No tempo em que com prazer se viajava de carro pelo Brasil, houve um período em que não era incomum cruzar-se por postos ocupados por bonecos de madeira, com a farda da PRF. Na posição ereta e atenta, o boneco transmitia a quem se aproximasse a sensação de estar sob vigilância da autoridade policial. Eram todos gêmeos idênticos e, na imagem que me ficou, usavam bigode. Com o tempo, tornavam-se fisionomias conhecidas dos viajantes. Tenho me lembrado muito de tais bonecos nestes meses em que contemplo severa inatividade em instituições da República.
Considero-me dispensado de apresentar números porque a realidade é mais expressiva do que qualquer indicador registrado em numerais. As pessoas sentem. As pessoas sabem. No dia 9 deste mês, o jornalista Gilberto Simões Pires, em sua coluna no blog pontocritico.com, chamou a atenção para o fato de que no corrente ano, até este momento, segundo dados do próprio governo, foram fechados 1,3 milhão de postos de trabalho. Nenhum no setor público. Encolhe o setor produtivo, mas o outro, por ele mantido, não toma conhecimento. Fica evidente a existência de enorme dissintonia entre ambos. Um deles situa-se fora do Brasil real. Diante da crise econômica, política e moral instalada no país, os mais elevados estamentos das instituições de Estado parecem povoados por bonecos de madeira, de terno e gravata, em atitude solene, dedicados à tarefa de fazer de conta. Ressalvadas as dignas, devidas e insuficientes exceções, o mundo oficial transmite à sociedade essa sensação de teatro de fantoches fora de temporada.
O governo - é o que se lê - está mais preocupado com a imagem da oposição do que com o país. Seus mastins de guarda e fabricantes de versões decidiram que 93% da população brasileira é formada por "golpistas" inglorious. E ingratos. De fato, a imensa maioria dos brasileiros quer ver pelas costas um governo que não tem coragem de olhá-los de frente. Segundo o governo, que bem sabe como chegou lá, esta nação esqueceu as supostas grandes realizações levadas a cabo no início do século, exatamente para onde seus desacertos, nos últimos anos, fazem recuar a atividade econômica, a inflação, o desemprego e a imagem externa do país.
"E as instituições? E o mundo oficial?", perguntará o leitor atento a estas entristecidas linhas. Pois feitas as escassas exceções mencionadas acima, comportam-se como bonecos de madeira, com rosto do mesmo material.
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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; e A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Odilon Rocha - 13/11/2015 15:00:11
Professor Um cara ficaria rico se inventasse um aparelho de barbear especialmente para essa gente despudorada, sem escrúpulos. E assim vamos tocando tudo como dantes como na República de Abrantes. As estratégias de despiste, enganação, esvaziamento e omissão são incríveis, tenebrosas mesmo. E ainda tem gente que me pergunta vez ou outra como pode um governo com tamanha desaprovação manter a posição? E eu respondo: mantém, mentindo! Abraço PS: toda casa um dia cai.maria-maria - 12/11/2015 22:32:01
Perfeita a imagem dos bonecos alheios ao que se passa ao redor deles. Diferem desses, porém, por não serem inativos os ocupantes dos três podres poderes (com as exceções que confirmam a regra); são muito ativos na pilhagem do erário e dilapidação dos valores que, aos trancos e barrancos tínhamos construído.Gustavo Pereira dos Santos - 12/11/2015 01:31:54
Sensacional. Caras de pau (caras duras aqui no Sul) em troncos de madeira vagabunda, cheios de cupim. Não tive como deixar de postar no FB.