A situação política atual, após o julgamento em 22 de março no STF, revelou o desdobramento lógico da disposição de mudar a decisão do plenário sobre a prisão após decisão condenatória de segunda instância. Não que o STF estivesse proibido de mudar seu entendimento. Mas supõe-se que o Tribunal Supremo, quando decide uma matéria que terá repercussão geral, seja superiormente prudente para julgar antes se ela está madura para adquirir o poder que por sua aprovação passará a ter.
Imagina-se que, não estando suficientemente madura a matéria no entendimento dos juízes, o tribunal terá a sabedoria de evitar decidir ou, então, limitar-se a aprovar decisões aplicáveis exclusivamente aos casos concretos, diante de circunstâncias muito específicas. Assegura-se com esses cuidados que a inevitável turbação da ordem jurídica se encontra plenamente justificada; que suas consequências são necessárias, terapêuticas, virtuosas e que sua aplicabilidade exige repercussão geral.
O que não é aconselhável, do ponto de vista da prudência e legitimidade dos juízes e da instituição, é substituir o novo entendimento, recém-adotado, por outro que lhe é oposto, dentro de espaço de tempo reduzido. Nessas situações se estimulam cogitações que deveriam ser incogitáveis; questionam-se intenções; trazem-se para o plenário do Supremo suspeitas que não deviam transpor seus umbrais.
Como não imaginar que a decisão de revogação do entendimento vigente há menos de dois anos atenderia ao interesse político do ex-presidente Lula, quando se tratava de um habeas corpus preventivo por ele impetrado após condenação em primeira e segunda instâncias e eram de conhecimento público as declarações dele acusando os membros do tribunal de acovardados? Quando se referiu a uma ministra de maneira totalmente reprovável e desrespeitosa, como se fora uma devedora de quem se cobrava o voto pela indicação, como já o fizera com a referência igualmente reprovável ao ex-ministro Joaquim Barbosa, durante o mensalão?
Fragilizou-se assim a segurança jurídica, bem maior que a sociedade entrega ao Poder Judiciário para tutelar e que a previsibilidade dos comportamentos pretende agregar ao ordenamento jurídico. Como sói acontecer em decisões sob pressão, há erros que, uma vez cometidos, tendem a exigir outros para corrigi-los ou justificá-los, numa sequência entrópica de desfecho autodestrutivo para a instituição e seus titulares.
Para obviar a suspeita de que essa onerosa disposição ganhara corpo foi necessário recorrer a uma longa discussão sobre a preliminar de conhecimento. Quando o relator propôs uma decisão prévia sobre o conhecimento ou não do pedido de habeas corpus, a sessão arrastou-se numa atmosfera de absoluta serenidade, densa erudição e mútuos elogios, marchando ao passo de um bicho-preguiça cansado para um final sem julgamento do mérito.
Em má hora o ministro relator suscitara essa questão, supondo uma deliberação breve, como indicou seu voto sucinto e seu antecipado reconhecimento de que seria voto vencido. O que se seguiu foram longos votos que iam esgotando o tempo útil sem que nem ministros nem a presidente alertassem os colegas para – quando possível – reduzirem suas exposições e declarassem seus votos com economia de tempo. A comprovar que o tempo útil não era uma preocupação dos ministros, o próprio intervalo da sessão arrastou-se muito além do que a presidente anunciara.
Para corrigir, ou ao menos amenizar suspeitas quanto ao tempo dedicado a uma preliminar quase consensual, já mais bastava explicar-se, era agora necessário buscar a ajuda de expedientes administrativos para justificar um provável adiamento da decisão de mérito de um habeas corpus que “passara a perna” em vários outros que já poderiam ser julgados no plenário.
Comunicada a decisão majoritária de conhecimento do pedido e a convocação da próxima sessão para dia 4, o advogado de defesa solicitou um salvo-conduto para o paciente, já que o paciente não era responsável pela postergação por 13 dias do julgamento.
A solicitação foi imediatamente concedida, sem considerar o efeito cascata que tal exigência trará. Os habeas corpus a partir desta decisão ou serão negados de pronto pela autoridade judicial ou concedidos também de imediato, se por qualquer razão aquela exigência de instantaneidade não puder ser atendida. Cuidou-se assim do periculum in mora, mas foi-se leniente com o fumus boni juris.
Toda essa constrangedora trajetória ainda não se tinha esgotado, pois a presidente quis ouvir os ministros sobre a continuidade da sessão. Alguns ministros, sem hesitar, argumentaram que não seria possível, por esgotamento físico, continuar a sessão; outros tinham compromissos assumidos que, objetivamente, se revelaram mais importantes do que decidir a matéria pautada – um deles até tirou do bolso e expôs comprovante de voo que devia fazer, como se a palavra de um ministro do STF precisasse ser corroborada por um documento.
Esse o patético resultado de uma sessão do STF estigmatizada por um erro inicial e pelo séquito dos erros subsequentes. Não se tratou, contudo, de um erro jurídico. Foi um erro de descuido com a regra da prudência, aquela virtude que é chamada por Tomás de Aquino “a mãe de todas as virtudes”.
Foi a ausência da necessária prudência que empurrou o tribunal para a sucessão de erros. O resultado dessa histórica sessão se viu imediatamente nas as inúmeras manifestações de decepção, frustração e revolta que desencadeou na sociedade brasileira. Tais sentimentos abalam a confiança dos cidadãos no órgão supremo do Judiciário e na sua capacidade de garantir a previsibilidade na interpretação do ordenamento jurídico.
Dia 4 de abril o STF vai se pronunciar. Suas decisões terão força de lei. Resta saber como se comportará o sujeito oculto da oração, o novo personagem que Montesquieu não previu: a opinião pública.
*Professor de Ciência Política, Ex-Reitor da Ufrgs, É criador e diretor do site ‘Política Para Políticos’
**Publicado originalmente no Estadão.
Com o título “A importância da Lava-Jato”, o cineasta José Padilha, diretor da série “O mecanismo” em exibição no Netflix, publicou o artigo abaixo na sua coluna de O Globo do dia 12 de fevereiro do ano passado. São 27 enunciados sobre a oportunidade de desmontar o mecanismo de exploração da sociedade brasileira.
1) Na base do sistema político brasileiro, opera um mecanismo de exploração da sociedade por quadrilhas formadas por fornecedores do estado e grandes partidos políticos. (Em meu útimo artigo, intitulado Desobediência Civil, descrevi como este mecanismo exploratório opera. Adiante, me refiro a ele apenas como “o mecanismo”.)
2) O mecanismo opera em todas as esferas do setor público: no Legislativo, no Executivo, no governo federal, nos estados e nos municípios.
3) No Executivo, ele opera via superfaturamento de obras e de serviços prestados ao estado e às empresas estatais.
4) No Legislativo, ele opera via a formulação de legislações que dão vantagens indevidas a grupos empresariais dispostos a pagar por elas.
5) O mecanismo existe à revelia da ideologia.
6) O mecanismo viabilizou a eleição de todos os governos brasileiros desde a retomada das eleições diretas, sejam eles de esquerda ou de direita.
7) Foi o mecanismo quem elegeu o PMDB, o DEM, o PSDB e o PT. Foi o mecanismo quem elegeu José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer.8) No sistema político brasileiro, a ideologia está limitada pelo mecanismo: ela pode balizar políticas públicas, mas somente quando estas políticas não interferem com o funcionamento do mecanismo.
9) O mecanismo opera uma seleção: políticos que não aderem a ele têm poucos recursos para fazer campanhas eleitorais e raramente são eleitos.
10) A seleção operada pelo mecanismo é ética e moral: políticos que têm valores incompatíveis com a corrupção tendem a ser eliminados do sistema político brasileiro pelo mecanismo.
11) O mecanismo impõe uma barreira para a entrada de pessoas inteligentes e honestas na política nacional, posto que as pessoas inteligentes entendem como ele funciona e as pessoas honestas não o aceitam.
12) A maioria dos políticos brasileiros têm baixos padrões morais e éticos. (Não se sabe se isto decorre do mecanismo, ou se o mecanismo decorre disto. Sabe-se, todavia, que na vigência do mecanismo este sempre será o caso.)
13) A administração pública brasileira se constitui a partir de acordos relativos a repartição dos recursos desviados pelo mecanismo.
14) Um político que chega ao poder pode fazer mudanças administrativas no país, mas somente quando estas mudanças não colocam em xeque o funcionamento do mecanismo.
15) Um político honesto que porventura chegue ao poder e tente fazer mudanças administrativas e legais que vão contra o mecanismo terá contra ele a maioria dos membros da sua classe.
16) A eficiência e a transparência estão em contradição com o mecanismo.
17) Resulta daí que na vigência do mecanismo o Estado brasileiro jamais poderá ser eficiente no controle dos gastos públicos.
18) As políticas econômicas e as práticas administrativas que levam ao crescimento econômico sustentável são, portanto, incompatíveis com o mecanismo, que tende a gerar um estado cronicamente deficitário.
19) Embora o mecanismo não possa conviver com um Estado eficiente, ele também não pode deixar o Estado falir. Se o Estado falir o mecanismo morre.
20) A combinação destes dois fatores faz com que a economia brasileira tenha períodos de crescimento baixos, seguidos de crise fiscal, seguidos ajustes que visam conter os gastos públicos, seguidos de novos períodos de crescimento baixo, seguidos de nova crise fiscal...
21) Como as leis são feitas por congressistas corruptos, e os magistrados das cortes superiores são indicados por políticos eleitos pelo mecanismo, é natural que tanto a lei quanto os magistrados das instâncias superiores tendam a ser lenientes com a corrupção. (Pense no foro privilegiado. Pense no fato de que apesar de mais de 500 parlamentares terem sido investigados pelo STF desde 1998, a primeira condenação só tenha ocorrido em 2010.)
22) A operação Lava-Jato só foi possível por causa de uma conjunção improvável de fatores: um governo extremamente incompetente e fragilizado diante da derrocada econômica que causou, uma bobeada do parlamento que não percebeu que a legislação que operacionalizou a delação premiada era incompatível com o mecanismo, e o fato de que uma investigação potencialmente explosiva caiu nas mãos de uma equipe de investigadores, procuradores e de juízes rígida, competente e com bastante sorte.
23) Não é certo que a Lava-Jato vai promover o desmonte do mecanismo. As forças politicas e jurídicas contrárias são significativas.
24) O Brasil atual esta sendo administrado por um grupo de políticos especializados em operar o mecanismo, e que quer mantê-lo funcionando.
25) O desmonte definitivo do mecanismo é mais importante para o Brasil do que a estabilidade econômica de curto prazo.
26) Sem forte mobilização popular é improvável que a Lava-Jato promova o desmonte do mecanismo.
27) Se o desmonte do mecanismo não decorrer da Lava-Jato, os políticos vão alterar a lei, e o Brasil terá que conviver com o mecanismo por um longo tempo.
*Leia mais: https://oglobo.globo.com/brasil/a-importancia-da-lava-jato-20912719#ixzz5BKU23N00
*José Padilha é cineasta
Um juiz que tem em mãos processos envolvendo tanta gente poderosa e que aceita ser o alvo das perguntas e câmeras de um programa como Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, tem que ser uma pessoa extremamente confiante em sua própria sensatez. O risco é enorme. Qualquer pré-julgamento, qualquer opinião fora dos autos, pode ser argumento para ser contestado pelas defesas - que por tantas vezes já pediram seu afastamento de processos de corrupção. Pois por hora e meia o juiz Sérgio Moro correu esse risco, submetendo-se a perguntas de cinco jornalistas e aos olhares implacáveis das câmeras que acompanharam seus gestos, feições e olhos de todos os ângulos. E não tropeçou nenhuma vez; nenhum vacilo, nenhuma irritação, nenhum arroubo de estrelismo diante das luzes daquele plenário que o cercava.
Em pergunta alguma perdeu a naturalidade. Mostrou que é um juiz equilibrado, calmo, racional, sem paixões e preconceitos. Com profundo conhecimento do mundo que o cerca, respondeu, no entanto com humildade, com simplicidade, passando a imagem de sinceridade nas posições. Em nenhum momento foi além dos limites da lei e de seus deveres como julgador. Depois do que se viu e ouviu na semana passada no Supremo Tribunal, Moro foi um jato de esperança a robustecer a aposta na Justiça, no país que vai perdendo referências civilizatórias. Quando o programa terminou, ficou a impressão de que o Brasil teve muita sorte quando a operação que começou num lava-jato de Brasília, envolvendo pessoas com domicílio no Paraná, tenha ficado na Vara Federal do juiz Sérgio Moro.
Quando tinha em mãos o caso do escândalo do Banestado (Banco do Estado do Paraná), com evasão em dezenas de bilhões em divisas, o juiz Sérgio Moro foi criticado por excessos e levado, por isso, ao Conselho Superior de Justiça, que arquivou o caso. Com humildade, inscreveu-se em cursos da Polícia Federal para aprender mais sobre lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Sentou-se nos bancos escolares da PF e acabou considerado pelos policiais como um exemplo de juiz que se aproxima da origem da Justiça - o inquérito policial - para aprender. O juiz mostrava então que a toga serve com mais justiça quanto mais conhecimento tiver do crime. Por isso suas sentenças têm sido irrepreensíveis. Ao se expor no programa da TV Cultura, em nenhum momento foi acuado por perguntas de jornalistas que certamente se prepararam para o interrogatório.
Moro virou celebridade mas não sai de si nem levita. Continua sendo um juiz de primeira instância e não um artista. Ainda que se deva repetir que juiz só fala nos autos, a situação por que passa o país precisa de manifestações públicas dele, porque se tornou um símbolo da lei e da justiça - no país da impunidade, da desordem civil, das leis circunstanciais, em que o princípio de que todos são iguais perante a lei se tornou uma farsa em que fingimos acreditar. Um país que fala em democracia todos os dias é porque tem apenas um arremedo dela. Estados Unidos e Alemanha não ficam falando em democracia - porque é o fato básico, corriqueiro. Sem ordem, sem justiça que desestimule os corruptos e criminosos em geral, jamais chegaremos a ser uma democracia. Sérgio Moro é uma esperança, um modelo, de que sem histrionismo, sem populismo e com simplicidade, revela um modelo para recuperarmos o caminho perdido.
*Publicado originalmente em http://www.sonoticias.com.br/coluna/o-modelo-moro
Estamos a poucos dias do julgamento do derradeiro recurso interposto pelo condenado Lula da Silva, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região em Porto Alegre e, consequentemente, estávamos bem próximos de sua ordem de prisão. O Brasil e o mundo esperavam por este momento. Aguardavam pela a foto do mais audacioso patife sendo conduzido ao xilindró que é emblemática, na medida em que marca o fim de uma perversa era de incompetência e de malversação no trato da coisa pública sempre blindada com uma plena garantia da impunidade posta à disposição dos facínoras, principalmente por ignóbeis que traíram seu juramento de lutar pela lei e pela ordem, para enriquecer e enriquecer suas bancas onde se refugiam, além de outros bandidos, os criminosos de colarinho branco. Já não sei mais se a prisão vai acontecer.
Caso a prisão não venha a ocorrer, por qualquer razão, penso que o Brasil não dormirá em paz. Penso que o País não pode se conformar. Penso que não teremos porque esperar mais e que a vergonha e a humilhação impostas a esta Terra de Santa Cruz perante a comunidade das Nações livres serão tamanhas que, se não promovermos a ruptura com tudo que aí está tomando nas mãos o poder direto que ao povo concedeu a Constituição Federal, nenhum homem de bem terá mais o direito de caminhar de cabeça erguida. Que nos amaldiçoe, então, os que virão depois de nós, porque em verdade nos transformamos numa geração de covardes e renegados.
Esta situação revela fortes indícios no sentido de que a esquerda populista e delinquente, embora ferida de morte e estrebuchando nos estertores, está reunindo as últimas forças para estender as mãos ao demônio do continuísmo que, no momento, por uma face se traveste na figura de um “mandarim da república” e por outra na de um santo e puro defensor das minorias e dos “direitos dos manos”. Fiquemos espertos para o que está ocorrendo e para o que vem por aí.
Em primeiro lugar falo assim porque se costura uma solerte negociata para livrar o “Ogro” da cadeia. Toda a classe política abjeta, e em especial aqueles que estão nas malhas da Justiça, se movimentam naquela direção. Consta que o velho cacique do Maranhão e sua quadrilha, ambos pegos pela Operação Lava Jato, a despeito da resistência da Ministra Presidente do Supremo Tribunal Federal, vem tentando – e continuará a insistir - que aconteça uma reunião de todos os ministros, a portas fechadas, por sugestão de um antigo Membro da Corte. O plano já surtiu resultado.
Conquanto o Ministro não seja distinguível a olho desarmado – e nem se distinguirá - ele é uma espécie de líder da facção que defende no STF a revisão da regra que permite a prisão de condenados em segunda instância, tal como Lula. O referido magistrado, antiga cria de José Sarney, está empenhado em convencer a presidente do STF a colocar em julgamento duas ações sobre o tema e salvar Lula da prisão imediata. Ocorrendo ou não o convescote palaciano, ninguém ficará sabendo o que se dirá ou se decidirá nesta reunião nada republicana, mas as consequências dela oriundas sempre advirão e o povo as suportará com certeza.
Depois daquela tramoia a situação evoluiu. Os Ministros defensores do ex-presidente condenado, ainda que não tenham atingido seu objetivo final lograram, por enquanto, livrar o “Larápio de Garanhuns” da “tranca dura”, adiando o julgamento do injurídico e incabível “habeas corpus”, para 4 de abril próximo.
Agora vão continuar lutando para que a Ministra Carmem Lúcia, desdizendo tudo que garantiu ao povo, coloque em julgamento as tais ações indultando Lula, por assim dizer, e quem sabe adiante também autorizem que tente voltar à Presidência da República um condenado com mais de 30 anos de prisão a cumprir, se consideradas todas as ações penais que responde.
O plano diabólico tem muitos mentores, inclusive uma horda de operadores do direito defensores de bandidos, mas tudo indica que o principal executor seja o Ministro em questão, que não aparece. Para que se tenha uma ideia de quem seja este condestável da República (ou Calabar?) ao qual me refiro, basta que se conheça o que sobre ele disse e escreveu Dr. Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça e o maior responsável pela nomeação do mesmo para o STF, no governo Sarney: “Entendi que você é um juiz de m....”.
A respectiva história está relatada, com todas as letras, no livro de memórias de Saulo Ramos, um dos maiores aliados de Sarney na vida pública, obra que ele intitulou de “Código da Vida” (Editora Saraiva) e, numa apertada síntese, destaco o que se segue, omitindo uma menção direta ao nome do cidadão em tela porque, ainda que tudo seja do domínio público, quero manter o princípio no sentido de que se deve combater ideias e não pessoas.
O Ministro em questão, que tinha sido secretário de Saulo Ramos na Consultoria Geral da República telefonou para o antigo chefe e se comprometeu a votar a favor de Sarney num processo do interesse deste. Realmente, “terminado seu mandato na presidência da república, Sarney resolveu candidatar-se a senador. O PMDB negou-lhe a legenda no Maranhão. Candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnações fundadas em questão de domicílio, e o caso acabou no Supremo Tribunal Federal”, diz o Consultor em seu livro.
Veio o dia do julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar foi o indigitado ministro, que votou pela cassação da candidatura do Sarney, porém “Apressou-se ele próprio a me telefonar se explicando, relata Saulo Ramos: “— doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do presidente”. — claro! O que deu em você? — é que a folha de São Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a folha de São. Paulo. Mas fique tranquilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do presidente. Nesta altura da narrativa Saulo Ramos diz: “Não acreditei no que estava ouvindo”. Recusei-me a engolir e perguntei: — espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de São Paulo noticiou que você votaria a favor? — sim. — e se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele? — exatamente. O senhor entendeu? — entendi. Entendi que você é um juiz de merda! Bati o telefone e nunca mais falei com ele.”, dizem as memórias.
A vista deste antecedente concluo: um homem desse jaez é bem capaz de tramar contra o Brasil ou trair a esperança de sua gente sofrida só para atender ao pedido de seu padrinho, o mesmo antigo protetor que, tal como o larápio mor, está enrolado na Justiça. Por que não?
Em segundo lugar alerto para outro perigo que se aproxima. Posto que tenha caído inteiramente a máscara da esquerda ordinária que levou o Brasil a experimentar o maior roubo dos cofres públicos da história da humanidade e que colocou nua a podre aliança com o negocismo usurpador, todos seus integrantes (pegos ou não pelas malhas da lei) acabaram enlameados, como enlameados terminaram suas sociedades de celerados legalizadas como partidos políticos, mormente os chamados de esquerda, aqui inclusos os socialistas e os de centro esquerda, do PT ao PSOL, passando pelos PSDB, PMDB, PTB, PSB, para só citar os maiores, posto que o resto eu nem considero porque, no fundo, não passam de meras máquinas “caça-verbas” eleitorais.
Quanto mais à esquerda é o partido mais calhordas são seus filiados e correligionários porque, além de ladrões como os das demais agremiações (lembrem-se dos inúmeros esquerdistas denunciados na Lava Jato), ainda se apresentam como guardiães do povo humilde, bem como das minorias e dos vitimados, enquanto mantêm a todos em suas tristes indigências e submissos à bandidagem que eles protegem ferozmente. Agora que eles não têm mais as sórdidas bandeiras com as quais se camuflavam, estão desesperados no encalço de qualquer outra, nem que seja a de um cadáver de quem teve a vida ceifada, em última análise, por causa e consequência da vilania de suas ações partidárias. Não deviam estar alegando em seu proveito as próprias torpezas.
Aqui neste ponto revelo uma duvida. Porque será que a imprensa caçadora de audiência está promovendo no caso da partidária do PSOL, assassinada como milhares e milhares de outras pessoas no Brasil inteiro, uma enorme campanha midiática como poucas vezes desenvolveu? Conjecturando respondo que podemos encontrar uma resposta no quanto em dinheiro público que os grandes conglomerados de comunicação obtiveram durante os governos de esquerda nas últimas décadas e no perigo que correm agora se o povo apoiado pelas Forças Armadas ou liderado por alguém que não poderão cooptar, vier interromper o ciclo de roubalheira ao qual estão até hoje habituados.
Nos casos de que tanto a tentativa desesperada de livrar o maior ladrão dos cofres públicos da cadeia, quanto do show macabro em cima do cadáver da ativista do PSOL tenham, os dois, motivações semelhantes ou propósito iguais, somente uma explicação me ocorre: querem salvar as esquerdas brasileiras do lixão da história.
Contra a máquina pública que ainda eles dominam e contra esta imprensa covarde e proxeneta da ignorância e da indigência de nosso povo, os homens de bem têm agora a seu dispor a rede mundial de computadores. Ela e seus grupos sociais têm um poder inimaginável e está enlouquecendo os ricos donos da comunicação no mundo. Vamos através delas combater essa desprezível gente diariamente. Vamos todo santo dia desmascará-la e, quando a hora chegar, não vamos deixar que dentre ela reste algum nem para lembrar sua triste história de traição à Nação Brasileira.
* Jose Mauricio de Barcellos ex Consultor Jurídico da CPRM-MME é advogado. Email.: bppconsultores@uol.com.br).
** Publicado originalmente no Diário do Brasil
(Com ligeiras alterações de forma feitas em 24/03)
A farsa encenada na noite de 14/03 pelos atuais integrantes do Supremo Tribunal Federal colocou o Brasil na iminência de uma grave crise constitucional. Tão grave é o quadro que não hesito em afirmar: neste momento, só as ruas têm o potencial de recolocar nosso país no devido leito constitucional.
No futuro, precisaremos de uma reforma constitucional abrangente, quanto a isso não há dúvida. Mas, no momento, temos no colo um coquetel altamente explosivo:
1) um STF faccioso, descomedido em seu ativismo político, que há tempos vinha perdendo estatura moral;
2) a encenação de ontem liquidou o pouco de seriedade que lhe restava;
3) embora despido das qualidades básicas que se requer de uma Suprema Corte, ele dá claras mostras de não haver compreendido o esvaziamento a que chegou e, em particular, o ridículo de sua pretensão de arbitrar os conflitos políticos que têm vindo à tona constantemente desde que a Lava-Jato desvendou a trama da megacorrupção que se apossou no país;
4) um sério complemento do ponto anterior é o fato de meia dúzia de empresas terem posto no bolso praticamente todos os partidos representados no Legislativo;
5) por cima de tudo isso, um corolário explosivo: as chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição de 1988.
O Brasil é o único país do mundo que não admite a prisão de um condenado antes do “trânsito em julgado”, ou seja, antes de esgotados todos os recursos previstos na Constituição. No mundo inteiro, um condenado pode recorrer a instâncias superiores: isso é óbvio e não poderia ser diferente numa democracia. Mas, uma vez condenado na segunda instância (uma Corte de Apelação, instituição que no Brasil se corporifica nos Tribunais Regionais) estes podem determinar a reclusão. O condenado pode recorrer, mas a partir daí tem que fazê-lo atrás das grades.
Lula foi não só condenado pelo TRF-4, mas condenado por unanimidade e com agravamento da pena. Dá-se, porém, que, em nosso caso. a reclusão esbarra num obstáculo intransponível: o trânsito em julgado, que é uma cláusula pétrea. Essa é a razão pela qual o STF, na súmula 691, afirmou que o condenado “pode” ser preso, mas não disse expressa e imperativamente que DEVE sê-lo.
É fácil perceber que, num Supremo composto por personalidades como as que o integram, um condenado que disponha de recursos para pagar dezenas de milhões de reais em honorários advocatícios conseguirá postergar indefinidamente o processo, empurrá-lo com a barriga, até a prescrição.
Dessa combinação de fatores, uma conclusão se impõe inexoravelmente: o combate à grande corrupção de colarinho branco é uma miragem. Deixará de sê-lo se, por uma feliz conjunção de circunstâncias, um STF cônscio de seu papel, composto de juristas altivos e conscientes de sua missão, mantiver a autonomia implicitamente concedida aos TRFs para que a prisão em segunda instância se concretize. Isso obviamente não acontecerá se em determinado momento a composição do STF for desprovida de princípios, beirando a abjeção política e moral.
Mas o que acima foi dito ainda não exaure a questão. As chamadas “cláusulas pétreas” pairam acima de todas as instituições e instâncias políticas. Nem o Congresso pode alterá-las por meio de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional). A única possibilidade de alterá-las é a convocação de uma nova Assembleia Constituinte, hipótese que pressupõe a ruptura de todo o tecido institucional vigente. Não preciso ressaltar que essa aberração da Constituição de 1988 contradiz frontalmente o princípio da soberania popular, pilar inarredável da democracia representativa.
Dá-se, entretanto, que o poder político é como a natureza: abomina o vácuo. Diante de circunstâncias graves que soem ocorrer com frequência no processo político de qualquer país e inexistindo a possibilidade de convocar uma constituinte originária, a estultice de “petrificar” cláusulas importantes para a ordem democrática praticamente obriga os integrantes do STF a contornar as cláusulas pétreas, a despetrificá-las, ou seja, a apelar para o jeitinho e para a malandragem.
O resultado, então, é que o país, teoricamente democrático, passa a ser governado por 11 cavalheiros que não recolheram nas urnas um voto sequer. Na prática, esse minúsculo corpo não eletivo passa a encarnar (seria mais correto dizer usurpar) a soberania popular.
Salta aos olhos que essa série de aberrações politico-constitucionais deixará o país, como está deixando, no limiar de uma grave crise. Foi o que ocorreu no famigerado 22 de março. Os onze cavalheiros do apocalipse contrapuseram-se sem a menor cerimônia à vontade dos 150 milhões de cidadãos aptos a votar em nosso país. A contraposição que dessa forma se estabeleceu é frontal. A situação que assim se abriu é muito clara. Ou eles recuam moto próprio, alteram as decisões de ontem e restabelecem a autonomia da Corte de Apelação (o TRF-4) ou terão de ser levados a fazê-lo pela força das ruas. Alea jacta est.
A escolha de Guilherme Boulos como pré-candidato do PSOL à Presidência da República pegou de surpresa alguns seguidores da legenda. Em protesto contra a escolha de um dos grandes defensores de Luiz Inácio Lula da Silva e do Partido dos Trabalhadores, muitos se revoltaram alegando que o partido – criado com as mais “nobres” intenções de lutar pelo “socialismo real” – havia deixado seus ideais e se curvado à grande máquina política petista que há muito tempo se rendera aos “ditames do grande capital”.
O partido dissidente fundado por Luciana Genro, Heloísa Helena e outros menos conhecidos sempre fez questão de deixar claro que tinha divergências profundas com o Partido dos Trabalhadores, e que ali sim os socialistas brasileiros encontrariam um terreno seguro e fértil para levar à frente suas ideias “humanitárias” (que, historicamente, de humanitárias não têm nada). Nascia ali mais um partido de esquerda, agora com um solzinho simpático que atraia os jovens, indicando um socialismo repaginado e teoricamente diferente do velho comunismo autocrático que marcou o Século XX.
Mas o que aconteceu na prática? O PSOL foi se firmando como um pequeno, mas influente partido, levando suas pautas radicais ao cenário político, ganhando espaço nas universidades e lançando candidatos à presidência que faziam seus ideais soarem razoáveis e até desejáveis por alguns setores da sociedade. Sempre mantendo um discurso de “não temos nada a ver com o PT”, o partido caminhava com ares de independência e autonomia, mas na política real as coisas não eram exatamente como no discurso.
Enquanto o PT governava com muita popularidade, dialogando com os principais setores da sociedade e enfraquecendo a oposição, o PSOL estava ali, logo ao lado, como fiel escudeiro, permitindo que o partidão tivesse cada vez mais governabilidade, influenciando as diretrizes políticas da nação, aprovando ou vetando leis em sincronia com seus aliados partidários e tratando de forma branda investigações de corrupção que deixavam cada vez mais claro que, sem burlar o sistema, as pautas revolucionárias eram praticamente inviáveis. Na teoria, o PSOL nasceu por divergências com o PT; na prática, o PSOL nasceu pela necessidade da esquerda brasileira de ter um partido com uma cara mais jovem, fiel às ideias, menos pragmático, um espaço para abraçar aqueles mais idealistas, com um perfil que não contribuiria muito para a política real exercida pelo PT, tudo de acordo com o projeto revolucionário de tomada gradual das instituições.
Não só o PSOL auxiliaria o “partido matriz” ao disputar em frontes diferentes como também se juntaria a outros partidos nanicos que sempre vemos por aí, engrossando as manifestações convocadas pelo PT, utilizando-se do milionário fundo partidário para manter uma estrutura de pressão social extremamente sofisticada e sempre pronta para ser acionada nos momentos em que o projeto revolucionário sofria alguma ameaça. PCdoB, PSTU, PSB, PCO e companhia estavam sempre presentes, assim como o PSOL, para viabilizar politicamente não apenas o PT em si, mas a ideologia que todos eles compartilham. O crescimento de outros partidos que auxiliavam o Partido dos Trabalhadores não era só desejável, mas necessário para fortalecer a retaguarda do grande projeto político de longo prazo que estava em pauta.
Bastou o enfraquecimento momentâneo do “partido matriz” (após uma série de medidas administrativas catastróficas que levaram Dilma Rousseff ao impeachment) para que o PSOL deixasse evidente sua função, cedendo espaço para Guilherme Boulos discursar em nome do partido e não escondendo sua grande afinidade com velhos personagens da política brasileira. O episódio frustrou muita gente. O espaço que fora criado para defender o “socialismo de verdade”, devido a um momento político mais tenso que o normal, teve que escancarar suas verdadeiras funções e mostrar que, no fim das contas, tudo não passava de um grande teatro político em torno de um corpo homogêneo de ideias que, devido à estrutura política democrática, convenientemente se fragmentou em várias agremiações para viabilizar o projeto como um todo.
O socialista brasileiro pode pular de partido em partido, encontrando aquele que tem mais afinidade, fazendo amizades, construindo sua história de ativismo e acreditando que está fazendo real diferença no mundo, mas em meio a todo este universo de boas intenções a verdade fica cada vez mais evidente: não importa quão sofisticada seja a estrutura política construída pela esquerda, no fim das contas o socialismo não dá certo, gerando sempre a destruição dos direitos naturais e a escassez de recursos que levam a nação, fatalmente, ao despotismo e ao colapso econômico. E dado o colapso, não há solzinho, estrelinha ou foice e martelo que possam dar jeito, e os sobreviventes acabam suplicando pelas instituições liberais que mudaram e continuam mudando o mundo para melhor desde o Século XVIII.
* Graduando em Ciências Econômicas e Comércio Exterior pela Universidade de Fortaleza e fundador do grupo de estudos Clube Atlas.
**Publicado originalmente em http://www.ilisp.org/opiniao/o-psol-sempre-foi-uma-linha-auxiliar-do-pt/