• Harley Wanzeller
  • 19 Setembro 2018

 

Em linhas gerais, o que poderia ser esse "monstro"?

Basicamente, a democracia e qualquer outro regime de exceção são incompatíveis entre si. Porém, da contradição pôde-se instituir um estado empírico, revestido de pseudolegitimidade respaldada em um discurso permeado por "princípios democráticos", que na verdade, tem o objetivo de afrontar as primícias que instruem as próprias bases de uma democracia.

Com isto, e a partir de um sistema aparentemente legítimo e democrático, institui-se um estado de exceção.

Portanto, o exercício conceitual aparentemente bizarro, partiu basicamente da contradição. Do uso do discurso democrático para justificar regras próprias de um estado de exceção.

Entendo inicialmente que o estado de direito de exceção revela, em um primeiro momento, a legitimidade do sistema pelo direito. Dele, então, surge a autorização do governo de exceção como fato de domínio público. Não se discute aqui o grau de acolhimento social do respectivo sistema, que acaba exercendo o seu papel de maneira transparente, às claras, aos olhos do povo, e dentro de regras jurídicas criadas para o prevalecimento da exceção. Desta ciência popular sem resistência (e não da aquiescência), aliada ao sistema jurídico, é que decorre a legitimidade e legalidade do ato arbitrário do representante estatal.

Mas o conceito em primeira análise "excêntrico" (reconheço) que ora desenvolvo, se afasta disso. Por ele, a "democracia" é encoberta por uma cortina de fumaça.

Trata-se de um caso sui generis, onde a exceção é oculta, e todas suas imposições são legitimadas juridicamente a partir de uma pauta democrática fictícia.

Neste exemplo, a exceção, não sendo fato de domínio público, e sendo instaurada sob regras fundamentadas em um discurso "democrático", acaba criando um sistema "monstruoso" alimentado por sua própria contradição, onde o Estado Totalitário impera oculto, e se reproduz utilizando-se da subversão dos princípios que instruem uma democracia para, a partir daí, reproduzir regras puras de exceção de acordo com a conveniência.

Eis então o tal "Estado Democrático de Exceção". Sua constatação não é aprazível, porém é necessária para a retomada da ordem.

Se você achou inicialmente que o conceito poderia se aproximar de uma verborragia, ou ainda não se convenceu do caráter empírico que o reveste, basta que você faça um simples questionamento, para a prova deste fenômeno político, fruto da engenharia do marxismo cultural: Você conhece algum país que vive este sistema atualmente?

E para tentar ajudar no raciocínio da primeira e principal reflexão, lanço duas perguntas acessórias, que nos ajudam a pensar a partir de hipotéticos exemplos:

Você conhece algum país, construído sob bases "democráticas", que pratique, ou permita que seja praticada, censura à livre opinião?

Você conhece algum país que, sob os preceitos democráticos, deixa de aplicar deliberadamente a própria lei que criou para não permitir a auditagem do processo eleitoral?

Se você conhece este país, pronto!

Encontramos o perfeito modelo do sistema ora conceituado.

Se não o conhece, não tem problema.

Mas corra!!! Não perca!!! A novela das 20:00 já está para começar.


 

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  • Paulo Moura
  • 17 Setembro 2018



Os estudos contemporâneos em Teoria da Comunicação aventam três hipóteses explicativas que podem ajudar a entender como se "fabrica" uma suposta opinião pública nos dias de hoje. São elas as hipóteses da Newsmaking (fabricação de notícias); da Agenda Setting (agendamento de pautas na mídia), e da Espiral do Silêncio.

Sinteticamente e assumindo o risco da imprecisão, os estudos sustentam que hoje a produção e publicação de notícias passa por um processo de manufatura na "cozinha" das agências de notícias e veículos de imprensa, que padroniza e pasteuriza os conteúdos de modo em que se produz uma certa distorção entre o fato e a versão publicada. O repórter autor desapareceu.

Esse processo facilita o agendamento de pautas na mídia, pois os inputs de introdução de conteúdos nessa linha de produção de "notícias" não são aleatórios e casuais, mas controlados por canais determinados. O acesso a esses canais possibilita a certos agentes introduzir e massificar (agendar) pautas para o debate público.

Já a hipótese da Espiral do Silêncio constitui-se numa explicação sociológica para a formação da "opinião pública". Parte da constatação de que o ser humano é atavicamente impelido ao convívio social por necessidade de autodefesa e sobrevivência. Essa condição desenvolve no ser humano a necessidade de pertencimento e aceitação em grupos sociais. Temendo o isolamento e a exclusão ou bullying, a maioria dos indivíduos tende a se adaptar à conduta grupal, adaptando-se ao padrão de comportamento do grupo a que quer pertencer, ou calando-se (ainda que contrariado). Quem dita os padrões do grupo? Uma minoria de indivíduos com vocação para a liderança. Dessa forma, cria-se uma maioria artificial resultante do silêncio e submissão do grupo ao padrão da minoria que lidera e influencia.

Aplicando-se a teoria à prática temos no Brasil a seguinte situação. A minoria organizada e barulhenta da esquerda pauta a mídia com sua agenda: ideologia de gênero; política de cotas raciais, e, com a ideia de que Bolsonaro é um cara violento, machista, racista, misógino e homofóbico. Esse conteúdo é introduzido nos inputs das mídias tradicionais, tendo-se em conta que as redações de toda a grande mídia são dominadas por jornalistas de esquerda que selecionam as notícias, manufaturam os textos e definem as pautas. Paralelamente, esses grupos organizados atuam nas mídias sociais com as mesmas pautas, criando, por exemplo, o tal grupo de "Mulheres contra Bolsonaro", que, por sua vez vira notícia e retroalimenta o mecanismo.

Pronto; está fabricado o pano de fundo para as manchetes que estampam a "suposta" rejeição das mulheres ao Bolsonaro. Cria-se assim um clima coercitivo de opinião nos grupos sociais de convivência que constrange eventuais pessoas simpáticas a Bolsonaro a declarar o voto nele sob pena de "pegar mal" e de gerar a exclusão do grupo se as pessoas assumirem o que realmente pensam.

É possível romper e inverter a Espiral do Silêncio? Sim. Tivemos o caso do referendo das armas em 2005 e, mais recentemente, do impeachment de Dilma Rousseff. Em 2005, no momento em que os defensores do direito de posse de armas legais tiveram direito ao horário de TV para defenderem seus argumentos e acertaram na comunicação, a espiral do silêncio se inverteu e os defensores da restrição às armas que lideravam as pesquisas com 80% de aprovação, perderam o referendo por 65% dos votos.

O impeachment da Dilma começou com grupos minoritários espontâneos atuando nas ruas e nas mídias sociais numa época em que havia mais liberdade e menos controles das empresas donas das mídias digitais. Éramos chamados de loucos e radicais. Na mídia tradicional e no meio político essa minoria atuando por fora do sistema virou o jogo e conquistou o impeachment da petista.

Como? Grupos sociais reais organizados e mobilizados atuando na sociedade e nas mídias sociais descobriram-se como maioria silenciosa a romperam a espiral do silêncio.

Minha hipótese, em consonância com a análise que fiz em outro artigo (A eleição 2018 e o efeito capote – http://emaconteudo.com.br/2018/08/29/a-eleicao-2018-e-o-efeito-capote/) é a de que podemos estar em vias de testemunhar outra ruptura da espiral do silêncio em torno do voto em Bolsonaro e que, boa parte dessa virada virá do voto feminino no candidato.

Digo isso pois nas últimas semanas tenho me dedicado a fazer um estudo qualitativo dos perfis das mulheres que apoiam Bolsonaro nas mídias sociais. O que constatei? Em primeiro lugar que são muitas. Em segundo lugar, que boa parte delas está organizada em grupos ativos nas mídias sociais e na sociedade real. Em terceiro lugar, que após o atentado à vida do candidato esse apoio cresceu e o apoio tornou-se mais ativo e explícito, fato aliás comprovado pelos cruzamentos de dados das pesquisas recém-publicadas.

Opinião pública não é estatística medida por pesquisa publicada. A opinião pública é um bicho vivo e que se mexe sob influência de lideranças e grupos sociais organizados e mobilizados para tornar a sua verdade predominante na sociedade, processo esse catalisado em situações de disputa eleitoral acirrada e polarizada como a que temos.

No artigo acima citado fiz referência ao fato de que hoje, no Brasil, há apenas dois polos sociais com poder de mobilizar pessoas; os apoiadores de Bolsonaro e os apoiadores do PT. Acrescento, a bem da precisão, que o poder mobilizador do bolsonarismo hoje é muito maior que o do PT. Basta ver a quantidade de gente que sai às ruas em defesa do mito e a quantidade de gente que a esquerda mobiliza em torno dos seus candidatos.

Bolsonaro tem, entre as mulheres, um grupo organizado e politicamente mobilizado nas ruas e nas mídias sociais respeitável tanto pelo número como pela qualidade das ativistas que têm se pronunciado em vídeos nas redes em defesa do seu candidato.

Assim como no comportamento de compra, as mulheres diferem dos homens na hora de definir suas escolhas políticas. Têm um estilo mais light, são menos impulsivas, mais cuidadosas e conservadoras, não são agressivas, argumentam racionalmente, analisam variáveis e possiblidades e pensam antes de escolher. Mas, no momento em que se decidem, passam a ser influenciadoras nos seus círculos de relacionamento.

Após o atentado as pesquisas revelam que Bolsonaro cresce sobre os demais concorrentes; inclusive lulistas, sobre o bloco do não voto (indefinidos), sobre extratos socioeconômicos mais amplos, e, também, sobre o eleitorado feminino. Esse crescimento sugere a possibilidade que o "efeito capote" pode estar se materializando em favor de Bolsonaro e que o crescimento do candidato entre as mulheres pode estar indicando o início da ruptura da espiral do silêncio que constrange o voto feminino no mito.

Qual o tamanho e a extensão dessa "onda"? Não é possível saber. Há um potencial de crescimento inercial em curso resultante do sentimento de solidariedade à vítima agregado ao enfraquecimento dos constrangimentos sociais impostos aos simpatizantes enrustidos de Bolsonaro.

Se os grupos que comandam a campanha de Bolsonaro chegarem a um acordo e pararem de bater cabeça em público e se acertarem no posicionamento estratégico a ser adotado no momento em que o candidato puder voltar a se pronunciar em vídeo pelas mídias sociais, há uma razoável chance de que se amplie esse crescimento. É precipitado afirmar hoje que possa vencer no primeiro turno. Mas, que essa possibilidade entrou no radar entrou.

O antipetismo é o maior partido do Brasil hoje e o crescimento de Haddad incentiva a migração do voto útil em Bolsonaro para impedir o perigo maior. Nessas horas quem quer tirar o PT busca o mais forte e capaz de fazer isso. Na guerra de rejeições a do Bolsonaro pode cair e a do PT, subir.

*Paulo Moura é cientista político.

 

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  • Lucas de Abreu Maia
  • 17 Setembro 2018

 


A máxima dinamarquesa, erroneamente atribuída ao físico Niels Bohr, declara: “É difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro.” Ainda assim, serão elas as protagonistas das últimas três semanas de campanha presidencial até o 1º turno das eleições.

O sucesso de duas candidaturas depende de que o eleitor acredite em futurologia. Geraldo Alckmin tenta argumentar que o voto nele será a única forma de derrotar o PT. Ciro Gomes, por sua vez, quer convencer a esquerda de que só ele pode impor uma derrota retumbante a Jair Bolsonaro. Como evidência, ambos apresentam as pesquisas de intenção de voto. Tanto no Datafolha quanto no Ibope, Ciro tem ampla vantagem ante ao ex-capitão do Exército. Bolsonaro e o candidato petista, Fernando Haddad, estão em empate técnico.

Acontece que pesquisas eleitorais não passam de previsão. Se qualquer previsão é falha, as simulações de 2º turno, então, são um fiasco. É que, no Brasil, não há correlação entre elas e o resultado final do pleito. A essa altura em 2014 Dilma Rousseff perderia para Marina Silva, de acordo com os levantamentos antecipados de 2º turno. Em 2006, Geraldo Alckmin conseguiu a façanha de receber menos votos no 2º que no 1º turno – fenômeno que pesquisa nenhuma conseguiria prever.

Há três motivos para o descasamento entre o que o eleitor diz que fará no 2º turno, antes mesmo de que tenha votado no 1º, e o que ele de fato faz na ida final às urnas. A primeira explicação tem a ver com uma mudança no cenário político; a segunda é uma questão metodológica e a terceira é lógica, mesmo.

Em primeiro lugar, o fato político: a campanha de 2º turno é qualitativamente diferente da que é feita no 1º. Na fase final da eleição, ambas as campanhas têm o mesmo tempo de tevê, os debates acontecem apenas entre dois candidatos (diferentemente da balbúrdia dos debates de 1º turno) e os discursos tendem a mover-se para o centro, a fim de conquistar os votos dos candidatos que ficaram de fora da segunda etapa do pleito. Ninguém consegue dizer, antecipadamente, como essas três variáveis impactam o eleitor.

Para entendermos a explicação metodológica, é preciso primeiro entendermos como funcionam as pesquisas de intenção de voto. O eleitor é parado de repente na rua e questionado sobre suas preferências eleitorais – coisa sobre a qual a maioria da população, diferentemente de mim e você, quase não pensa. Já é difícil o bastante ter de decidir em quem votará no 1º turno, mas o entrevistador ainda pede ao pobre eleitor que crie uma contigência hipotética e escolha um candidato para cada um dos vários possíveis cenários de 2º turno. Naturalmente, as estimativas hão de ser falhas.

Por fim, a lógica: o sociólogo Maurice Duverger desvendou, nas décadas de 50 e 60, os incentivos que afetam o voto em cada sistema eleitoral. A matemática por trás do argumento foi desenvolvida pelo cientista político Gary Cox, mas a lógica pode ser entendida só com palavras. No 1º turno, a tendência do eleitor é escolher seu candidato favorito, independentemente de quem seja. No 2º, o voto acaba indo para o pleiteante menos ruim. A não ser que os dois candidatos sejam absolutamente iguais (o que, claro, é impossível), sempre haverá um menos ruim. Acontece que, no 1º turno, quando ainda voltamos a atenção para o nosso candidato favorito, temos dificuldade de ver com clareza quem escolheríamos num cenário em que o predileto esteja ausente.

Numa eleição tão complexa quanto a de 2018, as simulações valem ainda menos que o usual. Embora pareça certo que Bolsonaro estará no 2º turno, tudo indica que não terá condições de participar de debates. Mas, como será sua presença no horário eleitoral? Supondo que Haddad siga mesmo para a fase seguinte da disputa, tentará – e, se tentar, conseguirá – mover-se para o centro do espectro político? Vai convencer eleitores de Ciro e de Marina Silva a votarem nele? O PSDB terá coragem de declarar apoio ao PT num 2º turno contra Bolsonaro?

Sem respostas claras a essas perguntas, qualquer aposta é temerária. É difícil prever, sobretudo o futuro. Por isso mesmo, o eleitor não deve preocupar-se com futurologia na hora de decidir o voto.

* Publicado originalmente na revista Piauí
 

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  • Fábio Costa Pereira
  • 16 Setembro 2018


Sacadas geniais que o seu “especialista em segurança pública” preferido talvez tenha dito, mas, se implementadas, apenas agravarão o problema :

1. Desencarcerar criminosos para diminuir a criminalidade: mais criminosos nas ruas, por puro raciocínio lógico, é igual a mais crimes...simples assim!

2. Liberar as drogas para acabar com o poder das organizações criminosas: a Impunidade reinante no Brasil e a carga tributária continuarão deixando o mercado ilícito de drogas, tal como o mercado ilícito de tabaco, altamente atrativo e o poder das organizações criminosas apenas irá crescer.

3. Investir em medidas alternativas à privação de liberdade: a pergunta é ...mais ainda? Cerca de 80% dos crimes previstos na legislação penal brasileira possibilitam a aplicação de algum tipo de medida alternativa à prisão...temos, também, a Lei 9099/95 (crimes de pequeno potencial ofensivo)..No entanto, as taxas de criminalidade, nas últimas décadas, cresceram exponencialmente, demonstrando que as tais alternativas de pouco ou nada servem.

4. Focar no combate aos crimes mais graves: os exemplos de sucesso no combate à criminalidade, tal como NY, demonstram, empiricamente, que há de haver a intolerância com qualquer tipo de Crime, dos menos aos mais graves. Não se pode subestimar a capacidade dos destrutiva dos pequenos ilícitos em termos de instabilização da paz e implantação da desordem.

5. Liberar os usuários de drogas da prisão. Segundo eles, no Brasil há muito usuários de drogas presos. Portanto, temos que liberar todos ...lamento, é fakenews. A nossa legislação não permite prender usuários. Não se pode confundir usuário com traficante. Muitos traficantes trazem consigo pequena quantidade de drogas para a venda justamente para ludibriar os mecanismos persecutórios. Feita a venda, os traficantes repetem a operação. A liberação pretendida, por consequência, é de traficantes, e não de usuários drogas.

6. O combate ao Crime e à criminalidade não irá funcionar se a desigualdade social e a pobreza não forem solucionados antes. Dessa forma, com tal afirmação, criam um termo futuro e incerto de difícil ou impossível concretização. O Crime se torna inevitável no interior de sociedades democráticas e capitalistas. Da postulação derivam duas consequências nefastas : o criminoso nunca é o algoz ou responsável por seus atos, é vítima de um sistema e de uma sociedade injustos; por isso, a aplicação de qualquer tipo de pena é injustificável. Esquecem os especialistas em sua postulação que a pobreza e a desigualdade social não são as “causas” do Crime que atormentam nossa população (aliás , especialista que fala em causa sequer tem noção do que está falando - depois explico). A adesão dos criminosos nacionais ao mundo do crime (em sua maioria), dá-se pela ganância, avareza e cobiça. O lucro fácil é a meta do criminoso. É o que apontam as pesquisas do grande professor doutor Pery Shikida.

7. Desmilitarizar as polícias ... Hein? Proposta absolutamente sem sentido. O treinamento das policias militares está adequado à missão que devem cumprir e à preservação dos direitos e garantias individuais. Qualquer desvio é severamente punido. Portanto, essa pauta não é de Segurança Pública, é apenas ideológica. A única coisa que se conseguirá com a tal desmilitarização é a possibilidade dos policiais militares fazerem greve..a população do Espírito Santo e da Bahia que passaram por greves assim que o digam sobre os desastrosos resultados.

Conclusão...cuidado com os discursos fofos!

O autor é Procurador de Justiça no MP/RS
 

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  • Ives Gandra da Silva Martins
  • 15 Setembro 2018

 

A vida humana é o maior dos direitos, resguardado pela nossa Constituição como sendo inviolável (art. 5º, “caput”). Ainda assim, está novamente em pauta a discussão sobre o suposto direito que a mulher teria de continuar, ou não, a gravidez até o 3º mês.

No momento, está em curso na Suprema Corte a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº 442, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, por meio da qual se objetiva liberar o homicídio uterino, sob a alegação de que uma das grandes conquistas do Século XXI foi a liberação da mulher de ser dona de seu próprio corpo.

Tal argumento é, no mínimo, contrário à biologia, pois no momento da concepção, todo o corpo da mulher é adaptado para o desenvolvimento do zigoto (primeira célula da união entre o espermatozoide e o óvulo), que impõe suas regras naturais até seu nascimento. Não sem razão, o Código Civil (art. 2º) declara que todos os direitos do nascituro estão assegurados desde a concepção. Seria ridículo dizer que todos os direitos estão assegurados, menos o direito à vida!

Acresça-se o fato de que o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica - tratado internacional de direitos fundamentais (art. 4º), que reconhece começar a vida na concepção -, que foi incorporado ao direito interno (art. 5º, § 2º).

Além de tudo isso, o STF não pode legislar, nem mesmo nas ações de inconstitucionalidade por omissão do Congresso (art. 103 § 2º). Este comando constitucional é tão relevante que atribuiu ao Legislativo o poder de anular invasões em sua competência, dependendo apenas da vontade política dos congressistas ou da pressão popular (art. 49, inciso XI).

Uma democracia em que a tripartição de poderes não se faça nítida, deixando de caber ao Legislativo legislar, ao Executivo executar e ao Judiciário julgar, corre o risco de se tornar ditadura, se o Judiciário, dilacerando a Constituição, atribua-se o poder de invadir as funções de outro Poder.

Outro ponto que não pode ser relevado é o referente à dor do nascituro. Bernard Nathanson, em seu livro “The hand of God”, explica que, como médico, dirigiu pessoalmente cerca de 75 mil abortos nos Estados Unidos, mas começou a repensar o assunto em 1974, quando passou a ser um defensor da vida. Nesse livro, refere-se aos diversos métodos abortivos e ao consequente sofrimento causado ao feto. Ao descrever, por exemplo, o sistema de aspiração, relata que no momento em que um aspirador foi introduzido no útero materno, o feto procurou desviar-se e seus batimentos cardíacos quase dobraram, quando o aparelho o encontrou. Assim que seus membros foram arrancados, sua boca abriu-se, o que deu origem ao título de um outro estudo do mesmo médico: “O grito silencioso”.

Relata, ainda, que no método da injeção com substância salina, injetase o veneno no feto que leva mais de uma hora para morrer, expelindo a mãe um filho morto por envenenamento, em torno de 24 horas depois. Nos casos em que a criança já tem cerca de um quilo, o método é a cesariana e, depois, como ocorre nos abortários americanos, deixa-se a criança morrer, numa lata de lixo, apesar de ter nascido viva. A verdade é que nenhum método elimina a dor do nascituro, tanto que há quem levante a possibilidade de anestesiá-lo antes de dar continuidade à morte programada.

É preocupante, portanto, que, mesmo devendo ser guardião de uma Constituição que valoriza a vida, o STF se julgue na competência de substituir o Legislativo para autorizar que a pena de morte seja discricionariamente declarada aos que cometeram um único crime, qual seja: o de viver.

* Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito da Universidade Mackenzie

** Publicado originalmente no Estadão, em 05/09.

 

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  • Luiz Carlos Da Cunha
  • 15 Setembro 2018

 

A demografia é um fato dinâmico e mutante. Há cem mil anos, desde quando grupos tribais se evadiram das savanas africanas e espraiaram-se pelos continentes batizados de Europa e Ásia, nossa espécie evoluiu entre a estabilidade temporal proporcionada pelos recursos alimentares suficientes do meio e o deslocamento forçado pela fome, quando o meio se deprime.

Assim, nessa instabilidade milenar foram se formando os domínios geográficos que chamamos nações. O progresso tecnológico impulsionou e facilitou os deslocamentos humanos na conquista da terra produtiva ou no assalto ao território alheio. As migrações avassaladoras, que assustam hoje países cultural e economicamente estabilizados da Europa, primam pela quantidade e persistência. São hordas expulsas de suas terras pela guerra, sêde e fome. O ódio religioso ou étnico, que gera milhares de funâmbulos em busca de abrigo, pode mascarar a dialética pré-histórica da balança instável do alimento - população.

O mesmo fenômeno dirige outras espécies vivas. Foi o inglês Robert Malthus, misto de matemático e religioso que ousou no século XIX alertar para o desequilíbrio entre a população crescente e sua capacidade da produção alimentar. Até a metade do século passado a equação malthusiana adormeceu desconsiderada ante o progresso da agronomia científica e o domínio da genética, que promoveram a produtividade agrícola a níveis jamais sonhados. Porém, passados intervalos de fartura, sobreveio novo impasse. A expansão populacional do islamismo no Oriente Médio e principalmente na África, seja pela promiscuidade, seja pela poligamia, dilatou o desequilíbrio geográfico e demográfico. Neste continente se agrava o drama da fome e doença num território exaurido pela exploração exaustiva do solo, a devastação florestal, a inclemência do clima, o primitivismo agrícola dominante na região sub-saariana e central, num paroxismo de carência que fertiliza a brutalidade letal do fanatismo religioso.

Na degradação da paisagem e da espécie, reponta denunciador em seus 950 milhões de habitantes, o mais alto índice de natalidade mundial - 35,2% e o maior índice reprodutivo – 2,17 % a/ano. A do Brasil é 1,61 a.a. naquele continente a equação de Malthus ressurge vigorosa – a população cresce geometricamente comparável ao alimento disponível pela aritmética. Os pratos da balança distanciam-se perigosamente a mostrar na tragédia dos flagelados da guerra e da fome afoitando-se ao mar na busca desesperada da Europa, ajoelhada ante o desafio ético: acolhe-los cristãmente ou repeli-los racionalmente? Garantir a sobrevivência da civilização cristã, assentada na solidariedade aos fracos, condenando-os ao afogamento, ou abrigar sua potencial destruição?

* Escritor
 

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