Percival Puggina

12/10/2015

 

 Quer acesso a recursos públicos para si ou para seu projeto político? Esteja atento ao conselho de Eça de Queiroz em deliciosa crônica de 1871: faça-o numa associação. "Nada há para esses feitos quanto apoiar-se numa associação. A associação inocenta tudo e tudo purifica". Quanta razão tinha o mestre! Que o digam os promotores de invasões. Numa associação, aplicam-se sobre os autores dos crimes camadas e mais camadas de teflon político e jurídico.

 A decisão tomada pelo TCU na última quarta-feira foi, como diria o ministro Roberto Barroso, do STF, um ponto fora da curva. Fugiu à regra. Imediatamente, os membros da associação subiram às tribunas e microfones para defender o governo. Na Assembleia Legislativa gaúcha, um deputado afirmou que as pedaladas fiscais não eram novidade. Já eram praticadas em outros governos. Desceu triunfante da tribuna e ouviu do deputado Marcel Van Hattem que, no autoindulgente senso petista, se um crime não for original, inédito, não é crime...

 Foram os erros e crimes cometidos ao longo dos últimos 13 anos que, primeiro, proporcionaram a Lula seus anos de Midas e, em seguida, nos precipitaram na crise atual. Agora, em nome do caos que produziram, pedem benevolência para manterem a associação e se preservarem no poder. Ora, o Brasil não pode ser uma terra sem lei. São as crianças que brincam dizendo que lei é o "malido da lainha". Isso não serve para adultos, não serve para homens de Estado. Senhores, não podemos deixar o passado no cabide, por mais que convenha à associação. Aliás, não será entre pessoas condenadas pelo próprio passado que vamos encontrar estadistas para nosso futuro.

 As instituições nacionais foram se convertendo, gradualmente, em associações para os fins que Eça ilustrou com seu fino humor. Como consequência, o povo brasileiro - fato sublime - ergueu-se vários degraus acima delas e assumiu a tarefa de pô-las a dançar segundo a música constitucional. O povo fez a bagunçada orquestra sentar e começar a arranhar cordas e resfolegar trompetes e oboés. Por que sublime? É que essas pessoas, indiferentes aos xingamentos dos que as chamam golpistas, coxinhas, lacerdistas, reacionárias, elitistas, e outros adjetivos menos asseados, arregimentam-se para mobilizar as instituições da república. Irrita-se a associação com essa gente de verde e amarelo, rosto exposto e modos civilizados, com lenço e documentos, que não está a serviço de nenhum bandido, seja de que banda ou bando ideológico for. Aliás, como pode alguém indignar-se quando o povo clama às instituições que cumpram seu dever e elas começam a fazer isso?

Zero Hora, 11 de outubro de 2015

Percival Puggina

09/10/2015


 Causou polêmica a recente pesquisa sobre o que pensam os brasileiros da frase "Bandido bom é bandido morto". A informação de que 50% concordam com tal afirmação alvoroçou determinados grupos de opinião, especialmente os seletivos defensores de direitos humanos dos criminosos. A frase e os que a ela aderem foram agraciados com vários adjetivos depreciativos: violentos, racistas, vingativos, destituídos de sentimentos de solidariedade e por aí afora. Significativo saber que a frase tem apoio de 44% dos pretos e 48% dos pardos. Também é significativo saber que ela não significa adesão a esquadrões da morte ou a linchamentos. Expressa, apenas, o fato de que a criminalidade saturou a tolerância social. E assim deveria ser entendida pelas autoridades.

 Apesar de não conseguir, por profundo antagonismo com minha formação católica, endossar essa opinião, eu quero afirmar que dela não se pode dizer que seja desumana ou irracional. É da natureza humana, perante o medo que lhe impõe o potencial agressor, desejar sua eliminação do mundo dos vivos, seja ele uma fera no mato, seja uma fera na cidade. O medo é um sentimento muito forte para que suas consequências na psicologia social sejam desqualificadas com motivações ideológicas. Tampouco se deve dizer que seja não razoável, irracional. Num país em que ocorrem quase 60 mil homicídios por ano, o número de bandidos mortos é muito menor do que o número das vítimas que produzem. Portanto, aritmeticamente, cada bandido na lista dos mortos gera um número significativo de não vítimas.

Em nosso país, na contramão das expectativas sociais, o presidente do Supremo Tribunal Federal anuncia como grande feito a criação de audiências de custódia que permitirão colocar em liberdade, mediante condições, criminosos presos que, apesar de presos em flagrante, só serão encarcerados após o julgamento definitivo. Para ele é uma iniciativa ótima! E note-se: muitos magistrados, independentemente das novidades aportadas pelo ministro Lewandowsky, já vêm adotando esse procedimento alegando a precariedade do sistema penitenciário.

Disparate? Absurdo? Sim, mas disparate e absurdo ainda maior é o fato de que, em nosso país, os estudos sobre o assunto se detêm no grande número de presos e não no número infinitamente maior de vítimas. Estas são esquecidas sempre que se trata da criminalidade em nosso país. A soltura de criminosos presos em flagrante é algo tão desconexo com o mundo dos fatos que me leva à frase título deste artigo. Será, então, que vítima boa é a vítima morta? É a eliminada, que não dá queixa, que sequer suscita investigação? Por que nossas autoridades, junto com esses intelectuais de meia prateleira e com esses políticos corretores de interesses não reconhecem o estrago feito e nos devolvem o Brasil?

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

06/10/2015

 

 O pequeno vídeo (4 min.), que pode ser visto aqui com legendas, impressionou-me vivamente. Ele mostra uma jovem, Stacey Duley, apresentadora de TV, visitando sua cidade natal, no interior da Inglaterra. Luton fica a 90 km de Londres e tem uma população 260 mil habitantes. Pequena parcela, pouco menos de 10%, é muçulmana. Durante essa visita, Stacey gravou um programa para a BBC com o título My Hometown Fanatics (Os fanáticos da cidade onde nasci). Nas filmagens que fez e nos depoimentos que colheu, ela registrou um protesto da comunidade muçulmana e interagiu com os manifestantes. O grupo estava contrariado com a prisão de uma senhora cujo marido fora detido como terrorista após explodir uma bomba em Estocolmo. Os manifestantes gritavam bordões mandando ao inferno o Reino Unido e a Polícia Britânica. Em breves entrevistas selecionadas para esse pequeno vídeo, eles lhe dizem que, segundo o Corão, não deviam se submeter a qualquer lei não islâmica, que o primeiro ministro David Cameron não era muçulmano e que todos os não muçulmanos arderiam no inferno. Há muito mais no My Hometown Fanatics, na versão integral, mas sem legendas, (aqui). Entre outras entrevistas e imagens, há afirmações sobre a superioridade da sharia (o Direito islâmico), veem-se muçulmanos distribuindo nas ruas panfletos com condenações à democracia e à liberdade porque tais atributos estariam "destruindo a sociedade inglesa". E há também, obviamente, reações a tudo isso por parte da sociedade local.

 Para não ficar preocupado ao assistir esse documentário basta estar desinformado sobre os acontecimentos que se desenrolam com violência interna em praticamente todo o Islã. Basta nada saber das guerras tribais e étnicas e dos conflitos multisseculares entre sunitas e xiitas. Basta não ter a mínima ideia sobre a pluralidade de organizações terroristas com planos para destruir o Ocidente, objetivo político explicitamente desejado e entendido como dever religioso. E note-se: não escrevo apenas sobre fatos recentes. Os fatos recentes são mera continuidade, por outros meios, da jihad iniciada no 7º século, que levou o Islã pela espada a boa parte do globo, e que prosseguiu, ininterruptamente, até os dias de hoje.

O mundo islâmico precisa parar de atribuir ao Ocidente a culpa de seus males. Tem que olhar para seus 1400 anos de conflitos internos e fazer a própria reflexão sobre os motivos de sua estagnação, de sua pobreza e das aflições que se autoimpõe. Todos os bens tecnológicos e materiais que a civilização proporciona ao mundo islâmico procedem do Ocidente porque a cultura do Islã estagnou no século 15. Não é razoável, que um muçulmano encontre na terra onde nasceu motivos tão fortes quanto os necessários para abandoná-la, migrando para países cuja cultura odeia e, depois, pretenda moldar esses países segundo seus próprios e superados padrões. Há algo muito errado nisso aí.

Uma coisa é o acolhimento misericordioso, pelo Ocidente, dos fugitivos das guerras e conflitos étnicos e religiosos; outra, bem diferente, é a abertura imprudente das fronteiras num tempo em que os promotores dessas mesmas guerra e conflitos, no discurso e na prática, hostilizam e atacam o Ocidente com atos terroristas.

A única solução boa para a guerra e suas consequências é a paz. Mas as decisões pacificadoras não podem ser adotadas unilateralmente quando você tem uma porção do Islã que, apesar de minoritária, envolve dezenas de milhões de pessoas, sentindo-se religiosamente comprometida com a extinção dos ditos infiéis. Sob condições tão drásticas e perigosas resulta ingênuo e imprudente o discurso que quer tornar compulsória a acolhida fraterna e generosa de quantos batam às portas do Ocidente. Deveríamos ponderar sobre os motivos pelos quais esse acolhimento não encontra correspondência entre os próprios muçulmanos, cujos países abastados se trancafiaram aos irmãos de fé. Lá não! Pelo viés oposto, em mais de meia centena de países islâmicos, e há muitas décadas, as comunidades cristãs residuais têm sido objeto de perseguição, massacres, taxação por motivo religioso, expropriação e expulsão.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

04/10/2015

 

 Enxugar gastos não é tarefa agradável nem simpática. Dela não se colhe sorrisos, embora o bom líder, o líder respeitado, colha solidariedade.

Mas esse não é mais o caso do governo petista. O país já reconhece o partido que pretendeu ser hegemônico como uma organização tomada por criminosos. As pessoas bem informadas têm plena consciência, também, de que a nação, por motivos eleitoreiros, foi irresponsavelmente levada a uma crise pela qual não precisava estar passando. O PT e seu governo estão desqualificados para a tarefa que o país tem pela frente. Não há mais, na alma brasileira, ao alcance desse partido, apoios que não precisem ser comprados com sanduíche de mortadela nas ruas e cargos nos gabinetes. Portanto, as sugestões deste artigo vão para a reflexão dos leitores e não para o governo.

No ambiente familiar, quando se torna imperioso cortar gastos, circunstancial ou permanentemente, a tesoura vai atrás dos considerados exorbitantes ou supérfluos. Dependendo de cada realidade, saem as viagens, as roupas novas, os restaurantes, as pizzas delivery, as novidades tecnológicas, os jogos de futebol. Os espetos vão para a churrasqueira com cortes mais baratos. Enfim, cada família busca a seu modo o próprio superávit primário.

Agora, olhemos o Estado. Sob esse guarda-chuva, se abrigam o Estado propriamente dito, o governo, a administração, o Legislativo e o Judiciário. Todos competem pelas fatias do orçamento, todos se consideram irredutíveis, insuficientemente agraciados e remunerados, e só conhecem a solidariedade interna - aquela que une os iguais em torno deste interesse comum: o "nosso" é sagrado. A despeito do preceito constitucional que impõe harmonia aos poderes, na hora do dinheiro prevalece o outro, o da independência.

A presidente Dilma reduziu de 39 para 31 o número de seus ministros e cortou 10% dos vencimentos do topo da cadeia alimentar do gasto governamental. Um ato simbólico. Uma merreca. Economizaríamos muito mais se ela reduzisse as despesas, inclusive as próprias, com cartões corporativos, com as numerosas comitivas ao exterior e com o luxo dos hotéis que frequenta. Ganharíamos muito mais ainda se parasse de usar nosso dinheiro para fazer publicidade de seu desditoso governo. E estou falando dos cortes supérfluos.

Para atingir o exorbitante teríamos que impor limites à licenciosidade com que o Legislativo e o Judiciário e a grande cascata das carreiras jurídicas definem seus ganhos e, muito especialmente seus privilégios. Sim, são privilégios, leizinhas privadas (que sequer leis são porque fixadas por atos administrativos validados por decisões liminares). São benefícios que ninguém mais tem, que geram direitos retroativamente e periódicos pagamentos de "atrasados". A república, além de conviver com enorme desnível entre os maiores e os menores salários, disponibiliza a uma parcela da elite funcional, na União e nos Estados, contracheques que, ocasionalmente, se elevam a centenas de milhares de reais. Não há pagador de impostos que não se escandalize ao saber que isso é feito com o fruto de seu trabalho.

Na mesma linha do exorbitante temos a corrupção endêmica; as aposentadorias precoces, incompatíveis com o mais desatento cálculo atuarial; os incontáveis benefícios fiscais que orientam bilhões para usos que nada têm a ver com as funções essenciais do Estado; a legião dos cargos de confiança, que deveriam ser restringidos a um número mínimo, na ordem das centenas e não das dezenas de milhares; a atribuição ao setor público de atividades que poderiam, perfeitamente, ser desenvolvidas pela iniciativa privada; a sinecura de tantas ONGs que funcionam apenas como custeio público para o empreguismo de apadrinhados políticos; a centralização que derroga o pacto federativo e leva o dinheiro de quem produz para longe de suas vistas e para fins inconcebíveis; a gratuidade do ensino superior público para quem pode pagar, exemplo de injustiça que clama aos céus.

Se quiserem mais sugestões tenho inúmeras outras a fornecer.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

01/10/2015

 Há muitos anos o TSE vem tratando com desdém todas as manifestações de desconfiança em relação às urnas eletrônicas. Verdade seja dita: Dias Toffoli não foi o primeiro a adotar essa atitude. Ela se prolonga no tempo e é mais uma evidência de que boa parte dos membros dos poderes de Estado simplesmente está se lixando. A brisa é suave, o uísque é bom, a vida sorri. E o resto que se dane. Atrás desses muros é que vivem.

Eleitores bem informados não confiam no sistema de votação. Suas vulnerabilidades já foram apontadas por diversos peritos. Nenhum outro país adota esse tipo de urna. Mas os doutos ministros do TSE empinam o nariz com ar de enfado quando o assunto lhes é apresentado. Convenhamos, isso tem nome na lista das infrações aos deveres do cargo.

A eleição da presidente Dilma deu-se em circunstâncias misteriosas. Os votos foram contados como naquelas mágicas em que o prestidigitador medíocre, para facilitar a vida, encobre com um pano preto o trabalho de suas mãos. A inconfiabilidade das urnas e a sigilosa contagem ajudaram – e muito! – a criar severas incertezas sobre a correção do pleito. Absolutamente natural, portanto, que o Congresso Nacional, ao deliberar sobre alguns itens de reforma política, incluísse preceito para que as urnas passem a imprimir os votos, permitindo que os eleitores, sem contato físico, os confiram e confirmem antes de a máquina depositá-los em urna onde permanecerão para eventual verificação manual.

Pois não é que a presidente Dilma vetou a iniciativa? Um impressionante veto ao voto impresso! Logo ela, cuja eleição se deu rodeada por uma ciranda de suspeitas; logo ela, que quebrou o país para se eleger; logo ela dos gastos sigilosos e milionários com cartões corporativos; logo ela, das comitivas nababescas e dos hotéis suntuosos; logo ela resolveu implicar com o custo envolvido em algo tão indispensável à credibilidade dos mandatos presidenciais quanto a mudança das urnas eletrônicas. Se o Congresso acolher o veto, a próxima eleição estará sujeita ao mesmo descrédito a que foi conduzido seu próprio mandato. O nome disso é fazer o diabo antes, durante e depois da eleição.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

30/09/2015

 

 No Brasil, quando se diz que alguém é dotado de espírito público, o que se está afirmando é que essa pessoa tem sensibilidade para os reclamos da opinião pública. No exercício do poder, fará o que o povo quer.

Eis aí o nascedouro de problemas que podem transformar tão sensitivo cidadão num perigo à solta, numa bomba-relógio com caneta e chefe de gabinete. Os motivos são vários, mas destaco dois. O primeiro diz respeito à enorme diversidade contida no conceito de “povo”. Embora seja designado por uma palavra no singular, o povo é absolutamente plural em tudo, inclusive em aspirações e carências. Portanto, sendo sensível aos reclamos do povo, o tal cidadão, dotado de espírito público à moda da terra, pode estar ouvindo e atendendo demandas excessivas e quase sempre contraditórias entre si e com o interesse público. É uma singela realidade pela qual já passamos inúmeras vezes na história. Além de arrasar o país sob o ponto de vista financeiro, ainda deforma a nação sob o ponto de vista da cultura política.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nasceu para conter os malefícios desse tipo de “espírito público”, que outra coisa não é que gestão irresponsável dos recursos alheios, muito frequente nas esferas de Estado e, pelo mesmo motivo, nos clubes de futebol. Se dinheiro na mão é vendaval, dinheiro sem dono é furacão. O PT se opôs à LRF, mandou-a às favas quando chegou ao poder e encontrou admiradores em número suficiente para lhe garantir três reeleições sucessivas. Até que a inevitável consequência explodiu na vida de cada um. Transferir dinheiro de todos para alguns ou de uns para outros e vice-versa, vai contra o interesse geral. Produz uma conta amarga, a ser paga no curto, no médio e no longo prazo.

No curto prazo, os impostos sobem, no médio prazo a inflação se eleva e, no longo prazo o endividamento compromete as gerações futuras. Foi assim que Lula começou a quebrar o Brasil e que Dilma achou possível continuar governando. Lembre-se de que quando não tinha mais de onde tirar dinheiro, ela começou a distribuir, em concorridas solenidades, até o que ainda não existia, os royalties do pré-sal. Tudo seria canalizado para a Educação e para a Saúde. As duas áreas vivem o inferno que se conhece e sequer cabe alegar boas intenções.

Sob o ponto de vista da cultura política, esse conceito de “espírito público", estabelece, na sociedade, de modo extensivo, uma dependência em relação ao Estado, convertido no mais cobiçado empregador e no almoxarifado provedor compulsório de todas as necessidades. Pelo viés oposto, o verdadeiro espírito público sabe escolher o mal menor e o bem maior, é animado por um senso real de justiça e por um sentido de história. Sabe distinguir direito de privilégio. Pessoas assim são estadistas e não demagogos vulgares, rastaqueras, como é a maioria dos nossos políticos, animada po esse “espírito público” tão ao gosto dos formadores de opinião e do eleitorado brasileiro.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

29/09/2015

 Martha Beatriz Roque é uma estimada amiga, católica, economista, com quem tive oportunidade de conversar nas vezes que fui a Havana. Ela estava entre os 75 presos de consciência condenados durante a Primavera Negra de 2003. Às vésperas de completar 60 anos de idade, Martha foi sentenciada à internação por duas décadas nas masmorras de Fidel. Um ano mais tarde, as precárias condições do cubículo onde ficava agravaram seu estado de saúde e ela foi libertada. Quando a reencontrei, em outubro de 2012, ouvi dela que, por vezes, não sabia o que era pior, se estar presa, ou livre no grande presídio da ilha, onde recebia maus tratos de vizinhos permanentemente empenhados em agredi-la para agradar o regime. É a função das Brigadas de Resposta Rápida (BPRs), formada por civis que se prestam à vilania de acossar e intimidar dissidentes.

 Às vésperas da chegada do Papa, Martha realizou dezenas de postagens em sua conta no Twitter informando, nominalmente, sobre pessoas que estavam sendo, no interior do país, advertidas para não se dirigirem a Havana. Depois, postou sobre pessoas que haviam sido presas e sobre outras, cujas casas estavam sitiadas “pela turba”. Em uma dessas notas, ela conta ter sido visitada pelo secretário do núncio apostólico que a convidou para ir à nunciatura falar com o Papa. Por fim, no dia 20, ela e mais duas dezenas de damas de branco foram detidas e impedidas de comparecer à missa papal. Os acontecimentos que narrou, as prisões de dissidentes, bem como a exigência de que os católicos se reunissem em grupos para serem acompanhados por agentes de segurança ao local da missa, foram noticiados por outras fontes.

 Qualquer pessoa minimamente informada sobre a realidade cubana poderia antever tais acontecimentos. O regime, por ser como é – violento, intransigente e opressivo – pode fazer ligeiras concessões para se safar da falência. Mas nada cede nas condições indispensáveis à sua sobrevivência. Por isso, o Papa devia estar bem advertido sobre a “conveniência” de não tocar em assuntos da política interna.

Não se diga que manter distância desses temas fosse indispensável cortesia. O Papa não é apenas chefe de Estado. É, principalmente, o líder espiritual dos católicos que naquele momento estavam sendo perseguidos, presos e vigiados. Impunha-se ir além das esplêndidas exortações pastorais. Permanece bem presente na memória da Igreja cubana o martírio de tantos jovens que, nos primeiros anos da Revolução, foram vítimas da faxina espiritual e morreram fuzilados clamando: “Abaixo o comunismo! Viva Cristo Rei!”. Mereciam mais.


ZERO HORA, 27 de setembro de 2015
 

Percival Puggina

28/09/2015

 

 Não se surpreenda com o título. Ele não é uma opinião, mas simples expressão de algo facilmente constatável. O PT, como partido ou como base do governo, apesar de todas as tropelias, tem sua ação contida por certos limites. Tais restrições são impostas, ora por conveniências políticas, ora por ações da oposição, ora por reações da parceria, ora pela possibilidade de que a lei, um dia, valha para todos. Já o STF não se submete a limites. No exercício do poder, seus onze membros podem tudo. Não estão submetidos sequer à Constituição. Substituem-se aos parlamentares para legislar e para deslegislar. A opinião da maioria é a própria lei. O que seis decidem é irrecorrível. Pouco se lhes dá o que as pessoas pensam deles.

Dei-me conta dessa realidade ao ler, na Folha, a opinião do ex-Procurador Regional da República, Rogério Tadeu Romano, sobre o “fatiamento” da operação Lava Jato. Na teoria e na prática tal decisão deve retirar das mãos do juiz Sérgio Moro e entregar ao ministro Dias Toffoli os processos não relacionados com os escândalos da Petrobrás, sob a alegação de que apenas sobre estes incide a competência do juiz. Graças a tão surpreendente quanto conveniente justificativa, a fatia do processo referente à senadora Gleisi Hoffmann foi cortada das mãos de Moro por envolver lavagem de dinheiro. Com lucidez, o ex-Procurador refuta o argumento esclarecendo que, ao fixar a competência, se deveria levar em conta o crime principal, o crime de corrupção, a origem do dinheiro desviado, e não o secundário, lavagem de dinheiro, que só surge porque havia o principal. Por que será que os advogados dos réus festejaram tanto a decisão do STF? Ah, pois é.

Até o PT, envolvido à náusea num emaranhado de escândalos sem precedentes na história universal, se preocupa com parecer menos pior. Ao STF pouco se lhe dá se for tido e havido como um “tribunal bolivariano”, na expressão usada pelo ministro Gilmar Mendes. E me sinto igualmente respaldado para o título deste artigo quando lembro as palavras de Joaquim Barbosa no final da sessão em que oito réus do mensalão foram absolvidos (pasmem!) do crime de formação de quadrilha. Disse ele: "Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo. Esta maioria de circunstância tem todo tempo a seu favor para continuar nessa sua sanha reformadora. (...) Essa maioria de circunstância foi formada sob medida para lançar por terra todo um trabalho primoroso, levado a cabo por esta corte no segundo semestre de 2012".

Sem tirar nem pôr, é o que estamos presenciando.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia a utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

25/09/2015

 

 Em 2002, quando se desenhava a vitória de Lula nas eleições de outubro, a economia brasileira levou um solavanco. O dólar bateu em quatro reais, os investidores externos se retiraram e os internos se retraíram. A atriz Regina Duarte expressou esse sentimento de insegurança num vídeo gravado para a campanha de José Serra. Sua primeira frase foi - “Tenho medo”. Era uma peça muito forte e suscitou reação imediata das hostes petistas que responderam afirmando que a esperança haveria de vencer o medo.

 Já naquela época, quem acompanhava a atividade do Partido dos Trabalhadores sabia. Sabia que a democracia direta defendida por ele e por seus parceiros internacionais sempre descambou em totalitarismo. Quem repelia a violência e a ruptura da ordem que o PT promovia através de seus movimentos sociais sabia. Quem era capaz de reconhecer a corrupção moral em suas várias formas (mentira, mistificação, assassinato de reputações, desonestidade intelectual, etc.) também sabia. E todos nós, que sabíamos, podíamos antever para onde estávamos sendo levados. Era de ter medo, sim. O que não podíamos imaginar era o nível de degradação a que as instituições políticas seriam deliberadamente conduzidas.

O tempo, como senhor da verdade, veio mostrar que Regina Duarte tinha razão. Seria muito melhor para o país se ela estivesse errada. Se nós estivéssemos errados. Os muitos males produzidos pelo petismo – e eu não os vou desfiar aqui porque agora estão bem visíveis aos olhos do mundo – nos fazem regredir muitos anos. E a sociedade convive com o medo em proporções inimagináveis em 2002: é o medo da criminalidade, é o medo de não haver instituição política em que confiar, é o medo da inflação, do desemprego, da fuga de capitais, da depreciação do real e de uma crise de muitas faces, com proporções inimagináveis. E o dólar, treze anos depois, volta aos patamares para onde disparou naquele ano em que Regina Duarte expressou o sentimento de tantos brasileiros. O medo, agora, não é de que o PT chegue ao poder, mas o de que ele prossiga atravessando nossa história como o cavalo de Átila, após o qual nem a grama nasce.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.