(Publicado originalmente por https://bordinburke.wordpress.com)
Cena: Prisão de Shawshak. Manhã. Ao proceder a contagem dos prisioneiros, um problema: um deles está faltando. Andy Dufresne, condenado à prisão perpétua por matar a sangue frio a esposa e o amante dela. Ninguém sabe como Andy desapareceu. Ele estava em sua cela na noite anterior.O diretor do presídio, Samuel Norton, ao verificar pessoalmente a cela, se irrita com a fuga. Acaba descontando sua raiva em um poster de Rita Hayworth o diretor descobre que Andy escavou um túnel na parede de sua cela. Por cerca de quase 20 anos, Andy trabalhou discreta e silenciosamente… Livrando-se dos entulhos, pouco a pouco.
Esta cena do filme “Um Sonho de Liberdade” (The Shawnshank Redemption, 1991) se tornou um clássico porque, àquela altura do filme, já havíamos nos acostumamos à ideia de viver na prisão. Já estávamos, juntamente com Red (Morgan Freeman) e Dufresne (Tim Robbins), acostumados com aqueles muros. “Institucionalizados” como dizia Red Vimos o que aconteceu com quem tentou sair de lá. A sensação de segurança fala mais alto. E quando já estamos prontos para ver Andy Dufresne velhinho na prisão, vem o soco no estômago com a reviravolta. Todo o filme passa a ter um novo significado. O que antes era para ser a luta de um homem para sobreviver na prisão, passa a ser um filme sobre fuga inesperada e o resultado de seu paciente trabalho.
Este certamente é o maior, melhor e mais redentor¹ plot twist da história do cinema, superando inclusive os “Guerra nas Estrelas”, “Clube da Luta”, “Planeta dos Macacos” e “Psicose”. E, no filme, ela foi brilhantemente sintetizada na voz de Morgan Freeman, narrador da história, quando ele diz:
Geologia é estudo da pressão e do tempo. E na verdade, isso é tudo o que precisamos: pressão e tempo. (…) O hobby de Andy era talhar a sua parede e espalhá-la pelo pátio, um punhado de cada vez.
Não se foge de um presídio da noite pro dia, sem um plano elaborado e trabalhado por meses. Não importa o que o Sylvester Stallone diga, não é assim que funciona. Talvez esse seja o maior acerto do filme, ensinar que na vida o sucesso depende unicamente de pressão (trabalho) e tempo. Pressão e tempo são as chaves para uma vida tranquila e pacata em Zihuatanejo ou qualquer que seja o seu sonho de liberdade.
Por isso a história de Stephen King é tão cativante, porque é fácil se reconhecer e se identificar nela. O plot twist é redentor porque vemos anos de trabalho sendo justamente recompensado. Não há um prêmio de honra ao mérito apenas por ser o protagonista bonzinho e injustiçado. Não é assim que o mundo real funciona; não há saída fácil. O trabalho foi árduo, discreto, silencioso. Características tão esquecidas no mundo atual, mas fundamentais para atingir o sucesso.
Por mais veloz que seja a sua conexão com a internet, algumas coisas ainda levam tempo, e demandam pressão constante para acontecer. Na síntese genial de Warren Buffet: “Não importa quão grande seja o talento e o esforço, algumas coisas simplesmente levam tempo. Você não pode fazer um bebê em um único mês usando nove mulheres grávidas.” Outra cena do filme deixa isso bem claro.
Durante 6 anos Dufresne escreve uma carta por dia, todos os dias para o Senado, a fim de conseguir verba para a nova biblioteca da Prisão. Até que finalmente ele consegue a verba. Ele se gloriou e ficou satisfeito com seu trabalho certo? Sim, mas ele também começou a escrever DUAS cartas por dia, para conseguir mais verbas. Logo, seu novo pedido também foi atendido.
Realizar um sonho, executar um projeto pode levar tanto tempo quanto talhar uma parede com um martelo. E depois de talhada, é preciso ainda quebrar o cano de metal, rastejar pelo esgoto, fugir dos cães… as lutas nunca acabam, apenas mudam.
Em meio a esta nova geração não é só a (hiper) sensibilidade “palavras machucam” que está deturpada. A noção de tempo e recompensa também se diluiu. Em um tempo em que a demora de um segundo importa, é praticamente loucura a noção de que se deve trabalhar por 15 ou 20 anos antes de começar a colher os frutos, de fato. Ninguém ganha um cargo de chefia apenas por que é bacana, por que defende as minorias ou mesmo por que “merece”. Não em empresas sérias.
Talvez a mais dura lição que aprendemos quando viramos adulto é que, ao contrário do que dizem nossos pais e professores quando somos crianças, nós não somos especiais. Ou melhor, apenas somos especiais na medida em que conseguimos gerar valor para alguém. E isso mais do que o conceito de meritocracia.
Longe de tornar as relações utilitárias, esta lição nos mostra o contrário, que se quisermos algo, devemos nos abnegar de nós mesmos e nos dedicar, seja a algo ou a alguém. E de novo, isso vale para o trabalho, para o casamento, para o casamento², para a criação dos filhos, para realizar um sonho, ou simplesmente para um happy hour com os amigos. Se quer ganhar algo, você primeiro precisa dar algo. E em seguida você precisa esperar. O tempo necessário. Não é justo? Talvez não. Mas é assim que o mundo funciona.
Trabalhar duro também não significa trabalhar muito e de forma estúpida, desperdiçando força em coisas inúteis ou de pouco valor. Trabalhar duro significa se dedicar a uma causa – mais uma vez – seja ela qual for. Dufresne não gastou seu tempo “enfeitando” o túnel, tornando mais “user friendely”.
E se essa lição se aplica à nossa vida, aos nossos sonhos e projetos, também se aplica à questões maiores. Não, não será possível salvar o Brasil em uma ou duas eleições. É impossível mudar, de uma só vez, a previdência, a CLT, a carga tributária e o padrão das tomadas. Nenhuma dessas coisas virá de um grande ato redentor feito por um salvador predestinado. Pelo contrário, a redenção virá de centenas de milhares de pequenas mãos cheias de parede talhada, dia a dia, de forma constante. Ao invés de reformar o sistema tributário, antes deveríamos cobrar nossos representantes para que vetem novos aumentos de impostos; Antes de querer a reforma da previdência, por que não rever o a concessão de benefícios? Enfim, uma guerra se ganha nas pequenas batalhas diárias.
“Esforce-se para viver, ou esforce-se para morrer”, disse Andy no filme. De qualquer forma, você terá que se esforçar. Não há escapatória!
¹ Não à toa, o nome da história original é “Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank”.
² Não consegui escolher qual dos dois textos do genial Stephen Kanitz era melhor. Então, linkei os dois. Há muito mais. Vale a pena ler.
³ Ninguém me convencerá jamais de que este filme não merecia o Oscar de melhor filme. OK, Forrest Gump também foi um ótimo filme, mas convenhamos…
(Publicado originalmente no Diário do Poder)
Um cidadão procurou o Conselho Tutelar de uma cidade do Distrito Federal reclamando que o Cartório registrou o sexo de seu filho, nascido homem, como indefinido.
- Como indefinido, não estão vendo não? – bradava o pai, inconformado com o dado consignado na Certidão de Nascimento. Após ação do Conselho Tutelar, o registro foi corrigido.
Em palestra na Casa da Mulher Brasileira, uma doutora em Gênero narrou que corrigiu sua nora porque ela, ao examinar a ultrassonografia, viu o pênis do bebê e comemorou: “É um homenzinho!”.
- Não diga isso! – reclamou a doutora, explicando à nora que o gênero – se homem, mulher ou transexual – quem vai definir é a criança, depois que nascer, crescer e optar.
Tanto para o oficial do cartório quanto para a doutora, gênero é uma questão cultural. O nascituro é um ser humano que se define depois. Esse negócio de ser homem ou mulher é coisa inventada pela sociedade patriarcal.
Precisam, no entanto, explicar por que a definição de homem e mulher, macho e fêmea, existiam nas sociedades matriarcais. Da mesma forma, se o sexo não é biológico, por qual motivo as pessoas que se definem como transexuais precisam tomar hormônio, fazer cirurgia e se submeter a tratamento psicológico para suportar as mudanças?
Não tenho nada contra a opção sexual de ninguém, mas entendo que há uma enorme distância entre respeitar o que o outro é e aceitar imposições ideológicas espalhadas aos poucos – e, agora, a toda velocidade – pelas instituições da sociedade.
* Miguel Lucena é delegado de Polícia Civil do DF e jornalista.
Clicando no Google a palavra “Educação” seguida da expressão “direito de todos”, encontrei 671 mil referências. Só de artigos acadêmicos a respeito, 5.120. “Educação inclusiva” dá 262 mil respostas. Experimente clicar agora “Educar-se é dever de cada um”: nenhum resultado. “Educar-se é dever de todos”: nenhum resultado. “Educar-se é dever do cidadão”: nenhum resultado.
Isso basta para explicar por que os estudantes brasileiros tiram sempre os últimos lugares nos testes internacionais. A idéia de que educar-se seja um dever jamais parece ter ocorrido às mentes iluminadas que orientam (ou desorientam) a formação (ou deformação) das mentes das nossas crianças.
Eis também a razão pela qual, quando meus filhos me perguntavam por que tinham de ir para a escola, eu só conseguia lhes responder que se não fizessem isso eu iria para a cadeia; que, portanto, deveriam submeter-se àquele ritual absurdo por amor ao seu velho pai. Jamais consegui encontrar outra justificativa. Também lhes recomendei que só se esforçassem o bastante para tirar as notas mínimas, sem perder mais tempo com aquela bobagem. Se quisessem adquirir cultura, que estudassem em casa, sob a minha orientação. Tenho oito filhos. Nenhum deles é inculto. Mas o mais erudito de todos, não por coincidência, é aquele que freqüentou escola por menos tempo.
A idéia de que a educação é um direito é uma das mais esquisitas que já passaram pela mente humana. É só a repetição obsessiva que lhe dá alguma credibilidade. Que é um direito, afinal? É uma obrigação que alguém tem para com você. Amputado da obrigação que impõe a um terceiro, o direito não tem substância nenhuma. É como dizer que as crianças têm direito à alimentação sem que ninguém tenha a obrigação de alimentá-las. A palavra “direito” é apenas um modo eufemístico de designar a obrigação dos outros.
Os outros, no caso, são as pessoas e instituições nominalmente incumbidas de “dar” educação aos brasileiros: professores, pedagogos, ministros, intelectuais e uma multidão de burocratas. Quando essas criaturas dizem que você tem direito à educação, estão apenas enunciando uma obrigação que incumbe a elas próprias. Por que, então, fazem disso uma campanha publicitária? Por que publicam anúncios que logicamente só devem ser lidos por elas mesmas?
erá que até para se convencer das suas próprias obrigações elas têm de gastar dinheiro do governo? Ou são tão preguiçosas que precisam incitar a população para que as pressione a cumprir seu dever? Cada tostão gasto em campanhas desse tipo é um absurdo e um crime.
Mais ainda, a experiência universal dos educadores genuínos prova que o sujeito ativo do processo educacional é o estudante, não o professor, o diretor da escola ou toda a burocracia estatal reunida. Ninguém pode “dar” educação a ninguém. Educação é uma conquista pessoal, e só se obtém quando o impulso para ela é sincero, vem do fundo da alma e não de uma obrigação imposta de fora. Ninguém se educa contra a sua própria vontade, no mínimo porque estudar requer concentração, e pressão de fora é o contrário da concentração. O máximo que um estudante pode receber de fora são os meios e a oportunidade de educar-se. Mas isso não servirá para nada se ele não estiver motivado a buscar conhecimento. Gritar no ouvido dele que a educação é um direito seu só o impele a cobrar tudo dos outros – do Estado, da sociedade – e nada de si mesmo.
Se há uma coisa óbvia na cultura brasileira, é o desprezo pelo conhecimento e a concomitante veneração pelos títulos e diplomas que dão acesso aos bons empregos. Isso é uma constante que vem do tempo do Império e já foi abundantemente documentada na nossa literatura. Nessas condições, campanhas publicitárias que enfatizem a educação como um direito a ser cobrado e não como uma obrigação a ser cumprida pelo próprio destinatário da campanha têm um efeito corruptor quase tão grave quanto o do tráfico de drogas. Elas incitam as pessoas a esperar que o governo lhes dê a ferramenta mágica para subir na vida sem que isto implique, da parte delas, nenhum amor aos estudos, e sim apenas o desejo do diploma.
* Publicado no Diário do Comércio, em 27 de janeiro de 2009.
AR DA GRAÇA
Depois de permanecer soterrada por vários anos, obra resultante de uma vontade deliberada, planejada e executada pelos governos Lula/Dilma, a economia brasileira, finalmente, dá sinais de que vai se reerguer. Ainda que a remoção dos pesados escombros, além de custosa é uma tarefa que exige tempo e paciência, o fato é que a confiança está dando o ar da graça.
MATRIZ ECONÔMICA BOLIVARIANA
Pois, gostem ou não, apoiem ou detonem, o fato é que tudo isto só está acontecendo porque o atual presidente Michel Temer, tão logo assumiu o mandato, mandou às favas a Matriz Econômica Bolivariana, responsável direta pela brutal destruição da ECONOMIA (PIB) e, por consequência, de milhões de EMPREGOS.
CHAPA DILMA/TEMER
Já disse, inúmeras vezes, que JAMAIS votei em candidatos petistas. JAMAIS!!. Assim, nunca precisei ficar envergonhado ou fazer pedido de desculpas, como milhões de brasileiros estão fazendo, por ter contribuído com o CAOS. Portanto, por nunca ter votado no PT não haveria a menor possibilidade de votar na chapa Dilma/Temer.
CONSTITUIÇÃO
Os leitores sabem muito bem que a nossa Constituição, por vários motivos, não conta com o meu agrado. Entretanto, enquanto não for modificada para melhor é extremamente necessário que todos respeitem o que lá está escrito. Ora, como foi a Constituição que determinou que a presidência do país deveria ser exercida por Michel Temer, em caso de afastamento de Dilma ( o que foi confirmado em 31 de agosto de 2016, felizmente) só posso avaliar o seu desempenho através das suas decisões.
NÃO É LIBERAL
Pois, contrariando os maiores veículos de comunicação do país, me faço presente, confessadamente, no reduzido bloco daqueles que aprovam o governo Temer. Antes de tudo, porém, sei, perfeitamente, que Temer não é, nunca foi e nunca será adepto do liberalismo. Desta forma estou convencido de que não há como exigir que o presidente tome atitudes e decisões próprias de um liberal.
MUITA COISA BOA
Entretanto, o fato é que ao longo desses doze meses, para um governante que está fortemente desgastado politicamente, Temer fez muita coisa boa e até inesperada. E promete, pelo que se vê, lê e assiste, a despeito da enorme má vontade de vários meios de comunicação que insistem em não reconhecer, encerrar o seu mandato, em dezembro de 2018, deixando o Brasil mais perto do próspero.
IMPACTO ECONÔMICO
Mais: caso consiga emplacar a Reforma da Previdência, mesmo que o projeto sofra amputações por parte de políticos que adoram o CAOS, o presidente Michel Temer será considerado como o melhor presidente que o Brasil já teve. Não estou aqui desconsiderando as demais Reformas (Tributária, Fiscal, Política, do Judiciário etc.), que são todas importantes e necessárias. Estou me referindo aquela que mais impacta, neste momento, a economia do país, que quer sair do buraco, ou dos escombros.
Temos vivido dias sombrios, com o noticiário político restringindo-se a tratar de assuntos de desvios éticos, corrupção, incompetência e um sem número de fatos mais assemelhados à editoria policial. Chega-se a duvidar da existência de saídas, pois os ciclos se repetem na história nacional.
Nas causas existe quase consenso; poucos duvidam que a distância entre eleitos e eleitores dá espaço para a irresponsabilidade dos políticos, no parlamento e no executivo, onde os primeiros não se sentem responsáveis pelo sucesso das políticas públicas e os segundos não se veem obrigados a cumprir com compromissos de campanha.
Já nas soluções falta convergência, e isso emperra o processo e nos mantêm atados ao passado e condenados a repetição. Não há dúvidas que as mazelas são muitas, tantas quantas as propostas; todas bem intencionadas; contudo existe uma raiz, e dela derivam todas as demais. O sistema de governo e o sistema eleitoral estão definitivamente falidos e não têm mais capacidade de responder aos anseios do povo.
O sistema parlamentarista de governo, com a separação do Chefe de Estado do Chefe de Governo faz com que as políticas públicas não sofram com falta de continuidade; cria a corresponsabilidade do parlamento na condução do governo, comprometendo-o com a governabilidade. Além de fortalecer os partidos e, naturalmente, o sistema, excluindo os maus intencionados e os incompetentes.
Embutido no sistema de gabinete, está o maior trunfo, que é a possibilidade de troca do governo com mais tranquilidade institucional, sem traumas e sem golpes, dentro da normalidade constitucional. Ou seja, muda-se o governo e acabam-se as crises políticas mais rapidamente, sem que a população fique refém de um governo que se torna ilegítimo pelo descontentamento popular.
Já a adoção do Voto Distrital como mudança no sistema eleitoral aproxima os candidatos dos eleitores, cria vínculos entre eles, barateia a campanha, fortalece os partidos, resolve o problema da infidelidade partidária, entre outros tantos benefícios, com naturalidade e sem formulismos. A receita é simples, dividindo-se a população pelo número de vagas no parlamento. Com isso, cada partido indica somente um candidato por distrito/vaga. Os debates serão localizados e o embate entre os candidatos será restrito ao distrito. Fácil e simples, não?
Se mantivermos o sistema presidencialista com Voto em Lista Aberta, ou Lista Fechada ou, ainda, Distritão, a crise da hora será dura e parcialmente superada mas, a encontraremos novamente daqui há quinze ou vinte anos novamente.
* Advogado e Presidente do Diretório Nacional do Movimento Parlamentarista Brasileiro - MPB
Imagine um departamento de Matemática qualquer, seja o da faculdade da esquina, seja o de Harvard. Quantos adeptos verdadeiros da ideologia de gênero haverá nele? Se o conhecido apreço dos matemáticos por dados objetivos ainda for o mesmo, é difícil que sejam muitos. Mas não faz diferença, pois se quase ninguém ali a defende, absolutamente ninguém a combate, já que fazê-lo resulta na destruição da própria carreira. Quem pode intimidar não precisa persuadir: é assim que se pode retratar como fruto de consenso universal ideias que são alvo de dissenso universal.
Ao longo da história das ideias da nossa cultura, até as correntes mais autoritárias procuraram conquistar adeptos por meio da persuasão racional. Mesmo nas conversões forçadas e nas guerras de religião, a espada vinha acompanhada do silogismo. O que a esquerda descobriu, e ao que deve sua hegemonia cultural de décadas, é que a persuasão racional não é apenas desnecessária, é prejudicial. Pois quando argumentamos, o adversário tem o mau hábito de contra-argumentar, existindo sempre o risco de que seus argumentos sejam melhores. Muito mais eficiente é passar a agir como se já tivéssemos vencido o debate, tendo provado não somente o acerto de nossas ideias quanto a maldade das ideias opostas, e passar a perseguir os dissonantes. Para obter hegemonia não é necessário que todos concordem; basta que ninguém tenha coragem de discordar. Que me importa que, no fundo de sua consciência, José ache a ideologia de gênero uma monstruosidade? Importa apenas que ele jamais dirá isso em público, pois fazê-lo o transformaria em desempregado perpétuo. Que pessoas como José se calem é suficiente para criar a impressão de consenso; está é suficiente tanto para impor normas legais e práticas culturais quanto para justificar a perseguição aos discordantes, a qual, por sua vez, reforça a impressão de consenso. É o ciclo perfeito, nada mais é necessário.
Parece exagero? Pois considere: Quantos argumentos você já leu a favor dos pressupostos, das conclusões e das exigências práticas da ideologia de gênero? Que debates a respeito dela aconteceram antes que se tornasse uma obrigação tácita de todos aceitá-la sob pena de ostracismo? Que disputa de ideias ocorreu antes que se começasse a ensinar às crianças que o sexo com que nasceram não tem a menor importância e a submetê-las a cirurgias mutiladoras irreversíveis? Quando foi que essa discussão foi vencida pelos ideólogos de gênero? Faça a si mesmo perguntas semelhantes trocando “ideologia de gênero” por outras ideias da esquerda que se tornaram dogmas incontestáveis e verá que a resposta é sempre jamais. Jamais debate nenhum foi vencido porque jamais debate nenhum aconteceu. A esquerda não argumenta. Faça com que opor-se a suas ideias resulte em ostracismo, ridículo e boicote e nunca mais precisará defendê-las.
É assim porque ter razão é muito diferente de ter poder. A criança não obedece aos pais porque acha que tenham razão, a vítima não obedece ao bandido porque foi persuadida de seu clamor (a não ser que seja a Maria do Rosário), nem este obedece ao policial por estar convencido da beleza da ordem legal. Ter razão—ou, mais propriamente, parecer ter razão—é apenas um dos meios de conquistar e exercer poder, e o mais frágil deles. Pois mesmo o melhor dos argumentos pode ser contestado, ao passo que um emprego perdido, uma cela de prisão e uma bala na testa são irrefutáveis. Não foi por outro motivo que a esquerda se tornou imbatível no momento em que desistiu de ter razão.
E como reagem seus adversários? Respondem a cada intimidação com um silogismo, a cada boicote com um dado, a cada reputação assassinada com um gráfico. Nas publicações de esquerda encontram-se diretrizes comportamentais e repreensão aos dissidentes, nas de direita argumentos e estatísticas. Os liberais (no sentido brasileiro da palavra), especialmente, fazem um esforço comovente para nunca pôr em forma escrita conclusão desacompanhada de uma estatística irrefutável que a embase. Será que jamais lhes ocorreu questionar-se por que ter razão com tanta frequência nunca lhes trouxe vitória política nenhuma? A superioridade absoluta do liberalismo econômico, tanto nos seus fundamentos teóricos quanto nos seus resultados práticos, é um dos fatos mais comprovados da história das ideias, fato que só pode negar quem não quer vê-lo. O adversário contra o qual se bate, por outro lado, o marxismo, já nasceu refutado em seus fundamentos teóricos e refutou-se a si mesmo em seus resultados práticos, que foram invariavelmente miséria, tirania e massacre. Por que, apesar disso, há tantos marxistas e tão pouco liberais? Será que em vez de suar tanto para mostrar a realidade a quem não quer vê-la os liberais não fariam melhor se tentassem descobrir por que não lhes serviu para nada estar certos?
Do princípio ao fim, a história do século XX é uma longa refutação das ideias da esquerda. Do momento ao princípio, a história do XXI é uma demonstração da hegemonia absoluta da esquerda. Enquanto seus adversários continuarem a combater ações com argumentos, ela continuará a vencer todas as batalhas práticas; que o faça apesar de perder todas as teóricas é apenas mais uma demonstração de seu poder. Quem quiser vencê-la deve deixar de analisar gráficos e passar a analisar estratégias de ação, deixar de denunciar os erros e passar a denunciar os errados, abandonar a luta contra as teorias e adotar a luta contra as práticas, desistir de combater ideias e passar a combater pessoas.
#paz