• Francisco Ferraz
  • 07 Agosto 2017

 

Vivemos uma crise multifacetada. Ela é econômica, política, social jurídica, cultural, ideológica e histórica. Mais grave que os aspectos econômicos, sociológicos ou jurídicos da crise, contudo é o seu agravamento político, resultante da Estamos num rumo perigoso.

No Brasil tudo está em questão. A isso nos levou a confusão cultural, normativa e comportamental que resultou da dilaceração do tecido social.

Qualquer sociedade democráticaprecisa institucionalizar valores básicos, subscritos por sua população, para assegurar sua estabilidade e um ordenado e legal processo político de mudança. Quando não há um consenso em torno desses valores básicos ou, quando se instala umconflito radical entre eles, a nação tende a se dividir em dois blocosradicais e excludentes que “hurlent de se trouver ensemble”.

É a conhecida situação da “curva em U”, em que o poder foge do centro e se aloja nos extremos.Este é o caso da Guerra civil, o pior dos conflitos, cujo exemplo emblemático é a Guerra Civil Espanhola que, em julho de 1936, mais que dois blocosdeuorigem a ‘Duas Espanhas’.

Nessa situação parentes e amigosevitam encontrar-se tal a hostilidade que os valores políticos antagônicos provocam entre eles.

A guerra civil é a prova definitiva de que o ódio na politica é muito mais forte que o ódio no amor.

Não nos encontramos nesta situação. Mas o mínimo que se pode dizer é que já estivemos muito mais longe dela... Entre a Espanha da Guerra Civil e o Brasil da crise, a Venezuela Bolivariana de Maduro já se encontra muito próxima de uma guerra civil. Estamos ainda longe da situação espanhola, mas não tão longe da Venezuelana.

Atente-se para alguns valores essenciais à vida social organizada que se encontram em conflito, contestação e deslegitimação no Brasil:

1. Democracia Direta para corroer a Democracia Representativa

• Única condenação legítima é pelo voto: implica em desqualificação da legislaçãopenal.
• Pressão por convocação de Constituintes, Plebiscitos, Referendos e Reformas Políticas para substituir competências já definidas do legislativo e STF.
• Manifestações com militantes ‘pagos’ para pressionar, e forçar, decisões legislativas ou jurídicas em normal tramitação no Congresso e no STF.


2. Quebra do consenso: tudo está em questão

• Redefinição ‘contra-legem’ dafamília; do regime jurídicodo funcionalismo (greve ); daeleição direta de dirigentes de órgãos públicos.
• Família – qual sua conformação em termos de gêneros? Malicioso enquadramento da discussão: família tradicional x família moderna.
• Sexo: se escolhe ou é pré-determinado ao nascimento? Uso de sanitários é de livre escolha?
• Democracia: qual averdadeira democracia – a representativa ou a democracia direta?
• Qual o valor estruturante da democracia? Igualdade e Liberdade Política ou Igualdade econômica e social?
• Liberdade econômica macro: quem deve se ocupar da atividade econômica: livre iniciativa ou os órgãos do estado?
• Propriedade privada é legítima e legalmente protegida ou tem uma legitimidade discutível e precária? A ‘invasão’ é delito ou é um direito?
• O lucro é uma conquista legítima ou um roubo sujeito à expropriação? O mercado é necessário ou prejudicial?
• A escola deve transmitir conhecimentos ou ideologia? Educação ou doutrinação? É legítimo e legal a censura por deliberada exclusão?
É óbvio que, na prática política, ideologia e doutrinação serão eufemisticamente definidos como ‘espírito crítico’.
• O criminoso é responsável por seus atos ou é a vítima?
• Liberdade de imprensa é uma garantia de liberdade ou é o abuso dos proprietários?
• Qual o critério legítimo para a promoção salarial ou na carreira: desempenho (mérito) ouconfiança política?
• Símbolos religiosos não podem ser expostos em público ou é direito de qualquer religião expor seus símbolos?
• A vida humana é sagrada ou instrumental?
• O que é a legalidade? O estado democrático de direito, suas instituições e normatividade ou esses são apenas atributos formais, inferiores aos critérios substantivos?
• O que é golpe de estado? Um conceito jurídico-político ou um termo usado na disputa política de significado arbitrário?
• Como entender esta frase: Seguir a virtude prejudica o país? (prejuízos e custos da Lava Jato).

3. Destruição da dignidade dos poderes e das funções 

• Plenário do Congresso como palco para danças folclóricas, reunião indígena, concentração de minorias organizadas.
• Ocupação da mesa do Senado por senadores de um partido.
• Legisladores usando cartazes, igualando-se a manifestantes.
• Cenas de pugilato, ‘cuspidas’.
• Obstrução invasiva apoiada por legisladores.

Como se constata, tudo é contestado. E quando tudo é contestado corrói-se o consenso básico.

Não se trata de um consenso absoluto e irreal. Trata-se de um consenso em valores básicos, centrais e de elevada hierarquia, mediante o qual a política e a administração são previsíveis; contêm regras que os cidadãos conhecem, praticam e as instituições protegem; e se consolida numa organização política democrática, unida em torno desses valores e dividida em torno de políticas públicas.

Quando tal não sucede, quando tudo é contestado, quando tudo está sempre aberto a mudanças, o que resulta é uma democracia instável, imprevisível, de precária legitimidade e duração. Tais democracias tendem a desembocar no totalitarismo, na ditadura populista ou na cronificação da instabilidade, o que parece ser o caso do Brasil.

A listagem apresentada permite identificar no mínimo 40
questões intensa e radicalmente divisivas.

Considere-se, entretanto, que nenhuma dessas questões é de importância periférica ou secundária. São todas elas indispensáveis para a configuração política, econômica, social, jurídica e cultural do país e para a qualidade de sua democracia.

A indagação que se impõe é de hierarquia correspondente à gravidade do nosso desafio como nação democrática:

“Como uma nação com tal grau de conflito em seus valores básicos poderá construir e manter uma democracia moderna, autêntica e estável?”

 

* Professor de Ciência Política, ex-reitor da UFRGS, pós-graduado pela Universidade de Princeton,  criador e diretor do site Política para Políticos

 

 

 

 

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  • Paulo Antônio Briguet
  • 07 Agosto 2017


Uma antologia da vigarice universal contemporânea

(Publicado originalmente em http://www.folhadelondrina.com.br/blogs/paulo-briguet/)

CRIME SEM CASTIGO. A história de um país onde os bandidos são idolatrados e contam com inúmeros benefícios para a redução de suas penas. Nesta curiosa nação garantista, onde uma pessoa morre a cada nove minutos, o mais conhecido meliante apresenta-se como campeão da honestidade e salvador da pátria.

GUERRA À PAZ. Romance baseado em fatos reais. Um pequeno grupo de iluminados decide que os mais variados grupos sociais — pobres e ricos, homens e mulheres, negros e brancos, jovens e velhos, heterossexuais e homossexuais, empresários e trabalhadores — devem guerrear uns com os outros até que a morte os separe. Subtítulo: "A luta de classes universal".

PAIS CONTRA FILHOS. Também inspirado em fatos reais, este romance mostra o conflito bélico que tem como objetivo central destruir a família.

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE CUBA. Narrativa de realismo fantástico em que um pedaço do inferno é apresentado como ilha paradisíaca. Subtítulo: "Os paredões não têm ouvidos".

ARQUIPÉLAGO LULA. Novela surrealista em que um homem nega sistematicamente ser proprietário de um sítio milionário e de um apartamento de luxo, mas acredita fervorosamente ser proprietário de uma nação.

POR QUEM O SOROS COBRA. Antologia de contos de terror em que um bilionário metacapitalista financia grupos esquerdistas em todo o planeta, com as finalidades de reduzir a população mundial (via aborto e drogas), acabar com a liberdade de expressão, sufocar o livre mercado e garantir lucros interplanetários para sempre.

DOUTOR DIVAGO. A trajetória de um acadêmico cuja vida consiste em manter-se à distância de qualquer vínculo com a realidade, enquanto faz greve e garante seu alto salário com estabilidade vitalícia no emprego.

CEM ANOS DE COMISSÃO. A história da aliança indissolúvel entre uma elite política e econômica, homiziada numa cidade-pesadelo, que mantém domínio sobre 200 milhões de pagadores de impostos. Subtítulo: "O país do faturo" (apud Millôr).

EM BUSCA DO MURO PERDIDO. Ensaio antropológico sobre uma tribo que utiliza vestimentas vermelhas e tenta reconstruir a cortina de ferro debaixo da linha do Equador. Subtítulo: "Caindo de Maduro".

MANIFESTO ABORTISTA. Texto revolucionário que fomenta a destruição de seres humanos no ventre das próprias mães, mesmo contra a vontade da maioria esmagadora da população.

OS NOIVXS. Drama de um casal apaixonado — uma mulher e um homem — que tenta esconder a própria identidade sexual para formar uma família opressora e patriarcal.

Alguém pode estranhar:

— Ué, não eram dez livros? Eu contei onze.

De fato, eram apenas dez. Mas é que esse tipo de coisa se reproduz com uma velocidade assombrosa, meu amigo.
 

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  • Rodrigo Constantino
  • 06 Agosto 2017

 

(Publicado originalmente em http://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/)

Num mundo tão relativista, com tanto lixo efêmero chamado de “arte”, muitos conservadores passaram a pregar o resgate da Beleza. Não deixa de ser curioso, então, que um esquerdista como Paulo Nogueira Batista tenha escrito, em sua coluna de hoje, que a beleza é um “mandamento”. O problema é que, como de praxe, para ele essa “beleza” é puramente estética e está apartada, até por necessidade, de valores morais, de bondade, do que é certo. Eis um trecho:

Sempre me pareceu que o artista verdadeiro sacrifica qualquer “conteúdo”, qualquer “coerência”, por uma bela frase, por um belo gesto, por um belo efeito plástico ou cênico. Como dizia Oscar Wilde, “coerência é a virtude dos que não têm imaginação”. Dos não-artistas, portanto.

O que distingue o artista é a busca incondicional da beleza, em detrimento da verdade, do equilíbrio, do bom senso, da ética, da saúde e até da própria vida. Além disso, leitor, o artista é frequentemente um pobre ser ameaçado, precariamente instalado no mundo. E, se faz concessões, corre o risco de se desvirtuar, de perder o rumo.

Assim, o artista precisa sacrificar, ou deixar em segundo plano, a verdade e a moral. A objetividade e os bons princípios são temas para outros tipos humanos, para o cientista e para o sacerdote, respectivamente. Para o artista, o “conteúdo” enquanto tal não existe propriamente. Nietzsche expressou isso, com perfeição, quando escreveu que só se é artista, verdadeiramente, quando se trata aquilo que os não artistas chamam de “forma” como o conteúdo mesmo da coisa.

Quando um artista migra para outros terrenos (ciência, moral, filosofia, pensamento social, crítica literária) o que acaba dominando, em última análise, é a expressão da beleza. Para o verdadeiro artista, a beleza é o único mandamento. Para bem e para mal, ela interfere o tempo todo. E a obra artística resvala para a mentira, para o engano, para a fabulação. Tangencia a imoralidade, o crime, a perversão.

Há controvérsias. É verdade que Paulo Nogueira fez uma ressalva: “a verdade e a moral podem, sim, coincidir com a beleza, podem aparecer juntas e se reforçar mutuamente. Mas não como regra geral”. Mas sua mensagem essencial parece ser puramente estética, até mesmo anti-moral, e esse talvez seja um vício de artistas brasileiros, mas não necessariamente de artistas de outras terras, com outros valores.

Não sou especialista no assunto. Mas pego carona com quem é: Martim Vasques da Cunha, que escreveu o livro essencial sobre o assunto, especialmente voltado para a arte literária. Em A Poeira da Glória, Martim, inspirado em Mario Vieira de Mello, disseca essa obsessão tão brasileira em separar o Belo do Bom e do Verdadeiro, desfazendo um tripé que se mostra fundamental para a arte eterna. Em um trecho, eis o que o crítico literário diz:

A equivalência do bem e do mal, do certo e do errado, somada a uma ambiguidade literária que se assemelha a um abismo de espelhos, paralisa a sensibilidade nacional – e talvez seja por isso que o brasileiro evita ser sincero consigo mesmo, dificultando como pode a mudança interior. Por não perceber que a única comunicação verdadeira que existe é com “o fundo insubordinável do ser” (expressão fantástica do filósofo espanhol Ortega y Gasset), fazemos justamente o contrário daquele conselho que Teofrasto dava aos contemporâneos todos os tempos: preferimos acolher um homem desprovido de qualquer vida real, elogiando a máscara que se esconde na ironia dos abandonados, quando este “deveria ser mais evitado do que uma víbora”.

Em outro trecho mais adiante, Vasques da Cunha aprofunda o conceito em questão nesse texto:

No passado, muito antes da Idade Média, havia a percepção de que a estrutura da realidade se articulava em três polos de uma tensão orgânica e insuperável: o Bem, o Belo e o Verdadeiro. Apelidados pelos filósofos clássicos de “os três transcendentais”, a força deles existia em seu conjunto – e, se separados, perdiam seu poder de atração para guiar o ser humano neste “vale de lágrimas”. O Bem dava o norte ético, que só podia ser feito se o sujeito tivesse uma educação sentimental correta, se fosse educado numa sensibilidade estética que o orientasse a realizar a bondade e a desprezar o Mal. Se fosse unido com o Belo que tal ação provoca, o deleite que temos quando percebemos que o mundo tem um propósito e um sentido – isto nos ajudava a permanecer na Verdade, no Bem que se unia ao Belo não só porque era bom e bonito, mas sobretudo porque era a coisa correta a fazer.

Para Martim, à medida que o homem passou a se tomar como a medida para todas as coisas, abandonando a ideia de Deus como norte, a tensão orgânica que animava os três polos se desintegrou, e “um processo de fragmentação passou a ser o verdadeiro eixo do mundo moderno, a crise que ainda não conseguimos superar”.

Dessa forma, criou-se um conflito grave entre o princípio ético e o princípio estético, entre o Verdadeiro e o Belo. No Brasil, essa divisão encontrou solo fértil, com um povo obcecado com a estética, mas nem tanto assim com a verdade. Seria um traço de imaturidade, de fuga, pois mergulhar no próprio interior em busca da verdade pode ser uma experiência angustiante, e ter que buscar o mesmo nos outros pode ser ainda pior. Martim explica:

Ao mesmo tempo, a vida com os outros é complicada porque os seres humanos também possuem as suas próprias vidas interiores, as suas respectivas realidades ensimesmadas. Isto só pode causar uma única coisa: conflitos inevitáveis. Então, o que fazemos para suportar isso? Muito simples: inventamos nossas próprias vidas, criamos reinos interiores em que, obviamente, somos nossos próprios monarcas. Nós somos os próprios modelos a quem seguimos – e a quem os outros devem seguir sem hesitação, pelo menos segundo a nossa cabeça. A nossa vida torna-se, enfim, uma obra de arte e queremos que os outros sejam apenas detalhes em uma pintura ou um palco de teatro onde somos os atores, os diretores, os dramaturgos e, de quebra, os contrarregras.

Nessa subjetividade excessiva, de forma um tanto mimada, deixamos de lado a busca pelo universal e eterno e nos regozijamos com a estética pura, sem substância, sem embasamento, sem elo com a Verdade. No mundo apenas estético, o sujeito vê a sua vida e a dos outros como um quadro, uma escultura. No mundo ético, é necessário perceber que há escolhas morais em jogo, que envolvem um compromisso, uma responsabilidade perante elas.

O terceiro estágio seria o religioso, “em que há uma abertura para o transcendente e ele aceita que, após ter passado pelo Belo e pelo Verdadeiro, deve deparar-se com o Bem”. Essa etapa parece bem distante do povo brasileiro, que ficou preso no primeiro estágio:

No Brasil, a compreensão da vida por meio de um ponto de vista meramente estético é o que caracteriza o comportamento do seu cidadão. […] O brasileiro é possuído por uma ideia de Belo que não precisa do Bom nem muito menos do Verdadeiro. O que lhe interessa é a aparência, o disfarce, a dissimulação […] Essa “psicologia do extrovertido” é mais um reflexo da insinceridade que domina as relações entre os brasileiros, insinceridade que tem raízes no fato de que o indivíduo que habita este país não consegue ser verdadeiro consigo mesmo.

São constatações duras, incômodas, mas verdadeiras. E nossa arte, nossa literatura, espelha esse traço de nossa personalidade. Muito apreço pela casca, pela forma, e pouca preocupação com o conteúdo. Um povo superficial, afetado, vidrado na estética, mesmo que a “beleza” não passe de um grande truque de mágica, de uma enorme mentira, de um falso verniz que esconde a podridão interior. Uma vila de Potemkin, feita para impressionar os demais, sem qualquer substância ou pilares sólidos.
 

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  • Bruno Braga
  • 05 Agosto 2017

(Publicado originalmente em http://b-braga.blogspot.com.br/)

 

Com os sucessivos escândalos que diariamente chocam o país, o que escrevo aqui pode estar desatualizado ou fora do tempo. No entanto, mesmo com a avalanche de notícias e denúncias, é algo que não pode ficar para trás, soterrado: trata-se de um documento emitido pela CNBB sobre a grave crise política.

Não, o objetivo não é fazer um comentário exaustivo do documento. Não é tratar das atribuições específicas da CNBB nem da falta de legitimidade da Conferência dos Bispos para apresentar-se em nome da Igreja - como se fosse (a) Igreja Católica - em questões políticas. Não cabe falar sobre o tom de declarações do mesmo tipo, afinadas frequentemente com o esquerdismo. Não é o momento para narrar o aparelhamento da CNBB, que, como já é de conhecimento público, contribuiu de forma decisiva para a ascensão do criminoso esquema de poder comuno-petista. Não. O objetivo é considerar um ponto bem determinado do documento: a exigência de "um resgate da ética na política".

Parece um mau sinal o fato de uma declaração assinada por Bispos católicos não conter uma só menção a Nosso Senhor Jesus Cristo. Para pastores que se mostram tão preocupados com a corrupção da classe governante, é no mínimo estranho não trazerem à consciência das pessoas o temor e a justiça de Deus, e o próprio Jesus Cristo como modelo de conduta. Eles reivindicam e exigem a ética, mas se esquecem até mesmo da lei divina, que já determina: "não roubar", "não levantar falso testemunho", "não cobiçar as coisas alheias".

De qualquer maneira, o que é a tal ética? Os Bispos, aparentemente, fazem referência a uma "conduta íntegra" - por parte do servidor público - e aos "valores" da "honestidade" e da "justiça social" - exigidos para que se tenha um "novo modo de fazer política".

Claro, normas de conduta são importantes. Contudo, elas estabelecem compromissos na camada mais superficial da vida humana, no domínio estritamente mundano e material. Tais compromissos, para serem efetivos, precisam de outros ainda mais profundos, que sejam capazes de comprometer a pessoa inteira. Sim, pois a atividade - a política, especificamente - ocupa somente um período de tempo na vida diária, apenas uma parte da existência, enquanto a virtude precisa abarcar a pessoa como um todo, e não só no instante em que está dedicada ao serviço público, mas em todos os momentos e para além do tempo.

No âmbito mais profundo do ser, o que vem do exterior tem uma voz mais baixa e uma autoridade mais frágil, que precisa muitas vezes da vigilância, da correção e até mesmo de uma pena. Nesse domínio, é necessário estabelecer um compromisso do coração, que é mais dócil - não à letra, a uma norma de conduta - mas a outra pessoa. Talvez seja possível verificar isso na própria experiência, pois parece evidente que um compromisso com o pai, com a honra da mãe, ou uma palavra dada ao irmão, inflamam na pessoa uma seriedade e uma dedicação superiores aos apelos vindos de um código de postura no trabalho. Agora, e se essa pessoa for mais que o pai, a mãe e o irmão, uma vez que só ela tem acesso ao coração do indivíduo? Uma pessoa que é ela mesma o caminho, a verdade e a vida, e que ao encontrá-la se estabelece um compromisso com uma justiça que ultrapassa o tempo e que é para toda a eternidade. Pois foi justamente essa Pessoa que os Bispos esqueceram de mencionar no documento, embora eles mesmos tivessem o dever de representá-La.

Enfim, o documento da CNBB, longe de ser uma luz, é ele mesmo expressão de uma crise ainda mais profunda, pois mostra, infelizmente, a incapacidade dos Bispos para indicar o único antídoto contra o Mal, o apoio firme e sólido contra as incertezas e o caos político, o modelo a ser seguido e único capaz de possibilitar uma conduta efetivamente íntegra. Em vez de falarem ao coração, muitos deles cederam à tentação de politizar a fé. Aliás, tudo não começou com uma campanha comuno-petista pela ética na política, "abençoada" por "apóstolos" de uma teologia fraudulenta - a Teologia da Libertação? As consequências estão ai. No Centenário de Nossa Senhora de Fátima, é impossível não lembrar a sentença profética da Irmã Lúcia: "são cegos a guiar outros cegos".


 

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  • Ricardo Bordin
  • 05 Agosto 2017

 

(Publicado originalmente em https://bordinburke.wordpress.com)

 “Fica autorizado o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem, em apoio às ações do Plano Nacional de Segurança Pública, no Estado do Rio de Janeiro, no período de 28 de julho a 31 de dezembro de 2017”.

Por meio deste decreto, Michel Temer enviou um contingente de aproximadamente 10 mil militares para o patrulhamento das ruas e para a realização de operações contra organizações criminosas no RJ.

Considerando o incremento do número de homicídios dolosos no estado na casa dos 24% de 2016 para o corrente ano, aparenta ser medida muito bem-vinda, à primeira vista, determinar que soldados de Exército, Marinha e Aeronáutica ombreiem esforços com os agentes de segurança locais, correto?

Não fosse, claro, por um detalhe crucial: a lei penal vigente no Brasil, a qual impede que bandidos sejam tratados como tais – sob o aplauso de intelectuais intoxicados de Foucault -, precisará ser igualmente seguida pelos militares em suas ações ostensivas.

Ou seja, eles também irão trabalhar de mãos atadas, com o freio de mão puxado.

Neste cenário, que diferença faz aumentar o número de indivíduos empregados no combate aos criminosos, ou mesmo elevar o potencial lesivo das armas de fogo empunhadas, se, mediante situações de enfrentamento com marginais da mais alta periculosidade, tanto policiais quanto militares precisarão esperar serem alvejados para somente então reagir – sob pena de serem eles processados administrativamente?

Que diferença faz prender um número maior de delinquentes se a Justiça irá determinar sua soltura logo em seguida – seguindo, no caso, o previsto em leis elaboradas sob o argumento da superlotação de presídios (já que vagas em instituições prisionais não são criadas em número suficiente justamente por conta da mentalidade de que “devemos construir escolas e não presídios”)?

De que adiantaria largar pelas ruas androides armados até os dentes, como o RoboCop, se os meliantes que apavoram cidadãos honestos e ceifam vidas sem pestanejar são tratados como “vítimas da sociedade desigual”, como pessoas que jamais tivessem tido opção de não ingressar no crime? O que esta máquina ultra-poderosa poderia fazer contra um “dimenor” defendido por Psolistas com unhas e dentes mesmo quando comete as maiores atrocidades? Como ela iria efetuar prisões de assassinos, fazendo uso de meios de busca e localização extremamente avançados, se menos de 8% dos homicídios do Brasil são solucionados (ou seja, a Polícia Civil também está largada às traças)?

Pior: como poderia proceder este herói futurista contra a violência urbana quando até mesmo o auto de resistência à prisão for proibido, como quer o deputado Chico Alencar?
Não pensem, portanto, que o pessoal de verde-oliva poderá acrescentar muito à segurança do povo fluminense, uma vez que não há porque os bandidos os temerem mais do que aos policiais militares: tantos estes como aqueles estão submetidos a um regramento que inviabiliza totalmente seu trabalho.

Já são recorrentes os casos de armamento roubado de dentro de quartéis, exatamente em decorrência da constatação, por parte dos fora-da-lei, de que estão protegidos sob o manto da impunidade e da inversão de valores predominante no Brasil. Até mesmo casos que beiram o deboche já vêm sendo registrados.

Como criminosos costumam ser sujeitos muito pragmáticos, pode ser que eles, sabedores de que, mais dia menos dia, as forças armadas acabarão indo embora, resolvam diminuir o ritmo de suas atividades ilícitas até a poeira baixar e o reforço militar partir.

Se isto realmente ocorrer, tão logo a PM seja devolvida a própria sorte no Rio de Janeiro, a carnificina de policiais, cujas mortes já ocorrem em ritmo muito superior à média da população (mesmo em um país com 60 mil homicídios ao ano), irá atingir níveis ainda mais alarmantes, visto que nada terá sido feito pensando em resolver o verdadeiro problema: a legislação penal anacrônica e deturpada por marxismo cultural – que vê o bandido como apenas mais um “oprimido” pelo “grande capital” a ser manipulado como massa de manobra.

Ou seja, ou reforma-se com urgência o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execuções Penais e o Estatuto da Criança e do Adolescente, ou surtirão efeito nulo esta e quaisquer outras providências tomadas para, supostamente, tornar mais segura a vida dos cariocas e dos demais brasileiros – o que representa, em verdade, tudo que aqueles dotados de visão estatizante desejam: semear o caos até que as próprias pessoas implorem pela atuação redentora do Estado (o qual atenderá ao pedido de bom grado, apenas, claro, cobrando mais um pouco de impostos para tão nobre tarefa e atribuindo a si mesmo ainda mais poder de intervir em nossas vidas).

Mas tais reformas legislativas não serão factíveis enquanto a mentalidade nacional dominante for ditada por “progressistas” que consideram que “cadeia não resolve” e que todo criminoso é legalzinho como os personagens do filme Carandiru. Não é à toa que Jair Bolsonaro não consegue aprovar quase nenhum dos projetos de lei que apresenta e encampa: como angariar o apoio necessário para endurecer penas de estupradores e reduzir maioridade penal em meio a um congresso tomado por parlamentares esquerdistas que impuseram o estatuto do desarmamento reprovado fragorosamente em 2005 (alguns dos quais querem até mesmo desarmar a polícia)?

Em suma: a iniciativa da Presidência da República de correr em socorro da cidade maravilhosa é louvável, mas resume-se a enxugar gelo – apenas com mais gente no processo agora…

 

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  • Gary North
  • 05 Agosto 2017

 

(Publicado originalmente em http://www.mises.org.br)

O objetivo do capitalismo é melhorar a vida do consumidor, e não do empregado ou do empregador

Nos EUA, Walmart e Amazon estão se engalfinhando em uma brutal guerra de preços. A história em detalhes está aqui.

Ao redor do mundo, Uber, Lyft e Cabify estão em guerra não apenas contra o cartel dos táxis (mantido e protegido pelo estado), mas também entre si.

O AirBnB está reduzindo os lucros das grandes redes hoteleiras.

Nos mercados que têm um setor aéreo mais livre, como na Europa, voar está cada vez mais barato.

E isso sem falar na contínua redução dos preços dos produtos tecnológicos e eletroeletrônicos, bem como dos serviços fornecidos por eles. A Amazon, por exemplo, hoje concorre com a Netflix na área de streaming de filmes. Ambas tiraram clientes das TVs a cabo. E ambas também sofrem a concorrência de vários sites dos quais você pode fazer download de filmes.

A história do capitalismo de livre mercado é a história da competição de preços. Isso foi explicado, e sempre de maneira muito clara, por Ludwig von Mises ao longo de toda a sua vida.

O que é o capitalismo de livre mercado? É aquele arranjo econômico em que não há subsídios (ou empréstimos subsidiados com os impostos da população) governamentais para as empresas favoritas do governo, não há protecionismo via obstrução de importações, não há barreiras governamentais à entrada de concorrentes em qualquer setor do mercado (como ocorre em setores regulados por agências reguladoras), ninguém é impedido de empreender em qualquer área da economia, e não há altos tributos que impedem que novas empresas surjam e cresçam. Quanto mais próximo uma economia está deste arranjo, mais genuinamente capitalista ela é.

Um capitalista bem-sucedido é aquele que não apenas sabe como atender aos desejos da massa, como também está sempre tentando aumentar a satisfação dela. A maneira como esse capitalista aumenta sua presença no mercado — sua fatia de consumidores — é por meio da concorrência de preços. Dado que seu objetivo é sempre aumentar seu público consumidor, o que ele realmente tem de fazer é ir atrás de pessoas que até então não estavam dispostas a, ou não tinham condições de, gastar dinheiro naquilo que ele está tentando vender. Ao utilizar a concorrência de preços, ele adquire acesso a esse grupo.

Isso é um ótimo negócio para todas aquelas pessoas que queriam comprar o produto, mas não tinham condições. E aquelas que já pagavam para adquirir o produto poderão agora pagar menos. A diferença entra o preço (mais alto) que elas pagavam antes e o preço (mais baixo) que irão pagar agora sob as novas condições é chamada pelos economistas de "excedente do consumidor". É apenas um dos maravilhosos benefícios do capitalismo de massas.

Sempre haverá um mercado específico para produtos prestigiosos, sofisticados e caros. Relógios Rolex são um exemplo. Eu jamais compraria um. Estou muito bem servido por um relógio digital da Casio. Não preciso de mais do que isso. No próprio Walmart, consigo relógios digitais por US$ 15, e são excelentes em termos de marcar a hora. É isso o que me interessa. Tudo o que quero de um relógio é que ele me mostre que horas são. Não ligo para prestígio. Mas há quem ligue. E tais pessoas são servidas por mercados específicos.

Não faço a mais mínima ideia de como os fabricantes que vendem produtos para a Amazon e para o Walmart conseguirão manter uma margem de lucro sobre cada produto vendido. Também não sei como a Uber, a Lyft e a Cabify — com sua guerra de preços cada vez mais acirrada entre si mesmas e contra os táxis — conseguem se manter no mercado. Mas isso não é problema meu. Isso não tem qualquer relevância para mim. Sou um mero consumidor. Na condição de consumidor, estou olhando apenas para meus próprios interesses. Quando varejistas que atendem às massas estão concorrendo ferozmente entre si e forçam seus fornecedores (indústrias) a reduzir os preços, isso é ótima notícia para mim.

Por isso, é um total equívoco imaginar que o capitalismo funciona primordialmente para beneficiar os produtores. Isso é uma total incompreensão sobre os princípios deste sistema. O capitalismo — ao menos o genuíno — opera em benefício do consumidor. E há um motivo simples para ser assim. Os consumidores possuem aquilo que os produtores querem: dinheiro. O dinheiro é a mercadoria de mais fácil comercialização em uma economia. Por isso, todos estão atrás do dinheiro. Quem tem dinheiro consegue trocá-lo pelos bens e serviços que quer. Quem tem dinheiro sempre será servido. Quem tem dinheiro está no assento do motorista em uma economia capitalista. E quem tem o grosso do dinheiro em uma economia de mercado? A massa dos consumidores.

Produtores e empreendedores estão no mercado para ganhar acesso ao dinheiro dos consumidores. Os bens e serviços que eles produzem não podem ser utilizados como dinheiro. Não importa quão popular seja um produto específico, ele nunca será tão popular quanto dinheiro. Consequentemente, produtores e empreendedores têm de vender esses bens e serviços aos consumidores para conseguir dinheiro; eles não podem ir ao mercado e simplesmente tentar trocar, como num escambo, seus bens e serviços por outros bens e serviços. Para conseguir o que querem, eles têm de ter dinheiro. Para conseguir dinheiro, eles têm de vender para muitos consumidores. Eles ganharão dinheiro no volume, e não nos preços altos.

Guerra de preços entre empresas sempre beneficia dezenas de milhões de consumidores. Consumidores não têm de negociar descontos com fabricantes ou implorar por preços menores; eles deixam esse serviço por conta das empresas. Na prática, eles terceirizam essa atividade, deixando que as empresas em concorrência façam essa negociação por eles. Na condição de vendedores de bens e provedores de serviços, Amazon, Walmart, Uber, Cabify, Lyft, Netflix, AirBnB e todas as grandes redes varejistas têm de agir em prol dos consumidores. E é assim porque elas estão visando às massas. Elas querem vender para as massas. Elas querem o dinheiro das massas. Sua estratégia é fazer com que mais pessoas comprem seus bens e serviços.

A segunda pessoa mais rica do mundo é Jeff Bezos. Ele criou a Amazon. Se Sam Walton ainda estivesse vivo, ele seria a pessoa mais rica do mundo, pelo menos se não considerarmos Vladimir Putin. Bezos seria então o quarto. Esses dois homens incrivelmente ricos se tornaram ricos porque compreenderam como funciona a concorrência de preços.

Os críticos do capitalismo, que são muitos, simplesmente não entendem que capitalismo significa concorrência de preços, e que o mercado de consumo em massa criado pela concorrência de preços representou o maior benefício econômico para a humanidade nos últimos 200 anos.

[N. do E.: sim, os preços das coisas estão sempre aumentando, principalmente no Brasil. Mas isso se deve às distorções criadas pelo governo, como a inflação da oferta monetária. Ainda assim, o custo real das coisas — isto é, a quantidade de horas de trabalho necessária para se conseguir comprar um bem básico — só faz cair].

Os críticos destas empresas que se esforçam para reduzir seus custos — como a Amazon, a Walmart e a Uber — sempre as atacam "em nome dos trabalhadores". Tais críticos sempre vêm a público denunciar os baixos salários pagos aos empregados. Mas a função do capitalismo é melhorar a vida dos consumidores, e não dos produtores, empreendedores e dos empregados. Produtores, empreendedores e empregados só irão se dar bem em uma economia de mercado se souberem satisfazer os consumidores. Eles só terão lucros se souberam agradar aos consumidores.

Quanto aos empregados, sempre vale ressaltar que eles também são consumidores. Consequentemente, na condição de consumidores, empregados também são beneficiados. Agora, se eles não são bem pagos em termos salariais, então é porque os consumidores não querem pagar bem para eles. Consumidores sempre estão interessados apenas em conseguir as melhores barganhas para si próprios, e não os melhores negócios para os produtores, empreendedores e empregados do setor industrial, atacadista e varejista. Quem determina a sobrevivência de empregos, salários e lucros são os consumidores, e não os capitalistas. Os críticos do capitalismo jamais entenderam isso.

Tais críticos são guiados essencialmente pela inveja, e sempre quiseram atacar e destruir capitalistas e empreendedores. Eles odeiam empreendedores. Só que, ao atacar empreendedores e exigir que o governo confisque grandes fatias de seu lucro, eles estão apenas reduzindo os benefícios que acabariam sendo ofertados aos consumidores (ver aqui e aqui).

Mas eles não ligam. Eles são motivados pela inveja. Eles querem dar uma lição nos ricos. Eles preferem destruir um rico, e com isso sofrer preços mais altos em decorrência desta redução na concorrência, a permitir que o empreendedor continue rico, e com isso se beneficiar de preços menores.

É por isso que a inveja é um pecado horrendo, e os críticos do capitalismo são conduzidos por ela. O indivíduo invejoso jamais poderá ser apaziguado pelo rico. Somente a destruição do rico irá satisfazer o crítico motivado pela inveja.

Para mim, na condição de consumidor, só me resta recostar e apreciar toda a guerra de preços feita por empreendedores que querem o meu dinheiro. E com um adendo magistral: eu não compro muito no Walmart, mas compro muito na Amazon. Não uso muito a Lyft (nem Cabify), mas uso bastante a Uber. Não tenho TV a Cabo, mas tenho Netflix. Se a concorrência de preços do Walmart obrigar a Amazon a reduzir seus preços, se a concorrência de preços da Lyft (e da Cabify) forçar a Uber a reduzir seus preços (ou a não aumentá-los), e se a concorrência de outros serviços de streaming obrigar a Netflix e manter seus preços baixos, isso será um grande benefício para mim.

Isso é o capitalismo em ação.

* Gary North é Ph.D. em história, ex-membro adjunto do Mises Institute, e autor de vários livros sobre economia, ética, história e cristianismo. Visite seu website.

 

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