• Percival Puggina
  • 28/09/2023
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Brasília, resort semanal de um Estado sem povo?

 

Percival Puggina

 

         Na Prússia, em 1745, um moinho nas proximidades do palácio de Frederico II destoava da paisagem e o moleiro se recusava a remover dali suas instalações. Indagado pelo rei sobre as razões de sua teimosia, o moleiro explicou: “Ainda há juízes em Berlim”.

No Brasil de 2023, o grande espetáculo judiciário dos dias 13 e 14 de setembro, levando às telinhas e telões do país o roteiro elaborado pelo STF, não cumpriu o principal objetivo de sua alta direção. Apesar da temerosa discrição imposta pelas patrulhas que vigiam espaço digital com o afinco da Securitate da Romênia comunista, o imenso público não foi econômico nas críticas. Nelson Rodrigues diria que a Corte percebeu o “óbvio ululante”. O repertório de seus excessos fora suficiente para caracterizar um tribunal de exceção.

A tudo assisti sob o peso de muitos sentimentos – indignação, temor, pesar, condolência, preocupação, interrogações. Sim, interrogações:  ainda há juízes em Brasília?

A previsão não era essa. Tudo fora concebido para proporcionar eficiente comunicação social. No entanto, assim como os ministros somaram crimes para condenar os réus, também somaram fatores para torná-las desproporcionais e pouco convincentes. Refiro-me, entre outros motivos, à condenação por crime impossível (o dominical “golpe de estado” perpetrado no deserto da praça, mediante “abolição violenta do estado democrático de direito”), refiro-me ao julgamento de cidadãos comuns em sentenças irrecorríveis da Suprema Corte, refiro-me ao pacote de crimes cumulativos mesmo quando um não poderia existir sem o outro. Por fim, pondere o tal “contexto amplo” que uniu a todos os réus na mesma culpa, recortado para excluir a formação do acalorado ânimo em que se desenrolou a política brasileira nos últimos anos. Nesse ambiente psicossocial, o STF e o TSE foram ativistas e destacados protagonistas.

A ausência dos réus também pesou contra a qualidade das cenas. Devem ter entendido os ministros que tal presença não convinha ao espetáculo. No entanto, comparecer à sessão é direito do réu; é parte da ampla defesa e condição para sua prerrogativa de interagir com o advogado. Também nesse sentido, o que aconteceu no show foi sequência do ocorrido no desenrolar dos processos. Por muito menos, Sérgio Moro está sendo crucificado...

Agora, tudo ficou ainda pior pois os demais réus serão julgados em sessões virtuais! As razões das defesas serão disponibilizadas aos olhos dos ministros que poderão ou não as assistir e ninguém saberá se esse “minúsculo” detalhe foi observado ao desaparecer o caráter público dos julgamentos. A Corte não quer que a sociedade ouça os advogados! A Corte e o julgamento que conduzem não apreciam refutações, nem que a inédita condução do caso sofra contestação pública! O autoritarismo entrou pela porta e a civilização, a Constituição, o devido processo e a boa Justiça saíram pela janela.

Só irracionais não têm medo do poder que tudo pode.  

O brasileiro está acuado e amedrontado. Não pode contar com instituições que transformaram Brasília no resort semanal de um Estado sem povo, nem com o tipo de jornalismo que acometeu de modo insanável a imprensa outrora grande. Pode contar cada vez menos com as redes sociais, antigo espaço de liberdade e hoje objeto da abjeta censura que sequer respeita a intimidade das opiniões emitidas em ambiente privado. A ela se somam a censura das plataformas e, claro, a autocensura.

Na última quarta-feira (27/09), a oposição na Câmara dos Deputados resolveu reagir e entrar em obstrução. Pode ser um espertar das consciências através do pluripartidarismo das frentes parlamentares. Mas essa reação é assunto para outro artigo.

Autoritários e totalitários não servem liberdade nem democracia. Esta última, sempre de modo imperfeito como se sabe, não existe sem democratas. Não se omita, não dê seu consentimento.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


Afonso Pires Faria -   29/09/2023 21:04:26

Pois é professor. O nosso supremo é uma vergonha, para dizer o mínimo. Não quero acreditar no vídeo do discurso de despedida da "rosinha". Vangloriou-se de ela e o "xandinho", terem sido aplaudidos pelos detentos nos presídios, quando os visitavam. "Fecha a porta, apaga a luz e liga o gás. ".

Danubio Edon Franco -   29/09/2023 17:48:45

Triste espetáculo este oferecido pelo STF! Quando foi para se exibirem, os julgamentos foram públicos e em plenário físico. Alguns foram atores razoáveis, outros nem tanto. Mas eram eles as estrelas, patrocinando, inclusive, fortes debates, alguns até de baixo nível. Lembra do Min. Joaquim Barbosa se referindo aos capangas do Min. Gilmar Mendes durante um dos julgamentos do "mensalão"? Pois bem, agora, no julgamento das vítimas (sim vítimas) do 8 de janeiro, pensaram que seria mais "brilhantes a apresentação". Não foi. Ouviram o que não queriam, mas o dito é verdade. Resolveram, então, "democraticamente" mudar as regras legais do julgamento para as demais vítimas, ignorando, inclusive o sagrado direito do réu estar presente no julgamento e seu defensor fazer a sustentação oral. Mas convenhamos, poderíamos esperar coisa melhor desse colegiado (salvo uma ou duas exceções) depois de tudo que já fizeram? Só nos resta torcer para que a reação do Congresso Nacional seja forte e corajosa e ponha um freio no STF.

Constatação -   29/09/2023 16:26:00

O que se deveria esperar de quem dá boa vida a um corrupto condenado a 400 anos de prisão?

marisa van de putte -   29/09/2023 11:30:09

O conceito que os togados do STF tem do povo brasileiro e de que todos sao iguais. Creio que levaram a serio a piada feita pelo Santo Padre quando uma brasileira lhe pediu para rezar pelos brasileiros e ele respondeu: "Voces nao tem salvacao: e muita cachaca e pouca oracao."Foi ingavelmente uma piada de mau gosto partindo de quem partiu. Quanto aos togados, eles consideram os brasileiros como plebeus. As elites se acovardam, e a plebe cala-se, junta-se a eles na esperanca de serem poupados.

José Vicente -   29/09/2023 11:08:28

Ainda resta uma saída: o art. 7 dos Estatutos da Haia do Tribunal Penal Internacional (crimes conta a humanidade). Tem gente bem enquadrável à solta por aí.

MARCO ANTONIO GEIB -   29/09/2023 11:02:47

Bom dia Professor, parece que começou a "cair a ficha dos membros do Congresso Nacional. A desaprovação do Marco Temporal provocou uma reação sem precedentes entre Deputados e Senadores contra a usurpação de Poderes. Aprovaram o Marco Temporal, agora qual das duas "Decisões vai valer": a do STF ou a Lei aprovada no Congresso ??? Lula vetará o feito pelo Congresso,...terão os Deputados e Senadores competência ou coragem para "derrubar o Veto do Lula ou não" ??? Para nós Brasília continua a "Ilha da Fantasia" !!!

Eloy Severo -   29/09/2023 10:32:52

A mais pura verdade, sinto um povo descrente, amedrontado e sem rumo.

Walter Rezende -   29/09/2023 09:55:15

Estamos retornando à idade das trevas. Uma nação imensa, com um povo imenso, mas, ignorante. Essa fórmula não dá certo. A ignorância é a mãe de todos os males.

Gerson Hallam -   29/09/2023 09:19:30

Estimado Professor Puggina. O STF se tornou popular, sendo assunto de mesa de buteco, e como bem disse o Advogado que naquela Tribuna subiu, na defesa dos seus outorgantes, dizendo aos Ministros: "...vocês são as pessoas mais odiadas deste País...". É uma Corte politica, perdeu sua isenção, imparcialidade e respeito, uma vergonha nacional. Estou lendo seu livro Pombas e Gaviões, que maravilha. Estamos ansiosos em recebe-lo dia 06/11/23 em nosso evento em Montenegro, Fraterno abraço.

Ângela Maria de Hugo Silva -   29/09/2023 08:30:43

Parece-me estar revisitando a inquisição ...

ary de almeida coelho -   29/09/2023 08:02:33

É preciso que o Congresso forme posição contrs o autoritarismo !!!!

Reynaldo Farah -   29/09/2023 07:55:55

Só uma perguntinha: porque é que o stf está julgando cidadãos que não têm foro privilegiado e portanto deveriam estar sendo julgados na primeira instância?

Edson de souza -   29/09/2023 07:54:20

Você tem toda razão, devemos gritar enquanto o leviatã, nao entra na sala. Quem sabe algum "vigilante possa fechar porta.

ademar -   28/09/2023 22:40:17

Não seria 13 e 14 de setembro?