• Thiago Kistenmacher
  • 15 Abril 2017


(Publicado originalmente em institutoliberal.org.br)

Só há dois tipos de pessoas que negam que há doutrinação em sala de aula: mentirosos e ingênuos. Não estou generalizando a doutrinação. Ela não acontece sempre e em todos os lugares, mas ocorre muitas vezes e em vários lugares. E isso já basta.

Digo isso porque atualmente corre um processo na justiça no qual Ana Caroline Campagnolo, professora de História, acusa, legitimamente, como veremos, a professora Marlene de Fáveri por discriminação e perseguição religiosa e ideológica na UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina – eis o vídeo completo da Audiência Pública onde Campagnolo expõe caso e os áudios nos quais podemos ouvir claramente a perseguição sofrida por ela. Não vou me atentar aos detalhes do processo, pois eles já são explicitados de forma pormenorizada pela própria Campagnolo neste vídeo. O que gostaria de fazer aqui, brevemente, é reforçar a ideia de que a doutrinação ideológica em sala de aula é inegável. Vamos aos fatos.

A professora Marlene de Fáveri, que seria a orientadora de Campagnolo, com o suporte de vários alunos, infringiu o Artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (2005) que pode ser encontrado aqui.

Eis alguns incisos importantes que foram claramente violados:
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;

Marlene de Fáveri desrespeita o inciso segundo sobre a “liberdade de aprender” quando diz: “nós estamos aqui porque nós nos matriculamos dentro de uma perspectiva de pensamento.” Mas como a própria Campagnolo fala, ela não se matriculou numa “perspectiva de pensamento”. Aliás, ninguém se matricula numa “perspectiva de pensamento”, mas num curso que, público e que tem uma professora “democrática” como Fáveri alega ser, deveria respeitar a opinião de todos os estudantes, ainda que “problematizando-as” – como adoram dizer.

O terceiro inciso é desprezado quando a professora fala sobre o curso. No que diz respeito às ideias feministas por ela defendidas, a professora afirma: “ou eu concordo ou não concordo; se eu não concordo eu não venho”. Cadê o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas? Quer dizer que, se a estudante for contrária ao pensamento feminista, ela não pode se matricular num mestrado em História numa universidade pública? Todos os estudantes de Ciências Humanas sabem que ser opor ao feminismo, ainda que de forma velada, causa furor, pior ainda quando o sujeito ousa declarar-se adversário da causa.

No momento em que Campganolo diz ser conservadora, uma de suas colegas de sala de enuncia: “Eu não sei, de repente tem uma universidade em História que seja conservadora…” O absurdo da situação parece não ter limites. Em vez de a professora, que é servidora pública, rechaçar a fala da colega e mostrar que o ambiente universitário deve ser democrático, não faz nada. Depois, outra colega de Campagnolo assinala: “Só que a lógica, Ana, é que a tua lógica, a lógica dos conservadores é a lógica da opressão e a nossa não.” Que clichê! Que pobreza de espírito! Dito isso, pergunto: quem está oprimindo quem? Quem é a minoria oprimida naquela sala? É exatamente a conservadora que está sendo oprimida, afinal, a maioria, que é de esquerda, a oprime, o que solapa a própria militância advogada pelas feministas.

Em seguida uma colega admite: “…a gente não vai ver um conservador com bons olhos”. Claro que ninguém é obrigado a ver ninguém com bons olhos. Eu também não vejo com bons olhos essa turma sectária. Mas no ensino público é dever do professor e dos alunos respeitarem o inciso IV citado acima: “respeito à liberdade e apreço à tolerância;” Logo depois a professora lamenta: “triste que seja desse jeito e, evidentemente, tem muita gente que gosta do ridículo…” O que seria o ridículo aqui? Respondo: ridículo, para ela, é ser conservador, cristão e não gostar da militância feminista. Eu também acho ridícula a metafísica do Estado socialista ou o sacrifício da ciência no altar da paixão político-ideológica, mas as opiniões devem ser respeitadas. Não deveríamos nos comportar como pelotões de fuzilamentos inimigos, como disse João Pereira Coutinho semanas atrás.

É impossível negar os fatos acima, que são sustentados por provas. Mas existe algo a mais nisso tudo, e este algo a mais é o fato de que a educação, os estudantes e disputa pela verdadeira pluralidade está em curso, mesmo que alguns estudantes tenham que sofrer na pele as consequências de enfrentar a hegemonia da esquerda. Já passou da hora de a universidade fazer jus à sua própria concepção.

Outra coisa. Parece que a professora Marlene de Fáveri, bem como inúmeros professores, até hoje não compreenderam o significado da palavra “universidade”. Ou será que “universidade” também quer dizer algo como “pólo de militância política”? Vejamos:
u•ni•ver•si•da•de – substantivo feminino

1. Universalidade.
2. Conjunto de escolas de instrução superior onde se professam ciências ou letras.
3. Os edifícios em que se professam.
4. O corpo docente dessas escolas.
5. O conjunto dos estudantes da Universidade.
1.6. Academia.

É, de fato a palavra “universidade” nada tem a ver com militância, seja lá qual for. Por isso Ana Caroline Campagnolo tem razão. A professora opressora que confunde o ato de ensinar com sacerdócio ideológico e a sala de aula com a sede de um partido revolucionário a desrespeitou e, conforme Campagnolo aponta no processo, Fáveri a perseguiu religiosa e ideologicamente.
 

Continue lendo
  • Emílio Gutierrez Sobrinho e George Mazza
  • 13 Abril 2017

Recebi pequena mensagem de leitor cuja irresistível ironia me sugere acoplá-lo aqui. Apresenta ele um simples argumento para mostrar, por via simétrica, o absurdo da pretensão abortista focada nos direitos da mulher sobre os próprios ovários. Os dois textos vão para meu arquivo junto com outros bons argumentos em defesa da vida humana desde a concepção. (O Editor) 

MEU ESPERMATOZÓIDE MINHAS REGRAS"

Emílio Gutierrez Sobrinho
 

Se a mulher tem o direito de ser ou não mãe, parece-me que o homem também deveria ter o direito de ser ou não pai. Assim, poderíamos pleitear o direito de não ser pai, caso a mulher queira ser mãe, afinal meu espermatozoide, minhas regras. Evidentemente que isso é um esforço de expressão, mas sinto que toda essa combatividade da esquerda levará o mundo a dias sombrios, porque cedo ou tarde o combate contra esse grupo descambará para o plano físico, pois as ideias de esquerda são tão malucas que o mero embate teórico não será suficiente. 

 

A PESSOA CONSTITUCIONAL DO BEBÊ EM GESTAÇÃO
George Mazza

 

Os fundamentos utilizados pelo movimento pró-aborto, na tentativa de legalização desta prática no Brasil, estão se configurando cada vez mais esdrúxulos, a cada dia que passa. Parece que os bilhões de dólares investidos na engenharia abortista não são o suficiente para virar o jogo para o lado pró-aborto. A população brasileira continua defensora da vida, mesmo com o escasso acesso a informações científicas corretas, muitas delas falsificadas nos discursos abortistas. Então, já que não conseguem conscientizar a sociedade civil de que o aborto é algo benéfico à mulher e à própria sociedade, concentram seus esforços no Judiciário, e é lá que as atrocidades jurídicas e argumentativas acontecem, para espanto geral.

Na última investida pela legalização do aborto, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) encaminhou ação ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a descriminalização do aborto nos casos de gravidez de até 12 semanas. Uma das alegações utilizadas nesta ação (ADPF 442) protocolada pelo PSOL, é que o bebê em gestação não teria o amplo direito à vida pois não seria pessoa constitucional. Menos tecnicamente, a ideia por trás desta alegação é que por ainda não ter nascido, o bebê em gestação não estaria protegido pela Constituição Federal, ou seja, não devendo ser considerada PESSOA CONSTITUCIONAL, consequentemente não tendo acesso ao direito constitucional à vida. Mas notem como esta lógica é totalmente equivocada.

Sabe-se que o bebê em gestação é um ser humano em desenvolvimento, inclusive este ponto sendo afirmado na própria ação protocolada pelo PSOL. Estando em desenvolvimento físico e psicológico, o bebê em gestação encontra-se em momento único de sua vida inicial em que, por aspectos inerentes ao seu próprio estágio de desenvolvimento intrauterino, deva ser tratado juridicamente de forma diversa em relação aos seres humanos já nascidos. Mas aos afirmarmos que o bebê em gestação deva ser tratado de forma diferente dos seres humanos já nascidos, não estamos sequer cogitando que ele seja desprovido de suas principais proteções legais. Aqui aplica-se um velho ditado do Direito, que corresponde à equidade: tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual.

Este tratamento diferenciado pode ser observado em diversas situações cotidianas em nossa sociedade. Como exemplo, temos os menores de idade (crianças e adolescentes), que não são responsabilizados (como são os maiores de idade!) pela prática de alguns atos civis e criminais. Da mesma forma os militares das Forças Armadas, na ativa, que por sua condição específica não podem se candidatar a cargo eletivo. Outro caso é o do Juiz de Direito e do Promotor de Justiça que, em face de suas funções ocupadas, não podem advogar, tendo suspenso seu registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Outro exemplo é o do preso ou do estrangeiro não naturalizado, que por suas condições específicas não podem se utilizar de alguns direitos civis, como votar e ser votado, respectivamente. Assim se repetem em diversos outros exemplos, todos os dias!

Vejam nestes casos exemplificados que TODOS os personagens são seres humanos (iguais), mas que são tratados de modo desigual, por sua peculiar e temporária situação de vida em determinado momento da sua existência. Mas do tratamento desigual, da restrição de alguns direitos, o principal deles permanece intacto, sem qualquer limitação: o direito à vida. Nem para o caso de criminosos cumprindo sentença em prisão pode-se limitar o seu direito à vida. O Estado, em face da proteção constitucional a ser dada ao ser humano que cumpre pena de prisão, por sua situação de vulnerabilidade e dependência, deve garantir que lhe sejam assegurados direitos mínimos de sobrevivência e que sua vida seja preservada, a todo custo.

Então por que esta mesma proteção estatal não se aplica a todos os bebês em gestação, ser humanos que o são, apenas em condição temporária de vulnerabilidade e dependência? Por uma situação específica de sua existência, os bebês em gestação devem ser tratados de modo diferente dos demais, com algumas situações civis sendo limitadas, MAS SEM QUE TENHAM SEU DIREITO MAIS NATURAL RESTRINGIDO, por qualquer fundamento jurídico ou outro direito, seja constitucional ou não!

É natural que um bebê em gestação não possa usufruir de vários direitos civis aplicados aos seres humanos já nascidos, como votar em eleições, candidatar-se a cargo público, ser responsabilizado por crime, ou mesmo julgar seus pares. Mas seu DIREITO NATURAL À VIDA DEVE SER USUFRUÍDO POR COMPLETO, SEM QUALQUER RESTRIÇÃO ESTATAL.

Assim como não se admite a limitação do direito à vida do preso, do militar, do estrangeiro, da criança, do adolescente, do juiz, do promotor, por suas condições peculiares e passageiras, não se pode limitar o direito à vida dos bebês em gestação, por sua condição peculiar e passageira. O Estado (leia-se Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) deve realizar todos os esforços para proteger este período do desenvolvimento do ser humano ainda em gestação, bem como suprir a gestante de todos os meios necessários para uma gravidez segura.

Nesta perspectiva, não há outro caminho que não entender os seres em gestação como PESSOAS CONSTITUCIONAIS, COM AMPLA PROTEÇÃO LEGAL, apenas em situação temporária que lhes limitam o usufruto de alguns poucos direitos, mas permanecendo detentores do principal direito existente: o direito à vida!

O bebê em gestação, se não abortado, passará rapidamente por esta temporária fase de vulnerabilidade, tornando-se mais um detentor de amplos direitos civis. Tal qual o preso do exemplo citado, que mesmo cometendo o mais abjeto crime da nossa legislação deve ter sua vida preservada, qual perverso crime cometeu um bebê em gestação para que seja condenado à pena capital, sem direito de defesa?

Pensar diferente é fazer uso do vazio discurso da morte, na tentativa de acoplar mais uma peça à engrenagem da indústria abortiva.

 

Continue lendo
  • Ives Gandra e Samantha Meyer-Pflug Marques
  • 11 Abril 2017


(Publicado originalmente na Folha de São Paulo)

A lei exige que a prestação de contas de campanha eleitoral dos candidatos seja feita de maneira individual e separada, ainda que integrante de uma coligação partidária.

São contas distintas e independentes, o que possibilita a identificação da origem e do destino de todos os recursos captados para financiar a campanha. Cada candidato é individualmente responsável pela arrecadação dos recursos e discriminação dos gastos realizados.

Ora, se a lei obriga que a prestação de contas dos candidatos seja feita em separado, como pode a condenação ser em conjunto? Tal raciocínio contraria frontalmente a lógica cartesiana.

O Tribunal Superior Eleitoral no âmbito estadual e municipal tem aplicado o princípio da indivisibilidade da chapa, mas com abrandamentos. Em face da constatação de que o vice não cometeu nenhuma ilegalidade, a despeito de cassar a chapa deixa-se de aplicar a pena da inelegibilidade. É o que ocorre com Dilma Rousseff e Michel Temer, situação em que restou comprovado que o vice não cometeu qualquer ilícito.

Todavia, não parece coerente que o TSE reconheça a inexistência de culpa do vice-presidente, deixando de aplicar a inelegibilidade, mas derrube a chapa e casse o seu mandato.

A indivisibilidade da chapa, como de resto qualquer princípio, não pode ser aplicada de forma absoluta, sob pena de violar outros princípios constitucionalmente assegurados, como o da personalidade da pena, da segurança jurídica e da proporcionalidade.

O preceito da personalidade consiste na proibição de a pena ultrapassar a pessoa do réu de modo a atingir terceiros. Portanto, não pode o vice receber uma sanção por um ato que não cometeu.

Já a segurança jurídica confere estabilidade aos pleitos eleitorais e às expectativas de todos os que participam das eleições.

A prestação de contas da chapa Dilma/Temer foi inicialmente aprovada pelo TSE com ressalvas e inexistem irregularidades na prestação das contas do vice. Deve-se prestigiar o eleitor e o voto popular.

Impõe-se também que, em face de um aparente conflito entre princípios, leve-se a efeito uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles.

Aplica-se um sopesamento dos valores em conflito, no caso concreto, de modo a encontrar uma decisão necessária, razoável, adequada e menos gravosa ao outro princípio.

A solução menos gravosa e mais eficaz é, sem dúvida nenhuma, apurar as responsabilidades em separado e aplicar as penas individualmente. Não é razoável punir o vice por uma conduta que não cometeu, da qual nem tinha conhecimento.

Também não merece prosperar o argumento segundo o qual não há precedentes no TSE, uma vez que o caso é extremamente singular, pois diz respeito ao julgamento de contas de uma presidente da República que sofreu impeachment e de um presidente legalmente empossado.

Este -nada obstante o difícil quadro político, social e, principalmente, econômico pelo qual passa o país, com preços em alta, desemprego descontrolado e contas públicas com acentuado deficit- já conseguiu reduzir a inflação e começou a recuperar o emprego e a colocar limites aos gastos públicos. O impacto positivo principia a ser sentido.

Ao seguir essa linha de raciocínio, não se poderiam admitir inúmeras decisões proferidas pelo TSE sem que houvesse precedentes.

Está-se diante de um "leading case" (caso paradigma) em que uma eventual e, a nosso ver, improvável decisão contrária geraria novamente instabilidade política, social e econômica, em que a população menos favorecida seria a mais prejudicada.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, advogado, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra
SAMANTHA MEYER-PFLUG MARQUES é professora titular de direito constitucional da Universidade Nove de Julho (Uninove)

 

Continue lendo
  • João César de Melo
  • 08 Abril 2017

(Publicado originalmente em http://www.ilisp.org)

A arte preenche certos espaços em nossa psique, mas não é mais importante do que a ciência, a indústria, a agricultura e o mercado na sustentação de nossas vidas.

Uma forma muito eficiente de entender isso é visualizando quais emoções tomariam a pessoa mais culta da renascença, por exemplo, se ela surgisse dentro de uma grande exposição de arte do nosso tempo.

Com toda certeza, ela não iria se emocionar com as obras de arte ao redor, mas com as lâmpadas iluminando o ambiente, com os banheiros, com pessoas acima dos 30 anos de idade tendo todos os dentes na boca e com os aparelhinhos que elas usam para falar e enviar dados umas para as outras, os tais smartphones.

Sinto muito, mas artista nenhum, por mais talentoso e produtivo que seja, oferece ao mundo coisas mais relevantes do que nos oferecem as pessoas anônimas que trabalham em laboratórios, fábricas e escritórios.

Os instrumentos dos músicos, os pincéis dos pintores, as espátulas dos escultores, os tantos materiais que constroem os projetos de arquitetura, tudo isso é produzido por pessoas que não recebem aplausos, nem elogios, muito pelo contrário, quase sempre são acusadas de serem frias e gananciosas.

Mesmo que um artista consiga produzir todos as ferramentas e materiais que compõem sua obra, ele dependerá da ciência, da indústria, da agricultura e do mercado para viver, já que nenhuma obra de arte consegue produzir, por si mesma, comida, roupas, medicamentos e produtos de higiene pessoal.

Mas, afinal, por qual razão um artista plástico como eu assina um texto “desvalorizando” os artistas? Eis o ponto que precisa ser compreendido!

A supervalorização da arte tem um efeito inverso. Ao supervalorizar artistas, retira-se deles a condição de indivíduo comum, elevando-os ao status de pessoas especiais, espiritualmente superiores aos demais seres humanos. Alimenta-se assim a arrogância peculiar de muitos artistas, que exigem que a sociedade os aceitem e os financiem a despeito de seus trabalhos agradarem ou não as pessoas - são artistas, portanto, devem ser adorados.

Essa retórica é alimentada pela esquerda por uma razão muito simples: ao afirmar que os artistas são pessoas especiais, imprescindíveis para o desenvolvimento da humanidade, a intelligentsia os convence de que devem exigir que o estado financie suas vidas, seus trabalhos, seus prazeres e até seus vícios. E assim os artistas transformam-se em caixas de ressonância das ideias socialistas. Tornam-se militantes da crença no estado provedor. Quando eles se manifestam em nome dos “direitos” das pessoas, estão, na verdade, cobrando que eles próprios sejam agraciados com o direito de receber dinheiro dos pagadores de impostos por meio do governo.

Foi assim que a arte foi rebaixada à condição de ferramenta ideológica. A academia expurgou a beleza para investir todas as suas energias na retórica ideológica. A obra de arte passou a depender dos textos dos curadores. Os editais de exposições e patrocínios passaram a ser julgados por esses curadores. Os artistas ganham projeção e dinheiro a partir do que os curadores escrevem sobre eles. A beleza passou a ser algo vulgar, algo que emociona o povão, a massa ignorante que não entende de arte.

Um comentário comum em exposições é o “eu não entendo nada de arte, mas deve ser legal, né?”. Foi isso que a intelligentsia plantou na população. Mesmo não se emocionando com a tal “arte contemporânea”, o cidadão comum se sente obrigado a dizer que gosta para não ser taxado de ignorante.

A supervalorização da arte supervaloriza um pequeno grupo de artistas militantes de esquerda em detrimento da grande maioria dos demais artistas, depreciados pela “elite cultural” que os taxa pejorativamente de “artistas comerciais”, aqueles que comentem o crime de ganhar a vida vendendo seus trabalhos para pessoas comuns.

A supervalorização da arte deprecia o ambiente capitalista, aquele que não é feito de discursos bonitinhos, mas de resultados reais e práticos; diminui a importância das pessoas que realmente trabalham duro para manter o mundo funcionando; e despreza os indivíduos que dedicam suas vidas a oferecer coisas que tornam a nossa vida imensuravelmente melhor do que a dos nossos avós.

A supervalorização da arte é a exaltação do financiamento estatal à uma pequena casta pessoas - artistas ou não - que não têm coragem nem talento para ganhar a vida no mercado. Vide Ministério da Cultura e todas as secretarias do tipo.
Supervalorizar a arte transforma a própria arte numa abstração decifrável apenas pelos inteligentinhos da esquerda, que se apresentam como os únicos intermediários entre a ignorância e a sabedoria.

Como se fosse pouco, a supervalorização da arte atrai para o meio pessoas que sequer têm talento artístico, interessadas mais na fama ou no dinheiro que ela pode trazer.

Por exemplo: na semana passada estive em Valparaíso, Chile, cidade famosa pelos seus grafites. A grande maioria muito ruins, por sinal. Mas o que vale é a opinião da “elite cultural” que, quando lhe é conveniente, interpreta qualquer lixo como sendo uma obra de imensurável importância para a humanidade. Não por acaso, os guias da região que apresentam as obras as relacionam com a política, contra o capitalismo e a “direita”.

Em resumo: a supervalorização da arte é sua transformação em veículo de pregação ideológica. Nada menos do que isso.

Se não houvesse essa supervalorização, o artista seria visto como profissional e tratado como tal. Com certeza, haveria menos artistas no mundo, mas a qualidade da arte seria melhor e agradaria mais as pessoas comuns, que se reconheceriam mais na produção artística.

Compreender que a arte não é a coisa mais importante do mundo é a melhor forma de valorizá-la, pois a colocamos no mesmo nível dos serviços e produtos primordiais à nossa vida.

Veja que não estou diminuindo a importância da cultura, que é muito maior do que o conjunto de ofícios exercidos pelos artistas. Cultura é a língua, os costumes, a mentalidade e a religião de um povo. A música, a pintura, a arquitetura e o teatro compõem a cultura, mas não a definem. Na verdade, ocorre justamente o contrário.

Por fim, registro que minha observação qualifica a literatura como uma arte à parte e realmente imprescindível: por meio dela é que o desenvolvimento tecnológico ocorre.

 

Continue lendo
  • Guilherme Fiuza, O Globo
  • 08 Abril 2017


 

O Partido dos Trabalhadores (PT) soltou uma nota oficial esclarecendo que está tudo normal na Venezuela. Essas notícias horríveis que você recebe são a versão conspiratória da grande imprensa, que junto ao governo brasileiro golpista quer atacar a esquerda no continente (não é licença poética, procure a íntegra). Quase ao mesmo tempo, engrossando a ofensiva fascista da direita, Sérgio Moro condenou o companheiro André Vargas a mais quatro anos de prisão em regime fechado.

Você já se esqueceu de quem é André Vargas — mas não se preocupe, isso é normal. Ninguém é obrigado a decorar James Joyce, nem a literatura completa da Lava-Jato. André Vargas foi um meteoro petista, desses que viravam personalidades proeminentes da República da noite para o dia — na época em que os companheiros mandavam nisso aqui.

Um dia André Vargas não era ninguém, no outro era vice-presidente da Câmara dos Deputados, desafiando publicamente Joaquim Barbosa com o famoso punho cerrado de José Dirceu, o Simón Bolívar do Paraná. Joaquim Barbosa era um ministro do Supremo, que condenou a turma de Dirceu pelo mensalão. Mensalão era um escândalo sem precedentes até surgir a Lava-Jato. E a Lava-Jato começou revelando ao Brasil o segredo da ascensão meteórica de André Vargas no partido governante: dinheiro roubado.

Você pode não se lembrar do meliante, mas o dinheiro era seu.
Está tudo normal na Venezuela, e os companheiros quase iam conseguindo instaurar essa normalidade no Brasil — quando pegaram André Vargas e os doleiros da revolução. Foi ali que a direita começou a matar o sonho de um Brasil bolivariano e igualitário, com todos unidos na fila do papel higiênico.

É preciso muita coragem para apoiar o regime de Nicolás Maduro nas circunstâncias atuais, de cara lavada e à luz do dia. Parabéns ao PT. Do partido estrelado por André Vargas, Vaccari, Delúbio, Paulo Bernardo, Gleisi, Delcídio, João Santana, Pizzolato, Dirceu, Dilma, Lula e cia — enfim, a turma do sol quadrado (os que já viram e os que ainda verão) — pode-se dizer tudo, menos que não seja um partido coerente. O PSOL está morrendo de inveja.

O massacre progressista nas ruas da Venezuela foi aplaudido pelos pacifistas do PSOL até anteontem, quando a ditadura libertária do companheiro Maduro perpetrou seu doce AI-5 sem perder a ternura. A imagem das botinas da guarda bolivariana empoderando uma jornalista caída no chão, entre outras cenas do excesso de democracia aclamado por Lula, confundiu a militância do bem. Enquanto durar o silêncio dos chavistas de butique em Hollywood, na MPB e nas salas de aula (sic), ninguém tem nada com isso. A Venezuela deles é mais embaixo.

Estão todos devidamente abençoados pelo Papa Francisco, o sacerdote da narrativa. No impeachment de Dilma Rousseff, que ceifou a busca da normalidade venezuelana no Brasil, o Pontífice declarou-se "muito triste" e cancelou sua viagem ao país. Agora que a ditadura transformista de Maduro rasgou a fantasia, jogando a força bruta sobre o povo e as instituições, Francisco foi lacônico: convidou os venezuelanos a "perseverar". É um fofo.
Diante da nova canetada fascista de Moro contra um guerreiro do povo, o menestrel do Vaticano bem que poderia deflagrar a campanha "somos todos André Vargas". E são mesmo. Estão irmanados pela fé na retórica coitada sobre todas as coisas — inclusive sobre a realidade onde o pau está comendo. Francisco, André e todos os cúmplices intelectuais da barbárie venezuelana são sócios de uma lenda — sublime e grandiosa como um panfleto de João Santana. Vivem disso. São os cafetões da bondade.

Um deputado que se apresenta como representante dos gays cuspiu em plenário, durante o impeachment, num deputado que se apresenta como representante dos militares. Uma guerra de mentirinha, que interessa essencialmente aos balaios eleitorais de ambos. Bate mais, meu amor. Mas a lenda é soberana, e o julgamento do deputado cuspidor terminou com uma advertência (ai, ai, ai) — que lhe permitiu inclusive tripudiar geral, declarando que sua cusparada foi o ato mais digno do Congresso durante o golpe. Filho mimado cospe na cara dos pais.

O que dizer a todos esses simpáticos mercenários da lenda? Saiam do armário, companheiros!

E o que dizer ao Brasil, semidestruído pela lenda? Pare de mimar esses canastrões, companheiro! Se não quiser ser escalpelado de vez pela normalidade deles.

* Guilherme Fiuza é jornalista

 

Continue lendo
  • Guilherme Socias Villela
  • 07 Abril 2017

 

“Pour qu’on ne puisse abuser du pouvoir (...) le pouvoir arrête le pouvoir”. Montesquieu (1689-1775)


A Carta Magna brasileira -seja a atual “Constituição Cidadã” (1988) ou as de 1934 e 1946 – (esta examinada com lupa, pelo gigantesco gênio de Pontes de Miranda) – poderia ser caracterizada como as demais: como uma tarrafa de pescaria. Explique-se: junto com possíveis peixes, chegam à terra velhas botinas usadas e outras tantas porcarias existentes nos rios.

As constituições são tarrafas! Assim, na maior das boas intenções – apregoam igualdade de todos perante a lei; a separação dos três poderes e seus indispensáveis “checks and balances” (freios e contrapesos). Aliás,érotina dizer-se que no Brasil suas cartas magnas foram, desde as primeiras,importadas desde a “imexível” constituição norte-americana, que conserva seus7 artigos e 27 emendas há 230 anos. Os diversos constituintes brasileiros só se esqueceram de trazer junto àformação histórica dopovo daquele País -- que muito difere da colonização brasileira (v. Vianna Moog – Bandeirantes e Pioneiros).

Então? Por que tarrafa? Porque ela arrasta peixes e botinas usadas?

Observe-se que a Constituição de 1988possui 166 direitos singulares e plurais; e tão somente 18 deveres. Pode? Mesmo na Escandinávia isso seria inviável. Mas os constituintes brasileiros chegaram lá! Assim, a “Constituição Cidadã”tarrafeou para o povo a necessidade de poder tudo, com poucos deveres. E como o setor privado não pode tudo atender, exigir tudo do Estado.

Que confusão!

Fosse pintado um quadro artístico – que estaria mais para Salvador Dali do que para Rembrandt -referente à atualidade econômica e social do País, ver-se-ia milhões de brasileiros com as mãos em forma de concha, com os olhos esperançosos, voltados para um céu distante, àespera de um milagre – que nunca virá!Nem mesmo ajudado pelos discursos dos políticos tradicionais.


* Economista e ex-prefeito de Porto Alegre

Continue lendo