Estados quebrados, alquebrados e ainda encontro quem diga: "Fulano não é o governador? Então ele que resolva". Resolver, aqui, significa que o governante deve encontrar uma fórmula de manter ou ampliar o gasto público, porque os abusos da festa não podem parar. Nosso modelo institucional terceiriza responsabilidades e irresponsabilidades. O que faz a maior parte dos governos e o que fazem os parlamentos diante dessa mentalidade senão determinar que siga o embalo, que role a droga da gastança, que se mantenham os vícios do sistema, que se atendam todas as demandas?
No nosso sistema político, com escassas exceções, parlamentares e governantes funcionam como organismos que metabolizam recursos públicos e os transformam em votos. Os ambicionados sufrágios não provêm da dedicação ao bem da comunidade ou de uma convicção sobre como alcançar o desenvolvimento econômico e social. Não, não. Os votos são moeda de troca num balcão onde, de algum modo, a contribuição fiscal de todos pode ser canalizada para atender demandas de alguns. Quem o fizer com maior eficiência, mais futuro terá, ainda que tais conquistas representem freio puxado no futuro dos demais.
Observe o que ocorre quando, num parlamento brasileiro, em plena crise econômica e fiscal, está em deliberação projeto que eleva vencimentos dos poderes ou de determinadas categorias de servidores. As galerias estão tomadas por interessados na aprovação. A cada pronunciamento favorável, chovem elogios e aplausos. A cada fala em contrário, trovejam insultos e vaias. Sentado em sua cadeira, o parlamentar-padrão a tudo assiste e se indaga: "Quantos eleitores meus estão aí? Quantos votos posso ganhar junto a essa categoria se me posicionar favoRavelmente ao que pretendem? Quantos perderei se o fizer?". É uma contabilidade inequivocamente favorável à festa Rave porque, em nosso sistema, os parlamentares não sabem quem são ou podem vir a ser seus eleitores. Ademais, deputados eleitos obtêm, em média, votos de 1/3 do eleitorado apto (e a maior parte de seus eleitores não lembra seu nome). Os 2/3 restantes correspondem a votos nulos, brancos, abstenções ou foram concedidos a candidatos não eleitos.
No voto distrital, o território do Estado ou do município é dividido em distritos eleitorais e cada distrito escolhe seu parlamentar numa eleição majoritária (como a eleição de prefeito). Ora, assim como dificilmente alguém esquece o nome do prefeito, dificilmente alguém esquece o nome do representante de seu distrito. Sua atividade e seu voto são acompanhados de perto. Ele é uma pessoa "criada ali na volta", como se costuma dizer no interior. Na hora de uma votação como a descrita acima, em que o parlamentar tem que escolher entre a responsabilidade e a irresponsabilidade, ele ponderará: "Quantos eleitores desse grupo de interesse existem em meu distrito? (E verá que são poucos). Quantos eleitores do meu distrito não estão dispostos a pagar essa conta? (E verá que são muitos). É uma contabilidade inequivocamente contra a festa Rave da irresponsabilidade fiscal.
Numa eleição pelo sistema distrital, ninguém consegue mandato com votos de uma camada da sociedade ou de um grupo organizado, como esses que hoje viabilizam eleições de inúmeros parlamentares. Para eleger-se num distrito, o candidato precisa colher votos, como numa fatia de torta, em todas as camadas sociais do distrito que deseja representar. Também isso é fortemente determinante de sua conduta.
A festa Rave da irresponsabilidade fiscal consome duas drogas fornecidas pelo nosso sistema político: o presidencialismo e a eleição proporcional para os parlamentos.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Genaro Faria - 23/06/2016 06:16:52
Pelo que se extrai do cotejo entre uma mentalidade de matiz coletivista, dada a ditar regras para o mundo, e o seu oposto, uma mentalidade avessa a essa uniformização pretendida, o que eu infiro é que o caleidoscópio da História está rindo dos pretensiosos que imaginam determinar as figuras formadas a cada volta que fazemos sobre o se eixo. O Brasil parece assistir a um teatro sem autor, sem diretor, sem enredo, onde os atores procuram por personagem que fale uma língua que a plateia entenda. E nós não sabemos se a peça continua a ser encenada ou se estamos no meio de um intervalo para que seja mudado o cenário e comece o próximo ato. Eu quero o dinheiro do meu ingresso de volta.Sergio Barreto de Sousa - 21/06/2016 23:18:20
Dois motivos principais, má gestão das finanças públicas e irresponsabilidade fiscal, levaram o Brasil a esse estado crítico e o governo do Rio a decretar estado de calamidade pública, na 6ª feira passada. Esse dois fatores se devem a um sistema político e econômico fraudulento e a um estilo de vida insustentável adotado pelo consumismo exacerbado, que acarretaram essa enorme dívida fiscal. Tais fatos parecem confirmar aquilo que o economista americano Nathan Hagens denomina de “dissonância cognitiva”, ou seja, a incapacidade do governo de não ter reconhecido e de não reconhecer a gravidade de uma situação quando ele se defronta com fatores críticos dessa ordem e dessa magnitude. Enquanto isso, lá no Rio, diante do não pagamento de salários de servidores e parcelamento de benefícios nos últimos meses, além da crise na saúde pública e na educação, a preocupação é que o uso de verbas federais seja para quitar obras olímpicas. A quebra do Rio seria um aviso ao que poderá acontecer as já combalidas economias dos outros estados da União?Genaro Faria - 21/06/2016 06:06:24
É de fato exasperante. Não é raro encontrar quem tenha um curso ginasial completo, diploma de curso superior e até de mestrado e que não saiba o que é dinheiro. Nem o que seja público. Ou que seja privado. Lula e Dilma, por exemplo, se soubessem, não teriam confundido público com privado ou ignorado que dinheiro não é um simples papel pintado. Nem que o orçamento não é um mero discurso político. Mas não foi só isso que foi relegado como produto de uma ficção nos últimos anos. A primeira vítima dessa ignorância foi a lei, sequestrada dos legisladores pelo poder do dinheiro que eles nunca souberam o que é. Porque só burguês, capitalista, reacionário é que precisa saber o que é dinheiro. Um revolucionário, progressista, deve pensar é em triplex, sítios, hospedagens em suítes presidenciais nos mais caros hotéis do mundo e outros privilégios que tais da nobreza socialista. Títulos para tanto não lhes faltam: a Mãe do PAC, o Pai dos Pobres, o Cavaleiro da Esperança, o Grande Timoneiro, o Guia Genial dos Povos. Mais do que isso, só se eles fossem canonizados. Como teríamos errado tanto e tão sistematicamente desde Jânio, Jango, Collor e quejandos? Será que não daria para a gente acertar nem por engano? Essa é a grande questão sobre a qual temos nos debruçar. A esfinge que nos desafia a decifrá-la sob pena de que ela continue a devorar nosso futuro. Nada de elucubrar soluções, de aventar equações ou de tentar copiar o produto de experiências que não vivemos. A História não se compadece de quem a desdenha. Seus deuses detestam a soberba. É preciso respeitá-la, pois nenhuma nação pode se erguer sem uma pátria onde assentar os fundamentos que projetaram seu futuro, que hoje é o presente e amanhã será nosso passado. Pátria que os judeus preservaram por dois mil anos até recuperar seu território físico. Porque a pátria está dentro de nós. Como entender que nos últimos treze anos fomos governador por nem sabe o que é pátria? É inegável que algo de muitíssimo errado acontece aqui. E esse erro nos contaminou de tal modo que já perdemos nossa identidade nacional. Ou não teríamos entregado a nossa soberania a quem a repudia. Não seríamos nossos próprios demônios. Puggina tem razão de propor que reconheçamos nossos erros. Com a sábia humildade de quem quer acertar.