Indulto, do latim indultus, é sinônimo de perdão aos condenados. O bem lançado voto do ministro Luís Roberto Barroso na sessão de 28 de novembro do Supremo Tribunal Federal enfatizou que o decreto presidencial indultando malfeitores e facínoras de variados naipes “reduziu prazo de cumprimento de pena para ser beneficiado pelo indulto para apenas 1/5, onde tradicionalmente era 1/3, além de ter abolido o teto máximo de condenação para fins de indulto, o que nunca havia ocorrido". A tese do relator, contudo, não foi suficiente. Por 6 votos a 2, a maioria já estabelecida no STF está condescendendo libertar uma multidão de corruptos e assassinos.
O Executivo abreviar o período do cumprimento de pena estabelecido pelo Judiciário já é, por si só, uma modalidade de intromissão de um poder no outro. O que se dizer então quando a estrutura penitenciária e a justiça criminal de um país se mostram falidas? No mínimo, que o indulto é uma bofetada na sociedade, nas vítimas, em seus familiares, nos policiais e nas autoridades que cumpriram a lei, algumas delas inclusive arriscando suas vidas para prender, julgar e encarcerar seres abjetos e por vezes irrecuperáveis, incluídos nesta fauna os trancafiados por corrupção e crimes de colarinho branco.
De mais a mais, sendo o perdão das penas uma tradição que se tornou incongruente diante das estatísticas bélicas de violência, como tolerar esta aberração que é veiculada por meio de um benefício coletivo? Talvez os números oficiais possam auxiliar parte da resposta.
A edição do balanço Justiça em Números 2018 preparado pelo Conselho Nacional de Justiça informou que ao final de 2017, portanto um ano atrás, havia 1,4 milhão de execuções penais pendentes, sendo 358 mil delas iniciadas em 2017, e que mais da metade dessas execuções (232,5 mil, ou 65%) implicavam em pena privativa de liberdade (cadeia). Evidentemente que essas referências foram vitaminadas de lá para cá, inclusive, é óbvio, com a participação de muitos daqueles indultados anteriormente.
Também causa perplexidade, no momento de um julgamento desta magnitude, o fato daquela pomposa publicação não trazer nenhuma linha mais crua abordando os números de homicídios, latrocínios, tráfico de drogas, sequestros e pedófilos, os quais foram sutilmente diluídos numa rubrica geral. Aliás, a retórica insossa do documento do CNJ afirmando que “A eficiência do serviço prestado pelo Judiciário é exigência do cidadão e obrigação do Estado” (p. 5) sucumbe frente o insulto natalino ora em debate no STF.
Acerca dele, é oportuno sublinhar que além da maioria da população, uma respeitável parcela de juristas se manifestou no sentido de que o Poder Público não deveria indultar indiscriminadamente, muito menos com a aquiescência do Supremo Tribunal Federal. Porém, a folha corrida dos criminosos não parece preocupar o STF, tampouco o que eles representam de ruim para a ordem pública sendo soltos.
Sendo assim, e se é certo, de um lado, que as solturas não determinarão o aniquilamento do Brasil, não é menos exato, de outro, que as mesmas engrossarão não apenas os percentuais, mas também os gastos públicos em torno daqueles que, infelizmente, logo retornarão às atividades criminosas. Por conta disso, urge que o presidente eleito, uma vez empossado, modifique ou revogue este abominável decreto e o Congresso Nacional restrinja anistias, graças e indultos, excrescências datadas do Império que estimulam criminosos ante a certeza de que castigos legais serão abreviados.
• Advogado e professor de Direito Eleitoral.