Percival Puggina

28/01/2016

 Se o que se quer, na política, é promover o bem comum, as divergências terão como foco principal o conceito de bem comum, seu conteúdo e o modo de produzi-lo em cada momento histórico. No entanto, se o objetivo é apenas alcançar o poder, ou mantê-lo, então a honestidade intelectual se torna um transtorno e o senso moral deve ser apartado, assim como se retira o incômodo ferrão em picada de marimbondo. Sob tais padrões, a estratégia, a propaganda e a arte do convencimento são concebidas e mobilizadas apenas pelo desejo de convencer e vencer, aferindo-se a qualidade dos meios pela eficácia em relação aos fins desejados e não por sua relação com a verdade e o bem.

Digo isso porque a defesa do governo na questão do impeachment tem-se valido de todos os meios possíveis de enganação. Não estou recusando aos governistas o direito de escudar o governo. O que estou afirmando é que quase todos os seus argumentos, a partir do mais constantemente repetido, são concebidos para iludir. Repetem, insistentemente, que: 1) o impeachment fere a democracia; 2) impeachment é golpe. Ora, não é possível que experientes jornalistas e doutos congressistas dardejem fogo dos olhos em frêmitos de indignação afirmando que impeachment fere a democracia. A democracia, a soberania popular, senhores, é ferida quando quem governa só tem apoio de 10% da população!

Talvez se inquiete o leitor: "Nesse caso, todo governo que perde o apoio da maioria da população deveria cair?". A resposta a essa pergunta é afirmativa em praticamente todos os países parlamentaristas (cerca de 95% das democracias estáveis). No presidencialismo, eu afirmo, sem pestanejar: nas atuais condições, um governo de democratas deveria renunciar. E mais, há algo muito errado num sistema político em que governos rejeitados são mantidos por força da Constituição.

O que sustenta esse governo no poder, então, não é a "democracia", obviamente, mas a regra do jogo político, o Estado de Direito como o temos. Há em nossa Constituição uma norma que determina em quais situações e mediante quais procedimentos, quem preside a república pode ser afastado do cargo. E a perda da aceitação social não está entre elas.

Entendido isso, fica mais fácil compreender o quanto é falso chamar de golpe o pedido de impeachment da presidente Dilma. Essa demanda nacional, nascida nas ruas, sem partido nem patrocínio, sem tanques nem canhões, deu causa a três dezenas de requerimentos, Brasil afora. Como o processo de impeachment é jurídico e político, as motivações políticas dispensam apresentação. Estão nas vozes das ruas. As motivações jurídicas, por seu turno, foram avalizadas unanimemente pelo TCU e são de perfeito conhecimento público.

Golpe, portanto, de um lado, é usar o que pertence ao Estado para subornar votos no Congresso, como vem fazendo o governo de modo a evitar que o impeachment prospere. E, de outro, é golpe fazer do STF, com o mesmo fim, um puxadinho do partido governista.

Em resumo: quem atenta contra a democracia é o governo quando insiste em ancorar-se no poder, enterrando o futuro do país contra a vontade nacional; e é ele quem novamente golpeia as instituições quando se defende com os meios que para tanto vem empregando.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

23/01/2016

 

 No último dia 20, o ex-presidente reuniu-se com blogueiros amigos na sede do Instituto Lula. Blogueiros amigos são aqueles regiamente remunerados pela sociedade brasileira para promoverem a defesa do governo em seus blogs e sites. Não conheço a todos, mas os que conheço têm vultoso patrocínio do governo, de seu partido e de empresas estatais (em alguns casos esses patrocínio já alcança, ao longo dos anos, a casa dos sete dígitos). Creio que só isso deveria ser considerado suficiente para estabelecer um clima pouco propício a jactância e brincadeiras. Opinião a soldo? Sei não.

 Durante esse encontro, sentindo-se mais protegido pela gratidão dos circunstantes, Lula queixou-se da perseguição que alega estar sofrendo. Logo ele, alma sem jaça, cristal sem trinca, sendo mal falado e tendo seus negócios como objeto de investigações e especulações. Quem o ouve pode ser levado a crer que montou um governo e formou maioria parlamentar para si e para sua sucessora entre a mais nobre elite da política nacional. Até parece que entre os bons, buscou os melhores. Não é mesmo, Celso Daniel? Lula parece esquecer que após 13 anos no poder, seu partido e seus defensores estão constrangidos a se medirem com a régua que usavam para aferir seus adversários. E não conseguem ser muito otimistas. É uma linha de defesa que lembra o Tavares, aquele personagem canalha criado por Chico Anísio: "Sou, mas quem não é?".

O excesso de auto-estima de Lula é muito bem representado por frases como a que proferiu em 8 de abril de 2005, após a missa celebrada durante o funeral de João Paulo II. Inquirido por jornalista se havia confessado para poder comungar, o então presidente de primeiro mandato saiu-se com esta: "Sou um homem sem pecados". O escândalo do mensalão viria a público 36 dias depois.

Pois eis que, agora, durante o encontro com a fagueira comunidade de seus blogueiros, o ex-presidente, subiu o tom da gabolice e disparou: "Se tem uma coisa que eu me orgulho, neste país, é que não tem uma viva alma mais honesta do que eu. Nem dentro da Polícia Federal, nem dentro do Ministério Público, nem dentro da Igreja Católica, nem dentro da Igreja Evangélica. Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido."

Pensando sobre a distância que medeia entre essa frase e a vida pessoal, familiar e política de Lula, sou levado a suspeitar de que nosso messias de Garanhuns, o santo, o imaculado, está preparando caminho para ser declarado inimputável por problemas mentais. Convenhamos, Lula!

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

20/01/2016

 

 Você já parou para pensar sobre o motivo dessa farta produção de literatura voltada à educação sexual nas escolas? Não vou nominar obras para não fazer publicidade de lixo pedagógico, mas há de tudo. O famoso kit gay não foi o primeiro nem o último material pernicioso. O Ministério Público chegou a intervir, em alguns casos, para impedir a distribuição. Há publicações que, explicitamente, estimulam experiências auto-eróticas, heterossexuais e homossexuais. Um desses livrinhos vem com a recomendação, aos pequenos leitores, de que devem conservar o referido "material escolar" fora do alcance dos pais...

 A questão que me interessa aqui é a existência de uma pedagogia da educação sexual que anda a braços com a pedofilia. É estarrecedor. Todo esse material que de um modo ou de outro chegou a alunos ou a bibliotecas de escolas tem rótulo de coisa pedagógica. Quando suscita escândalo, é defendido com a afirmação de estar destinado a professores ou a adolescentes. Falem sério! Professores e adolescentes precisam de livro sobre sexualidade, com figurinhas para público infantil?

Estamos, portanto, diante de algo sistemático, reincidente e renitente, que passa por cima, atropelando ("problematizando", para usar palavra da pedagogia marxista) a orientação dos pais. Essa educação sexual, se não está empenhada em antecipar o processo de erotização no desenvolvimento infantil, está dedicada a algo tão parecido com isso que se torna impossível perceber a diferença. Se não está dedicada a disseminar a ideia de que o corpo humano, já na mais tenra idade, é um parque de diversões eróticas, o produto de seu trabalho será inequivocamente esse. Se não pretende oferecer a crianças e adolescentes um cardápio de opções sexuais para escolherem como sanduíche no balcão do McDonalds, é a isso que levam suas propostas.

A simples ideia de que tais orientações encontrem guarida em receitas pedagógicas no ambiente acadêmico e educacional do país é repugnante. No entanto, já em 1998, no capítulo sobre Educação Sexual do documento intitulado "Parâmetros Curriculares Nacionais" elaborado pelo MEC, lê-se que (pag. 292):

"Com a ativação hormonal trazida pela puberdade, a sexualidade assume o primeiro plano na vida e no comportamento dos adolescentes. Toma o caráter de urgência, é o centro de todas as atenções, está em todos os lugares, na escola ou fora dela, nas malícias, nas piadinhas, nos bilhetinhos, nas atitudes e apelidos maldosos, no “ficar”, nas carícias públicas, no namoro, e em tudo o que qualquer matéria estudada possa sugerir."

Ora, isso não parece exagerado? Talvez quem redigiu o texto acima padeça de tão solitário e totalizante apelo. Na faixa etária mencionada, os interesses são bem diversificados. Entre eles se incluem também os esportes, a escola, a turma de amigos, os jogos de computador e a própria família. Mais adiante, o texto afirma (pag. 296):

"Nessa exploração do próprio corpo, na observação do corpo de outros, e a partir das relações familiares é que a criança se descobre num corpo sexuado de menino ou menina. Preocupa-se então mais intensamente com as diferenças entre os sexos, não só as anatômicas, mas todas as expressões que caracterizam o homem e a mulher. A construção do que é pertencer a um ou outro sexo se dá pelo tratamento diferenciado para meninos e meninas, inclusive nas expressões diretamente ligadas à sexualidade, e pelos padrões socialmente estabelecidos de feminino e masculino. Esses padrões são oriundos das representações sociais e culturais construídas a partir das diferenças biológicas dos sexos, e transmitidas através da educação, o que atualmente recebe a denominação de “relações de gênero”. Essas representações internalizadas são referências fundamentais para a constituição da identidade da criança."

Está aí a ideologia de gênero e a subsequente revogação que pretende promover da anatomia, da genética e dos hormônios, cujos efeitos estariam subordinados a padrões sociais. Tá bom! E o texto segue afirmando o direito das crianças ao prazer sexual, a naturalidade das manifestações e "brincadeiras" explícitas, de quaisquer natureza, às quais, na escola, se aplicaria apenas a jeitosa informação de que o ambiente não seria lá muito apropriado para isso. E adiciona: tais incontinências só deveriam ser levadas ao conhecimento dos pais quando "tão recorrentes que interfiram nas possibilidades de aprendizagem do aluno". É o legítimo caso em que o pedagogo, com objetivos desviados, erra pelo que ensina e erra pelo que deixa de ensinar.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

18/01/2016


 A burocracia do MEC está com pé no estribo para cavalgar de vez a educação brasileira. Refiro-me ao uso extensivo e abusivo daquilo que a Constituição determina: fixação de "conteúdos mínimos" para o ensino fundamental. No recentemente aprovado Plano Nacional de Educação (2014-2024) foi inserido um negócio chamado Base Nacional Comum Curricular (BNC) e, obviamente, coube ao MEC, povoado de companheiros, realizar a frutuosa tarefa. O ministério reuniu 116 especialistas de 35 universidades e produziu um calhamaço que, neste momento, está "aberto" a sugestões da sociedade. Ora, a sociedade nem sabe o que está acontecendo. E o que está acontecendo é gravíssimo! Aquilo que, na perspectiva do constituinte de 1988, deveria ser um conjunto de conteúdos, se converteu num manual para homogeneizar cabeças e tornar hegemônica, no ambiente escolar, a ideologia que, há tempos, grassa e desgraça a educação brasileira.

 O MEC informa que a BNC englobará 60% dos objetivos impostos aos ensinos fundamental e médio. E adverte: ela dialoga com o ENEM. Sim, e como! Se o currículo obrigatório "dialoga" com o ENEM (petistas adoram essa metonímia), escola alguma, pública ou privada, vai ensinar diferente, ou sob perspectiva diversa. Se o fizer, seus alunos desconhecerão as respostas que o Estado brasileiro quer ouvir para lhes abrir as portas das universidades públicas. Eis o totalitarismo através da Educação.

 Quando algum pedagogo fala em problematizar algo, ele está afirmando que vai reduzir esse algo a coisa nenhuma. E o fará usando sua permissão para porte dessa arma de grosso calibre que é a barra de giz. Saiba então: o verbo "problematizar", com seus derivados, pode ser encontrado 55 vezes na BNC! Lembram da ideologia de gênero, barrada no Congresso Nacional? E da posterior pressão do MEC, tentando obrigar estados e municípios a adotá-la? Pois retorna, agora, pela BNC. O conceito gênero aparece 12 vezes no texto. Sexo, apenas duas. É a renitente problematização da genitália.

Quase nada há, ali, que não seja problematizado: sentido da vida; percepções do corpo; relações sociais e de poder; papel e função das instituições sociais, políticas, econômicas e religiosas; seleção das datas comemorativas (!); cronologia histórica nacional e mundial; narrativas eurocêntricas; relação de "saberes e poderes" de caráter religioso e suas tradições; divisão de classes no modo de produção capitalista (e só no capitalista) e, por fim, fenômenos sociais de modo a "desnaturalizar (!) modos de vida, valores e condutas". É a morte, por asfixia, do livre pensar.


Zero Hora, 17 de janeiro de 2016
 

Percival Puggina

15/01/2016

 Sempre que o sujeito aparece como premido por alguma investigação ou, mas grave ainda, como "premiado" na delação de alguém, a saída é quase sempre a mesma: trata-se de regular contribuição para despesas de campanha. Tudo de acordo com a regra e aprovado, direitinho, pela Justiça Eleitoral.

 Estamos tão habituados a isso quanto com a conversa daqueles que jamais estão a par de qualquer irregularidade, ainda que tenham a seu dispor multidão de servidores e instituições regiamente pagos para tarefas de fiscalização e controle. Tais autoridades nunca se surpreendem porque, mesmo depois de informadas, continuam sabendo coisa alguma. Afinal, mais de duas dezenas de ministros e ex-ministros da presidente estão sob investigação.

Aliás, cadê a faxineira? Alguém despediu a faxineira?

Tão verdadeiro quanto o que acabo de afirmar é algo de que poucos se dão conta. Refiro-me ao fato de estarmos, nós, os pagadores de impostos, a sociedade como um todo, pagando caríssimo as contas da vitória eleitoral conquistada pelo governo da União em 2014. O aumento da inflação, a recessão, o desemprego, o déficit nas contas públicas, a decadência da qualidade dos serviços prestados, o descrédito do país no mercado internacional, tudo é parcela da mesma conta.

O governo, para criar um clima de euforia na sociedade, injetou droga pesada no subconsciente coletivo. Estourou todos os caixas do setor público. Queimou centenas de bilhões de reais e de dólares e o país se enterrou fundo na toca do coelho falante onde era encenado o país das maravilhas. E o diabo foi sendo feito.

Soube-se, por fim, que a toca era apenas isso, que o buraco era mais em baixo e que havia centenas de bilhões a serem pagos. Eis por que, ao custo dos serviços que não se tem e aos males de uma economia em crise, somam-se os valores financeiros referentes à elevação da carga tributária. Há um pacote de medidas em gestação. Sempre há um pacote de medidas em gestação quando governos irresponsáveis gastam mais do que arrecadam. Recentemente, depois de deixar claro que não haverá correção da tabela do IR (o que representa elevação iníqua da alíquota de contribuição) o Leão passou a cogitar de uma faixa adicional de 35% para o Imposto de Renda.

Tudo isso e mais o que a criatividade fiscal venha a produzir nos meses vindouros pode ser enquadrado na rubrica geral "contas de campanha". E se assim como eu, diante dessa constatação, você se sente otário, tirado para bobo da corte brasiliense, saiba que tem a minha solidariedade. Afinal, a conta que estamos pagando foi criada para eleger o governo e o Congresso que temos.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

11/01/2016

Nessa encrenca política, típica de republiqueta bananeira em que o país está enfiado, volta e meia a frase que dá título a este artigo é pronunciada, com poses de estadista, por membros do partido governante. Que é isso, companheiro? Prá cima de mim? Desmentidos a respeito dessa alegada luta pela democracia são abundantes, inclusive entre participantes da atividade clandestina que, mais tarde, se tornaram honestos historiadores do período. Exatamente por esse motivo nenhum está no governo. A balela da luta pela democracia requer relação inescrupulosa com a verdade.

 Aliás, os supostos "mártires da democracia e da liberdade" comandam o Partido dos Trabalhadores em proporções decrescentes. Muitos enriqueceram com indenizações. Ou por meios ainda piores. Outros já morreram ou se aposentaram. Mas - curioso fenômeno - as fraudulentas credenciais da luta pela democracia são transmitidas, oral e magicamente, entre sucessivas gerações de comunistas brasileiros.

Sempre que penso sobre isso me vem à mente um episódio no qual terroristas e guerrilheiros tiveram a oportunidade de proclamar ao Brasil quem eram e o que pretendiam. E o fizeram, para a História, de viva voz e próprio punho. Era o mês de setembro de 1969. Duas organizações guerrilheiras, a ALN e o MR-8 haviam sequestrado o embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, e imposto condições para libertá-lo: soltura de 15 presos políticos e leitura em cadeia nacional de rádio e TV de um manifesto que haviam redigido. Naqueles dias, estava em plena vigência o AI-5 e o Brasil era governado por uma junta militar, em virtude do derrame cerebral que acometera o presidente Costa e Silva. Embarcar os presos para o México e para Cuba era fácil, mas autorizar a publicação nos principais jornais e a leitura em cadeia nacional da catilinária dos sequestradores era constrangedora rendição. Contudo, a execução do embaixador pelos sequestradores seria um mal maior. E a junta militar se rendeu.

O país parou para ouvir o texto redigido por Franklin Martins, um dos sequestradores. Oportunidade preciosa, dourada, única para guerrilheiros e terroristas dizerem por que lutavam, afirmarem seus mais elevados compromissos e cobrá-los do governo, não é mesmo? Qual o quê! O documento (leia a íntegra em "Charles Burke Elbrick" na Wikipedia) foi uma xingação que falava do que os revoltosos entendiam: ideologia, violência, "justiçamentos", sequestros, assaltos. Não há menção à palavra democracia ou à palavra liberdade.

A seca do Nordeste ajuda mais a venda de ingressos para o desfile das Escolas de Samba no Rio de Janeiro do que a luta armada serviu à redemocratização do país. Na prática, só atrapalharam o processo político. Se tivessem vencido? Bem, teriam antecipado para pior, em meio século, o estrago que estão fazendo agora.
 

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

08/01/2016

 

 As lágrimas de Obama emocionaram o mundo. Não consigo sequer imaginar, como pretenderam alguns, que elas tenham sido produto de talento teatral. Não! Ele não é ator tão competente nem faltam ao massacre de Sandy Hook motivos para uma verdadeira torrente de lágrimas.

No entanto, é abusivo valer-se das lágrimas de Obama para combater, no Brasil, propostas que buscam proporcionar ao cidadão condições de defender a si e à sua família. Obama chorou mesmo, sem qualquer mistificação. Mistificadores, estes sim, são os defensores de bandidos que enchem as páginas de nossos jornais usando expressões tipo "bancada da bala" e "turma do bangue-bangue" para se referirem aos que, como eu, querem ver assegurado aos cidadãos de bem o direito de defesa num país que se entregou para os criminosos.

Os adversários do direito de defesa nos querem totalmente desprotegidos, em quaisquer circunstâncias. Para eles, as armas devem ser privilégio da escassa e acuada autoridade policial e da multidão de criminosos que, em imensa superioridade numérica, infesta nossas ruas. Se jornalistas, apressam-se a exigir que a polícia trate facínoras como se cavalheiros fossem. Se governantes, não constroem presídios e descuidam dos recursos materiais e humanos da segurança pública. Se membros do Poder Judiciário, são "garantistas" e se comprazem em soltar bandidos, ainda que presos em inquestionável flagrante. Se políticos e integrantes do mundo acadêmico, vêm a criminalidade como evidência da luta de classes e não da eterna luta do bem contra o mal.

É assim que pensam e agem, meu caro leitor, sob influência ideológica do partido governante, o Estado brasileiro, o governo e a administração pública. É assim que se orientam, majoritariamente os meios de comunicação, a Justiça e os educandários, em especial o mundo acadêmico. A Nação está confiada a quem assim pensa e decide. E isso nos deixa praticamente sem saída se a população não desacomodar sua opinião do sofá e sair com ela às ruas.

Inegável dado proporcionado pelos fatos: somos conduzidos por pessoas que romperam seus vínculos com o mundo real. Mudaram-se para a utopia e em seu conforto habitam. Basta ouvi-los para perceber que ocultam tudo, menos isso. Com raras, raríssimas exceções, querem a continuidade de tudo, com Dilma e o PT. Creem ser disso que necessitamos para sair da pavorosa crise em que "o mundo" e a "oposição raivosa" nos meteram. O desarmamento das pessoas de bem é parte imprescindível desse projeto de malucos.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

06/01/2016

 

Leis e instituições devem estar ordenadas pela razão, a serviço do bem comum. Há problema grave quando as instituições operam para si mesmas, ou quando a lei determina práticas que entram em contradição com o bem comum. Não hesito em afirmar que a legislação trabalhista brasileira, os mecanismos criados para regular as relações laborais e os critérios dominantes na Justiça do Trabalho produzem tal efeito. Gerar empregos, no Brasil, não é bom. É péssimo. São tantas e de tal monta os encargos incidentes sobre as folhas de pagamento que os trabalhadores recebem menos do que deveriam e os empregadores pagam mais do que poderiam.

Um amigo meu, dono de construtora, precisava, há alguns anos, concluir uma obra em ritmo acelerado. Seus operários faziam hora-extra na satisfação de quem, trabalhando mais, ganharia mais para sustento de sua família. A fiscalização chegou ao local e constatou que dois deles haviam excedido o número de horas permitido. Esse fato gerou uma multa em montante escandaloso. Danem-se, perante a fria norma, os interesses comuns de empresários e trabalhadores.

Certo construtor contratou os serviços de remoção em caminhão do entulho gerado em sua obra. Encerrados os serviços e pagos os valores ajustados, foi demandado em juízo pelo caminhoneiro e condenado a pagar, para o caminhão, férias, fundo de garantia, 13% salário e tudo mais.

José, mau patrão, despede seus funcionários como forma de não pagar o que lhes é devido e empurra para frente, em longos processos, o cumprimento de obrigações patronais irrecusáveis. Diz José que mediante acordos acaba pagando menos do que deve. “Já que todos vão para a justiça, faço meus acertos lá, de uma vez só”, conclui ele.

Antônio, mau empregado, foi despedido. Seu patrão pagou tudo que lhe era devido e ainda assim precisou enfrentar uma ação trabalhista cujo montante superou todos os salários recebidos pelo trabalhador durante os meses em que serviu à empresa.

Que sistema é esse que beneficia o mau empregado e o mau empregador? Serve ao bem comum uma situação que inibe e penaliza a decisão de empregar e faz com que todo empresário anseie por operar com um quadro de pessoal inferior até mesmo ao mínimo indispensável (e que se ergue sobre sua cabeça como uma espada de Dâmocles)? Será assim que vamos gerar trabalho para os desempregados do país?

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

                

Percival Puggina

03/01/2016

 

 A frase vem sendo pronunciada por muita boca bem falante e mal pensante: "Está tudo sob controle, a democracia consolidada e as instituições funcionando". Sim, sim, claro. E eu quero saber onde caiu a minha chupeta que está na hora de nanar.

 Não somos crianças. Falem sério! Está tudo sob controle de quem? Como ousam chamar democracia o ambiente onde agem essas pessoas que se acumpliciaram para dirigir a República? A única ideia correta na citação acima é a que se refere às instituições. Elas estão funcionando, mesmo. O Brasil que temos, vemos e padecemos é produto legítimo e acabado do seu funcionamento. Acionadas, produzem isso aí. Sem tirar nem pôr.

 Eis o motivo pelo qual os figurões do governo frequentemente sacam de sua sacola de argumentos a afirmação de que as coisas sempre foram assim. De fato, embora não no grau superlativo alcançado nos últimos 13 anos, o modelo institucional republicano tornou crônicos os mesmos males. Em palestras, refiro-me a isso mediante uma analogia. Instituições, digo, são como sementes. Uma vez plantadas, germinam, ou seja, funcionam e produzem conforme determinado pela natureza da semente. É o nosso caso. À medida que a urbanização nos tornou sociedade de massa e o Estado empalmou o poder (vejam só!) de definir os valores, a verdade e o bem, decaiu o padrão cultural e moral médio, inclusive, claro, dos membros dos poderes de Estado. Eu assisti isso. Mas a sedução do modelo aos piores vícios, a destreza com que gera crises e a inaptidão para resolvê-las é exatamente a mesma ao longo do período republicano.

 A ordem juspolítica engasgada pretende, agora, obrigar-nos a arrastar por mais três anos esse peso governamental insepulto como se fosse honorabilíssimo dever cívico. Graças a ele, o ministro Toffoli proclama que o STF, cada vez mais, se afirma como Poder Moderador. Credo, ministro! O topo do Poder Judiciário, sem voto e sem legitimidade, pretende usurpar vaga no topo do Poder Político? Bem, foi isso que se viu na deliberação sobre do rito do impeachment.

 Precisamos, sim, de um Poder Moderador, que não se legitima com mero querer de um grupo bem suspeito de pessoas, mas com a separação consolidada na quase totalidade das democracias estáveis: o chefe de Estado (Poder Moderador) é uma pessoa e o chefe de governo é outra (que cai por mera perda de confiança). O impeachment, lembrava Brossard, nasceu na Inglaterra medieval e sumiu, substituído pelo voto de desconfiança dado pelo parlamento. Mas nós gostamos, mesmo, é de pagar caro por esse sistema travado e encrenqueiro que aí está.

Zero Hora, 3 de janeiro de 2016