• Percival Puggina
  • 02/10/2023
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Um novo presidente no STF

 

Percival Puggina

 

         Li atentamente o discurso de posse do ministro Luís Roberto Barroso. O novo presidente do STF fez questão de se apresentar como um moderado, em clara contradição com episódios recentes nos quais não foi esse o aspecto que aflorou de sua personalidade e pensamento. O primeiro episódio foi a famosa resposta que deu a um brasileiro que, na via pública, lhe fez por três vezes a pergunta que a nação se fazia naquele momento, bastante lógica e antecedida de um “por favor, ministro, com todo o respeito”; o segundo foi o conteúdo do discurso com que respondeu à vaia de um grupo de estudantes em evento da UNE, onde não deveria estar.

Visto sob o ponto de vista técnico, foi um bom discurso, o que proferiu na solenidade de posse. Sob o ponto de vista da cidadania, não diria o mesmo, porque muitas daquelas palavras  deveriam ser pronunciadas por alguém assumindo cargo no outro lado da praça. O ministro fez questão de sublinhar o que, no seu ver, todos queremos para o Brasil: combate à pobreza; (ii) desenvolvimento econômico e social sustentável; (iii) prioridade máxima para a educação básica; (iv) valorização da livre- iniciativa, bem como do trabalho formal; (v) investimento em ciência e tecnologia; (vi) saneamento básico; (vii) habitação popular; e (viii) liderança global em matéria ambiental.

Ele se sentiu à vontade para discorrer sobre os objetivos nacionais e se declarar avesso aos “antagonismos artificialmente criados para nos dividir”, aparentemente sem perceber que as pautas identitárias recheiam a agenda do STF. Eu me sinto pouco à vontade perante a interpenetração das instituições. Se é fato que todas devem contribuir para os mesmos fins, o modo como esses fins são atingidos nos diferentes tempos históricos devem ser de definição política. Em nosso país, sendo a Constituição minuciosa como é, as diferentes políticas públicas, em cada momento, só podem ser determinadas por quem tenha mandato político.

Em certo momento de sua fala, o ministro afirma: "No interesse da justiça, pretendo ouvir a todos, trabalhadores e empresários, comunidades indígenas e agricultores, produtores rurais e ambientalistas, gente da cidade e do interior. E, também, conservadores, liberais e progressistas." No que me diz respeito, já fica dito aqui: quero justiça sem vingança, paz sem mordaça, democracia sem adjetivos e não quero o STF mudando o próprio entendimento por motivos mais ideológicos do que constitucionais. Assim como quero que acontecimentos como os do dia 8 de janeiro jamais se repitam, quero que jamais se reproduzam julgamentos como os assistidos nos dias 13 e 14 de setembro. Ali faleceu minha fé na Justiça.

Penso já ter escrito antes sobre meu desalento em relação à Constituição de 1988. O cotidiano não cessa de renovar esse sentimento e me espanta ouvir, como tantas vezes é dito, que vivemos tempos de estabilidade... De quem, Santo Deus? Aqui, de meu pequeno ponto de vista, o que vejo é o contrário. Vejo um país em que toda decisão política precisa de uma PEC e onde a Constituição, volta e meia, é aplicada como um chef usa seu caderno de receita: dá uma olhada e faz como quer. Vejo instituições avessas à divergência, onde o povo vem sendo arrastado ao silêncio para que cheguemos à atual situação – uma democracia onde a sociedade não tem querer nem voz porque o Estado dela se protege.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras


Carlos Soares de Moraes -   04/10/2023 18:13:34

O saudoso Murilo Antunes Alves, grande jornalista da Record, costumava dizer: "Quanto mais muda mais fica a mesma coisa".

marisa van de putte -   03/10/2023 20:53:51

Finalmente pude ler seu artigo. Passei o dia tentando, mas nao me permitiam. Sou insistente, nao desisto facilmente.. Muito boa analise do discurso. Concordo plenamente que mais parece discurso de politico. Talvez o togado sonhe candidatar-se a presidencia. Quem sabe!!!

Ademar Pazzini -   03/10/2023 19:41:58

O que esses urubus togados falam não se escreve. Discurso raso de político em campanha! Como levar essa instituição a sério se estão julgando milhares de cidadãos comuns sem foro, e pior, com base no regimento interno da corte! O mais indignante é assistir a instituição que por dever de ofício, tem a obrigação de corrigir esses absurdos, fazer cara de paisagem.

João Jesuino Demilio -   03/10/2023 18:54:44

Caro Percival Vc esta bem maduro pra acreditar em DISCURSOS!! Faz muito tempo que não escuto o que falam...presto atenção no que FAZEM! Principalmente num discurso de uma CANALHA e DESCLASSIFICADO como o Barroso!

Cleo Joaquim Ortigara -   03/10/2023 18:33:22

Parabéns. Beleza de análise de um discurso carregado de meias verdades. Admiro sua capacidade de síntese e análise. Um abraço.

Manoel Luiz Candemil -   03/10/2023 17:13:41

É um absurdo o Estado se proteger de quem o abastece!

Gerson Carvalho Novaes -   03/10/2023 11:18:48

Nada a acrescentar ao seu discurso ou ao senso comum ou a minha opinião. Penso apenas em coisas como espingarda de sal, vara, chicote, reio, chute ou safanão mesmo…

Constatação -   03/10/2023 10:40:31

É só teatrinho, Percival .. pena que o ingresso seja obrigatório e nos custe tão caro.

Menelau Santos -   03/10/2023 08:10:04

"A tua piscina tá cheia de ratos, tuas ideias não correspondem aos fatos" Cazuza

Danubio Edon Franco -   02/10/2023 21:12:55

Confesso que nem sei o que dizer. Teu artigo, como sempre, está perfeito. Examina com profundidade, clareza e equilíbrio o desequilíbrio de nosso país. O discurso do seu Barroso nada tem ver com suas ações recentes. Discursou como se estivesse sendo investido na presidência da república. Esqueceu do mais importante, seus mister, que é julgar. Julgar com imparcialidade, com equilíbrio, ausente de princípios ideológicos ( sejam eles quais forem). Ser juiz é respeitar as regras constitucionais, ainda que não sejam as melhores; é trazer com sua decisão equilíbrio e paz social, ao invés de desestabilizá-las. É respeitar a competência dos demais poderes e limitar-se aos que lhe são atribuídos. Lamentavelmente, não vi o discurso de um juiz da minha Suprema Corte, vi um discurso político.