• Percival Puggina
  • 19/07/2016
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A LIÇÃO DO PAPELEIRO

 

 A rua Salvador França, em Porto Alegre, forma uma rampa acentuada ao se aproximar da avenida Protásio Alves. Há poucos dias, em hora de tráfego intenso, eu andava por ali, lomba acima. A lentidão do trânsito evidenciava haver, adiante, algum obstáculo na pista. De fato, pouco além, avistei um carrinho de papeleiro, muito carregado e com volumosos excessos laterais. A carga era tão desproporcional que me interessei em ver como se fazia a tração de todo aquele peso. Um cavalo? Dois homens? Não. Era um homem só, e bem magro. Puxava sua carga caminhando de costas, fazendo o maior uso possível do próprio peso, jogando-se para trás.

 Ao ultrapassá-lo, senti vontade de parar, descer e expressar àquele ser humano meu reconhecimento ao valor moral que transmitia. Mas seria impraticável em meio ao tráfego. Decidi que o faria aqui, narrando o fato e traduzindo em palavras a silenciosa lição que proporcionava.

A mesa do papeleiro é pobre e pouca. Há frestas em sua insalubre moradia. Agasalho escasso, extenuante o trabalho. Não conhece férias e não recebe hora extra. Bem perto de onde mora está o traficante com dinheiro no bolso e correntes de ouro no pescoço. Se é de justiça tratar desigualmente os desiguais, a tolerância e a indulgência, em nome da luta de classes, para com os crimes praticados por indivíduos supostamente pobres são uma ofensa ao papeleiro da Salvador França. Todo modo de ver a lei penal como lei do "opressor" contra o "oprimido", todo garantismo que assumidamente desprotege a sociedade são ofensivos ao seu trabalho honesto.

Assumindo como ganha-pão uma tarefa de tração animal, ele ensina o quanto a vida, mesmo comprometida diariamente com penosa rotina, pode ser dura sem deixar de ser humana e digna. Enquanto, naquele dia, arrastava sua carga ladeira acima, o papeleiro esbofeteava, sem saber, a face de cada corrupto e de cada corruptor. Ensinava a quantos fazem e aplicam a Lei, que a pobreza a merecer proteção social e institucional é a pobreza do homem bom, nunca - nunca! - por si mesma, a pobreza do malfeitor, do traficante, do ladrão, do homicida, do estuprador (que até estes voltam rapidamente às ruas!). Degenerado é degenerado, criminoso é criminoso, independentemente do extrato de renda. O lugar de quem vive do crime é a cadeia, senhores.

Por isso, falando em nome de muitos, de poucos ou apenas no meu próprio, gostaria de conhecer a natureza do delito que certos homens da Lei nos imputam, leitor. Ao dar liberdade a quem tem que estar preso, esses falsos justiceiros condenam todos os demais à insegurança e à restrição da liberdade. Escrevam o que pensam, senhores! Sustentem suas teses marxistas abertamente nos jornais! Venham à luz do dia com suas doutrinas! Não se escondam nas páginas dos processos, nas dissertações acadêmicas e nos conciliábulos dos que pensam igual! Afinal, desarmados pelas exigências que cercam a posse de qualquer arma, agora estamos encarcerados por grades de proteção e temos as mãos contidas pelas algemas da impotência cívica.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

 


Wilson Baptista Junior -   30/07/2016 20:57:44

Puggina, meus parabéns! Não conhecia seu blog, fui trazido a ele hoje por um rodapé num post do Micha Ellis na Tribuna da Internet, entrei justamente neste magnífico post, e passo deste momento em diante a ser um seu leitor. Um abraço do Wilson

hamilton Belbute -   25/07/2016 19:38:01

como sempre, Prof., suas brilhantes observações e colocações escritas. Parabéns mais uma vez!

claudio silva rufino -   24/07/2016 15:07:20

Dr. Puggina: O senhor foi muito feliz neste artigo. Abandonou a cena política nacional e mergulhou no dia a dia do cives brasileiro. Quando junto lixo da rua e coloco no local apropriado sou, por vezes, gozado pelos vizinhos e até combatido pelos responsáveis pela sujeira. A frente do prédio onde resido e onde tenho escritório são no mesmo quarteirão e estão bem melhores após minha campanha e ação. Os catadores de lixo devem ser respeitados, cumprimentados e facilitados para limpar as sobras. Claudio Rufino.

Thiago -   24/07/2016 13:58:57

Parabéns pelo artigo ! foi um golpe direto na veia ligada ao coração comunista dos (falsos) intelectuais .

Leitor do site -   24/07/2016 04:08:40

O dia da ira: https://www.youtube.com/watch?v=yFZGro7XcIM

Eugenio -   23/07/2016 22:33:49

Renovo minhas esperanças sempre que o leio professor. Me vem como consolo, depois de assistir hoje pela GloboNews a entrevista de Anita Novinski, prof da USP. Totalmente desassociada da realidade. Marxismo cultural está levando a passos largos, a total destruição dos valores e de tudo que amamos e que harmoniza a sociedade.

Marlon S. -   23/07/2016 14:00:03

Realmente, Prof. Puggina. O senhor como excelente escritor que é, e, com uma visão além-muros desta hegemonia marxista, poeticamente colocou em evidência a realidade da falsa luta de classes. Parabéns, Prof Puggina. Ler seus artigos é sempre um deleite, um prazer. Deus o conserve bem!

Genaro Faria -   22/07/2016 23:19:10

IMAGEM COMENTADA Pompa pouca é tiquinho. Que nome pomposo! A Internacional Socialista caprichou no marketing. Só faltou chamar o sodalício de Galático. Já que é para impressionar, uma corte sideral poderia inspirar um filme de ficção científica aos cineastas da escola Rouanet e ganhar o tão sonhado Oscar de melhor filme estrangeiro para a Ancine - uma propriedade privada do PCdoB. Mas você tem toda razão, como sempre, prezado Puggina, o bicho é muito parecido com um jacaré de efeitos especiais. Mas não passa de uma lagartixa.

Márcia Bokowski -   22/07/2016 16:32:22

Parabéns pelas lúcidas e atuais palavras.

maria-maria -   21/07/2016 23:22:05

Parabéns pela sensibilidade. Causa-me, sempre, uma revolta impotente quando vejo seres humanos numa condição tão aviltante e extenuante. Nessas ocasiões, não deixo de pensar nos sucessivos crimes de lesa-pátria praticados pela oclocracia reinante nesta pobre republiqueta com roubos, isenções subsídios, desonerações e regimes tributários diferenciados, da renúncia fiscal com a “Bolsa Empresário”, desviando centenas de bilhões do orçamento. Também, como as leis aqui são feitas por ladrões para seus pares, esse homem probo, que retratas, colabora para o pagamento bolsa-prisão a presidiário, independentemente do crime cometido

Leonardo Melanino -   21/07/2016 22:06:56

Injustiças sociais são uns dos maiores pecados citados na Bíblia. Nunca recorramos às ganâncias e nem aos pauperismos, pois eles instabilizam as Sociedades. Educações, Esportes, Justiças, Saúdes, Seguranças e assim sucessivamente são obrigações estatais. Estas criminalidades ocorrem não somente pelas leis penais flexíveis, frouxas, mas também por faltas de Juizados Anteoctodecimais nas ruas em todas as noites e assim sucessivamente. Não adianta combatermos as gravidezes precoces se não combatermos as datias (namoros) precoces, incluindo seus afetos, como afagos, amplexos, cócegas, euquímanos e ósculos. Anteoctodecimalidades não são épocas propícias a isto, mas para alfabetizações e/ou escolarizações, musicalizações e assim sucessivamente.

RODRIGO MORAES DE ATAIDES -   21/07/2016 17:48:22

parabéns professor ! O Senhor me representa.

Renan Alves da Cruz -   21/07/2016 13:08:25

Olá, Percival. Lembra-se de mim? Conduzi uma entrevista com o senhor no ano passado para o portal Voltemos à Direita. Leio todos os textos do senhor, mas vim especificamente para lhe dizer que este texto é não apenas o melhor que já li de sua pena, como também o melhor texto publicado na internet brasileira nos últimos tempos. Parabéns pelo brilhantismo. Renan Alves da Cruz.

Dimas Miranda -   21/07/2016 13:02:01

Grande mestre Puggina! Este seu texto me remete à entrevista concedida a um telejornal anteontem de um juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que, simplesmente, resolveu soltar 1000 vagabundos, repito, mil vagabundos, para que os presídios do Estado não fiquem super lotados e estes vermes respondam pelo crime em liberdade, detalhe, todos sem ao menos uma tornozeleira eletrônica.

Ofélia -   21/07/2016 02:22:12

Mente e Coração grandes, Deus te abençoe Puggina !

Regis Michalski -   20/07/2016 21:32:41

Ótimo texto! São muitos os argumentos condenatórios de ideologias. Lamentavelmente, raciocínio e discernimento são desprezados pelos idiotizados. Parabéns pelo artigo!

celia -   20/07/2016 19:17:18

Excelente seu texto, Professor! Muitas vezes, eu presencio cenas análogas e também me comovo com a dignidade daqueles que trabalham arduamente para sua sobrevivência em um País onde trabalho e dignidade parecem não ter nenhum valor.

Fabio -   20/07/2016 16:57:20

Sobre a criminalidade, repousa o maior paradoxo da esquerda atual: em qual momento a defesa do bandido passou a ser uma causa da esquerda? Eis a pergunta que sempre faço a mim mesmo, talvez denunciando um princípio de esquizofrenia, sem obter a resposta. Porque socialismo é um projeto de sociedade. Liberalismo também é. Social-democracia, até o feudalismo, ou qualquer outro projeto. A defesa de projetos - não importa o quanto não gostemos de um ou outro - é sempre válida. Ainda não encontramos um sistema "perfeito" e provavelmente jamais o achemos. Mas isso é outro assunto. O defensor de ideologias é um defensor de algum tipo de relação regrada de sociedade. Já o criminoso, ele não é defensor nem parte de nenhum projeto de sociedade. Ele é o sujeito que quebra as regras da sociedade, ao invés de estar dentro dela querendo transformá-la. O bandido é aquilo que desestabiliza, que debocha das normas e convenções de qualquer tipo de arranjo social. Seja ele (o sistema) de esquerda ou direita. Durante a Guerra Fria, uma das coisas que EUA e URSS tinham em comum era o tratamento do crime: ambas as potências tinham leis duríssimas, não davam moleza para vagabundo. Mas em algum momento de nossas vidas, a esquerda encampou a causa dos "direitos dos manos" a seu repertório. Como se ela fosse parte indissociável de seu programa político. Por quê? Por burrice, masoquismo, ou algum transtorno que ainda não compreendo? Não sei.

Genaro Faria -   20/07/2016 14:19:53

A luta de classes foi a versão original do profeta que mais errou na história, da qual ele se arvorou "o" descobridor e gênio definitivo. Depois dele veio o fundador do Partido Comunista Italiano com uma versão totalmente diferente. Os agentes da história seriam os intelectuais, artistas, professores e burocratas infiltrados no Estado para promoverem a revolução cultural. E não parou por aí a evolução doutrinária. Finalmente, outro marxista, Herbert Marcuse, pregou que o motor genuíno da revolução socialista seria o rebotalho da sociedade - o lumpen proletariat que Karl Marx desprezava. Nossos artistas, jornalistas, inteletuais e "mortadelas" refletem essa evolução. São estes os nossos "progressistas". Seu amigo papeleiro, prezado Puggina, para esses iluminados não passa de um animal de carga. Como os trabalhadores que eles dizem representar.

Luigi -   20/07/2016 11:27:44

Ontem, quando sua a rua Pernambuco aqui em Londrina, me deparei com algumas portas de comércio fechadas, provavelmente não resistiram a crise, fiquei pensando em toda cadeia de sustento que aquelas pequenas empresas geravam. Quantas vidas e famílias podem depender de um pequeno negócio! Enquanto isso os impostos altíssimos para sustentar uma classe cheia de privilégios e garantias que os demais seres humanos comuns não tem e o que é pior, são doutrinados na escola que a culpa da pobreza é o capital! Que capital cara pálida??? A média de vida das empresas no Brasil não ultrapassa 3 anos! O Brasil é a "roça" do mundo! Existe uma conspiração sim, mas essa conspiração não é para que o Brasil não se torne socialista, pois já é socialista, a conspiração é para impedir o avanço econômico, pois esse poderia gerar valor agregado em nossas commodities! Acorda povo!

Fernando -   20/07/2016 02:41:26

Vibrei, Puggina. Há muito tempo rejeitava as propostas de socialistas e, quando o PT virou governo, fiquei apenas com a esperança de ver os "burros de carga" receberem auxílio para aposentadoria, etc. Não! Não tiveram o mínimo interesse, pois só vagabundos a toa os interessam.

Elaine -   20/07/2016 02:34:03

Parabens Puggina! O texto retrata, infelizmente, a impunidade que hoje abala nossa Pátria tão ferida.

Roberto Leandro -   20/07/2016 02:21:44

Magnífico texto, Sr. Puggina.

fernando bertuol -   19/07/2016 21:42:29

Esse Puggina é demais. MUITO REAL e VERDADEIRO. ABS

fernanda da cunha barth -   19/07/2016 18:24:53

Adorei o artigo, Puggina. Me emocionei. Penso igual. Aliás, cada vez que passo por um pequeno comerciante e vejo sua loja vazia também sou tomada deste sentimento de compaixão por quem produz, paga impostos e trabalha. Olho e rezo para que não quebre, para que apareçam clientes, para que persista que as coisas vão melhorar. Sinto uma revolta interior gigantesca, e preciso me conter para não ficar com os olhos molhados. São todos heróis. Heróis que trabalham e resistem em um país onde o garantismo, a bandidolatria, os direitos humanos só pra criminosos, as penas brandas para os corruptos, os acordões de impunidade, a criminalização de quem produz, emprega e gera renda, os impostos asfixiantes - sempre como a solução para governos incompetentes - e os péssimos serviços públicos, esbofeteiam a cara de todos nós, todos os dias, e não só do papeleiro.

Sportore -   19/07/2016 18:20:16

Simplesmente perfeito seu texto. Enquanto estivermos invertendo a lógica, protegendo bandido e desprotegendo o cidadão de bem , o que teremos é a impunidade e consequente aumento da criminalidade.