Percival Puggina

31/12/2015

 

 Já fizemos desastrosas experiências com líderes carismáticos. Fomos do empresário bem acabado e milionário Collor ao operário mal acabado e pobretão Lula. Hoje não se sabe qual o mais abastado. Exceto pelos dois beneficiários, foi tudo em vão porque líderes carismáticos são causa de instabilidade e insegurança política. Embora tantos preguem diferente, a política pode passar muito bem sem pessoas assim. Ela precisa é de líderes capazes de conduzir competentemente o barco nacional. Nós temos Dilma Rousseff.

 Entre honrosas exceções, a maioria dos políticos brasileiros cuidam do próprio barquinho. Essa condução, quando envolve interesse nacional, decide seu rumo sentindo para onde aponta o vento da opinião pública. Não são líderes, mas seres erráticos liderados por orientações mutáveis como as brisas, os ventos e os redemoinhos. Observem o PMDB e depois me digam se estou errado. Quantos deputados têm tutano para subir à tribuna e enfrentar a ira das galerias?

 Agora, a presidente Dilma. O governo petista, desde 2003, deu continuidade àquilo que o PT sempre foi - uma escola da mentira. Mentiam sobre si mesmos, sobre a História, sobre os outros destruindo injustamente muitas reputações, mentiam sobre suas reais intenções, sobre a conduta de suas referências internacionais. Mentiram tanto que convenceram a maioria da sociedade que as demagógicas bandeiras e propostas com que atacavam todos os governos ao longo de seu caminho trariam a prosperidade e a paz social. No entanto, às vésperas da eleição de 2002, rasgaram toda a parolagem num picador de papel e redigiram a famosa "Carta ao povo brasileiro". Nela, desmentiram-se publicamente. Quatro anos mais tarde passaram a desmentir a própria carta e, gradualmente, foram quebrando o país. Para esconder a quebradeira mentiram como nunca em 2014.

Melancólico final de ano vivido pelo Brasil! Somos objeto de escárnio e do descrédito internacional. Somos vistos como um país onde governantes roubam e deixam roubar. Ou você já viu algum alto dirigente do partido, ou gestor no governo, tomar a iniciativa de denunciar pixulecos e falcatruas ocorridos sob seus olhos? Nosso governo enfrenta indizível rejeição popular e não renuncia. Apenas silencia.

O silêncio de Dilma no Natal, por exemplo, deve ter sido muito apreciado por sua fiel devota, a CNBB. Sobre a reunião e confraternização das famílias e o espírito natalino, nenhuma palavra sequer da pessoa que deveria liderar o país. Nem mesmo genéricos votos de uma Noite Feliz. De Jesus, nem se fale. Agora, ao encerrar-se 2015, a presidente limitará sua fala à Nação, assim foi dito, a um artigo na Folha de São Paulo. Todo esse silêncio resulta de simples adição, cujas parcelas são: falta do que dizer, sentimento de rejeição, orgulho ferido, incompetência para o desempenho de suas funções. Se falar antes dos foguetes, leva panelaço. Se falar durante os foguetes, ninguém a ouvirá. Então, total silêncio desde o topo do poste.

Vamos enfrentar as dificuldades de 2016 com as instituições engasgadas, sob o comando de quem produziu o caos, tendo na presidência uma pessoa que confunde grosseria com autoridade, mau humor com seriedade, impeachment com golpe, mentira com verdade e verdade com mentira. É a receita certa para o fracasso.

Por tudo isso, o silêncio de Dilma é muito preferível à sua fala. Sua ausência desejada e sua presença incômoda.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

26/12/2015

 

 Em julho de 2007 eclodiu nos Estados Unidos a "Crise do subprime", que se derramou em cascata sobre as economias livres. Aqui no Brasil, porém, marxistas dos mais variados tons espocaram rojões. Tempos de festa! Comemoravam o fim do capitalismo.

Era compreensível. Ninguém pode ser comunista se não tiver fé irrestrita no profeta do Das Kapital e em suas escrituras. A festejada catástrofe haveria de mostrar aos infiéis que Marx tinha razão. Surgira a hora do Juízo Final para a economia de mercado. Lembro-me bem de Lula e seus companheiros, Brasil afora, vangloriando-se de que entre nós, sob comando de um governo de esquerda, aquele tsunami não passava de marolinha. De lá para cá, as economias livres foram buscando suas soluções, retomaram fôlego, e o Brasil se arrasta, na contramão e no acostamento, numa recessão de extensão imprevisível.

Além da corrupção, da proverbial e bem motivada incompetência dos governos petistas para quaisquer ações na área da economia, a crise de muitas faces vivida pelo país é causada, também, pela irresponsabilidade fiscal. O petismo sempre foi contra leis de responsabilidade fiscal. Sempre jogou os piores adjetivos sobre quem exigisse dos governantes uso parcimonioso dos recursos públicos. E sempre foi predador de quantos, no exercício das funções de Estado, seguissem critérios de responsabilidade fiscal. O partido se opôs à lei federal que disciplinou a matéria e, no poder, violou-a de um modo que ela define como criminoso. O PT, contra tudo e contra todos, vê mérito no que faz.

Recentemente, aqui no Rio Grande do Sul, o governo Tarso Genro, após quatro anos de gestão, deixou o Estado em situação falimentar de tal proporção que a seu sucessor não restaram nem mesmo as batatas de Quincas Borba. E saiu cheio de razão! Nestes dias, quando o novo governo gaúcho envia à Assembleia Legislativa um projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal estadual, quem se insurge contra ele? Pois é, os mesmos de sempre.

A inevitável conclusão que se extrai de tais condutas é a seguinte: quem se põe contra a responsabilidade fiscal está avisando a todos que quer liberdade para usar desmioladamente os recursos públicos. A nação está constatando isso e pagando o prejuízo.

Convém lembrar que o consentimento sobre tributos, dado por quem os haveria de pagar, e o respectivo controle, estão na origem dos parlamentos e, portanto, do moderno constitucionalismo. No sentido inverso, o desvario gastador leva descrédito às instituições, sobrepeso ao Estado, atrofia e miséria à sociedade.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

24/12/2015

 

 Não se sabe ao certo o dia, mês e ano em que Jesus nasceu. O Deus absconditus (escondido) não tinha carteira de identidade nem certidão de nascimento. O 25 de dezembro, que era uma festa pagã ligada ao solstício de inverno no Hemisfério Norte, foi definido como a data para celebrar o nascimento de Jesus apenas no ano 354, por ato do papa Libério. E como tal cruzou 16 séculos, enobrecendo o dia 25 com a perene lembrança do fato anunciado pelo anjo aos pastores, na narrativa de São Lucas: "Não tenhais medo. Eu vos anuncio uma grande alegria que será para todo povo. Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um salvador, que é o Cristo Senhor".

Há muito mais a comemorar quando, no 25 de dezembro, as famílias se reúnem, as cidades de enfeitam e trocam-se mensagens de amor e esperança em torno do Menino na manjedoura, do que quando se paganiza o Natal, celebrado em torno de nada, na desvalida substituição da fé por coisa alguma. Não estou dizendo que seja vã a reunião familiar e destituído de sentido o afeto que ali se expresse. Estou afirmando, apenas, que os adereços natalinos não fazem e não são o Natal da longa tradição cristã. Estou dizendo, também, que a descristianização em curso na cultura ocidental, a autofagia da nossa civilização, não poupa qualquer de seus fundamentos e manifestações. Metaboliza e excreta suas fontes. E por aí vai-se o belo, o bem, a verdade. Vai-se a fé e vão-se as virtudes.

Em várias ocasiões, ao longo destes últimos anos, falando a diferentes auditórios, tenho recolhido respostas a esta pergunta: "Quantas vezes, em sala de aula e em qualquer dos níveis de ensino, do fundamental ao superior, ouviram vocês referências ao extraordinário e positivo papel do cristianismo e da Igreja na história e na construção da nossa cultura e da nossa civilização?". Raramente, muito raramente, alguém responde de modo positivo a essa pergunta. E quando inverto a questão, indagando sobre menções pejorativas, as reações são unânimes. Sim, dizem, fala-se muito sobre Cruzadas, Inquisição, Galileu, Giordano Bruno... Isso não é apenas um erro. É escandalosa má fé e gigantesca omissão da verdade! Nas proporções demográficas em que acontece, está paganizando a sociedade, desinteressando os pais sobre o que é ensinado aos filhos e franqueando espaço às desmedidas ambições ditas educacionais do Estado.

Não há maior desperdício do que aquele a que é submetido o Deus que se dá como presente a quem parece preferi-lo ausente. Trocar o Natal cristão por uma festa pagã é tão mau negócio quanto trocar Jesus Cristo pelo Leviatã estatal. É preciso resistir. A todos, um Feliz Natal do Menino Jesus.

Especial para Zero Hora 20 de dezembro de 2015

 

Percival Puggina

22/12/2015

 

 Diversas vezes ao longo deste ano lastimei o "conforto das instituições", ou seja, aquela atitude que deixa tudo como está para ver como fica porque o modo como está não perturba os poderes da República. Foi exatamente o que, no julgamento da ADPF 378, motivou a inominável decisão da "suprema cortesã" sobre o rito do impeachment. Inominável? Sim, inominável. O STF não apenas decidiu que o voto secreto, usado por ele mesmo quando escolhe seus dirigentes e representantes, não vale para o parlamento. Ele estabeleceu, também, que a Câmara (representação do povo, dos cidadãos), num impeachment, pesa menos que o palito da azeitona do Martini. Qualquer pessoa alfabetizada sabe não ser isso o que a Constituição diz. Então, cabe perguntar: fosse o governo majoritário na Câmara e minoritário no Senado, não teria, a decisão, sentido inverso?

 Em nosso país, quando se trata das questões políticas de fundo, vivemos sob eclipse da razão, convencidos de que "nossas instituições são boas mas não funcionam" e de que necessitamos de quem as faça funcionar. Mas é tudo ao contrário! Elas são péssimas e funcionam perfeitamente, obrigado. Mensaleiros, oportunistas, negocistas, corruptos e corruptores agradecem, de coração, o formato que demos ao modelo político em que eles se esbaldam. Não foi sem esforço organizacional que nos tornamos o 69º país mais corrupto do mundo, com nota 3,3 num máximo de 10, apenas um ponto e meio acima do pior da lista, e palco da maior bandalheira da história universal.

 Sistemas políticos são como sementes. Postas na terra, germinam e brotam conforme o que foi plantado. Semeamos pimenteira e dela ninguém colherá morangos. O Brasil só começará a mudar se e quando compreendermos o quanto é vã a esperança de que um dia possamos obter frutos melhores desse modelo. O Brasil só mudará se e quando, de tanto “ver se agigantar o poder nas mãos dos maus” (como dizia Rui há quase um século), resolvermos promover uma correta reforma da ordem política.

Perdoe-me o leitor pelo desagradável resumo que farei de nossos males, mas ele é importante para compreensão do que escrevo. Tudo que se segue tem causa cultural, claro, e causa institucional que poderia ser evitada: a confusão entre coisas tão distintas entre si quanto Estado, Administração e Governo; a multiplicação dos cargos de confiança; o incessante aumento do Custo Brasil; a partidarização da Administração transformada em moeda de troca para manutenção da base parlamentar; o uso dos postos de mando como fonte de receita para as legendas; o fisiologismo; a infidelidade (dos partidos aos seus programas e dos políticos aos partidos); a escandalosa representação dos grupos de interesse no Congresso Nacional; a abusiva publicidade oficial; a decisiva importância da mentira e do populismo nos processos eleitorais; a partidarização dos tribunais superiores; os foros privilegiados; os labirintos recursais, as execuções penais misericordiosas. Arre! Tudo planta plantada produzindo os frutos que desaprovamos.

Reforma política tem que separar Estado, Governo e Administração e fazer com que a maioria parlamentar constitua o governo em vez de obrigar o governo a cooptar base de apoio. Precisa, também, adotar um sistema eleitoral que desestimule a representação política das corporações e grupos de interesse. Mas no Brasil, conforme ampla e longamente observado: está tudo errado, mas não mexe.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

18/12/2015

 

1. A NAÇÃO ABANDONADA

 Com as decisões de ontem, o STF evidenciou à nação o estado de abandono em que se encontra perante os poderes de Estado. Rompeu-se o fio pelo qual pendia a esperança de que em algum canto da República houvesse instituição capaz de proteger a sociedade da incompetência e da rapinagem do governo.

 O mesmo STF, que volta e meia, durante suas sessões públicas promove eleições secretas entre seus membros para postos de funções de administração e representação, exigiu comportamento inverso do poder legislativo em cuja autonomia interferiu.

Fez mais, determinou um bis in idem facultando ao Senado decidir, nos processos de impeachment, se aceita ou não a resolução da Câmara. Se o Senado (casa legislativa que representa os Estados) divergir da Câmara (casa legislativa que representa o povo), esta enfia a viola no saco e a própria decisão na lixeira. De nada terá valido.

Por fim, vedou a candidatura autônoma às cadeiras da comissão que analisará o processo de impeachment. Essa norma simplesmente dispensa a contagem de votos. A decisão sobre o andamento do processo fica transferida para os 23 líderes de bancadas. Até parece eleição cubana, que deixa o eleitor sem opção.

2. A MANIFESTAÇÃO DOS "TRABALHADORES" PRÓ-DILMA, ÀS NOSSAS CUSTAS

Abomináveis, sob todos os aspectos, as manifestações pró-Dilma na tarde da última quarta-feira. Sob forma de ato público, supostos trabalhadores, no meio da tarde, exibiram-se em diversas capitais brasileiras. Trajando seus fardamentos vermelhos, substituindo as cores e símbolos nacionais pelos símbolos e cores partidários e ideológicos, saíram ao asfalto para sustentar o governo. Assistimos, então, à notória defesa da mentira, da fraude, da dissimulação, da incompetência, da recessão, do desemprego, da inflação e da corrupção.

Trabalhadores? Sem mais o que fazer, no meio da tarde? Só podem ser "trabalhadores" sem patrão, sem compromisso laboral. Portanto, ou são servidores públicos cujos salários nós pagamos, ou são dirigentes sindicais, cujo ócio e improdutividade são incorporados aos preços dos bens e serviços que adquirimos. Ou seja, são pagos por nós...

3. A IRRESPONSABILIDADE FISCAL DO SENADO QUE VAI DECIDIR SOBRE A IRRESPONSABILIDADE FISCAL DA PRESIDENTE

Ontem, dia 17, o Senado Federal concluiu que as contas públicas estão em perfeita ordem e considerou compatível com a realidade nacional elevar os vencimentos de seus servidores efetivos no percentual de 21,3%, parcelado ao longo dos próximos 3 anos. A conta, para 2016, fica em R$ 174,6 milhões. Isso acontece num momento em que o governo, com extremo otimismo, prevê redução de 1,9% na atividade econômica do próximo ano, o que representará, inevitavelmente, queda na arrecadação. O relator do orçamento, aliás, promoveu cortes em praticamente todas as atividades do governo. E o Senado distribui favores aos seus! É essa Casa legislativa irresponsável, onde o governo é amplamente majoritário, que decidirá sobre os crimes de irresponsabilidade fiscal da presidente da República.
 

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

16/12/2015

 

 

O crime de estelionato está assim definido no Código Penal Brasileiro: "Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento". É o famoso 171. Por analogia, aplica-se a designação aos casos em que o candidato ou candidata, após vitória eleitoral, passa a fazer o oposto do que afirmara em seus compromissos e promessas de campanha. O caso se torna ainda mais grave quando esse candidato ou candidata, durante a disputa, atribuiu a seu adversário a intenção oculta de aplicar essas mesmas políticas. Tem-se aqui, com toda clareza, a obtenção da vantagem ilícita (vitória eleitoral), em prejuízo de outrem (o adversário), mediante indução dos eleitores ao erro, através de persuasivo ardil.

 Em janeiro deste ano, na eleição grega, o Syriza, partido de esquerda, obteve maioria parlamentar para formar governo com um discurso radicalmente avesso aos ajustes fiscais exigidos pelos credores. O líder partidário, Alexis Tsipras, como ocorre via de regra nos países que adotam o sistema parlamentar, assumiu o governo e durante meses tentou sustentar seu discurso. Por fim, rendeu-se aos fatos. Imediatamente após, numa atitude corretíssima, renunciou ao cargo e novas eleições foram convocadas. Seu partido voltou a vencer, e Tsipras retornou à chefia do governo com ainda maior força política e moral.

Deu para notar a diferença? Alguém alegará que o Brasil não é um país parlamentarista e que estelionato eleitoral não é crime no Brasil. Tem razão quem diz. Vender falso bilhete premiado dá prisão, mas não é crime enganar 45 milhões de eleitores (número a que se chega diminuindo dos 54 milhões de votos obtidos pela presidente os 9 milhões que ainda a apoiam). Contudo, mesmo não sendo crime, os artífices desse estelionato deveriam andar pelas ruas, pelos aeroportos, pelos restaurantes do país, com os olhos baixos, constrangidos de encararem a sociedade à qual, iludiram de modo ardiloso. Esta seria a atitude moralmente exigível e não a arrogância que ostentam quando exigem que a legitimidade do mandato assim conquistado possa valer, inclusive, como blindagem contra julgamento por posteriores crimes de responsabilidade fiscal. Aí estamos diante de uma indignidade que nem mesmo uma dúzia de adjetivos pesados são insuficientes para caracterizar.

Julgo que a atual crise brasileira geraria algum ganho se desse causa a uma reflexão nacional sobre a irracionalidade do nosso sistema de governo (que funciona como um amplificador de crises) e convencesse nossos legisladores da necessidade de separar Estado, governo e administração (causa principal do descontrole fiscal e da corrupção). A menos que queiramos continuar sendo enganados.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

14/12/2015

 

 Tenho muito orgulho dos meus leitores. É admirável a riqueza de conteúdo dos comentários que fazem no meu site (www.puggina.org). Por isso, recomendo sempre que acessem os artigos ali. Também meus espontâneos, inteligentes e criativos comentaristas merecem a atenção dos leitores.

 Quero destacar uma das observações feitas ao texto sobre desarmamento (DESARMADOS!) que pode ser lido em http://www.puggina.org/artigo/puggina/desarmados/5593. Nela, o leitor José Luiz de Sanctis chama a atenção para o fato de que as estatísticas usadas pelos defensores do desarmamento distorcem a realidade porque apenas registram os casos em que as vítimas reagiram e se deram mal, mas não levam em conta todas as outras em que reação oportuna e correta as protegeu de um ataque. E lembrou: "Ninguém registra uma ocorrência para relatar que foi quase vítima".

A leitura dessa mensagem fez-me lembrar episódio do qual fui protagonista. Ele serve como bom exemplo sobre como a atitude de prontidão pode evitar um ataque criminoso. Eu estava fora do carro totalmente exposto a dois meliantes que se aproximavam. Não havia tempo para embarcar pelo lado oposto. O simples gesto de abrir a porta do carona, fingir que manipulava de costas o porta-luvas e postar-me em atitude de espera, com as mãos vazias para trás, evitou o que certamente seria um assalto. A mera hipótese da arma foi suficiente para desestimular o ataque. Em contrapartida, a certeza da inexistência de meios de defesa permite aos criminosos selecionarem milhares de vítimas, todo dia, com a tranquilidade de quem escolhe frango assado em forno de lancheria.

A posse de arma de fogo, por proprietário treinado e bem orientado, pode ser artefato supérfluo num país civilizado, policiado, onde a lei penal funcione e a população se sinta segura. Mas o Brasil tem dez das vinte cidades mais perigosas do mundo! É o país onde o Estado oferece mais garantias aos bandidos do que aos cidadãos. Aqui, o crime compensa, proporcionando muito lucro a baixíssimo risco. Impor a uma população submetida a tais condições, obstáculos intransponíveis à posse de armas, não é apenas negar-lhe um direito fundamental. É perversidade, travestida de benignidade. Ou seja, é o pior tipo de perversidade.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

11/12/2015

Não há tese errada, prejudicial ou desastrosa, sob o ponto de vista social, político, moral ou econômico, que não seja, mundo afora, abraçada pela esquerda. Desarmamento da população civil, entre elas. É inconcebível a irresponsável superficialidade, despegada do mundo real, com que os defensores do desarmamento tratam de uma questão tão prática. Transcrevo abaixo, então, para reflexão dos leitores, experiência que relatei numa crônica de 2011. Inúmeros pais de família devem ter passado por situações semelhantes.

 O sino de uma igreja distante ecoara doze badaladas, dando por encerrado o dia. Caíra sobre a cidade um silêncio quase campeiro. Silêncio que faz milagres. Até os surdos ouvem o ruído da mais bem lubrificada dobradiça. Eis que a queda de um pequeno objeto faz rugir o travesseiro. Sim, sim, foi exatamente o que você ouviu, Percival. No andar térreo, alguma coisa caiu e precipitar-se ao solo por conta própria não faz parte da natureza das coisas! Na escuridão da casa, no desprotegido abandono do leito, um calafrio se insere sob o pijama e percorre a coluna vertebral em velocidade vertiginosa, imantando os cabelos da nuca, que se erguem em apavorada prontidão.

 Suponha-se vivendo tal situação, leitor. Uma verdade alarmante se instala na consciência: você é o homem da casa. Cabe-lhe agir. Suas possibilidades serão poucas. Você, por exemplo, pode ser um seguidor dos maus conselhos da esquerda, que atribui a mortandade de brasileiros à arma trancafiada na gaveta do cidadão de bem. Consequentemente, terá aderido à tese de que a promoção de nossa segurança, em igualdade de condições com quem nos agride, deve ser monopólio do Estado. Você entregou ao Estado as armas que tinha... Nesse caso, pegará o telefone e chamará a polícia. Tenha fé que em questão de segundos sua casa será palco de verdadeira operação de salvamento. Haverá PMs enfiando-se sob as portas e subindo paredes como lagartixas. O visitante noturno desejará ter nascido astronauta.

 Mas não, você tem uma arma em casa. Se você for dos que se submeteram à peregrinação imposta a quem pretende ter e conservar arma legalmente havida, veja bem o que vai fazer com ela porque a lei não trabalha em seu favor. Mas se for dos que se recusaram a ser achacados por mais e mais taxas, a correr atrás de renovações de licenças e a tirar negativas que vencem antes de saírem da impressora da repartição, deixe a arma onde estiver. É o que o governo quer. Você não imagina o bode que vai dar se pegar aquele objeto. Parta para outra. Repasse mentalmente tudo que aprendeu nos filmes de Bruce Lee, Van Damme e Chuck Norris. Afinal, se até o Steven Seagal, gordo como está, é capaz de surrar meia dúzia com uma mão nas costas, você muito provavelmente conseguirá dar um bom corretivo no invasor antes de que ele possa dizer "Fui!".

Neste país da tese pronta, do relatório técnico copiado da Wikipedia, tenho ouvido muita gente defender o desarmamento tirando do bolso o discurso segundo o qual, num assalto, a chance de sofrer lesão física é muito maior entre os que reagem do que entre os que não reagem. Não tenho dúvidas quanto a isso porque, geralmente, a reação é estabanada e o fator surpresa corre a favor do assaltante. Em situações assim, evite mesmo reagir. Mas existem muitas outras em que as circunstâncias facultam à vítima essa vantagem, seja preparando-se ela para surpreender o agressor, seja espantando-o com um tiro de advertência.

Só alguém muito ingênuo não percebe a quem convém a condição totalmente indefesa da população civil ordeira. No campo, serve aos invasores; nas cidades aos bandidos; e na vida social e política a quem controlar o armamento. Dê uma olhada na cena desse debate. Veja quem, sistematicamente, se mobiliza pelo desarmamento. Veja quem gosta de falar em "bancada da bala" para se referir aos parlamentares que querem ver respeitados os direitos de autodefesa dos cidadãos. E saiba: a ingenuidade nunca foi atributo deles! Não vou cobrar royalties por esta verdade cristalina: o crime organizado, o PCC, o Comando Vermelho e o governo estão afinadinhos com o desarmamento da população.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
 

 

Percival Puggina

07/12/2015

 

 Uma das fotos estampadas em ZH, na última quinta-feira, mostrava numeroso grupo de parlamentares da base do governo irradiando indizível felicidade. Melhoraram os números da economia? O PIB cresceu? O desemprego diminuiu? Nada disso. Festejava-se a elevação do déficit fiscal para R$ 120 bilhões. Sirvam-se os drinques! O barco afunda, mas o poder é uma festa. Afinal, ele é tudo que importa. Minutos depois, a notícia da abertura do processo de impeachment caía como uma pedra no enorme aparelho digestivo do governo. Não havia sal de fruta suficiente para tamanho mal estar.

A mentira é o primeiro degrau da corrupção. O sofisma é o segundo. Ambos corrompem a verdade e o resto vem com o tempo e com as ocasiões. Diferentemente do que o governo passou a dizer, a relação de Cunha com o impeachment é funcional e a divergência entre ele e o governo é coisa de família, desentendimento na firma. Não há princípios, nem valores, nem qualquer verdade em jogo. Seus negócios foram descobertos pela mesma Lava Jato que o PT dizia ser golpista.

Cunha é muito menos dono do impeachment do que eu. Jamais disse palavra a favor. Contra minha vontade (ede dezenas de milhões de brasileiros), sentou-se ele, por meses, sobre trinta e tantos requerimentos. Ou não? Também nistoobsequiou ao PT tanto quanto o serviu, durante anos, na base do governo. Sua prolongada indecisão arrefeceu as mobilizações de rua. Bem como o governo queria. É totalmente fraudulenta, portanto,a tentativa de colocá-lo no papel de dono do impeachment, como se fosse coisa dele e de gente como ele.

Insustentável, também, o xingatórioque qualifica como coxinhas, lacerdistas, golpistas e gente da pior espécie os que querem ver o governo pelas costas. Se assim fosse, a Constituição seria “golpista”,pois prescreve esse tipo de processo. E mais, Dilma Rousseff, com menos de 10% deapoio um ano após fazer52% dos votos válidos, teria sido eleita por “gente da pior espécie”. Nem o xingamento fica em pé.

O governo já foi longe demais, em tudo. Levou a inépcia aos requintes. Forneceu provas abundantes de que o STF errou ao desconhecer, na ação penal do mensalão, o crime de formação de quadrilha. À vista de seu governo, a gestão do companheiro Collor foi exemplo de austeridade. E de nada vale a presidente dizer que não roubou e não escondeu dinheiro no Exterior porque não é disso que a acusam. Seus crimesforam de responsabilidade fiscal.Ponto e basta. Voltemos às ruas, nós, os donos do impeachment!

ZERO HORA, 6 de dezembro de 2015