Percival Puggina

28/02/2018

 

Um dos mais lúcidos intelectuais do século XX, Ignazio Silone, depois de militar no Partido Comunista Italiano, tornou-se um profeta do fim do marxismo, rompendo com o PCI para se manter “fiel a certas verdades incorruptíveis”. Em 1931 ele foi procurado por Palmiro Togliatti, que tentava evitar sua saída do partido. Como os argumentos de Togliatti incluíssem a defesa das “inexoráveis formas históricas de ação”, mesmo que parecessem abomináveis, Silone retrucou: “E esquecer, para o êxito da luta, os motivos pelos quais entramos nela?”.

Quando foi armada a trama que empurrou Trotski para o exílio onde acabou assassinado, Stalin incumbiu o búlgaro Vasil Kolaroff de ir à Itália para justificar aos comunistas italianos o que estava acontecendo. Dadas as explicações, Vasil voltou-se para Silone: “Fui claro?”. E Silone respondeu: “Sem dúvida”. “Ficou persuadido?”, insistiu o búlgaro. “Não!”, retrucou Silone. “Por que não?”, quis saber o embaixador de Stalin. “Para responder-lhe, eu teria que expor as razões pelas quais sou contra o fascismo”, arrematou, áspero, o italiano.

Anos mais tarde, convertido ao cristianismo, Silone escreveria em “Vino e pane” (1955): “A futura revolução russa provavelmente terá como palavra de ordem a afirmação de que o marxismo é o ópio do povo”. O ópio, como se sabe, turva a memória e a consciência.

Essa profecia não se concretizou na totalidade, mas o fato é que o marxismo perdeu seu protagonismo em todas as esferas de poder e a “futura revolução russa” veio três décadas mais tarde na libertação em cascata que extinguiu a União Soviética e reduziu o poder da Rússia. O marxismo a que se referia Silone virou caldo de cultura para as vanguardas do atraso em países do Terceiro Mundo. A história comprovou, em todos os casos, que comunismo e fascismo são iguais quanto aos meios.

As manifestações em defesa do presidente Lula, para lhe proporcionar alguma credibilidade, precisam não apenas do descrédito das instituições, mas do total aniquilamento do senso comum. Lembrei-me, por isso, dos diálogos acima descritos. Como reagiria Ignazio Silone se tivesse ouvido, ainda como homem de esquerda, as explicações da militância lulista? Ficaria ele persuadido? Certamente, não. Contudo, a mesma inconsistência que o italiano identificava no comportamento de seus camaradas se repete no Brasil, fazendo com que a ideologia, qual ópio do povo, turve o senso crítico dos companheiros, se sobreponha às evidências, faça esquecer os motivos pelos quais dizem lutar e resulte em algo tão análogo ao fascismo. E tudo é feito em nome das “inexoráveis formas históricas de ação”.

Nota do autor: Aos 60 anos da revolução cubana, estou ultimando uma nova edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


             

Percival Puggina

25/02/2018

 

Existem correntes políticas e jurídicas sem qualquer entusiasmo para combater a criminalidade. Precisam dela para “justificação” de malsucedidas teses sócio-políticas e econômicas. Parte importante de sua tarefa, aliás, consiste em convencer as pessoas de que a criminalidade é subproduto da desigualdade social. E sabem que quem acreditar nisso estará assumindo, também, que basta implantar o socialismo para a harmonia e a paz reinarem entre os homens. Sim, sim, claro...

Num dos primeiros atos da intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro, moradores da vila Kennedy, Vila Aliança e Coreia foram objeto de abordagem de rua com identificação para verificação de antecedentes criminais. A operação começou bem cedo, na manhã do dia 23 de fevereiro. Mais de três mil soldados retiraram barricadas instaladas pelos criminosos e passaram a fazer a identificação dos transeuntes. Enquanto isso, solicitavam aos moradores, por alto-falantes, que colaborassem com a operação denunciando traficantes.

Os defensores de direitos humanos, membros da defensoria pública e representantes da OAB-RJ logo se apresentaram para reprovar o que designavam como criminalização da pobreza e grave violação de garantias constitucionais. O Comando Militar do Leste discordou: “Trata-se de um procedimento feito regularmente, legal, cuja finalidade é acelerar a checagem nos bancos de dados da Segurança Pública”. Ademais, o tipo de operação está previsto no Decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) assinado por Temer em 28 de julho de 2017.

Comprova-se o que afirmei no primeiro parágrafo acima. De um lado, os traficantes, os barões do crime, os comandantes das facções se escondem nas favelas valendo-se da proteção que tais conglomerados proporcionam. De outro, entidades e instituições com orientação esquerdista, ou autorrotuladas como defensoras de direitos humanos, buscam inviabilizar a ação policial onde necessária e urgente. Mesmo uma simples identificação é apontada como perturbadora e ofensiva à dignidade daquelas populações. Na próxima vez que me pararem no trânsito devo convocar a OAB e a Defensoria Pública?

Pergunto: onde se escondem essas instituições e as tais comissões de “direitos humanos e cidadania” quando armas de guerra ceifam vidas inocentes nessas mesmas comunidades? Entre tiroteios, balas perdidas e rajadas de metralhadora, e uma simples identificação de rua, qual deve ser a escolha de uma mente sadia? Ora, senhores! Trégua ao cinismo e à hipocrisia, por favor! Querem prender criminosos mediante intimação por edital, carta registrada, telefone?
Só uma profunda desonestidade intelectual pode justificar o argumento de que operação desse tipo não aconteceria no Leblon. Bandidos devem ser buscados onde habitualmente se escondem. A decisão de realizar operações cá ou lá não é tomada por preconceito, mas por estatística.

Nota do autor: Aos 60 anos da revolução cubana, estou ultimando uma nova edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.


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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

23/02/2018

 

 Quando eu era criança, em Santana do Livramento, brincava-se com bolinha de gude. Por influência castelhana chamava-se “jogo de bolita” e era disputado “às brinca” ou “às ganha”. Às brinca jogava-se por diversão; às ganha, pela bolita do adversário. Daí a pergunta: a intervenção no Rio de Janeiro é às brinca ou às ganha?

Não posso sequer imaginar o Exército de Caxias descendo o morro, cabisbaixo, derrotado por homicidas, ladrões, traficantes e estupradores, sob o olhar desesperançado da população. Jamais!

A reprovação da oposição e movimentos sociais à intervenção no Rio de Janeiro se dá por motivos militares? Motivos policiais? Não. Por insuficiência dos meios em relação aos fins? Tampouco. Ela é determinada pelos motivos ideológicos de costume. São os mesmos que sempre estiveram ao lado da criminalidade. São os mesmos que a percebem como força auxiliar no processo da revolução social com que perfilam seus palanques e tribunas. Deles, em circunstância alguma, se ouviu palavra de reprovação a quaisquer condutas criminosas que não fossem atribuíveis a seus adversários. Nunca se ouviu dessa esquerda vociferante uma advertência sequer aos bandidos do país. Nos diferentes níveis de governo ou fora deles, governando ou impedindo de governar, legislando ou impedindo de legislar, sempre se alinharam com a justificativa ideológica da criminalidade. Nas comissões de “direitos humanos” dos parlamentos e nos conselhos nacionais, estaduais, municipais e siderais de igual viés, sempre se instalam, constrangendo e recriminando a atividade policial.

Trata-se de uma percepção política da Moral. Esse grupo - como reiteradamente tenho comprovado na experiência de décadas de debates - crê com fé religiosa que o capitalismo, o livre mercado e a propriedade privada são as causas da pobreza, das desigualdades sociais e as gêneses de todo mal. Por mais que a realidade, o presente e a história os contradigam, sustentam que, eliminados tais fatores, não só o mal deixaria de existir, mas a humanidade emergiria num paraíso de amor e paz. Quem acredita nisso conclui que não se deveria criminalizar a conduta de quem conduta diversa não possa ser exigida. Para esses preconceituosos, o pobre em nome de quem dizem falar é um bandido em potencial.

Voilá! A impunidade e seus corolários infiltram-se, por essa fresta, no lado formal, estatal, público, da cadeia produtiva da criminalidade. É um verdadeiro self service de leis brandas, persecução penal constrangida a escalar exaustivas e morosas escarpas recursais, penas mínimas, cadeias de menos, garantias demais, indenizações aos presos, progressões de regime, arrombados semiabertos, “prisões” domiciliares, maioridade aos 18 anos, restrições ao regime disciplinar diferenciado, indultos, ativismo judicial, insegurança jurídica, e o Poder Judiciário atabalhoado entre interpretações contraditórias. Quem buscar causas para o vertiginoso crescimento da criminalidade no Brasil se irá deparar, necessariamente, com a impunidade, esse verdadeiro energético aplicado diretamente nas artérias do mundo do crime. Sobre tudo isso, um desarmamento que permite selecionar a vítima com o dedo, assim como se elege o frango assado na vitrine da mercearia.

A criminalidade declarou guerra à nação e as Forças Armadas foram convocadas a intervir. Não posso imaginar o Exército de Caxias descendo o morro em retirada. Nem consigo supor que vá, simplesmente, espanar o morro e espalhar o crime, numa operação que exige aspirador de pó. Impõe-se forte pressão social para que os entraves jurídicos sejam removidos, a bem da segurança de todos e, principalmente das populações usadas como valhacoutos dos barões do crime.

 

Nota do autor: Aos 60 anos da revolução cubana, estou ultimando uma nova edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.


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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

20/02/2018

 

 Tenho certeza de que esta pergunta, feita em qualquer país com instituições estáveis e racionais, pareceria uma infantilidade. Formulada no Brasil, será percebida, de imediato, com um sentido dúbio que salta aos olhos. Afinal, para que servem os ministérios?

ocê poderia pensar, por exemplo, que o Ministério do Trabalho e Emprego serve para organizar as ações e políticas do governo com vistas a ampliar o mercado de trabalho, formalizar e fiscalizar as relações trabalhistas e coisas assim. Poderia, mas não pensa. No fundo, você sabe que esse ministério pode servir, por exemplo, para que Roberto Jefferson, presidente do PTB, proporcione um mimo à própria filha, com direito a lágrimas de emoção e beijos de gratidão. Não tapemos o sol das fotos com a peneira dos decretos de nomeação. Ademais, o PTB tem, no Congresso, uma bancada de 20 deputados federais e 2 senadores que fazem peso quando o placar de votação fica apertado. Revela-se, assim, outra finalidade dos ministérios: eles são intercambiáveis com votos das bancadas partidárias que se credenciam ao direito de designar seu titular. Enfim, poderíamos seguir alinhando outras utilidades e usos maliciosos dos gabinetes na Esplanada: nomear afilhados, fazer negócios, arrecadar contribuições e comissões, ajudar a mídia amiga, atender a companheirada, angariar prestígio, e por aí vai.

Nos regimes de gabinete, parlamentaristas ou semiparlamentaristas, é a maioria formada por afinidade das bancadas eleitas que escolhe o chefe do governo e governa junto com ele. Quando o governo perde a maioria, por abandono ou traição dentro da base, cai. Esse preceito, ao contrário do que parece, tem consequência muito benéfica na conduta dos parlamentos. No presidencialismo, é o governante eleito que, permanentemente, precisa estar no balcão comprando, voto a voto, uma base que o sustente e isso corrompe o governo e o Congresso.

Se você achava ruim a concessão de um ministério à filha do presidente do PTB com vistas aos votos partidários, imagine a criação de 15 ministérios novos com objetivos semelhantes! Em 2002, o governo federal tinha 24 ministérios. Catorze anos mais tarde, o governo Dilma chegou a seu melancólico fim com 39 cadeiras ao redor daquela mesma mesa. E a vida, como se sabe, só piorou. O governo Temer voltou aos 24 e, agora, está criando o 25º para a Segurança Pública.

Muito mais importante do que reprovar o tipo de negócio feito nos prédios da Esplanada dos Ministérios é compreender o quanto é perniciosa a regra desse jogo político que transforma o governo num loteamento e o voto parlamentar em mercadoria com cotação unitária flutuante na bolsa política. É hipocrisia reprovar o eleitor que vende seu voto quando os membros do parlamento, a toda hora, fazem o mesmo com seu “Sim” e seu “Não” no painel de votação.

Nota do autor: Aos 60 anos da revolução cubana, estou ultimando uma nova edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

18/02/2018

 

 Durante duas décadas falei quase sozinho na imprensa gaúcha contra o amplo leque de males que iam entregando a sociedade como prato feito nas mãos da criminalidade. Perdi a conta das vezes em que fui acusado de ignorar a causa que seria determinante da insegurança em que vivemos – a desigualdade social, “mãe de todas das injustiças”. Como se fosse! Como se nessa afirmação não gritasse tão alto o preconceito! Como se os arautos da afetada justiça social não vissem a miséria e a desesperança nos olhos de cubanos e venezuelanos! Mesmo assim cultivam, como manifestações da almejada luta de classes, a violência e a insegurança, que não têm ideologia e não poupam classe social. Aliás, ninguém se protege tão bem da insegurança quanto os mais abastados e poderosos; ninguém é tão vulnerável a ela quanto os mais pobres.

O leitor atento destas linhas já deve ter percebido o quanto é velha e ideológica tal conversa. O que talvez não lhe tenha chamado a atenção é seu pacote de consequências. As pessoas que escrutinam a situação da segurança pública com lentes dessa ideologia jamais saíram em defesa da atividade policial; jamais se importaram com o fato de as demasias do ECA haverem convertido em plantel de recrutamento da criminalidade aqueles a quem se propunha proteger; jamais se empenharam na construção de um único presídio; jamais se interessaram pelo sistema penitenciário que não fosse para reclamar das más condições proporcionadas aos infelizes apenados; jamais proferiram palavra que fosse contra o generoso sistema recursal do Direito brasileiro; jamais se interessaram em agravar as penas dos crimes que aterrorizam a população; jamais olharam, sequer de soslaio, para o sofrimento das vítimas; e jamais levaram a mão ao próprio bolso para promover a justiça social que almejam produzir com os haveres alheios. Hipócritas! O único Direito Penal de seu interesse seria um que incidisse sobre os corruptos do partido adversário. Ou que levasse ao paredão quantos contrariassem seus conceitos de “politicamente correto” – uma almejada forma de “Direito” em que se fundaria, na escassez de outra, sua suposta supremacia moral.

O país foi sendo tragado pela ideologia que passou a reinar no mundo acadêmico. Através dos cursos de Direito, ela foi estropiando as carreiras de Estado, chegou aos tribunais e ganhou cadeiras no STF, onde a impunidade edificou seu baluarte e é servida com luvas brancas. Nos andares de baixo, age o esquerdismo da política partidária e do jornalismo engajado, mais tosco, unhas encardidas pelas manipulações, mistificações, ocultações, e versões, preparando a violência engelsiana, almejada “parteira da história”.

Mesmo assim, não estaríamos tão mal se ainda resistissem na cultura nacional alguns valores morais e algumas instituições a merecer acatamento e respeito. Falo das atualmente superadas e irrelevantes igrejas; falo da instituição familiar e da autoridade paterna; falo da autoridade do professor, da direção da escola, do policial; falo da experiência e sabedoria dos idosos. Mas tudo isso caiu por obra e desgraça da mesma agenda revolucionária, da zoeira, da vadiagem, da perversão em capítulos diários servida nas novelas da Globo, da ignorância transformada em nova cultura e forma de saber. E, claro, da revolucionária resistência a toda ordem e disciplina.

Amargo, eu? Amarga é a colheita desse plantio! Amargo é ver o Rio de Janeiro agonizante, sob intervenção, e saber que todos estamos contidos, a distâncias diferentes, no mesmo horizonte. Que é tudo questão de tempo. Amargo é saber que absolutamente nada do que escrevi aqui e denuncio bem antes de que pudesse produzir os atuais efeitos, será enfrentado e alterado. É saber que toda eventual mobilização social trombará nos paredões ideológicos que nos sitiaram no mundo acadêmico, nos meios de comunicação, no Poder Judiciário e no Congresso Nacional.

Nota do autor:  Aos 60 anos da revolução cubana, estou ultimando uma nova edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.


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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

16/02/2018

 

 “O Destino de uma Nação” chegou aos cinemas suscitando muitas abordagens na imprensa brasileira. Dois amigos enviaram-me, sobre Churchill e sobre o filme, textos interessantes (1) e (2). Tão logo os postei em meu blog, apareceu alguém para atacar Churchill, lançando sobre ele terríveis anátemas. Só faltou, àquele leitor, afirmar que seria melhor se o inglês não tivesse nascido. Posteriormente fui assistir ao filme (quase digo “participar”, tal a atração que a obra de Joe Wright exerceu sobre mim). Baita filme!

Volto, então, ao tema. A crítica daquele leitor é parte importante do problema brasileiro. Se você elogiar algum personagem da nossa história, sempre aparecerá alguém para lhe emporcalhar a memória. A biografia de Churchill é conhecida e, convenhamos, não é difícil transformá-lo num anjo de bondade quando a comparamos, por exemplo, com a longa história do imperialismo britânico.

No entanto, diferentemente do que acontece nas análises depreciativas, anacrônicas e improdutivas da nossa própria história, os britânicos não andam pelo mundo de joelhos, em inesgotáveis atos penitenciais, a prover acertos de contas. Eles têm consciência de algo que tantos brasileiros se empenham em ignorar porque convém a seus objetivos políticos: o passado não pode ser corrigido; o que pode ser corrigido é o futuro.

De nada vale soprar cinzas e reviver brasas das misérias morais do pretérito. São os grandes feitos, os grandes homens, os grandes gestos, os grandes momentos, as grandes lições que enriquecem o presente e nos guiam para o futuro. Foi o que eu quis dizer, outro dia, quando escrevi sobre o principal motivo de não termos um partido conservador significativo no Brasil: falta-nos o conhecimento e o respeito devido aos nossos bens espirituais inscritos nas raízes lançadas pelos que aqui nos precederam. Mais uma vez, foi o alto significado dessa visão de história, desse sentido de nação, dessa necessária revascularização da seiva nacional que me veio à mente assistindo a “O destino de uma nação”.

Malgrado os vícios, pecados, erros e defeitos de Churchill e do “povo da ilha”, o mundo livre deve sua liberdade à determinação e ao sentido de história que todos demonstraram em sua hora mais escura. Eles não estão cobrando conta alguma, e não parece servir a coisa útil promover, as aferições que alguns pretendem. No momento mais emocionante do filme, consultada sobre se a nação deveria assinar um acordo com Hitler para evitar a invasão da ilha, a garotinha do metrô gritou: “Never! Never!”. O mesmo digo aos ávidos em fazer carniça da nossa própria história para promover conflitos, arrependimentos, ajustes de contas e, na contramão, transformar seus bandidos em heróis. Nunca! Nunca! 

1) http://www.puggina.org/artigo/outrosAutores/londres-de-churchill/11981

(2) http://www.puggina.org/artigo/outrosAutores/colocando-churchill-no-seu-devido-lugar/11976

Nota do autor: Estou ultimando uma segunda edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina, com editorial do Estadão

15/02/2018

 

 Editorial de O Estado de São Paulo (05/02) sob o título de “A farsa do Lula mártir” desmonta as falácias que sugerem a existência de um Lula que estaria acima das instituições e que sua prisão desencadearia sobre o país uma fúria cósmica. Em certo trecho, afirma o Estadão:

Esgotados os frágeis argumentos jurídicos de sua defesa, o sr. Lula da Silva apela para a farsa política, dando a entender que seria mais poderoso do que as instituições do País. O medo de que Lula seja transformado em mártir não é, assim, consequência de uma preocupação com o interesse nacional e a ordem pública. É a velha manipulação petista da realidade, numa canhestra tentativa de mais uma vez enganar a população. O engodo é evidente. Incapaz de mostrar a inocência do seu líder ante a condenação em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a legenda em frangalhos deseja que o povo acredite que as instituições nacionais são frágeis e, portanto, não devem ousar enfrentar o mito Lula.

Absolutamente precisa a frase com que o jornal define a conduta denunciada: “É a velha manipulação petista da realidade”. Tenho, com insistência, mostrado a febril atividade dessa central de versões que acompanha a existência do partido de Lula ao longo de sua história. Se tais versões e narrativas se restringissem à retórica parlamentar, seriam muito menos danosas do que se tornam quando passam à comunicação social, ao quadro negro da escola, ao material didático, às provas do ENEM, ao meio acadêmico, aos gabaritos de concursos públicos, à pregação dos púlpitos, às falas (e aos silêncios) da CNBB e à mídia paga dos sindicatos e centrais.

Frente a tais circunstâncias, ou se desnuda ao público o que está acontecendo ou a nação corre o risco de viver uma realidade virtual, como a Venezuela sob o comando de um louco de hospício.
 

Nota do autor: Estou ultimando uma segunda edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

14/02/2018

 

“A culpa por nosso país estar assim é nossa. Nós permitimos que fizessem o que quisessem com o nosso país. Os valores acabaram”.

As imagens do êxodo venezuelano para o Brasil não deixam dúvidas. Também corroboram minha convicção os relatos pessoais colhidos entre os retirantes que já fazem da capital de Roraima, Boa Vista, uma metrópole bilíngue onde mais de 10% da população se esforça para aprender português. Estamos falando de 40 mil “coxinhas”, inconformados com o “sucesso” do comunismo que vem sendo implantado em seu belo e rico país pelas mãos dos crescentemente brutais governos chavistas. Dormem nas praças, compactam-se às dezenas nos dormitórios, têm fome.

A professora Marjorie González, autora da declaração transcrita acima, exagerou um pouco a responsabilidade desse povo. Acertou inteiramente quanto ao que aconteceu com os valores morais nos estágios que deram gradualismo ao golpe comunista. Acertou quando referiu a tolerância indispensável ao sucesso da empreitada chavista. Mas não me parece adequado culpar o povo quando o modelo político favorece tanto a vida eleitoral de demagogos e populistas.

esse particular são incorrigíveis, no médio prazo, as fragilidades da América Ibérica, com suas péssimas instituições. Nos últimos cem anos, uma lastimável trajetória foi empilhando os malefícios do caudilhismo, do coronelismo, do populismo, até chegar, no Brasil, ao coronelismo de Estado, esquerdista e ladravaz; e, na Venezuela, ao comunismo chavista, que encontrou em Maduro sua pior versão. Quando mais precisávamos de seriedade e correção de propósitos, a desgraça socialista nos chega em forma de messianismo, com tipos como Chávez e Maduro na Venezuela. E com Lula no Brasil.

Pelas minhas contas, a Venezuela é o 39º país a afundar na miséria tentando implantar um regime comunista. Não há relato de sucesso. Nenhuma democracia. Nenhuma economia que se sustente. Assim como o Ibis Sport Club é o “pior time de futebol do mundo”, o comunismo é o Ibis dos regimes políticos. Dos que ficaram submetidos a essa experiência, apenas Cuba, Coreia do Norte, China, Vietnã e Laos ainda não conseguiram sacudir os grilhões do Estado totalitário, embora os três últimos estejam abrindo suas economias. Entre os outros 34 não se registra caso de reincidência. Nenhum chamou os comunistas de volta. As pessoas aprenderam que quando as vacas passam à propriedade do Estado, tornando-se servidoras públicas, deixam de produzir leite. Perceberam que, por um mistério da genética animal, a carne de gado estatal vira gororoba de soja. Descobriram que, num efeito de prestidigitação, enlatados e embutidos saem das prateleiras do comércio e reaparecem nas geladeiras e despensas da nomenclatura. Viram, em toda parte, as vitrines se esvaziarem e o bem estar sair da vida das pessoas, mudar de substância e aparecer impresso em outdoor do governo.

O êxodo dos venezuelanos vem em boa hora. O ano é eleitoral e não há palavras mais convincentes do que o exemplo, em desespero, entrando pela nossa porta sem pedir licença. Há no Brasil microfones, canais de TV, emissoras, comunicadores, púlpitos, políticos, fundações internacionais a serviço das mesmas causas que empurraram a Venezuela para o abismo.

 

Nota do autor: Estou ultimando uma segunda edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

11/02/2018

 Quem conversar com um defensor do regime cubano sobre as origens da anacrônica revolução, certamente ouvirá afirmações que se fundamentam na resistência à tirania. Não se surpreenda: ele estará se referindo à ditadura de Fulgencio Batista. De fato, os comunistas não veem tirania no governo da ilha ao longo destes quase 60 anos. Argumentam que o governo se afirmou pela luta contra Batista e contra os ianques, e que a população legitima o regime agitando bandeirinha nas ruas em festas da Revolução ou homologando os atos do governo em aquiescente silêncio. O tal “compañero” jamais mencionará três tópicos essenciais à compreensão da natureza antiética da realidade política em Cuba.

O primeiro ponto obscurecido é o fator geográfico. Num ambiente insular, o totalitarismo potencializa seus malefícios, notadamente quando a institucionalidade jurídica é tão primitiva que as penas, nos crimes políticos, se estendem aos familiares dos réus. Sob governo totalitário, uma ilha pode ser compreendida como cadeia a céu aberto, de onde só se sai enfrentando o mar. Ademais, toda resistência resulta “sutilmente” contida (os bolcheviques ensinaram isso) quando a brutalidade do regime se aplica sobre as famílias dos dissidentes, por meios oficiais e não oficiais (brigadas populares de resposta rápida, por exemplo).

O segundo ponto corresponde às efetivas circunstâncias históricas. O governo deposto pela Revolução Cubana era autoritário e contava sete anos quando derrubado. Pode-se cometer o erro de louvar o advento de um mal (uma ditadura com Fidel) sob a justificativa da eliminação de outro mal (a ditadura com Batista). Esse engano pode ter sido aceitável durante alguns meses. Cinquenta e nove anos depois, porém, a validade venceu e a desculpa se esfarrapou. Comparado com Fidel e seu mano Raúl, Fulgencio Batista deveria ser chamado Batista, o Breve.

O terceiro diz respeito à incorreta compreensão sobre o nosso ponto central aqui: o direito de resistência à tirania. Ele está reconhecido na sã filosofia, entre outros, por Aristotóteles, Tomás de Aquino e Francisco de Vitória. Em determinadas condições, pode ser usado de modo moralmente licíto contra leis injustas e contra poder opressor assumido sem legitimidade popular e legal.

Examinemos, então, o caso cubano após 1959. No momento da vitória havia apenas um comunista conhecido entre as lideranças dos barbudos que entraram em Havana: Che Guevara. Os principais líderes eram, pela ordem: Fidel, Raúl, Huber Matos, Camilo Cienfuegos e Che. Esse terceiro homem, Huber Matos, conta no livro “Como llegó la noche” que sua posição no ranking lhe fora posta pelo próprio Fidel: “Primero estoy yo, luego está Raúl y despúes vienes tu”. Fidel o designou para comandar o Exército em Camaguey, de onde, em outubro de 1959, Huber Matos enviou uma carta ao chefe discordando dos rumos que dava ao novo governo. Foi julgado por um tribunal pessoalmente dirigido por Fidel e condenado a 20 anos de prisão, que cumpriu na íntegra. Só saiu em 1979! Camilo Cienfuegos presenciou o julgamento de Huber Matos, entrou em uma aeronave militar e nunca mais se teve notícias dele. Che, pouco depois, renunciaria a seu status na Revolução e sairia a lutar mundo afora até virar San Guevara de la Higuera (!) na selva boliviana.

Fidel e Raúl tinham um projeto de poder pessoal e o estão realizando plenamente, graças ao regime comunista que faculta esse exercício de modo absoluto (não por acaso Cuba e Coréia do Norte se tornaram monarquias comunistas com sucessão por consanguinidade). E a resistência à tirania é o mais funesto dos sonhos cubanos.

Nota do autor: Estou ultimando uma segunda edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.

 

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.