• Percival Puggina
  • 02/07/2016
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ÚLTIMA TRINCHEIRA DA CIDADANIA OU DA IMPUNIDADE?

 

 Foi o ministro Marco Aurélio Mello quem conferiu ao Supremo o atributo de última trincheira da cidadania. Ora, cidadania é a condição do cidadão que desfruta do direito de participar da vida política nacional. Ao ouvir o ministro, vislumbrei, então, esse cidadão ao qual ele se referia. No fragor da batalha contra a corrupção, sujo de terra e fuligem, levava ele à mão um farrapo verde e amarelo. Vi-o arrastando-se pelo chão, noite adentro, até resvalar para o interior da trincheira onde onze homens e suas sentenças o acolheriam no abraço cálido da Justiça. Foi o que a imaginação me proporcionou, mas nem eu acreditei em tal delírio.

 Bem ao contrário, o que a realidade mais tem trazido ao conhecimento dos cidadãos brasileiros é um STF convertido em centro das expectativas dos mais destacados membros na hierarquia da corrupção. É lá e em nenhum outro lugar que todos os investigados desejam estacionar seus processos. É ali que os poderosos suplicam. Foi ali que Paulo Bernardo retomou a liberdade. Ali sumiu do mundo dos fatos o crime de obstrução da justiça tentado por Dilma e revelado naquela infame conversa telefônica com Lula. Oito minutos de gravação, disponibilizados no YouTube e já ouvidos por algo como três milhões de cidadãos, simplesmente deixaram de existir. Ali, segundo o site stf.jusbrasil.com.br, trafegam 275 inquéritos e 102 ações penais contra autoridades. É bem provável que muitos desses processos tenham nascido nas investigações e delações ocorridas no âmbito da Lava Jato, onde cerca de 70 "plebeus" já foram condenados. Quantas outras investigações dessa mesma operação, porém, bateram na trave do foro especial por prerrogativa de função e foram desviadas para as espaçosas gavetas do STF, onde o prazo médio de aceitação de uma denúncia é de 617 dias? Por enquanto, o placar mostra 70 x 0. E não é o zero, mas são os 70 que traziam desconforto ao ministro Marco Aurélio quando falou em "justiça de cambulhada".

 Centenas de parlamentares e autoridades encrencados no STF contam com as regalias do sigilo, com a prolongada ocultação de seus crimes, com o faustoso usufruto dos bens mal havidos e com a sonhada regalia da prescrição. O ministro Roberto Barroso afirmou, há poucos dias, que foro privilegiado é uma herança aristocrática. E tem razão. Privilégios da nobreza acompanham o direito vigente no Brasil pelo menos desde as Ordenações Manuelinas (1521). Aqui, o cidadão comum sempre soube o seu lugar e sempre reconheceu a existência de uma cidadania superior à sua, chapa branca, de cujas regalias ele, cidadão comum, é detentor do direito de pagar a conta.

 É tão benevolente o foro especial por prerrogativa de função, que ganhou, na linguagem plebeia, o nome daquilo que de fato é: foro privilegiado. Talvez o leitor esteja ponderando, coberto de razão, que a extinção dessa iniquidade seja uma prerrogativa do Congresso Nacional, que jamais o eliminará ou moderará, por motivos óbvios. Mas não é bem assim. O STF já tem legislado tanto contra o próprio texto constitucional! Basta-lhe, para isso, apontar inércia do parlamento ou contradições entre o texto da Carta de 1988 e determinado princípio constitucional. Nada o impede, então, de acabar com o foro privilegiado pelo mesmo caminho, invocando, por exemplo, o princípio constitucional da Igualdade. De que vale o Art. 5º proclamar que todos são iguais perante a lei se a uns é reservado o direito de ter seus crimes encobertos por delongas e pelo véu do sigilo, além da possibilidade de receber o impagável benefício da prescrição? A nada serve o Supremo tecer críticas ao foro privilegiado e permanecer servindo à impunidade tanto quanto o Congresso Nacional.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 


Luiz Felipe Salomão -   06/07/2016 14:41:43

Caro Professor, somos todos JOSÉ NEUMANNE: https://www.youtube.com/watch?v=vSyRAhsdFUw Saudações.

Frederico Brito Hagel -   05/07/2016 02:14:13

Parabéns Puggina. Você disse o que a grande maioria dos cidadãos gostaria de dizer, mas também na sua maioria não sabe como fazê-lo. Mas deste STF não se pode esperar muita coisa. O próprio Marco Aurélio Mello não parece ser um ministro confiável, pende pra cá e pra lá conforme dita seu humor, vaidade e inveja. Será que rezar adianta?

José Carlos de Souza -   05/07/2016 01:23:00

Prezado Puggina, um grande abraço. Aproveitando o momento em que muitas dúvidas e anseios nos levam a considerar a difícil solução para muitos problemas que pesam em nossas cabeças. Vamos exemplificar o caso dos juros simples versus juros compostos, onde muitos estados estão em litígio com a união na busca de uma solução financeira para seus estados. Entendo que o STF está perdendo a maior oportunidade para acabar com o famigerado juro composto, que afeta a todos nós, pois a falta dos recursos para educação, segurança e infraestrutura está na cobrança deste fenômeno brasileiro, que é o diferencial entre os rendimentos bancários pagos e o a receber. A constituição não diz que o juro mensal deve ser de 1% ? Gostaria de ver seu comentário sobre esse assunto. Saudações, Souza

G G Oliveira -   04/07/2016 17:30:09

A coerência tem sido seu forte Prof. e meus aplausos pela vez primeira. Vivemos hoje um filme de nossa juventude, chamado : Onze homens e um destino , o destino do Brasil com seus duzentos milhões de homens. Onze homens que se julgam soberanos e que em sua maioria defendem o indefensável , pois interpretam a constituição a seu bel entendimento. Deuses auto denominados e ungidos por seu envolvimento com partidos e não com o país. Lamentável !

Genaro Faria -   04/07/2016 14:58:29

ESTATAIS - UM FALSO TESOURO (Imagem Comentada) Raciocínio irretocável e conclusão inevitável, Puggina. A Esplanada dos Ministérios é a nossa Wall Street. A Meca do socialismo tupiniquim. O grande bazar político onde o Estado vende segurança pública e entrega criminalidade incontrolável. Somos imbatíveis em matéria de criatividade desastrosa. De tanto dar um jeitinho em tudo, o Brasil ficou sem jeito pra dar nele. Atolou até o eixo da roda. Quem diz que a república, filha de um golpe militar positivista, não é democrática desconhece a sua verdadeira essência. Seu DNA. Na realidade, ele é antidemocrática. Insistir nesta forma de governo e sistema eleitoral é de uma estupidez desumana.

Odilon Rocha -   03/07/2016 22:38:34

Caro Professor! Texto soberbo e irretocável. Triste ver a mais alta Corte do país, a última resistência legal, à mercê da volição sectária de alguns de seus membros.

Fernando Luiz Brauner -   03/07/2016 21:18:21

AMIGO: "O que dizer?... UM NADA QUE DOI! Um abraço .... " De um cidadão...FERNANDO LUIZ

Afonso Pires Faria -   03/07/2016 20:35:11

Professor, sou um defensor do foro privilegiado, pois acho que ele tem seus motivos. O que eu acredito ser necessário é uma limitação aos beneficiários do referido direito. Imagine um ministro ter que deslocar-se até São Sepé-RS, para responder a um processo que um cidadão comum moveu contra ele. Claro que estou caricaturando os fatos, mas corremos o risco de situações semelhantes. "Pense nisto". Afonso Pires Faria.

maria-maria -   03/07/2016 20:06:42

A suposta grande ironia é que o tal tribunal se chame supremo quando são de todos conhecidas as supostas práticas corporativas e a suposta falta de isenção dos semideuses bem como a suposta partidarização dos supostos sinistros. Por muito tempo, uma espécie de recato recobria a atuação da corte que merecia o respeito dos cidadãos. lembrando Paulo Brossard e outros ministros respeitáveis de reconhecido saber jurídico. Não se diga, porém serem mal agradecidos os mais iguais. Com exagerada frequência, a atuação das excelências mostra o desrespeito que têm em relação aos patrões deles, nós, os explorados pagadores da farra monumental em que chafurdam os três podres poderes desta republiqueta cucaracha. Parece que as sumidades se miram nos togados venezuelanos de quem copiam as práticas bolivarianas.

João Domarques de Menezes -   03/07/2016 15:59:58

Estimado Percival. Seu post vem ao encontro de milhões de brasileiros que pensam do mesmo modo. O pior de tudo é essa sensação de impunidade causada por uma suprema corte totalmente ideologizada e que somente atende aos desejos da canalhada que os puseram lá . Dá asco e causa-nos um sentimento de que não vale à pena nos ufanarmos com a condição de brasileiros. Sinto vergonha por mim e pelos milhões de brasileiros que não tendo acesso a essa "corte privilegiada" amarga no "baixo clero" do "judiciário". Perdoe as aspas, entretanto, elas representam minha indignação. Um forte abraço.

Mário Sérgio Maurício da Silva -   03/07/2016 15:58:20

Até quando nós, povo brasileiro, vamos tolerar passivamente sermos escarnecidos por uma Suprema Corte com a nossa.

Genaro Faria -   03/07/2016 15:38:19

ASSIM CHICAGO NÃO AGUENTA (Guilherme Fiúza) A Era dos Dinossauros Progressistas resiste bravamente à extinção. Argumentar com essa gente é como tentar dialogar com uma parede. É preciso ter uma paciência de Jó e a fé inabalável dos judeus ortodoxos que rezam fazendo reverência a um muro em Jerusalém. Brasileiro só pode ironizar com litotes e metáforas de desmoralizar um monje de pedra. E nisso o articulista é um campeão olímpico. Os socialistas selvagens, que passaram a preferir autômatos em lugar de escravos, resistem à razão e à realidade em suas torres sitiadas pela civilização ocidental, prestes a demolir diante do grotesto e do patético que a ironia os expõe à luz do sol. Multidões de brasileiros estão reeditando as trombetas de Jericó que vão derrubar sua cidadela de bandidos. VIVA O BRASIL!

Artus James Lampert Dressler -   03/07/2016 14:44:09

Como sempre batendo com a marreta na cabeça do prego enferrujado. PARABÉNS PROFESSOR PUGGINA.

Juan Koffler -   03/07/2016 14:20:16

Irretocável como de hábito, meu caro amigo Puggina! Mas, mais que isso, repugnante enquanto constatação que não merece qualquer reparo, por menor que possa ser. Tal a vergonhosa realidade nacional. Me delito com seus textos! São pontuais, claro e lúcidos. Parabéns pela milionésima vez! Quisera eu ter essa capacidade de resumo!! Forte abraço e um excelente domingo! Juan

Genaro Faria -   02/07/2016 21:26:35

O Supremo Tribunal Federal, que deveria ser o guardião da Constituição, foi aparelhado pelo partido que se imagina o dono do poder e o transformou em valhacouto jurídico dos seus dirigentes. Fosse ele uma trincheira da cidadania, a derradeira, como quer o ministro Marco Aurélio, dele fugiriam os vampiros que sugaram o sangue do nosso povo, como Drácula da Cruz. No entanto, bem ao contrário, é nele que procuraram, por contorcionismos processuais, os meliantes de alta patente, coo último refúgio da polícia, do ministério público e da justiça exercida por magistrados independentes dos favores dos poderosos. O STF é a última trincheira, isto sim, do caudilhismo sob a máscara de uma democracia meramente formal.