• Antônio Augusto Mayer dos Santos
  • 23 Março 2017

 


 Como se sabe, a chapa presidencial eleita em 2014 é alvo de severos questionamentos e pode ser cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Há uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral e uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, ambas intentadas pelo Partido da Social Democracia Brasileira em desfavor de Dilma Rousseff e Michel Temer.

Na prática, ambas são demandas civis eleitorais. Não investigam condutas penais. Para a primeira ação, estão previstas duas penalidades: perda de mandato e inelegibilidade. Para a segunda, somente a perda do mandato, conforme jurisprudência consagrada pelo mesmo TSE.

A princípio, o fato de Dilma ter sido afastada e Temer se tornado presidente não impede os julgamentos. No entanto, algum ministro pode questionar se é possível julgar uma chapa que não existe mais em função do impeachment.

Outra questão relevante diz respeito à individualização das responsabilidades quanto ao financiamento de campanha. O TSE sempre entendeu que a chapa é una e indivisível. Pode, porém, rever o tema e avaliar as condutas individualmente, além de mensurar os percentuais carreados por cada um no total arrecadado. Também pode uma das ações ser julgada e absolver e a outra condenar. Podem ambas condenar ou absolver Dilma e Temer ou apenas um deles. Afinal, as mesmas são independentes.

Para o caso de cassação, de duas uma: ou o tribunal determinará o afastamento de Michel Temer e a posse do presidente da Câmara dos Deputados para que convoque uma eleição suplementar ou então manterá o presidente até que o Supremo Tribunal Federal se pronuncie sobre eventuais recursos.

No entanto, se houver novo pleito presidencial, este será indireto e não apenas realizado como organizado (!) pelo Congresso Nacional. Sim. Você leu certo: por boa parte dos parlamentares que está sendo investigado criminalmente pela Lava Jato.

Há, contudo, um perigoso detalhe adicional neste pântano: o país não dispõe de uma lei atualizada que discipline a eleição indireta conforme os ditames da Constituição Federal. O que há é uma lei antiga e obsoleta. Inconstitucional. Por quê? É simples: porque o parlamento jamais debateu e muito menos votou os projetos que atualizam a matéria. Isso quer dizer que não se sabe, por exemplo, quem pode ou não pode ser candidato.

Apenas congressistas?Ex-presidentes da República? Qualquer pessoa?

Você acertou, prezado leitor: esta negligência legislativa viabiliza o risco de casuísmos. Muitos deles. Um, por exemplo? Não haverá avaliação dos registros de candidatura pelo TSE. Outro? Não se sabe quem avaliará a documentação dos candidatos, se a Mesa do Congresso ou apenas a do Senado?

Não há regra atualizada.
A que existe está à margem (e bota margem nisso) da Carta Magna.
Portanto, não há segurança jurídica.
Apenas sombras.
Alea jacta est.

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e escritor.
 

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  • Luiz Carlos Da Cunha
  • 23 Março 2017


A Rússia se esfacelava na guerra contra a Alemanha. O caos imperava nas cidades. A fome e o desespero campeavam promovendo revoltas em cada esquina de Moscou a São Petsburgo. O Czar abdica. A Duma- parlamento russo - escolhe para primeiro ministro do Governo Provisório, o jovem advogado Alexander Kerensky, de trinta e seis anos. Ele decide como prioridade, realizar a eleição direta e democrática para instituir um governo de base legal. Foi a inédita expectativa democrática da história russa.

Venceram os sociais democratas com 46% dos votos; os bolchevistas obtiveram 20%. Mas não se conformaram. Imbuídos da teoria da “luta de classes”, miram o poder a qualquer preço. Arregimentam camponeses famintos, evadidos da terra, desertores do front, marinheiros escorraçados pela férrea disciplina da marinha imperial, e tantos aventureiros em busca de proveito imediato. Kerenski tencionava inaugurar uma legalidade democrática. Se tivesse êxito, o mundo teria sido bem melhor. O golpe bolchevique que Lênin havia preparado venceu.

A notícia de um governo de operários e camponeses assombrou o mundo, incendiando o imaginário do idealismo juvenil, e alarmando a sociedade e nações assentes no princípio da propriedade privada e da estabilidade jurídica consolidada em 250 anos. O golpe ousado, que se apelidou Revolução de Outubro, perdurou por setenta anos, oprimindo seu povo e propagando pelo mundo ódio, paixão e muita mortandade. Durou até que os fundamentos econômicos e a ditadura, sobre a qual se fundara a URSS, foram mostrando as fissuras progressivas da sociedade estatizada. Esboroando-se até o colapso em julho de 1991.

Dos escombros se escancarava a crueza dos crimes, a falácia da história oficial, a face da elite corrupta e brutal, a perseguição à inteligência independente, o anti- semitismo, os processos secretos, o império do terror. Era o mundo da mentira. O Nobel de literatura Boris Pasternak foi obrigado a renunciar ao prêmio; o físico Sakharov, condenado ao isolamento. Cientistas humilhados pelo “comissário político” se refugiaram no ocidente. O estado policial e criminoso da URSS submergiu. Mas o sonho democrático de Kerensky permanece ainda distante, cem anos depois.


• Escritor
 

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  • Genaro Faria
  • 23 Março 2017

 

Que o Brasil algum dia tenha pretendido ser republicano. Nossos republicanos de ontem foram os monarquistas de anteontem, indignados com a família imperial que lhes confiscou o patrimônio dos escravos sem indenizar seu vultoso prejuízo. A verdade é que nossa monarquia cometeu um suicídio político. Então os supostos progressistas vestiram as vestes da modernidade que os deixariam sem pé nem cabeça, despidos de toda virtude, caso um ideologia já desmoralizada na Europa - o positivismo de Auguste Comte - não lhes socorresse com sua utopia.

    Não, não é verdade que os professores militares da escola positivista e seus alunos tenham sido os protagonistas do golpe republicano. Eles foram, apenas, instrumentos de uma de uma elite que logo os reduziria à insignificância histórica da república que imaginaram fundar para cristalizar sua vã ideologia: "O Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim" - Ordem e Progresso. Eis o lema que até hoje drapeja em nosso estandarte, não porque seriam as cores da casas de Bragança e de Habsburgo - de D. Pedro I e da imperatriz Maria Leopoldina - mas de nossas as matas e do ouro. Vale dizer, não de um simbolismo que nos remete aos nossos fundamentos pátrios, senão que ao capital natural que nos apega ao solo rico de nosso país.

    Então não é verdade que não sejamos patriotas. A verdade é que furtaram nossa pátria nos compêndios de história, na simbologia que nos identificaria, e na consciência de que somos herdeiros de nossos avós e responsáveis pelo legado de nossos descendentes. Somos órfãos de nossa pátria e por isso vivemos em seu exílio.

    Não é verdade, portanto, que somos indolentes e apáticos diante do assalto que os legatários daquelas elites, num incestuoso contubérnio entre o Capital e o Estado, coordenado, financiado e invisivelmente instalado pela revolução cultural graças ao "politicamente correto". A verdade é que estamos perdidos.


    Perdidos por quê? Perdidos porque nossa Constituição não é uma Lei Fundamental. É um discurso demagógico vulgar e prostituído de alta rotatividade. Uma carta sem princípios que qualquer ativista, mesmo que revestido de uma excelentíssima toga judicial, rasga como se fosse o papel que se usa num sanitário. Estamos perdidos porque o descrédito de nossos representantes em nada abala os nossos representantes.

Então seria verdade que seríamos alienados quando, na verdade, somos um povo desmoralizado?

Estamos, sim, desacreditados de nós mesmos. Já nos rebaixamos demais para não sermos taxados de politicamente incorretos. Perdemos um tempo e um terreno enormes na vã ilusão de que nossos opostos, adversários ideologicamente políticos, não se confundem com os bandidos que interpretam qualquer disposição ao diálogo como uma fraqueza. Não argumento que eles não usem para escarnecer de nossa boa fé. Em seu universo mental, a trama política preenche e satisfaz todo espaço no qual o poder é seu deus supremo. E que eles podem nos manipular, pela política, indefinidamente.

Mas não é verdade... Quem viver verá.

A verdade é que até a árvore mais frondosa já existia, inteira, dentro de uma sementinha silenciosa.


Foto: Família Imperial, no vapor Gironde, em viagem para o exílio.
 

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  • Leonardo Giardin de Souza
  • 22 Março 2017


A reportagem da versão eletrônica do jornal O Estado de São Paulo intitulada “Pacote de petista pode afetar Lava-Jato” (http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pacote-de-petista-pode-afetar-lava-jato,70001698213) bem ilustra o fato de que setores da mídia brasileira, por vezes, apresentam a velha e incorrigível mania de simplificar tudo e reduzir o assunto inteiro a apenas um aspecto da questão, em abordagem metonímica. É injusto, inexato e acima de tudo incompleto afirmar que a nocividade do "pacote" de projetos de lei já em tramitação na Câmara dos Deputados a que se refere a notícia, de autoria do deputado federal Wadih Damous, se limita ao mero potencial de afetar a Operação Lava-Jato. Na realidade, a abrangência e o círculo de influência dos projetos apresentados pelo parlamentar na semana passada, e não apenas esses, é infinitamente maior. Nossos notícipes sequer se apercebem disso e já saem por aí anunciando a chegada do Anticristo. Calma... A coisa pode não ser bem - sobretudo não ser apenas - o que parece à primeira vista...

Chamo a atenção para um aspecto em particular: a matéria do Estadão traz referência ao teor do Projeto de Lei 7034/2017 (disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra…), que pretende acrescentar o artigo 405-A ao Código de Processo Penal, no intuito de fazer incorporar ao ordenamento jurídico a seguinte regra:

"Os processos penais ou procedimentos penais de qualquer natureza que não forem concluídos no prazo de 1 (um) ano, sem justificativa relevante e fundamentada, serão extintos sem julgamento de mérito".

O texto, que joga na lata do lixo todas as regras de prescrição existentes no Código Penal e legislação em geral em nome de uma suposta violação da garantia do acusado à efetividade e à duração razoável do processo, determina que qualquer processo criminal ou procedimento investigatório deverá ter desfecho no prazo de apenas um ano (a justificativa do projeto não explica como se chegou a tal prazo; permito-me especular que tenha sido uma estimativa de segurança para atingir algum objetivo não esclarecido pelo autor do PL). Caso contrário, será extinto, salvo se a novel modalidade de "excesso de prazo" tiver um "justificativa relevante" (seja lá o que for essa luva de maquinista, mais um cavalo de batalha a ser explorado pelos defensores dos acusados na tentativa de evitar o julgamento do mérito).

Ora, qualquer pessoa com um mínimo de vivência no meio jurídico-criminal, seja juiz, membro do MP, advogado, servidor ou estagiário, sabe que a grande maioria dos feitos excede o prazo (prescricional? dublê de prescrição intercorrente? gambiarra pró-impunidade?) idealizado no PL, por uma série de fatores, dentre os quais a absoluta falta de estrutura para enfrentamento da imensa demanda criada por uma criminalidade galopante e desenfreada. Curioso é que a própria justificativa do projeto faz referência à "sobrecarga de processos no Poder Judiciário", sem se dar conta que esse é exatamente um fator (dentre outros) que serve para justificar a costumeira delonga na tramitação nos feitos.

O parlamentar apenas deixa de fazer menção a inúmeros outros mecanismos de procrastinação dos processos, proporcionados por um quase inesgotável sistema recursal e uma cada vez mais ampla gama de possibilidades de arguição de causas de anulação e nulidade, quando não previstas em lei, criadas pela doutrina e pela jurisprudência garantistas, mecanismos usados e abusados à larga por defensores de acusados e que contribuem sobremodo para que "a garantia da duração razoável do processo" seja vilipendiada pela própria defesa do acusado que costuma invocá-la em seu favor quando convém.

É óbvio, portanto, que esse projeto, caso aprovado, será um duro golpe à Operação Lava-Jato, notadamente aos feitos envolvendo autoridades com prerrogativa de foro que tramitam no STF - sobretudo os 83 pedidos de inquérito recentemente apresentados pelo Procurador-Geral da República, cuja duração é estimada por “especialistas”, em média, de dois a quatro anos para cada procedimento, envolvendo investigação, processo e julgamento. Mas a impunidade e consequentemente os malefícios que podem resultar dessa hipotética previsão "legal" (não pretendo entrar no mérito da (in)constitucionalidade dessa aberração) a todos os processos de homicídio, latrocínio, roubo, estupro, extorsão, corrupção, peculato, associação criminosa, tráfico de drogas e muitos outros em todos os foros espalhados pelo Brasil afora seriam de alcance civilizacional e incalculável. Quase um salvo-conduto para a prática de todos os tipos de crime no Brasil, do que se conclui a seguinte obviedade: não apenas parlamentares, megaempresários e políticos corruptos e corruptores (o estamento político-burocrático nacional, na acepção de Raymundo Faoro), mas todas facções e corporações criminosas que atuam em todos os ramos e níveis, principalmente organizações de assaltantes e de narcotraficantes, e, mais remotamente, todos os criminosos profissionais ou não profissionais em geral, serão beneficiados em caso de aprovação do projeto, em detrimento, à toda evidência, dos cidadãos ordeiros, ou seja, da esmagadora maioria da sociedade, enfim, do que se entende por bem comum.

É prudente observar, por “esquecido” na justificativa apresentada pelo parlamentar, que, aprovada a pretensa norma “jurídica”, os únicos processos que terão chances de êxito serão justamente os menos complexos e aqueles cujas defesas não lançarem mão de instrumentos procastinatórios, que, na experiência forense, são exatamente os feitos a que respondem os chamados “ladrões de galinha” que cometem fatos criminosos de singela apuração e não possuem recursos para bancar defesas a peso de ouro para retardar a marcha procedimental. No entanto, é justamente em nome desse tipo de delinquente que os garantistas dizem falar, lançando uma cortina de fumaça sobre o que é muitas vezes uma inconfessável militância em causa própria e em defesa da “clientela” mais abastada e poderosa.

Mas a coisa não para por aí: sempre com base nos mesmos surrados chavões (as justificativas de todos os projetos de lei orbitam, quase como um disco arranhado, em torno da retórica falaz do desafogo do sistema judiciário, da efetividade e da duração razoável do processo, do garantismo, do "encarceramento em massa” no Brasil, principalmente de “negros e pardos", etc.) o mesmo parlamentar, em seu "pacote", pretende, dentre outras providências: tornar irrecorríveis "as sentenças que absolvem sumariamente o acusado por crime punível com pena máxima inferior a 4 (quatro) anos, salvo se demonstrada má-fé do julgador" (PL 7033/2017); tornar nulas as sentenças e os decretos de prisão preventiva que, na fundamentação, se limitarem a reproduzir o teor de depoimentos prestados durante a investigação, inclusive de delações premiadas, homologadas ou não (PL 7032/2017); tornar os crimes de furto, estelionato, abuso de incapazes, apropriação indébita e receptação, dentre outros, em regra de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação (PL 7031/2017); excluir a possibilidade da prisão preventiva para garantia da ordem pública e econômica - minimizando as possibilidades legais de encarceramento preventivo e negando ao juiz a plena utilização de seus poderes gerais de cautela, impondo-lhe uma limitação inaceitável e beneficiando uma legião de criminosos que necessitariam ser contidos (PL 7028/2017); permitir que possam ser beneficiados com a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos pessoas condenadas por roubo simples, extorsão e até mesmo reincidentes, desde que a benesse seja "socialmente recomendável" e a reincidência não decorra da prática de crime anterior com violência à pessoa - o que de plano permite, em tese, que pessoas definitivamente condenadas anteriormente por tráfico de drogas, furto, homicídio culposo, extorsão, roubo sem o emprego de violência (inclusive assaltos à mão armada em que somente se empregou grave ameaça) não necessitem cumprir pena de prisão (PL 7027/2017); estabelecer poder requisitório para advogados privados e defensores públicos no âmbito da investigação e do processo penal, inclusive sob pena de desobediência em caso de descumprimento pelo destinatário da requisição, invocando uma suposta necessidade de "paridade de armas" que, todos sabem, pode ser suprida com intervenção judicial (PL 7025/2017); alterar a Lei de Drogas (Lei 11343/2006) para tornar nulas as sentenças condenatórias fundamentadas exclusivamente no depoimento de policiais - o que implicaria na absolvição da quase totalidade dos narcotraficantes que hoje em dia são condenados, invariavelmente somente com base nos relatos policiais (PL 7024/2017).

Enfim, o “pacote” segue a mesma trilha que vem sendo a tônica da jurisprudência, doutrina e legislação há décadas no Brasil, cujo empreendimento “coincidiu” com a transformação do Brasil, ao longo do mesmíssimo período, em uma das nações mais inseguras e assassinas do planeta e que concedeu à nossa Terra de Santa Cruz o posto de campeão mundial de assassinatos em números absolutos.

Qualquer pessoa minimamente inteirada da realidade consegue entrever a uma longa distância que esse pacote de medidas, caso aprovado, significaria a pá de cal no pouco que resta de efetividade da Justiça Criminal no Brasil. Não apenas políticos, megaempresários e agentes públicos corruptos e corruptores, mas toda sorte de delinquentes e associações, organizações, facções e corporações criminosas festejaria o triunfo definitivo da macabara cultura da bandidolatria contra o cidadão de bem. Ameaça à Operação Lava-Jato? Por favor, sem reducionismos. As consequências tenebrosas da eventual aprovação desse pacote de medidas iria muito, mas muito além do que as manchetes permitem supor.
 

* O autor é Promotor de Justiça no MPE/RS.

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  • Cora Rónai
  • 21 Março 2017

(Publicado originalmente em O Globo 8/12/2016)

Um país não vai para o brejo de um momento para o outro — como se viesse andando na estradinha, qual vaca, cruzasse uma cancela e, de repente, saísse do barro firme e embrenhasse pela lama. Um país vai para o brejo aos poucos, construindo a sua desgraça ponto por ponto, um tanto de corrupção aqui, um tanto de demagogia ali, safadeza e impunidade de mãos dadas. Há sinais constantes de perigo, há abundantes evidências de crime por toda a parte, mas a sociedade dá de ombros, vencida pela inércia e pela audácia dos canalhas.

Aquelas alegres viagens do então governador Sérgio Cabral, por exemplo, aquele constante ir e vir de helicópteros. Aquela paixão do Lula pelos jatinhos. Aquelas comitivas imensas da Dilma, hospedando-se em hotéis de luxo. Aquele aeroporto do Aécio, tão bem localizado. Aqueles jantares do Cunha. Aqueles planos de saúde, aqueles auxílios moradia, aqueles carros oficiais. Aquelas frotas sempre renovadas, sem que se saiba direito o que acontece com as antigas. Aqueles votos secretos. Aquelas verbas para “exercício do mandato”. Aquelas obras que não acabam nunca. Aqueles estádios da Copa. Aqueles superfaturamentos. Aquelas residências oficiais. Aquelas ajudas de custo. Aquelas aposentadorias. Aquelas vigas da perimetral. Aquelas diretorias da Petrobras.

A lista não acaba.

Um país vai para o brejo quando políticos lutam por cargos em secretarias e ministérios não porque tenham qualquer relação com a área, mas porque secretarias e ministérios têm verbas — e isso é noticiado como fato corriqueiro da vida pública.

Um país vai para o brejo quando representantes do povo deixam de ser povo assim que são eleitos, quando se criam castas intocáveis no serviço público, quando esses brâmanes acreditam que não precisam prestar contas a ninguém — e isso é aceito como normal por todo mundo.

Um país vai para o brejo quando as suas escolas e os seus hospitais públicos são igualmente ruins, e quando os seus cidadãos perdem a segurança para andar nas ruas, seja por medo de bandido, seja por medo de polícia.

Um país vai para o brejo quando não protege os seus cidadãos, não paga aos seus servidores, esfola quem tem contracheque e dá isenção fiscal a quem não precisa.

Um país vai para o brejo quando os seus poderosos têm direito a foro privilegiado.

Um país vai para o brejo quando se divide, e quando os seus habitantes passam a se odiar uns aos outros; um país vai para o brejo quando despenca nos índices de educação, mas a sua população nem repara porque está muito ocupada se ofendendo mutuamente nas redes sociais.
 

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  • Alexandre Garcia
  • 21 Março 2017

 

Há dezenas de carros estacionados junto ao meio-fio cheio de placas de estacionamento proibido. Como aconteceu? O primeiro carro infrator estacionou e o seguinte imaginou: “já tem um, eu vou também” - e assim por diante. Por aqui, neste país sem cultura de obediência às leis, ou seja, num país de civilização duvidosa, é assim. Emílio Odebrecht é convocado pelo juiz Sérgio Moro e diz que não tratou nada com Palocci. Mas informa que quando seu pai era presidente da Odebrecht, em 1990 começaram as doações em caixa dois. Quer dizer, o pai e o filho são responsabilizados por esse espírito santo. Por aqui, é assim. Um faz, os outros fazem, mesmo sendo ilegal.

Então essa história de empreiteiras e governo, com dinheiro para os partidos, começou em 1990? Porque eu vi entrar muitas vezes no Palácio do Planalto o Murilo Mendes, da Mendes Jr, e o Sebastião Camargo, da Camargo Correia, em tempos de Geisel e Figueiredo, mas nunca se soube de alguma vantagem para alguém do governo ou do partido no governo. Tratavam de assuntos de interesse do país, naquela época. Hoje, ora, ora, o país...

Enquanto o prezado leitor me acompanha nestas linhas, é possível que os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do Tribunal Superior Eleitoral já tenham acertado alguma coisa sobre o dinheiro para vender candidatos e comprar eleitores no ano que vem. Sempre no interesse da “estabilidade”, como ressaltou há poucos dias o presidente do TSE, Gilmar Mendes. No Congresso, querem uma espécie de anistia do caixa dois. E, pior, vão montar essa anistia no cavalo já domado do projeto de iniciativa popular de combate à corrupção. Ironia: ao anistiar caixa dois vão estimular a corrupção.

Caixa dois não paga imposto. Um depoente da Odebrecht afirma que a empreiteira pagou cerca de 13 bilhões em “doações” oriundas de caixa dois. Isso significa que foram sonegados 4 bilhões de impostos pela empresa, mais as sonegações de cada um dos beneficiários, que não declararam essa renda. Sonegações em cadeia têm que dar cadeia, porque sonegação é crime. Logo, caixa dois é crime. E se lembrarmos que esses bilhões sonegados não chegaram à saúde, à educação e à segurança - e falo só do restrito à Odebrecht - não seria, esse caixa dois um crime hediondo? Pois querem que esqueçamos isso - já que anistia é esquecimento - na hora sagrada de votar.

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