Percival Puggina

26/12/2017

 

A ideia passou-me pela mente como sombria nuvem enquanto participava da missa de Natal na Igreja São Pedro, em Porto Alegre. E se aquela celebração não fizesse o menor sentido para mim? E se eu não tivesse fé? Poderia acontecer de não tê-la, dado que tantos não a têm. Fui tomado por um sentimento de gratidão, ciente de que nada fiz para merecer tal graça. E os suaves compassos da canção Amazing Grace me vieram à mente – “Esta Graça me trouxe até aqui e me conduzirá para casa”.

Na certeza de que tenho uma alma, sinto-me mais seguro alimentando-a com importantes convicções do que resfolegando meu corpo em dúvidas que nada informam, nem consolam, nem alegram o espírito. Prefiro enfrentar as tormentas da existência segurando a mão de Deus do que as bengalas do mundo material. Aliás, as esperanças divinas são tão superiores às vãs expectativas humanas! Considero vantajoso almejar a vida eterna em vez de crer que tudo acaba num corredor de cemitério, atrás de uma frase saudosa, inscrita em placa de mármore. Prefiro aprender de Deus que se revela do que de filósofos que escutam silêncios e tateiam trevas. Sim, meu caro, é preferível ter fé. Nada se perde com ela e muito se perde sem ela. Falo por mim. E falo para ti.

Durante muitos anos supus, como tu, que a fé fosse um recanto silencioso onde se saciava a ignorância humana perante questões complexas. Ou, dito sem artifícios, que o Deus dos tempos modernos seria sofisticado descendente do trovão reverenciado pelos nossos ancestrais do paleolítico inferior. Agora, convenhamos, quem precisa de um Deus para fins que o Google e a Wikipédia cumprem razoavelmente bem?

O Deus que um dia encontrei no cristianismo é um Deus que se conforma à pequenez do sacrário, à gruta de Belém e à imensidão do Cosmo. Com infinita paciência – vejam que privilégio!- esse Deus é meu pedagogo nos meandros do pensamento e nas picadas da ação. Recebi dEle verdades, princípios e valores que só me fazem bem.
A fé nada me toma em troca do muito que me dá. Rezo para que encontres “such amazing grace”.

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

  

Percival Puggina

22/12/2017

Do notável humorista e ator Grouxo Marx: “Estes são meus princípios; se não gostar, tenho outros”.

Pois eu uso os mesmos princípios há tanto tempo que não saberia servir-me de outros. Um deles me impede de invadir a consciência alheia para emitir juízos de caráter. Considero violência fazê-lo. No entanto, quando uma figura pública mostra, de modo reiterado e persistente, total desmazelo em relação à própria imagem, eu me sinto desobrigado de manter a prudente condescendência que ela não outorga a si mesma. O ministro Gilmar Mendes se enquadra nesse caso. Nos últimos meses, tornou-se o personagem mais mencionado da cena brasileira, comparecendo a todas as rodas, mesas e colunas de jornal.

O dever de formar opinião sobre figuras de tal porte não é facultativo, mas impositivo à condição de cidadão. Se, como ministro do STF, Gilmar já é, por natureza, uma pessoa pública, suas ações desde o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE o trouxeram para o centro da ribalta, onde vaias e aplausos não costumam ser poupados. E nesse particular, o ministro foi, aos poucos, personificando os inimigos da Lava Jato. Quem quiser dar-lhes rosto e representar a proteção aos corruptos forçosamente desenhará uma face redonda, bochechuda, e lábios arqueados para baixo sob o peso de uma personalidade insolente.

Afinal, alguém precisa proteger os endinheirados do Brasil; alguém, neste país tão injusto, precisa mostrar que corruptos ricos também têm direitos e que a cantina do presídio não é lugar para grã-finas. Cartéis não devem ser misturados, todo mundo sabe. Bastou Lula dizer que o Rio não merece ter governadores presos por haverem roubado o dinheiro do povo para Gilmar devolver Garotinho aos braços desse mesmo povo. E só não soltou a esposa Rosinha porque esta já estava em casa, claro, de tornozeleira, esperando pelo marido, como convém às vésperas do Natal. Ora essa! Bando de gente desumana!

Quaisquer pressupostos favoráveis à conduta de Gilmar Mendes, que exalta suas próprias responsabilidades na “jurisprudência libertária da 2ª Turma”, caem ante a opinião que dele fazem os próprios colegas de corte. Já a expressava Joaquim Barbosa quando literalmente o acusou, em plena sessão do tribunal, de estar “destruindo a justiça deste país”. Revelou-a, recentemente, Roberto Barroso, quando jogou-lhe em rosto essa “leniência que Vossa Excelência tem para com a criminalidade de colarinho branco”. O ministro Marco Aurélio Mello, em entrevista concedida em Porto Alegre há dois meses, referindo-se ao colega Gilmar, que o tratara por “velhaco”, disse: “Em relação a mim ele passou de todos os limites inimagináveis. Caso estivéssemos no século 18, o embate acabaria em duelo e eu escolheria uma arma de fogo, não uma arma branca”.

A opinião pública, essa multidão formada por mim e você, leitor destas linhas, sabe que o amor ao próximo, à justiça, ao direito, é incompatível com o desprezo ao papel pedagógico das instituições, com o mau humor permanente e com a arrogância que marca a fisionomia e a conduta do ministro Gilmar. Mas esse mesmo amor, sabemos, é compatível com a Lava Jato, com o juiz Sérgio Moro e tantos outros que comprovam haver juízes para um novo amanhã em nosso país.

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

20/12/2017

 

 Não localizei o vídeo. O trecho a que vou me referir, provavelmente fazia parte de uma fala em que José Dirceu, discorrendo sobre a importância da política, afirmou aos companheiros, em Canoas/RS, que “se o projeto político é o mais importante, o principal é cuidar do PT”. Só localizei fragmentos desse pronunciamento no YouTube. Mas nesse ou noutro vídeo da mesma época, o então Chefe da Casa Civil de Lula fez uma referência à importância do controle dos fundos de pensão. Homem de visão, o Zé! Tudo aconteceu conforme previsto por ele: o PT passou a controlar os fundos; e tudo andou conforme o previsível: abriu-se um colossal rombo nas contas dessas importantes instituições – R$ 78 bilhões, em números de junho deste ano!

 Mais de duzentos mil empregados e pensionistas de empresas estatais serão chamados, ou já estão fazendo isso, a aumentar, em muito, suas contribuições aos respectivos fundos de pensão. Os participantes e pensionistas da Petros já sabem que precisarão aportar R$ 14 bilhões em 18 anos. Outro tanto (13,5 bilhões) será assumido pela “nossa” amada Petrobras. A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), interveio no Postalis e, diante do que tem descoberto, vai “aumentar o valor das punições por má gestão”, hoje limitado a ridículos R$ 40 mil.

 Nada disso me surpreende. Tudo estava previsto desde o momento em que Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto e a máquina petista se instalou no coração do governo e do Estado brasileiro. Até Deus se negou a nos acudir no subsequente Deus-nos-acuda.

Quando Carlinhos Cachoeira gravou o achaque de Waldomiro Diniz (2004) e Roberto Jefferson denunciou o mensalão (2005), o país tomou ciência de que havia uma organização criminosa atuando em larga escala no aparelho de Estado. Dez anos depois, quando se encerrou o julgamento do mensalão e a Lava Jato iniciou atividades, provavelmente os seis ministros que desconheceram o crime de formação de quadrilha eram os únicos cidadãos brasileiros que ainda se recusavam a admitir sua existência. Mas como entender, agora, esses eleitores de Lula e, mais especificamente, o silêncio das vítimas do rombo nos fundos de pensão? Por que não vejo carro de som, megafone ou apedidos na imprensa denunciando a gestão irresponsável desses planos por militantes partidários? Afinal, desde 2003 esses recursos estavam na mira do Zé, da política e, portanto, do partido que os usou para negócios, com destaque para os bilionários financiamentos concedidos aos projetos fracassados das “campeãs nacionais”.

Diante de tudo isso, não posso deixar de pensar na Síndrome de Estocolmo, ou seja, na afeição do sequestrado pelo sequestrador. É um fato que, por si só, mostra o tamanho de outro rombo, aberto na consciência política de tantos brasileiros. Ele se expressa na dedicação a quem lhes tomou a carteira e levou junto, como moedas do bolso, alguns dos mais humanos sentimentos de indignação e revolta.

 

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

18/12/2017

 

“Essas questões todas deveriam realmente ser resolvidas pelo Parlamento, mas acontece uma questão muito singular: o Parlamento não quer pagar o preço social de decidir sobre aborto, sobre união ‘afetiva’ e outras questões ‘que’ nos falta capacidade institucional. Então, como eles não querem pagar o preço social e como nós não somos eleitos, nós temos um grau de independência maior porque nós não devemos satisfação, depois de decidir, a absolutamente mais ninguém. (...) O judiciário decide porque há omissão do Parlamento”. (Ministro Luiz Fux, transcrição literal do áudio com sua fala)

 A manifestação acima, que pode ser ouvida aos 18min e 48seg deste aúdio e lida em matéria do Estadão aqui, define muito bem o que passa pela cabeça dos nossos “supremos”. No exercício de suas atribuições, os onze membros do STF creem tudo poder. Julgam não estar submetidos sequer à Constituição. Substituem-se aos congressistas para legislar e para deslegislar. A opinião de cada um e da maioria é a própria lei. O que seis decidem é irrecorrível. Pouco se lhes dá o que as pessoas pensam deles, como bem observou o ministro Fux na espantosa declaração acima.

Para ainda maior azar da sociedade, a sucessão de dois governos mencheviques do PSDB por dois governos bolcheviques do PT formatou esse STF “progressista”, em completa dissonância com as posições conservadoras e liberais majoritárias na sociedade. Não se trata de dever ou não satisfações públicas; mas de usurpar ou não atribuições de outro poder.

Alega o ministro Fux, em sua argumentação, que o STF, por omissão do Parlamento, é chamado a deliberar em relação a certas matérias que chegam à Corte. E então faz o que faz. Mas o que é isto, ministro? Quer dizer que se o Congresso Nacional não “corrige” a Constituição ao gosto do STF, o STF corrige a Constituição a contragosto do Congresso? Que absurdo! Qualquer pessoa com alguma experiência legislativa sabe que raramente são pautados para votação nos parlamentos projetos de relevo em relação aos quais o autor ou autores não têm certeza de aprovação. Não é razoável fazê-lo antes de haver maioria favorável porque projeto derrotado vai morar no arquivo. Isso faz parte do bê-á-bá na vida parlamentar. E ministros do STF o desconhecem?

Os pleitos a que se refere Luiz Fux já foram longamente deliberados pelo Congresso em seu cotidiano. E este vem decidindo não mudar a Constituição, mantendo os correspondentes preceitos na forma em que foram definidos pelos constituintes originários em 1988. Tal fato é de uma obviedade ululante, como diria Nelson Rodrigues. Perante essas pautas levadas a seu exame, o STF deveria rejeitá-las por inconformidade com a letra clara da respectiva norma constitucional. Interpretá-la de modo diverso ou reverso candidata os julgadores a uma paraolimpíada de língua portuguesa. Ou ao ainda mais triste papel de usurpadores do Poder Legislativo.


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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

15/12/2017

 

 Sistemas públicos de aposentadoria frequentam o centro de colossais encrencas fiscais, políticas, econômicas e culturais porque propagam a ideia de que todos podem garantir seu futuro não à própria custa, mas à custa dos demais. Exceções à parte, a regra mais ampla deveria ser a da prudência pessoal, da previdência individual, da iniciativa privada, da difícil, mas imperiosa, poupança dos próprios meios.

Ao abraçar a função, o poder público sinaliza para a sociedade o comportamento inverso, ou seja, orienta para o desejo de contribuir na menor proporção possível, pelo menor tempo que der, obtendo o máximo resultado futuro. E o Estado, arrecadador das contribuições, sofre dois assédios principais. De um, cede (e no caso brasileiro cedeu mesmo) à tentação de usar para urgências de curto prazo os recursos originalmente poupados na implantação do sistema, deixando de formar o fundo que irrigaria a economia com investimentos produtivos e atenderia os benefícios a serem concedidos no futuro. De outro, cede (e no caso brasileiro cedeu mesmo) à tentação de conceder privilégios que realizam, para tantos, o sonho de contribuir menos, por tempo reduzido, e obter ali adiante, magicamente, o desproporcional benefício.

Há quem creia que uma situação assim possa ser mantida indefinidamente. Há entidades sindicais gastando dinheiro em anúncios publicitários para proclamar que o sistema é bom e o paraíso, aqui e agora, não se rende às trivialidades da aritmética. Há congressistas especializados no mercado das ilusões. Para estes, votar a favor de uma reforma da Previdência corresponderia a um recall de montadora de automóveis para trocar motor e chassis de todos os seus veículos. É a ruína. Há cidadãos, convencidos pelos fatos. Mesmo que não conheçam os números, têm uma ideia de proporção e de grandeza, aprenderam a tabuada do 10, e sabem que a conta não tem como fechar. Mas querem que tudo se resolva após estarem concretizadas suas próprias expectativas de direito. Há quem esteja se lixando para o país no pior sentido possível: o universo inteiro, com todas as suas galáxias, cabe no próprio umbigo. E que tudo mais vá para o inferno.

Para viver do dinheiro que entra, um sistema previdenciário precisa de economia aquecida e de larga proporção de jovens em relação aos idosos. E, mesmo assim, não convive com remunerações desproporcionais, como as que se registram no Congresso Nacional. Matéria da revista Exame do dia 2 de agosto passado informou que “enquanto a proporção entre contribuintes e beneficiários do INSS é de dois por um (apenas!), na Câmara e no Senado ocorre o contrário – há dois aposentados para cada servidor na ativa. Dos 987 analistas legislativos da ativa do Senado, 471 estão no nível máximo do cargo, com salário de R$ 26,8 mil. Na Câmara, 1.036 analistas em atividade (56%) estão no nível máximo”. Entre arrecadação previdenciária e pagamento de benefícios, as duas casas têm um déficit anual de R$ 2,4 bilhões, suportados pelos pagadores de impostos.

Perpetuar situações assim, com a extensão que tem em todos os poderes de Estado, é imprudência, imperícia e negligência, ou seja, todas as características de culpa criminosa.

 

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

14/12/2017

 Penso que todo brasileiro deveria assistir ao filme Hércules 56. Isso se aplica, especialmente, aos que se interessam pela história do período 1964-1985 e aos que tenham curiosidade de conhecer o pensamento de protagonistas da esquerda armada, tais como, entre outros, José Dirceu, Franklin Martins, Vladimir Palmeira, Ricardo Zaratini.

Trata-se de um longa do diretor Sílvio Da-Rin, composto por entrevistas, gravações de época e uma espécie de coletiva desenrolada numa mesa de bar. Os participantes da coletiva são remanescentes dos sequestradores do embaixador norte-americano em 1969 e do grupo despachado para o México, por exigência deles, a bordo da aeronave que dá nome ao filme.

Eu assistira, antes, ao “O que é isso companheiro?”. Nele, Fernando Gabeira assume participação importante no sequestro. Em Hércules 56, Gabeira some. Por quê? O diretor, após a estreia, em 2006, explicou que Gabeira fora “soldado raso” na operação e jamais teria participado não houvessem os líderes escolhido para refúgio a casa onde ele morava. Praticamente mandou Gabeira procurar a própria turma e não inventar lorota. Só encontro uma explicação: o então deputado Fernando Gabeira se transferira do PT para o PV e perdera a simpatia dos companheiros.
Do conjunto da obra (Hércules 56 é um bom documentário), concluí que, hoje, a maior parte dos protagonistas considera o sequestro e a luta armada como equívocos que estimularam o endurecimento e a continuidade do regime. Escolheram esse caminho por descrerem do jogo democrático. Eram militantes, dispostos a morrer e a matar pela revolução comunista que queriam fazer, e sobre cuja existência real, pelo que pude presumir, não têm mais tanta certeza.

Imagine, leitor, se, em vez de senhores de meia idade, reflexivos, mas orgulhosos dos seus ímpetos juvenis como se apresentam no filme, eles tivessem sido vitoriosos, e chegassem ao poder, como desejavam, na esteira do que realizara Fidel partindo de Sierra Maestra. O que teriam implantado no Brasil? Totalitarismo marxista-leninista, expropriações, tribunais revolucionários e execução de conservadores, liberais, burgueses, latifundiários, empresários, direitistas. E mais, partido único e total absorção da comunicação social pelo Estado. Era o que, na época, se chamava “democracia popular”, regime adotado pelas referências mundiais do comunismo.

Não estarei indo longe demais? Não. Assista ao filme e ouvirá Vladimir Palmeira elogiar o chefe do sequestro, Virgílio Gomes da Silva, por lhes ter dito: “Se houver algum problema que, por desobediência a uma ordem minha ou vacilação, coloque em risco a operação, não pensem que vou esperar um tribunal revolucionário. Eu executo na hora”. Quem trata assim os companheiros, como procederá com os adversários? Noutra passagem, os entrevistados respondem à seguinte questão: caso as exigências não fossem atendidas pelo governo, o embaixador seria executado? Foi unânime a confirmação. Palmeira ilustra que essa mesma pergunta lhe fora feita no interrogatório posterior à sua prisão. Resposta: “Teria executado, sim; eu cumpro ordens”. E os cavalheiros, ex-revolucionários, em volta da mesa do bar, riram com ele. Franklin Martins riu mais alto do que todos.

Personagens daqueles anos passaram pelo poder, nele se acantonaram e se lambuzaram. Outros vivem a nostalgia da mentira em que, de tão repetida, acabaram acreditando. Outros ainda, sequer viveram aqueles anos e servem à mesma causa sequestrando a verdade e não tendo negócios a fazer com ela, executam-na, diariamente, nas salas de aula, nos meios de comunicação e nas tribunas dos parlamentos.

• Artigo publicado em 2009 com o título “Hércules 56, do que Escapamos” e reproduzido agora em atenção a pedidos de leitores. Tem pequenas alterações em relação ao original, escrito ainda durante o segundo mandato de Lula.


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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

14/12/2017


Embrenhou-se na selva porto-alegrense para a arrojada tarefa de comprar pão na padaria da esquina. Saiu desarmado, como manda a imprudente lei. E não voltou para casa. O professor foi dali para o hospital, com múltiplas facadas desferidas, simultaneamente, por quatro homicidas que fugiram levando algum troco e um celular. Desde sábado está entre a vida e a morte.

Não preciso da investigação para saber que as quatro bestas humanas têm uma ficha criminal mais comprida do que a tolerância da legislação brasileira. Ninguém ingressa no banditismo atacando um idoso a facadas em rua central da cidade. Não, esses monstros receberam da lei penal, do sistema penitenciário, dos "direitos humanos", dos filósofos e dos aplicadores do garantismo penal, dos partidos de esquerda adversários declarados da atividade policial, todo o tempo e toda a indulgência necessários para se desenvolverem em suas carreiras. São apenas quatro entre centenas de milhares que respondem por milhões de furtos e roubos, notificados e não notificados e por mais de meio milhão de homicídios anuais. Não se chega a esses números sem deixar verdadeira multidão de criminosos liberados para ações repetitivas, não raro após audiências de custódia nas quais tudo recomenda conceder a preventiva. Mas a conveniência da sociedade, vulnerável e indefesa, nada pode contra os inalienáveis direitos dos criminosos.

O professor foi atacado com silenciosas armas brancas, que não fazem alarde, não acionam a polícia e não despertam nenhuma câmera de celular. E dão prova de que o desarmamento da população ordeira pressupõe uma tolice: a de que os crimes são cometidos pelas armas e não por quem tem a intenção de usá-las para o mal.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

08/12/2017

 


É tão triste quanto espantoso o número de policiais mortos no cumprimento do seu dever, em confrontos com o crime, para proteção da sociedade e manter ainda tremeluzente a chama da supremacia da lei. Sucedem-se os fatos, passam-se os dias, e cai sobre cada óbito o soturno silêncio da banalização. Nenhum porta-voz da esquerda local vai aos microfones condenar a brutalidade criminal, solidarizar-se com familiares dos mortos. Nenhum cronista bate dedos o teclado do computador para expressar sua compaixão pelos agentes da lei. Nenhum sociólogo de plantão, nenhuma ONG promotora de direitos humanos diz algo a respeito. No entanto, com quanta freqüência se lê sobre a “brutalidade das ações policiais”!

 Não passa pela cabeça de quem quer que seja – surpresa minha! – indagar quais os materialmente mais desfavorecidos nesses confrontos. Os policiais ou os bandidos? Quem tem mais dinheiro no bolso? Quem porta a arma mais sofisticada? Quem é mais “oprimido”? Quem está do lado da sociedade e quem está contra ela?

 A brutalidade criminal ocorre todo dia, toda hora, com requintes de crueldade, não respeitando criança, menor, mulher, pobre, rico, juiz de direito ou policial. No entanto, quando um destes últimos, no arriscado exercício de seu dever, sob fogo dos bandidos, dispara sua arma, matando ou ferindo algum deles, logo sai para a rua o bloco dos pacifistas seletivos, pronto para condenar a "truculência" dos agentes da lei. E eu já não me surpreendo mais com isso. Portanto, chega de brutalidade criminal! Policial também é gente e tem direitos humanos!

 Que fique claro. Toda pessoa é detentora de direitos inalienáveis. O criminoso decai de alguns direitos civis, mas não perde sua condição humana e não deve ser objeto de maus tratos. Mas é inaceitável demasia atribuir-lhe, no choque com as forças da lei, prerrogativas e zelos que a estas se recusa. Tal mentalidade entrega ao crime parcelas cada vez maiores de nossas cidades. Olhe à volta, leitor, e saiba: tem gente por aí que, sob motivações ideológicas, acha tudo muito conveniente e joga o jogo da tolerância para com o crime e da intolerância para com a ação policial. Use seu voto para afastá-los do poder.
 


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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

     

Percival Puggina

07/12/2017

 

 Foi um sucesso a inauguração, no dia 5 de dezembro, da exposição "Holodomor, o genocídio ucraniano". A mostra de imagens e relatos gráficos permanecerá aberta à visitação até o dia 9 na sede da ADVB/RS. O evento é uma iniciativa da Faculdade de Filosofia São Basílio Magno, de Curitiba, e veio a Porto Alegre graças à determinação com que a jornalista Fernanda Barth tratou de buscá-la. Teve apoio local da ADVB/RS e de quase uma centena de colaboradores. Coube-me a conferência de abertura, que antecedeu à aula magna do padre Domingos Starepravo. Falei sobre a Revolução Russa e seu terrível legado.

Na primeira parte da minha palestra, tendo em vista o silêncio que envolve o Holodomor, fiz um teste sobre as criminosas ocultações no ensino de história em nosso país. Vali-me, para isso, da própria experiência do público presente, que incluía muitos jovens. Tenho certeza de que as unânimes manifestações que obtive não serão diferentes das respostas dos leitores destas linhas. São cinco pares de perguntas. Apenas cinco de inúmeras possíveis. Cada primeira pergunta leva à subsequente, que, por mero dever de ofício, senão por honestidade intelectual, deveria ser objeto de abordagem em sala de aula. Assim:

• Enquanto estudante, assistiu você a aulas em que as Cruzadas foram mencionadas e criticadas? E ouviu alguma referência à Jihad ou expansionismo islâmico?
• Lembra de alusões à interferência da CIA no Brasil antes e durante os episódios de 1964? E algo lhe foi dito sobre o que a KGB fazia no mesmo período?
• Ouviu, na escola, críticas eloquentes ao capitalismo? E lembra de qualquer menção ao socialismo que não fosse elogiosa?
• Eram frequentes os comentários depreciativos sobre a Igreja Católica? E alguma outra religião foi, também, objeto de críticas?
• Houve aulas a respeito da Revolução Russa e da vitória comunista sobre o absolutismo monárquico dos czares? E lembra de alguma referência ao terrorismo de Estado, à Cheka, aos vários genocídios que compõem a longa história dessa mesma revolução?

Enquanto as primeiras perguntas são respondidas afirmativamente por todos, as segundas sempre têm respostas negativas. Tais temas sempre foram silenciados! São páginas em branco. Tem-se aí a prova provada do muito que tenho denunciado sobre manipulação da verdade e ocultação de fatos, com destapado intuito político no ensino brasileiro, que está a exigir urgente despartidarização.

Em maio de 2015, o sindicato que representa os professores do ensino privado do Rio Grande do Sul se manifestou sobre o movimento Escola Sem Partido. A qualidade do ensino brasileiro despencava, o aparelhamento das instituições e o uso militante da cátedra elevavam o tom em proporção inversa, e o Sinpro-rs veio com tudo: "Retirar da Educação a função política é privá-la de sua essência" para colocá-la a serviço "da ideologia liberal conservadora". A essa ideologia, os professores de nossos filhos atribuem todas as perversidades e tragédias humanas, das pragas do Egito ao terremoto do México, passando por Jack o Estripador e o naufrágio do Titanic.

Não é por acaso que nosso sistema de ensino se tornou um dos piores do mundo civilizado. Afinal, sua "essência" é ser campo de treinamento de militantes para os partidos de esquerda. Os dirigentes do sindicato dos professores do ensino particular (e não pensam diferente as lideranças dos professores do ensino público) estão convencidos de serem detentores não do dever de ensinar, mas do direito de doutrinar! E creem que essa vocação política, superior a todas as demais, "essencial à Educação", encontra na sala de aula o espaço natural para seu exercício. Se lhes for suprimida a tarefa "missionária" e lhes demandarem apenas o ensino da matéria que lhes é atribuída, esses professores entrarão em pane, talvez porque isso seja precisamente o que não sabem. Pergunto: porque não tentam fazer a cabeça de alguém do seu tamanho? A minha, por exemplo?

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.