Milhões de brasileiros estão unidos por um pensamento. Deixar o país. Sair para viver e trabalhar, principalmente nos Estados Unidos e Portugal. É resultado de uma pesquisa do Datafolha, divulgada há poucos dias. A maior parte, jovens entre 16 e 24 anos. Nessa faixa etária, 60% dos jovens pesquisados gostariam de ir embora. Entre 25 e 34 anos, metade dos brasileiros ouvidos gostariam de abandonar o país. Entre 35 e 44 anos, 44% sonham em deixar o Brasil. De 45 a 59 anos, um em cada três pesquisados pensam em ir embora. Entre os acima de 60 anos, um em cada quatro. Como se nota, na medida em que a idade avança, em que as pessoas têm mais compromissos familiares, empresariais, laborais - raízes, enfim - o percentual diminui. Mas entre os jovens que buscam oportunidades, seis em cada dez gostariam de ir embora.
As razões dessa idéia de tanta gente são muitas. Jovens que já estudaram no exterior e experimentaram mais segurança, mais valorização ao conhecimento e a ciência, mais oportunidades de melhores salários, voltam e ficam chocados. Brasileiros que passaram a viajar mais para o exterior, ficaram conhecendo ambiente mais organizado, mais seguro, mais previsível. Os de mais idade fazem planos para uma aposentadoria longe de assaltos, balas perdidas, trânsito caótico; em lugares onde possam passear, sair à noite, ir a restaurantes e a espetáculos com mais frequência. Todos dizem que fora do Brasil e vida é mais barata e, óbvio, mais segura.
As gerações mais jovens são o maior patrimônio de uma nação; elas são a garantia de sobrevivência, de continuidade, de futuro. Por isso, uma país como Portugal, nossa matriz, abre as portas para jovens com conhecimento. Com 11 milhões de habitantes e natalidade baixa, Portugal incentiva a vinda de jovens bem formados, que vão ser cidadãos úteis e produtivos para o país. Nossa pátria-mãe tem noção de algo que o Brasil parece ter perdido. Interessante que haja milhares de brasileiros ilegais nos Estados Unidos - calculam em mais de 100 mil - que fugiram do país cheio de leis trabalhistas para buscarem emprego no país que não tem leis trabalhistas.
O que está havendo conosco? Que desânimo é esse? O que perdemos ou o que nos tiraram? Já que estamos em Copa do Mundo, lembro do tricampeonato no México, em 1970. Eu tinha quase 30 anos e testemunhei o entusiasmo do “Pra Frente Brasil”, do “80 Milhões em Ação”, que ajudou a fazer o Milagre Econômico: o país cresceu, por três anos consecutivos, à média de 11,2% ao ano - um crescimento chinês. Não havia desemprego. Atividade econômica plena. Por puro entusiasmo, que mandava os que pegaram em armas para implantar aqui uma ditadura socialista(como conta um deles, Fernando Gabeira), irem embora: “Brasil, ame-o ou deixe-o” dizia o plástico nos vidros de grande parte dos automóveis. Pois agora querem deixar o país aqueles que o amam. Uma tragédia.
* Publicado originalmente em http://www.sonoticias.com.br/coluna/o-nosso-desanimo
Em seu esforço de criar um novo homem, tudo o que a modernidade conseguiu foi inventar jovens sem heroísmo e sem coragem; velhos sem sabedoria e sem maturidade; mulheres sem caridade, sem beleza e sem graciosidade; e homens sem virilidade, sem honra e sem senso de dever.
Os modernos criaram uma vida sem vitalidade e sem propósito, produzindo uma sociedade adoentada e incapaz de transcender o animalismo sensorial mais rasteiro.
Se nascemos nesta época de degeneração e decadência, no entanto, não nos cabe lamentar ou nos refugiar em algum tipo de saudosismo lamurioso, mas sim agir e viver como quem compreende que a grandeza da civilização tem muito menos a ver com as riquezas que ela legou aos nossos antepassados do que com os esforços que nossos antepassados fizeram para enriquecê-la — se algum dia nossa decadência for revertida, certamente não será pela ação de políticos ou de instituições, mas pela virtude das personalidades e pela revigoração das famílias, por meio da grandeza do coração materno, da força da honra paterna, da exuberância do espanto juvenil e da indispensável ajuda divina.
• Reproduzido de http://www.olavodecarvalho.org/filipe-g-martins/
Disrupção significa a quebra ou descontinuidade de um processo estabelecido. O termo está em voga para caracterizar o impacto das novas tecnologias sobre a vida cotidiana, o mundo do trabalho e a economia. Mas, se todas essas dimensões da vida humana estão mudando sob impacto das novas tecnologias, como imaginar que a política ficaria imune à mudança?
Vamos, portanto, tentar iluminar algumas dimensões do que se passa na política brasileira para demonstrar que o sistema político tradicional, os analistas acadêmicos e os comentaristas políticos da mídia, em sua maioria, não estão entendendo o que se passa e, consequentemente, perderam a capacidade de antecipar cenários e agir estrategicamente.
Comecemos listando algumas categorias que costumam organizar o pensamento e/ou a ação desses analistas ou atores políticos. São elas:
• Presidencialismo de Coalisão: pressuposto de que a única forma de vencer eleições e governar o Brasil é através da formação de amplas coligações eleitorais, e, após a vitória; da cooptação da maioria do parlamento através do loteamento do governo;
• Governabilidade e consenso social: pressuposto segundo o qual somente é possível governar sob uma conjuntura de estabilidade política, social e financeira, em que o poder executivo pode exercer plenamente as suas atribuições a partir da formação de consensos sociais mínimos que limitam o que é possível fazer como governo;
• Regras eleitorais: pressuposto de que tempo de TV e acesso ao fundo partidário são centrais para determinar a força política de um candidato;
• Estruturas e articulações: pressuposto de que coligações; palanques regionais; presença em governos; bancadas de apoio oferecem preponderância e vantagem competitiva aos candidatos; e,
• Direita-Centro-Esquerda: pressuposto segundo o qual seria possível entender o comportamento dos eleitores e dos atores políticos a partir de parâmetros ideológicos;
• "Lua de Mel" com o eleitorado: pressuposto segundo qual o recém-eleito terá o primeiro ano de governo como período em que desfrutará de apoio popular para implementar reformas estruturais impopulares.
Salvo algum lapso, esses são os parâmetros que pautam o comportamento tático-estratégico dos atores políticos tradicionais e, da mesma forma, o viés das análises políticas de acadêmicos e comentaristas políticos. Afirmar, portanto, que essa é uma eleição disruptiva implica em aventar a hipótese de que o comportamento dos eleitores não obedecerá aos limites em que se imagina possível encarcerá-los com o fim de entender suas condutas e vencer a eleição a partir desses pressupostos.
A primeira grande interrogação que põe em xeque essas categorias provém da estranheza e incerteza que esses mesmos atores e analistas políticos tradicionais revelam ao falarem sobre a conjuntura política e tentarem seus prognósticos eleitorais.
A segunda interrogação provém da incerteza sobre o peso que a campanha na internet terá nessa eleição em comparação com as anteriores em que as mídias tradicionais ainda foram dominantes.
E, finalmente, a terceira interrogação provém do pouco analisado potencial mobilizador das forças sociais que operam no tabuleiro político para além dos partidos, sindicatos e organizações sociais e políticas tradicionais.
Quais seriam, então, os indicadores de que esta será uma eleição disruptiva?
As eleições fora de época no Amazonas e Tocantins revelaram índices recorde de não-voto (soma de abstenções, nulos e brancos), da ordem de cerca de 40% no primeiro turno e 50% no segundo turno. Esses índices coincidem com as projeções de todos os institutos de pesquisa sobre os índices de não-voto das próximas eleições.
Pesquisas qualitativas feitas pelos partidos revelam um eleitor desalentado, descrente, cético, desconfiado e com raiva da classe política, mas, também, da instituição do Judiciário, percebido com conivente, senão cúmplice, da corrupção, notadamente do caso do STF.
Os dois candidatos que lideram as pesquisas de todos os institutos com Lula fora da eleição, Jair Bolsonaro e Marina Silva, ainda que não sejam outsiders, são percebidos como "não políticos", ou, pelo menos, como não comprometidos com os esquemas políticos tradicionais.
Nenhum dos nomes lançados ao tabuleiro das especulações e balões de ensaio como possíveis candidatos do establishment, vulgo "centro", consegue decolar nas pesquisas eleitorais ou mesmo empolgar demais partidos tradicionais para formar alianças ao velho estilo, percebidas por esses atores como fundamentais para viabilizar um projeto eleitoral.
O presidente da República, ainda que se movimente como articulador, melhor fará para viabilizar alguma candidatura do estabilshment se desaparecer da cena eleitoral. Ainda que a caneta presidencial possa operar a favor de algum dos nomes de sua simpatia, tudo indica que esse "cabo eleitoral" terá muito menos relevância do que já teve em qualquer outra eleição após o governo Sarney.
Quais são as novidades no cenário eleitoral:
1 – As mídias sociais deslocaram o poder das organizações tradicionais para as mãos de indivíduos e movimentos cívicos de novo tipo, que nada têm em comum com os ativistas e "movimentos sociais" do passado, todos cooptados pelo Estado ao longo dos 13 anos de governos petistas.
As estratégias de segmentação da comunicação nas mídias digitais, notadamente através dos dark posts no Facebook e a troca de mensagens no Whatsapp, são muito difíceis de ser percebidas para quem está fora das redes sociais reais do ativismo. Esse é um ingrediente causador de surpresas e que introduz enorme imprevisibilidade ao comportamento dos eleitores.
2 – O fim do imposto sindical desidratou os cofres dos sindicatos abalando fortemente a capacidade de financiamento eleitoral dos partidos de esquerda. Ciro Gomes cresce em densidade buscando aliança com o PSB e conquistando a adesão de franjas dos partidos tradicionais – especialmente no nordeste – na expectativa de herdar os votos de Lula com seu discurso de esquerda. Mas, o PT trava nessa eleição uma luta de vida ou morte e não pode deixar Ciro "roubar" "seu" eleitorado.
O PT é o segundo partido com maior acesso ao fundo eleitoral. Lula, segundo as pesquisas, pode alavancar Haddad como seu candidato ao patamar de 11%, acima de Ciro Gomes que pontua com cerca de 7%, e encostando em Marina, que não tem partido (a Rede é um gelatina que desanda na eleição), não tem fundo partidário e nem tempo de TV e não usa as mídias digitais de modo profissional. Todos esses fatores recomendam que não se deva menosprezar o potencial eleitoral do PT.
3 – A presença do ativismo de viés liberal-conservador é muito mais forte nas mídias sociais do que a tradicional militância de esquerda. E, o envolvimento da esquerda com a corrupção sob os governos petistas empurrou essas forças para a defensiva.
O ativismo liberal-conservador que derrubou o governo petista saiu das ruas, mas está vivo, ativo e mobilizado nas mídias digitais e em atividades de reflexão e formação política. Opinião pública não é estatística de pesquisa publicada; é resultado de um jogo de forças mobilizadas. Esse é um fator que pesará na definição da eleição presidencial e que está fora do radar dos analistas acadêmicos e da mídia, por uma simples razão: a maioria desses analistas e comentaristas é de esquerda e não tem conexão com as redes sociais desse novo ativismo. Logo, não o compreende e não consegue antecipar seus movimentos.
4 – As características da comunicação nas mídias digitais anteriormente referidas e essa postura cética, desconfiada e raivosa dos eleitores em relação ao sistema político tradicional conferem alto grau de imprevisibilidade ao curso da eleição.
Nos casos do Brexit, da eleição de Trump e do recente plebiscito sobre o acordo de paz com as FARC na Colômbia os eleitores fizeram questão de contrariar as "análises" predominantes na mídia, que é nitidamente enviesada à esquerda.
Um eleitor com esse tipo de sentimento tende a manter distância e frieza diante da eleição, mas está atendo e crítico para escolher seu candidato na última hora, criando um movimento massivo e rápido de convergência em direção ao escolhido. Nesse contexto, o ativismo digital da rede real dos seguidores de Bolsonaro, cujo discurso está em sintonia com esse sentimento do eleitor é um ativo que nenhum dos demais competidores têm, ainda que contratem as melhores agências de publicidade para fazer suas campanhas nas mídias digitais em cima da hora, como não se deve fazer, mas, como estão fazendo.
5 – Jair Bolsonaro é o candidato que possui os maiores índices de engajamento nas mídias sociais. Seus 13% de manifestações espontâneas de voto nas pesquisas de todos os institutos constituem-se numa força organizada, monolítica e descentralizada mais poderosa de qualquer partido político. Bolsonaro vem operando bem, também, na dimensão tradicional da política (coligação com tempo de TV, articulação com parlamentares individualmente; alianças e articulações com evangélicos e outras forças sociais, conquista da confiança de setores do empresariado).
Em janeiro desse ano eu mesmo aventei a hipótese de que Bolsonaro tivesse batido no seu teto e pudesse vir a cair nas pesquisas. Não foi o que aconteceu. As análises tradicionais partem do pressuposto de que, quando começar a campanha na TV, o candidato do centro (quem?) crescerá e Bolsonaro, devido ao seu discurso e postura, não apenas não crescerá em direção ao centro, como perderá parte dos eleitores no segmento que está além dos 13% de seu voto espontâneo. Todos os argumentos aqui listados sugerem que há grandes chances de esse tipo de análise dar com os burros n'água.
6 – Por fim, o eleito, seja quem for; supondo-se cerca de 50% de não-voto no segundo turno, será eleito, em tese, com uma maioria efetiva de cerca de 25%+1 dos votos válidos. Ou seja, terá baixa legitimidade para governar num cenário de crise fiscal grave que demanda reformas estruturais que necessariamente terão de contrariar fortes interesses organizados. "Lua de Mel"?
* Paulo G. M. de Moura é Cientista político
É ponto pacífico, no Brasil, que a nossa educação escolar vai mal. Já estamos habituados a indicadores alarmantes. A cada três anos, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) nos informa que os alunos brasileiros estão entre os piores do mundo no desempenho de ciências, leitura e matemática. Confrontados com esses e outros resultados igualmente ruins, especialistas em políticas públicas educacionais apontam falhas de investimento, planejamento ou gestão.
Não restam dúvidas de que a educação escolar brasileira vem sendo, há muito tempo, mal planejada e mal gerida. Pouco se discute, porém, um outro fator, anterior, e de certo modo determinante de todos os outros. Como estabelecer metas, planejar e gerir na ausência de um consenso social a respeito do papel que o tempo passado na escola cumpre na formação de uma pessoa? Afinal, para que serve a escola? Enquanto a sociedade não for capaz de enfrentar essa questão, só conseguiremos estabelecer metas equivocadas e metodologias confusas.
Educar uma criança é criar condições para que ela desenvolva o seu potencial da maneira mais elevada possível, com autonomia e liberdade, sempre na direção do que é bom, justo e verdadeiro. Isso envolve oferecer-lhe recursos tanto para uma boa formação moral e ética, quanto para a aquisição de uma bagagem cultural e intelectual que lhe permita transcender a sua realidade imediata. A educação de princípios e valores é responsabilidade de quem participa integralmente da vida da criança, de quem a ama o suficiente para ser capaz de aceitar, com paciência, o seu temperamento, o seu ritmo pessoal, os seus limites. É em casa que a criança deve ser levada a distinguir entre o certo e o errado, a adquirir noções de respeito, a se comportar de maneira adequada e civilizada, a desenvolver capacidades como empatia, respeito pelo outro, autocontrole, disciplina. Também é função da família a orientação religiosa, quando é o caso, e a critério próprio, assim como a preparação para o exercício da vida sexual, conjugal e parental no futuro. Quando esse tipo de orientação é dado na escola, é preciso que a família esteja a par e de acordo.
A escola, por sua vez, deve garantir o acesso da criança ao conjunto de conhecimentos universais acumulados pelas gerações anteriores, e estimular o desenvolvimento de habilidades que permitam o seu manejo inteligente e pessoalizado. Esse saber está distribuído nas disciplinas que chamamos de matemática, gramática, arte, literatura, ciências, história, geografia. Desde a Antiguidade, várias gerações de gente criativa e sábia vêm se dando ao trabalho de produzí-lo e organizá-lo, para que ele possa ser transmitido aos mais jovens. É esta, portanto, a função essencial da escola: mediar o acesso do aluno a esse corpo de conhecimentos compartilhados, de modo a ampliar os seus meios de compreensão e ação no mundo. Numa perspectiva mais pragmática, a tarefa é ajudar o estudante a formar uma base intelectual sólida, a partir da qual, posteriormente, ele poderá se dedicar seja à aprendizagem de saberes técnicos avançados, seja ao estudo aprofundado das próprias disciplinas acadêmicas.
Haverá, evidentemente, contextos e situações em que as ações da família e da escola vão confluir e se sobrepor. Sendo a escola um ambiente de interação humana intensa e regulada, as relações e trocas ali ocorridas podem e devem ajudar a formar positivamente o caráter da pessoa. Por outro lado, a família também transmite, quase que naturalmente, os seus conhecimentos a respeito do mundo real e da cultura. Porém, de uma maneira geral, o que vem ocorrendo hoje em dia é uma dupla demissão. Os pais transferem à escola a responsabilidade de educar integralmente a criança. E a escola, por sua vez, vem se recusando a cumprir a sua missão tradicional de instruir.
É cada vez mais difícil encontrar uma escola efetiva e prioritariamente comprometida com o ensino das disciplinas acadêmicas. Esse problema tem uma origem. Por volta dos anos sessenta, a escola foi deixando de ser pensada como lugar de transmissão do patrimônio de conhecimentos acumulados pela nossa civilização, passando a instrumento de crítica e desconstrução de seus princípios e valores. Isso se deu como desdobramento de um movimento político e intelectual de crítica massiva aos cânones da cultura ocidental. Originado em boa parte no mundo acadêmico, esse movimento tomou forma nítida na Europa e nos Estados Unidos no final dos anos 60, com a afirmação de uma série de agendas sociais específicas como o feminismo, a liberação sexual e a exaltação das culturas minoritárias ou marginais. A maioria das pautas dessa contracultura estava ligada, de alguma forma, à Nova Esquerda.
Ao aderir ao programa da contracultura esquerdista, a escola passou então a ser compreendida mais como um espaço de questionamento e desconstrução do que de instrução. Novas gerações de educadores começaram a ser formadas não mais com o propósito de ensinar os saberes de suas áreas e sim de promover, nos alunos, por meio de uma versão politizada desses saberes, o senso de que a cultura ocidental é fonte de injustiças e precisa ser transformada. Ao mesmo tempo, a escola tornou-se um laboratório de práticas pedagógicas libertárias, que desvalorizam o rigor, o mérito, o esforço, e a autoridade do professor, princípios nos quais se assentavam os sistemas de ensino tradicionais. A crítica à escola tradicional era parte da crítica à civilização ocidental.
Da mesma forma que buscou desconstruir as balizas pedagógicas anteriores, a escola começou a avançar em domínios que sempre foram da alçada da família, como, por exemplo, a educação sexual, que se tornou matéria curricular. Nessa empreitada, porém, a escola não só não se preocupou em pedir autorização aos pais, como passou a atuar à sua revelia, não raro infantilizando-os e colocando-se frente a eles em posição de superioridade moral. Importante lembrar que a família também é um dos alvos principais do movimento de desconstrução da cultura ocidental. E que o questionamento da autoridade parental é um dos meios mais eficazes de promover o esgarçamento da estrutura familiar. Essa pressão sobre a família, que teve efeitos concretos na própria relação entre pais e filhos, pode explicar, em parte, porque tantos pais, atualmente, são incapazes de educar. E pode explicar também o fato do ambiente escolar ter se tornado tão inadequado à aprendizagem: alunos indisciplinados, irreverentes, e eventualmente agressivos, porém tratados com complacência.
A educação escolar “não-cognitiva”, como definem os próprios pedagogos, espalhou-se por todo o Ocidente. No livro “A Escola dos Bárbaros” (1987), Isabelle Stal & Françoise Thom descrevem com detalhes todos os estragos feitos pela contracultura educacional no ensino público francês. Porém, é provável que, pelo menos no que diz respeito à dimensão mais propriamente cognitiva, o estrago tenha sido menor ali do que aqui, pois a França já contava com uma tradição sólida de valorização e transmissão do conhecimento antes dos anos sessenta. A situação do Brasil é bem diferente. A escola nem bem havia se universalizado quando abraçou o ideário da desconstrução. Além disso, a cultura brasileira já apresentava traços de anti-intelectualismo bem anteriores à crise do ensino escolar. A aversão brasileira ao estudo e ao conhecimento foi brilhantemente satirizada em nossa melhor literatura. Veja-se, por exemplo, os contos “A Teoria do Medalhão” de Machado de Assis, e “A Biblioteca”, de Lima Barreto. Em resumo, o nosso anti-intelectualismo apenas se aprofundou. E, nas últimas duas décadas, drasticamente.
Nossa escola está hoje dominada por uma mentalidade que não diferencia qualitativamente um texto de Camões de uma letra de funk. Os alunos não são apresentados aos clássicos da literatura, nem encorajados a memorizar conteúdos. O mérito e o esforço não são valorizados. Mas nada disso deve nos soar estranho, se lembrarmos que a pessoa escolhida por nossos educadores influentes para ser o “patrono da educação brasileira”, nos deixou, como legado, frases do tipo: “quem aprende ensina ao aprender, quem ensina aprende ao ensinar”, ou, ainda, “não há saber de mais ou saber de menos: só há saberes diferentes”. Hoje apenas colhemos os resultados de décadas de celebração desse tipo de pensamento representado por Paulo Freire: universitários incapazes de fazer conta, interpretar um texto de mínima complexidade ou apontar a capital de um estado brasileiro. Numa escola em que aprender e ensinar são a mesma coisa, ninguém ensina e ninguém aprende.
Nos casos em que a escola consegue dar aos alunos uma boa formação intelectual, é porque ainda existem professores e diretores honestos e amantes do conhecimento. Mas uma andorinha só não faz verão, como sabemos. E as exceções, como sempre, só fazem confirmar a regra. Escolas que apostam todas as fichas na transmissão de conteúdos são, em geral, olhadas com desdém e chamadas de “conteudistas”, como se isso não fosse o esperado de uma escola. A verdade é que podemos contar nos dedos as que estão verdadeiramente empenhadas na missão de transmitir conhecimento acadêmico e estimular nos alunos o rigor e a disciplina intelectual. Na maioria das vezes, o que temos é mediocridade disfarçada sob o alegado pretexto de “formar cidadãos”. Sempre que ouço ou leio esse slogan, penso que, se um dia eu precisar da ajuda da escola para fazer de meus filhos cidadãos, terei chegado ao nível mais baixo de minha autoestima parental – e pessoal.
O fato é que as famílias das camadas médias e altas sempre podem escolher, fiscalizar, exigir conteúdo, e cobrar resultados das escolas que recolhem suas mensalidades, enquanto as de baixa renda ficam de pés e mãos atados, mesmo quando não gostam do que estão vendo. É do seu lado – ou seja, na escola pública – que a corda arrebenta. Se do ponto de vista cultural/civilizacional mais amplo a catástrofe é geral e irrestrita, no que se refere às trajetórias individuais, a demissão intelectual da escola afeta de maneira mais direta e irreversível os estudantes cujas perspectivas de vida já são, de saída, mais limitadas. Amplia-se a desvantagem dos mais pobres e aprofunda-se a desigualdade social. No momento em que a escola se recusa a cumprir a missão para a qual foi criada, perde a preciosa oportunidade de transformar justamente a vida de quem possui menos recursos para prescindir dela.
*Antropóloga, titular do excelente blog infanciabemcuidada.com
Um amigo que se julga ateu ou não católico telefonou-me outro dia, e logo me atirou pelos fios esta pergunta aflita: "Meu caro C. me diga uma coisa: a Igreja antigamente era ou não era uma coisa muito inteligente?"
Ia responder-lhe com ênfase: "Era!" Mas enquanto vacilei alguns segundos meu amigo desenvolveu a idéia: "Olhe aqui. Eu bem sei que antigamente existiam padres simplórios, freiras tapadíssimas, leigos ainda mais simplórios e tapados. A burrice não é novidade, é antiqüíssima. Garanto-lhe que ao lado do artista genial que pintava touros nas cavernas de Espanha, anunciando há quarenta mil anos a brava raça de toureiros, havia dois ou três idiotas a acharem mal feita a pintura.
— Mas, calavam-se, disse eu.
E logo o meu amigo uivou uma exclamação que trazia na composição harmônica de suas vibrações todas as explosões da alma: a alegria, a angústia, a aflição de convencer, a tristeza de um bem perdido e até a cólera...
— Pois é! CALAAAVAM-SE!!!
Contei-lhe então uma história de antigamente. Teria eu dezoito ou dezenove anos, e meu heróis dezessete ou dezoito. Ele era o aluno repetente de uma escola qualquer, e eu seu "explicador" de matemática. Eu sentia a resistência tenaz que, dentro dele, se opunha às generalizações matemáticas. Ficava rubro, vexado e alagado de suor.
Recomeçava eu a explicar certo problema quando ele, numa decisão brusca, me deteve e suplicou:
— Explica devagar, devagarzinho, porque eu sou burro.
Na outra ponta do fio meu amigo de hoje explodiu:
— Que gênio! QUE GÊNIO!!
Era efetivamente genial aquele moço de antigamente. Não segui sua trajetória e não sei se ele hoje amadureceu e desabrochou aquele botão de sabedoria em flor, ou se virou idiota e portanto intelectual. O que pude garantir ao meu amigo não-católico é que antigamente a atitude média dos idiotas era tímida, modesta e respeitosa. E isto que se observava nas ruas, nas aulas particulares, nos salões de bilhar e nos clubes de xadrez, observava-se também na Igreja. De repente, em certo ângulo da história, mercê de algum gás novo na atmosfera, ou de algum fator ainda não deslindado, os idiotas amanheceram novos e confiantes. Já ouvi e li muitas vezes o termo "mutação" surrupiado das prateleiras da genética e aplicado à história, à Igreja, ao dogma e aos costumes. Dois ou três bispos franceses não sabem falar dez minutos sem usar o termo "um mundo em mutação".
Se mutação houve, estou inclinado a crer que foi naquele ponto a que atrás aludimos: os idiotas que antigamente se calavam estão hoje com a palavra, possuem hoje todos os meios de comunicação. O mundo é deles. Será genético o fenômeno e por conseguinte transmissível?
— "Receio muito", gemeu a voz de meu amigo, "você não leu os jornais da semana passada?"
— O quê? — perguntei com a aflição já engatilhada.
— A descoberta do capim!
Não tinha lido tão importante notícia, e o meu amigo explicou-me: um sábio, creio que dinamarquês, chegou à conclusão de que o capim é um dos melhores alimentos do homem. Meu amigo não me explicou que se tratava do Homo Sapiens, do Everlasting Man, de Chesterton, ou do Homo postconciliarius. Seja como for, dentro de quatro ou cinco anos teremos a humanidade de quatro e espalhada nos pastos.
* * *
Estas reflexões amaríssimas, como diria o "agregado" de Machado de Assis, vieram-me hoje ao espírito depois da leitura de La Documentation Catholique, e principalmente depois da casual leitura de um volume encontrado entre outros livros de vinte anos atrás: O personalismo, de Emmanuel Mounier.
Nunca lera nada desse personagem que fundou a revista Esprit e que fez escola. Abri a página 42 da tradução editada pela Livraria Duas Cidades e li: "O homem é um ser natural". Detenho-me nesta proposição seguida desta outra: "Será somente um ser natural?" E depois: "Será, inteiramente, um joguete da natureza?" Ora, é fácil de ver que nenhuma dessas proposições têm sentido, e nenhuma conexão se percebe entre elas. Ou então, se o leitor quiser ser mais exato, diremos que todo aquele fraseado joga com a polivalência te termos equívocos pretendendo com essa confusão transmitir ao desavisado adepto do "personalismo" um sentimento de profundidade ou de rara acuidade. O que quer dizer "um ser natural"? Dotado de natureza própria todos os seres o são, desde o átomo de hidrogênio até Deus. Tenho diante dos olhos o dorso de um livro de Garrigou-Lagrange: Dieu, son existance et sa nature. Logo, Deus é um ser natural. Se por natural se entende tudo o que pertence ao Universo criado, todos os seres, exceto o Incriado, serão seres naturais: a água, um gato, São Miguel Arcanjo. Se o termo natural se contrapõe a artificial, todos nós sabemos que um homem não é montado como um rádio de pilha, ou como uma máquina de costura. Logo, é um ser natural. Mas não se entende por que razão foi preciso fundar Esprit, lançar o progressismo, atirar-se nos braços do comunismo, comprometer Jacques Maritain, excitar tanta gente em torno de tão óbvia proposição.
Emmanuel Mounier já morreu coberto de glória há mais de dez anos. Podemos tranqüilamente dizer que era burro, apesar de tudo o que foi escrito em francês a seu respeito, como já podemos dizer tranqüilamente que Teilhard de Chardin era meio tantã. Dentro de cinqüenta anos ninguém mais saberá em que consistiu o "personalismo" de Mounier, ou o "phenomène humain" de Teilhard de Chardin. Essas obras foram o consolo e a volúpia de muitos leitores que, não entendendo nada do que liam, ao menos se aliviavam com este pensamento balsâmico: todos os livros são escritos para ninguém entender. E assim os idiotas do mundo tiveram um decênio ou dois de júbilo.
Passarão esses autores, mas se é verdadeira a descoberta das propriedades do capim, muitos novos autores surgirão a perguntar "se o homem é um ser natural". Já se houve o tropel... Mas — quem sabe — talvez o próprio capim, entre suas virtudes estudadas em Estocolmo ou Copenhague, entre duas Pornôs, traga uma espécie de calmante que nos devolva o genial tipo clássico do burro que se conhecia e que não fundava revistas católicas nem rasgava novos horizontes para a Igreja.
*Publicado em O Globo, 22/08/70 e em permanência.org
Um topos, ou “lugar-comum”, é um trecho da memória coletiva onde estão guardados certos argumentos estereotipados, de credibilidade garantida por mera associação de ideias, independentemente do exame do assunto. Muitos lugares-comuns formam-se espontaneamente, pela experiência social acumulada. Outros são criados propositadamente pela repetição de slogans, que se tornam lugares-comuns quando, esquecida a sua origem artificial, se impregnam na mentalidade geral como verdades auto-evidentes.
Os lugares-comuns não são um simples amontoado, mas organizam-se num sistema, que pode ser analisado e descrito mais ou menos como se faz com um complexo em psicanálise, e cujo conhecimento permite prever com razoável margem de acerto as reações do público a determinadas ideias ou palavras. Contando com essas respostas padronizadas, o argumentador pode fazer aceitar ou rejeitar certas opiniões sem o mínimo exame, de modo que, à simples menção das palavras pertinentes, a catalogação mental se faz automaticamente e o julgamento vem pronto como fast food. A impressão de certeza inabalável é então inversamente proporcional ao conhecimento do assunto, e o sentimento de estar opinando com plena liberdade é diretamente proporcional à quota de obediente automatismo com que um idiota repete o que lhe ditaram.
É claro que para isso é preciso começar o adestramento bem cedo. Daí a insistência de Antônio Gramsci na importância da escola primária. Também é preciso que algumas crenças sejam inoculadas sem palavras, através de imagens ou gestos, de modo que não possam ser examinadas pela inteligência reflexiva sem um penoso esforço de concentração que poucas pessoas se dispõem a fazer. Assim é possível consolidar reações tão padronizadas e repetitivas que, em certas circunstâncias, um simples muxoxo ou sorriso irônico funciona como se fosse a mais probante das demonstrações matemáticas.
Se as pessoas soubessem a que ponto se humilham e se rebaixam no instante mesmo em que orgulhosamente creem exercer sua liberdade, elas não atenderiam com tanta presteza ao convite de dizer o que pensam, ou o que pensam pensar. É por amor a esse tipo de liberdade barata que os jovens, sobretudo, se dispõem a servir aos revolucionários que os lisonjeiam.
Para desgraçar de vez este país, a esquerda triunfante não precisa nem instaurar aqui um regime cubano. Basta-lhe fazer o que já fez: reduzir milhões de jovens brasileiros a uma apatetada boçalidade, a um analfabetismo funcional no qual as palavras que leem repercutem em seus cérebros como estimulações pavlovianas, despertando reações emocionais à sua simples audição, de modo direto e sem passar pela referência à realidade externa.
Há quatro décadas a tropa de choque acantonada nas escolas programa esses meninos para ler e raciocinar como cães que salivam ou rosnam ante meros signos, pela repercussão imediata dos sons na memória afetiva, sem a menor capacidade ou interesse de saber se correspondem a alguma coisa no mundo.
Um deles ouve, por exemplo, a palavra “virtude”. Pouco importa o contexto. Instantaneamente produz-se em sua rede neuronal a cadeia associativa: virtude-moral-catolicismo-conservadorismo-repressão-ditadura-racismo-genocídio. E o bicho já sai gritando: É a direita! Mata! Esfola! “Al paredón!”
De maneira oposta e complementar, se ouve a palavra “social”, começa a salivar de gozo, arrastado pelo atrativo mágico das imagens: social-socialismo-justiça-igualdade-liberdade-sexo-e-cocaína-de-graça-oba!
Não estou exagerando em nada. É exatamente assim, por blocos e engramas consolidados, que uma juventude estupidificada lê e pensa. Essa gente nem precisa do socialismo: já vive nele, já se deixou reduzir à escravidão mental mais abjeta, já reage com horror e asco ante a mais leve tentativa de reconduzi-la à razão, repelindo-a como a uma ameaça de estupro. Tal é a obra educacional daqueles que, trinta anos atrás, posavam como a encarnação das luzes ante o obscurantismo cujo monopólio atribuíam ao governo militar.
Milhares de seitas pseudomísticas, armadas de técnicas de programação neolinguística e lavagem cerebral, não obtiveram esse resultado. Ele foi obra de educadores pagos pelo Ministério da Educação, imbuídos da convicção sublime de serem libertadores e civilizadores. O mal que isso fez ao país já é irreparável. Supondo-se que todos esses adestradores de papagaios fossem demitidos hoje mesmo, e se inaugurasse um programa nacional de resgate das inteligências, trinta ou quarenta anos se passariam antes que uma média razoável de compreensão verbal pudesse ser restaurada. Duas gerações ficariam pelo caminho, intelectualmente inutilizadas para todo o sempre.
É em parte por estar conscientes disso que esses mesmos educadores são os primeiros a advogar a liberação das drogas. Eles sabem que o lindo Estado assistencial com que sonham necessitará largar na ociosidade uma boa parcela da população, danificada, incapacitada, sonsa. Para que não interfira na máquina produtiva, será preciso tirá-la do espaço social, removê-la para os mundos lúdicos e fictícios onde o preço do ingresso é um grama de pó. Na sociedade futura, a recompensa daqueles que consentiram em ser idiotizados para fazer número na militância já está garantida: cafungadas e picos de graça, sob os auspícios do governo, e liberdade para transar nas vias públicas, sob a proteção da polícia, ante um público tão indiferente quanto à visão banal de uma orgia de cães em torno de um poste.
Mas não é precisamente isso o que desejam? Não é essa a essência do ideal socialista que anima seus corações?
Publicado originalmente em http://www.olavodecarvalho.org/o-futuro-da-bocalidade/
e em O Globo, 2 de dezembro de 2000