso alcançar" para salvar a face é coisa que seguramente tem a ver, para além da força da reação militar da Ucrânia, sobretudo com o modo pelo qual a China reagiu ao desatino de Putin.
Foi no longo telefonema havido entre Xi Jinping e ele dias depois de iniciada a coisa que se deu o primeiro "pé no breque" que Putin não tem podido mais aliviar desde então...
Com toda a tecnologia que levou à globalização do que já é globalizável - a fina fatia da humanidade que, em todos os países, saltou da economia de sobrevivência para a economia de consumo e fala algum inglês - o resto do vasto mundo ainda é uma constelação de servidões isoladas que se expressam em línguas e alfabetos mutuamente incompreensíveis, sem nenhuma comunicação direta entre si e que, também graças a isso, só têm, umas das outras, a imagem filtrada a que seus mestres lhes derem acesso.
No país que já está onde Lula e a imprensa da privilegiatura brasileira querem chegar só "A Verdade" tem vez, de modo que tudo que aparece e permanece na internet É a posição oficial do governo. Todo o resto ou já morreu ou permanece em segredo bem guardado na mente de cada indivíduo tentando evitar o tiro na nuca.
Assim, um passeio pela internet chinesa oferece a oportunidade de saber o que a China oficial está pensando e levando a China real a pensar sobre a aventura de Putin. E não raro essas análises mostram mais lucidez que as dos "especialistas" amestrados da nossa "imprensa livre".
Na plataforma weixin.qq.com está publicado desde 16 de março, sem nunca mais ter sido apagado pela polícia da internet do Partido Comunista Chinês que é de matar Alexandre de Moraes de inveja, um relato dos acontecimentos que precederam a invasão, em que Putin é acusado de ter "manipulado" Xi Jinping ao levá-lo a assinar um acordo com a Russia que o colocou inadvertidamente "na armadilha de uma posição desconfortabilíssima" (an evil-like and unkind position foi a expressão usada na tradução direta do texto do chinês para o inglês) em relação a uma guerra que "viola as regras básicas da civilização".
Segundo o artigo Putin abordou Xi na abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno ameaçados de boicote pelos Estados Unidos com um tratado envolvendo 15 acordos de cooperação apoiando todas as bandeiras geopolíticas da China, da nacionalidade de Taiwan à iniciativa conjunta com a Organização Mundial de Saúde para traçar a origem do coronavirus para fora daquele país, passando pelo apoio às advertências contra "a intenção da Nato de voltar à guerra fria". Xi não tinha porque recusar assina-lo embora o artigo lembre que os 15 acordos não acrescentavam novidade alguma pois todas essas iniciativas eram, desde sempre, apoiadas pela Russia. Mas o fato de te-lo assinado "de modo nenhum significa que a China soubesse com antecedência ou apoiasse a invasão da Ucrânia".
Um dia antes desse artigo aparecer para o público chinês, o embaixador de Pequim nos Estados Unidos, Qin Gang, publicou outro similar no Washington Post, afirmando que dizer que a China sabia das intenções de Putin "é pura desinformação" e que "a posição da China sobre a Ucrânia é objetiva e imparcial, baseada nas regras da ONU de respeito à integridade territorial e à soberania de todos os países, Ucrânia inclusive, que devem ser estritamente observadas".
Em 5 de abril passado outro artigo assinado por Yu Jianrong, intelectual muito popular nas redes sociais chinesas, afirmava que quanto mais se estender, mais a guerra de Putin será impopular na China. "Agressão é agressão. É moralmente errada e ponto".
Também este vinha na sequência de outro publicado no WeChat chinês, que analisava as condições objetivas de Putin levar a cabo o seu projeto:
"A Russia quer brincar de União Soviética mas não tem mais a força econômica que isso requer. A Ucrânia, agora vizinha da Nato e servida por modernas capacidades militares, é uma versão aumentada do Afeganistão enquanto a Russia é uma versão diminuída da União Soviética. Esta guerra abriu um buraco nas artérias econômicas da Russia cuja economia já vinha abalada desde 2012. As ameaças nucleares de Putin nunca chegaram a ser feitas no tempo da União Soviética. São um sinal de fraqueza".
"No tempo da Guerra Fria o PIB da União Soviética era de pelo menos 50% do dos Estados Unidos. Hoje, com um PIB de 1,7 trilhão de dólares, a Russia é menor que a economia da província de Guangdong. O orçamento da Federação Russa de 330 bilhões de dólares para 2021 é metade do orçamento de 705 bilhões do Pentágono. Para manter a fidelidade da Bielorussia, com menos de 10 milhões de habitantes, Putin injeta de 10 a 20 bilhões de dólares por ano naquele país. Não tem condições de fazer o mesmo com a Ucrânia e seus 44 milhões de habitantes".
"A Russia não pode vencer essa guerra. Ela custa 8 bilhões de dólares por mês. Os ucranianos destroem todos os dias tanques e aviões de centenas de milhões de dólares com mísseis individuais que custam apenas algumas dezenas de milhares fornecidos pelo resto do mundo e pela Nato. Não existe mais uma União Soviética nem Ocidente contra o Leste, só existe um jogo econômico global complexo. O tempo não é aliado da Russia. Esse é o poder da globalização e a Russia não tem a opção de resistir-lhe".
A única saída da sinuca em que se meteu é, portanto, a que Xi Jinping indicou a Putin naquele telefonema depois de constatar a reação, "fechada" como nunca, dos Estados Unido e da Europa: alguma que lhe salve a face sem parecer uma derrota total, antes que o massacre de ucranianos se torne definitivamente imperdoável.
Esta salvaria o mundo de ver o ex-agente da KGB apertar o botão. Mas dificilmente salvará ele próprio do final melancólico a que se condenou, nem o povo russo do rebaixamento a satélite da economia chinesa, a inversão do quadro "primo rico x primo pobre" dos dois gigantes comunistas de ontem, que vai lhe restar depois dessa sangria desatada.
*Publicado originalmente em O Vespeiro (13/04/2022)