Cogita-se agora de inaugurar em Porto Alegre um memorial ou monumento a Luiz Carlos Prestes, obedecendo a um projeto assinado pelo seu correligionário Oscar Niemeyer. Poucas vezes se viu ideia tão desarrazoada quanto essa, e mais afrontosa à grande maioria dos cidadãos porto-alegrenses. Salvo durante um triênio, entre 1924 e 1927, quando as guerrilhas de sua coluna rebelde geraram uma lenda de habilidade tática e de invencibilidade, Prestes nunca empolgou a opinião pública. Depois, no auge da fama de grande tático, quando dele se esperava que assumisse a chefia militar da revolução de 1930, defraudou as esperanças, desviou os mil contos de réis que recebera dos líderes do movimento e aderiu ao comunismo de Stálin.
As ferramentas do Partido Comunista, o culto à personalidade, mais o texto brilhante de Jorge Amado, criaram para ele a imagem do Cavaleiro da Esperança, que, por algum tempo, seduziu parcela da juventude e da intelectualidade brasileiras (inclusive este desavisado articulista, quando muito jovem). A condenação pelo Tribunal de Segurança Nacional e a entrega de sua mulher à Gestapo de Hitler alimentaram a infalível piedade vitimista, para orná-lo com uma auréola de mártir. Mas esse pseudomártir e herói fabricado nunca foi unanimidade e desde a década de 1930 sempre foi discutido, não apenas pelos conservadores, senão também pelos inúmeros dissidentes da esquerda, trotskistas, socialistas democráticos e trabalhistas.
Luiz Carlos Prestes não se trata, portanto, de um herói esquecido, de molde a justificar a ereção de um memorial. Mesmo que tenha subido por um momento aos altares da fama, logo caiu deles, causou graves prejuízos ao Brasil com o levante armado de 1935, dando forte pretexto para a implantação do Estado Novo de 1937 e, quando o Partido Comunista obteve sua legalização em 1945, logo deu mostras de total inabilidade política, arrastando o Partido outra vez para a clandestinidade e para a perda dos mandatos parlamentares que havia conquistado.
Colocando os pingos nos “is”, Prestes não passou de um produto perverso do tenentismo das décadas de 20 e 30, agravado pela adesão ao criminoso stalinismo, que ele jamais repudiou, mesmo depois de revelados todos os seus crimes. Nem ele nem seus parceiros da chamada Coluna Invicta jamais foram intérpretes ou mensageiros da democracia. Não se conhece dele um texto de discurso ou de manifesto que ficasse imune ao sectarismo, ou que trouxesse ideias originais para a solução dos problemas brasileiros. Foi sempre, e apenas, um porta-voz da Internacional ou do Cominform, obediente repetidor das fórmulas e ditames do partido soviético.
Talvez a melhor criação do líder comunista haja sido essa filha, Anita Leocádia, cuja entrevista apareceu na Zero Hora do dia 5 de janeiro. Embora fazendo, obviamente, a defesa do pai e de sua memória, não exagerou na dose e, como estudiosa de História, admitiu verdades que antes nenhum prestista admitia, como os homicídios ordenados pelo Comitê Central e referendados por Prestes. Na entrevista, a historiadora nos promete agora uma biografia política do pai, o que deve ser aguardado com algum interesse, apesar de sua natural suspeição.
* Historiador
* Publicado originalmente em Zero Hora do dia 11 de janeiro de 20143