“Quando for escrita a história econômica do Brasil nos últimos 50 anos, várias coisas estranhas acontecerão. A política de autonomia tecnológica em informática, dos anos 70 e 80, aparecerá como uma solene estupidez, pois significou uma taxação da inteligência e uma subvenção à burrice dos nacionalistas e à safadeza de empresários cartoriais. Campanhas econômico-ideológicas como a do ‘o petróleo é nosso’ deixarão de ser descritas como uma marcha de patriotas esclarecidos, para ser vistas como uma procissão de fetichistas anti-higiênicos, capazes de transformar um líquido fedorento num ungüento sagrado. Foi uma ‘passeata da anti-razão’ que criou sérias deformações culturais, inclusive a propensão funesta às ‘reservas de mercado’.
A criação do monopólio estatal de 1953 foi um pecado contra a lógica econômica. Precisamente nesse momento, o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, mendigava um empréstimo de US$ 300 milhões ao Eximbank, para cobertura de importações correntes (inclusive de petróleo). A ironia da situação era flagrante: de um lado, o país mendigava capitais de empréstimos que agravariam sua insolvência, de outro, pela proclamação do monopólio estatal, rejeitava capitais voluntários de risco. Ao invés de sócios complacentes(cuja fortuna dependeria do êxito do país), preferíamos credores implacáveis (que exigiriam pagamento, independentemente das crises internas). Esse absurdo ilogismo levou Eugene Black, presidente do Banco Mundial, a interromper financiamentos ao Brasil durante cerca de dez anos (com exceção do projeto hidrelétrico de Furnas, financiado em 1958). Houve outros subprodutos desfavoráveis.
Criou-se uma cultura de ‘reserva de mercado’, hostil ao capitalismo competitivo. Surgiu uma poderosa burguesia estatal que, protegida da crítica e imune à concorrência, acumulou privilégios abusivos em termos de salários e aposentadorias.
Criou-se uma falsa identificação entre interesse da empresa e interesse nacional, de sorte que a crítica de gestão e a busca de alternativas passaram a ser vistas como traição ou impatriotismo.
Vistos em retrospecto, os monopólios estatais de petróleo, que se expandiram no Terceiro Mundo nas décadas de 60 e 70, longe de representarem um ativo estratégico, tornaram-se um cacoete de países subdesenvolvidos na América Latina, África e Médio Oriente. Nenhum país rico ou estrategicamente importante, nem do Grupo dos 7 nem da OCDE, mantém hoje monopólios estatais, o que significa que os monopólios não são necessários nem para a riqueza nem para a segurança estratégica.
Essas considerações me vêm à mente ao perlustrar os últimos relatórios da Petrossauro. Ao contrário de suas congêneres terceiro-mundistas, que são vacas-leiteiras dos respectivos Tesouros, a Petrossauro sempre foi mesquinha no tratamento do acionista majoritário. Tradicionalmente, a remuneração média anual do Tesouro, sob a forma de dividendos líquidos, não chegou a 1% sobre o capital aplicado. Após a extinção de jure do monopólio, em 1995 (ele continua de facto), e em virtude da crítica de gestão e da pressão do Tesouro falido, os dividendos melhoraram um pouco, ma non troppo.
Muito mais generoso é o tratamento dado pela Petrossauro à Fundação Petros, que representa patrimônio privado dos funcionários.
A empresa é dessarte muito mais um instituto de previdência, que trabalha para os funcionários, do que uma indústria lucrativa, que trabalha para os acionistas. Aliás, é duvidoso que a Petrossauro seja uma empresa lucrativa. Lucro é o resultado gerado em condições competitivas. No caso de monopólios, é melhor falar em resultados. Quanto à Petrossauro, se fosse obrigada a pagar os variados tributos que pagam as multinacionais aos países hospedeiros — bônus de assinatura, royalties polpudos, participação na produção, Imposto de Renda e importação — teria que registrar prejuízos constantes, pois é alto seu custo de produção e baixa sua eficiência, quer medida em barris/dia por empregado, quer em venda anual por empregado.
Examinados os balanços de 1995 a 1998, verifica-se que o somatório dos dividendos ao Tesouro (pagos ou propostos) alcançam R$ 1,606 bilhão, enquanto que as doações à Petros atingiram 2,054 bilhões.
Considerando que o Tesouro representa 160 milhões de habitantes e vários milhões de contribuintes, enquanto que a burguesia do Estado da Petrossauro é inferior a 40 mil pessoas, verifica-se que é o contribuinte que está a serviço da estatal e não vice-versa.
Nota-se hoje no Governo uma perigosa tendência de postergação das privatizações seja na área de petróleo, seja na área financeira, seja na eletricidade. É um erro grave, que põe em dúvida nosso sentido de urgência na solução da crise e nossa percepção dos remédios necessários. A privatização não é uma opção acidental nem coisa postergável, como pensam políticos irrealistas e burocratas corporativistas.É uma imposição do realismo financeiro. Há duas tarefas de saneamento imprescindíveis. A primeira consiste em deter-se o ‘fluxo’ do endividamento (o objeto mínimo seria estabilizar-se a relacão endividamento/PIB). Essa é a tarefa a ser cumprida pelo ajuste ‘fiscal’.
A segunda consiste em reduzir-se o estoque da dívida. Esse o objetivo da reforma ‘patrimonial’, ou seja, a ‘privatização’.
Não se deve subestimar a contribuição potencial da reforma patrimonial para a solução de nosso impasse financeiro.
Tomemos um exemplo simplificado.
Apesar da crise das Bolsas, a venda do complexo Petrossauro-BR Distribuidora poderia gerar uma receita estimada em R$ 20 bilhões.
Considerando-se que a rolagem da dívida está custando ao Tesouro 40% ao ano, uma redução do estoque em R$ 20 bilhões, representaria uma economia a curto prazo de R$ 8 bilhões. Isso equivale a aproximadamente 20 anos dos dividendos pagos ao Tesouro pela Petrossauro na média do período 1995-1998 (a média anual foi de R$ 401,7 milhões).
Se aplicarmos o mesmo raciocínio à privatização de bancos estatais e empresas de eletricidade, verificaremos que a solvência brasileira dificilmente será restaurada pela simples reforma fiscal. Terá que ser complementada pela reforma patrimonial.
É perigosa complacência a atitude governamental de que a reforma fiscal é urgente e a reforma patrimonial postergável. É dessas complacências e meias medidas que se compõe nossa lamentável, repetitiva e humilhante crise existencial.”
*Publicado originalmente no Jornal do Commercio em 21/03/1999.
Movimento paradista dos motoristas autônomos e empresários do ramo de transporte de carga.
Desabastecimento em curso e tendendo a piorar. Pauta de reivindicações difusa: uns juram que tudo se resume a uma espécie de desobediência civil, no taxation without representation, algo como “não aceito tributação de governo ilegítimo”; outros clamam explicitamente pela derrubada dos poderes constituídos, por intervenção militar, por revolução. Não há uma terceira via implorando por desestatizações e desregulamentações.
Eis o cenário em que vivemos há uma semana. Não apoiar os caminhoneiros até é uma opção tolerável para o sujeito, desde que ele aceite, após ouvir uma chuva de impropérios, responder ao seguinte questionamento:
Você passa a vida reclamando de impostos e defendendo corte de gastos públicos. Agora que alguém resolveu protestar você posiciona-se contra, na forma e no mérito. O que deve ser feito então, seu direita gravata borboleta acomodado?
Uma pergunta direta e reta merece uma resposta com as mesmas características. Pois bem, xará, eis as medidas que podem ser adotadas diante do mastodonte que se tornou a máquina estatal brazuca:
1) No longo prazo: NUNCA MAIS vote em qualquer candidato de esquerda, nem para síndico. Ainda que ele esconda sua verdadeira face estatizante, identifique-o quando prometer resolver problemas criando mais secretarias e aprovando mais leis. Governo bom é governo que não atrapalha os agentes produtivos e protege a vida, a propriedade privada e a liberdade. Só. Pedir mais para políticos é ficar sem nada.
2) No médio prazo: ajude a mudar a mentalidade propensa ao assistencialismo e ao paternalismo estatais de nosso povo, pois foi ela quem deu azo ao surgimento deste Leviatã, deste aparato burocrático que nos sufoca e impede o enriquecimento das pessoas por meio do próprio esforço. Dê suporte financeiro a think tanks e formadores de opinião liberais e conservadores, pois foi assim que Hayek preparou o terreno para a ascensão da Dama de Ferro na Inglaterra, quando o Reino Unido atravessava um período onde o socialismo parecia que ia domina-lo?—?e não trancando rodovias. Sem esta transformação de paradigmas, é fantasioso esperar mudanças perenes nos rumos da política.
3) No curto prazo, temos duas alternativas:
A) Aguentar a jiromba no lombo até que as providências supracitadas surtam efeito?—?mesmo porque nós, na condição de brasileiros que passaram a vida toda elegendo quem mentisse mais e de maneira mais agradável aos ouvidos, também somos responsáveis pelo atual estado de coisas. Sabem quem seria capaz de resolver em um mês problemas que passamos décadas fomentando? Somente indivíduos a quem venhamos a conceder de bom grado poderes supraconstitucionais?—?o que nos conduz à segunda opção;
B) Instigar o ímpeto revolucionário por toda a nação. Cobrar a renúncia do Presidente. Exigir isencões fiscais e tabelamento de preços semeando caos e desordem. Demandar mais intervenção estatal na economia para sanar o conflito que o excesso de Estado pariu. Pleitear menos impostos e mais direitos positivos universais ao mesmo tempo. Jogar tudo para o alto torcendo para que não caia na mão de sabe Deus quem. Tudo ou nada. Faça votos de que experimentemos uma Revolta do Chá e não uma Revolução Francesa?—?muito embora nossa elite intelectual ainda seja predominantemente composta por esquerdistas e nossa população ainda acredite piamente que tudo não passa de uma questão de alocar as pessoas “certas” nos cargos certos e tudo ficará bem (inclua-se aí boa parte dos oficiais das Forças Armadas, que estão muito longe de Pinochet e sua crença no livre mercado). Derrube o sistema sem um projeto para por no lugar. Grite que “Se não fosse pela corrupção, tinha dinheiro até pra mais welfare state”…
Eu escolho 1, 2 e 3A. Se você curtiu o 3B, vá em frente, mas permita que eu me limite a rezar para que sua aventura urbana termine logo e com o mínimo possível de baixas…
*Publicado originalmente em https://medium.com/@rickbordan/greve-dos-caminhoneiros-a-verdade-nua-crua-e-peladona-7f5ac9691d08
RETORNO A RECESSÃO
Pelo andar da carruagem econômica (o termo -carruagem- cai como uma luva), o nosso empobrecido Brasil, que entrou, tecnicamente, em RECESSÃO no segundo trimestre de 2015 e lá permaneceu por oito trimestres seguidos, dá a impressão de que, por vontade e/ou interesse de grande parte dos nossos congressistas, os cavalos estão sendo alimentados para a viagem de RETORNO AO INFERNO.
ULTRAPASSOU O LIMITE
Tudo leva a crer, infelizmente, que ainda levará muito tempo para que a sociedade entenda e, enfim, se convença, de que o ESTADO BRASILEIRO, definitivamente, já ultrapassou o limite da possibilidade de ser sustentado pelo povo.
DESPESAS PÚBLICAS
Este problema -gravíssimo-, é bom que todos entendam, não nasceu neste governo. As DESPESAS PÚBLICAS passaram a crescer, de forma absurda e irresponsável a partir da proclamação da Constituição de 1988. Desde então, a maioria dos deputados e senadores eleitos, sem dar a mínima para o que viria a acontecer no futuro, que já virou presente, resolveu ser ainda mais perverso com os pagadores de impostos.
AGRAVAMENTO COM O PT
Volto a afirmar: o problema não está neste governo. Entretanto, é sempre importante lembrar que foi nos governos Lula e Dilma Petistas que as coisas se agravaram de forma geométrica. A ponto de fazer com que os rombos provocados pela CORRUPÇÃO (marca registrada do PT) fossem considerados como -café pequeno- diante da má condução na administração do país.
O GRANDE PROBLEMA
Pouquíssimos brasileiros se deram conta de que a causa maior, ainda que não seja única, é o tamanho da folha dos servidores públicos (inativos, principalmente) recheada de privilégios. A solução deste grave problema, infelizmente, não está no alcance de nenhum governante. Eles só têm o poder de AUMENTAR o problema (e até fazem isso com gosto). DIMINUIR, jamais.
Este grave PROBLEMA, que foi CRIADO COM A APROVAÇÃO DE TODOS OS PARLAMENTOS, levou a esta atual situação desesperadora, onde a arrecadação de impostos é SIMPLESMENTE INSUFICIENTE para atender apenas esta enorme DESPESA.
OS COCHEIROS SÃO ESCOLHIDOS PELO POVO
Volto a afirmar: SEM REFORMAS e SEM PRIVATIZAÇÕES, a encrenca só aumenta. Como não vejo disposição para tais iniciativas, sugiro que não ponham a culpa da viagem de volta para o inferno da RECESSÃO nos pobres cavalos. Eles só puxam a carruagem do fracasso. Os cocheiros, que a conduzem, são escolhidos pelo povo.
Publicado originalmente em pontocritico.com
Sempre que ocorre um súbito decréscimo da oferta de uma determinado bem, em virtude de eventos das mais diversas naturezas, volta à cena de debates a treta de que os comerciantes, caso tivessem coração, deveriam manter os preços estanques ou mesmo reduzi-los. Não haveria de ser diferente neste episódio recente da greve dos caminhoneiros.
A melhor maneira de visualizar o erro desta lógica é imaginar o que aconteceria caso os estabelecimentos comerciais?—?bem como todos os demais agentes das cadeias produtivas?—?desprezassem o fato de que a relação entre a procura e a disponibilidade de um dado produto ou serviço foi alterada por fatores de ordem externa:
1) Os primeiros clientes que chegassem ao ponto de venda comprariam todo o estoque disponível a fim fazer reserva para o período de carestia que se avizinha, deixando os demais habitantes da localidade considerada de mãos abanando. Com a elevação do preço, a tendência é de que as pessoas adquiram apenas o necessário para subsistência imediata.
É como se o empreendedor, ao substituir a etiqueta de preço, soasse um alerta: “Atenção: racionem esta mercadoria porque o desabastecimento é iminente”. Se ele ou qualquer autoridade governamental apenas fizessem tal pedido encarecidamente à população local, é certo que a maioria ignoraria solenemente, mas mexer no bolso do sujeito é sempre um método eficaz de captar sua atenção e fazê-lo cooperar.
Se você, porventura, estiver ponderando que o dono do mercado não adota tal procedimento pensando na estabilidade da sociedade, mas sim porque percebeu que poderia aumentar seu faturamento sem fazer força, acertou: é isso mesmo. Assim como não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que ele têm pelos próprios interesses. Apelamos não à humanidade, mas ao amor-próprio, e nunca falamos de nossas necessidades, mas das vantagens que eles podem obter?—?acho que faz só uns dois séculos que Adam Smith tentou explicar isso pela primeira vez.
2) Se o comerciante não subir o preço ele mesmo, podem ter certeza que algum de seus consumidores irá fazê-lo muito em breve. Ora, se poucos indivíduos logram aproveitar a oportunidade e tomam posse da quase totalidade dos galões de água potável da cidade de Mariana/MG, logo após o desabamento da barragem, como exemplo, eles estarão com uma fortuna nas mãos comprada a preço de banana.
É claro que, em algum momento, estes clientes comuns transfigurados em atravessadores vão se dar conta do real valor daquela carga e irão vendê-la a preços majorados em um mercado paralelo. Pior seria, aliás, se eles assim não procedessem, e deixassem seus concidadãos passando sede, pois esses jamais aceitariam de bom grado a situação e até mesmo um cenário de barbárie em disputa pelo precioso bem estaria desenhado.
Ah, mas se o Governo não apenas tabelasse os preços momentaneamente, mas também limitasse as compras por CPF?
Boa sorte fazendo esta lei ser cumprida em um ambiente degradado. Qual seria a maneira mais adequada de impor esta vontade do gestor público? Mandar fiscais para uma região já devastada por uma enchente para multar e confiscar? Parabéns: você acaba de criar mais um pouco de burocracia estatal e piorar o problema! Alguém aí a fim de recriar, quem sabe, a extinta SUNAB ou mesmo virar um “fiscal do Sarney”? Quem viveu a hiperinflação da década de 1980 e o frenesi das máquinas de remarcar sabe do que estou falando…
Mas como seria possível ajudar os prejudicados por uma conjuntura como esta então? Simples: devemos envidar esforços para reequilibrar oferta e demanda na localidade afetada, enviando doações de suprimentos de toda espécie?—?como fez, por exemplo, JJ Wat, o jogador da NFL, quando do furacão que atingiu o Texas.
Desta forma, é restabelecido naturalmente o nível de preços anterior ao fenômeno que desencadeou seu incremento. E esta solidariedade pode vir de diversas fontes, tanto privadas (como instituições religiosas) quanto públicas (fundos governamentais para emergências).
Além disso, atitudes como a dos taxistas de Medellín, que resolveram não cobrar a corrida dos parentes das vítimas que pereceram na queda do avião do time da Chapecoense, são sempre dignas de aplauso, sinal da presença de sólidos valores morais em uma sociedade, mas elas devem sempre partir da iniciativa dos próprios prestadores de serviço, bem como ser adotadas onde as circunstâncias permitem. Fraternidade forçada, como diz o pitoresco Padre Quevedo, no ecxiste.
Mas e no caso que assola o Brasil atualmente, quando todo nosso território irá sofrer com a falta de combustíveis e, em decorrência direta, com a carência de quaisquer bens de primeira necessidade? Aí ficou difícil, porque estamos falando de uma nação inteira sob forte escassez.
É por isso que manifestações populares precisam ser norteadas sempre por um único objetivo claro, factível, de realização no curto prazo, sem coagir ninguém a dela tomar parte e causando o mínimo possível de transtorno?—?muito diferente do que ocorre nas estradas Brasil afora, onde foi apresentada pelos líderes da mini-revolução uma lista interminável de exigências que jamais poderá ser posta em prática por decreto.
Este movimento paradista dos motoristas profissionais, por enquanto, conta com o suporte de parte significativa da população, mas esperem começar a faltar comida e outros itens básicos em nossas casas (como medicamentos), ou então não haver mais gasolina para ambulâncias salvarem vidas, bombeiros apagarem incêndios ou aeronaves transportarem órgãos humanos para transplante, ou para coletar lixo: tudo leva a crer que a simpatia pelos grevistas não vai durar muito. Na hora de escolher entre viver como os personagens de Mad Max ou apoiar que a polícia entre em ação para valer, tenho poucos dúvidas a respeito de qual alternativa as massas irão optar.
E agora, o que um jovem de esquerda deveria fazer? Sonhar?
90% de meus colegas da faculdade de Economia, pelo menos os que se achavam mais inteligentes, eram de esquerda.
Queriam mudar o mundo, salvar o Brasil, expulsar o FMI e acabar com a pobreza.
Cabulavam as aulas e viviam no centro acadêmico com pôsteres de Che Guevara discutindo como tomar o poder.
A ideia de ajudar os outros fazendo trabalho voluntário na periferia nem lhes passava pela cabeça.
O resto era de centro. Comunitários, liberais e libertários, mais preocupados em libertar o Brasil de uma ditadura do que em implantar outra, a do proletariado.
Para minha surpresa, quando fiz o mestrado em Harvard, a totalidade de meus colegas era apolítica.
Eles estavam lá para estudar.
Adquirir conhecimentos úteis à sociedade e talvez ficarem ricos.
Por isso estudavam, para meu enorme desespero, vinte horas por dia.
Mas, mesmo com essa carga de estudo, todos faziam trabalho voluntário, um dos requisitos inclusive para a admissão ao MBA.
Quarenta anos se passaram, e na última reunião quinquenal dos ex alunos de Harvard constatei que todos ficaram ricos como pretendiam.
Eu a única exceção, Prof. da USP que era.
Ricos, eles devotam a maior parte do tempo a causas sociais e doam bilhões ao terceiro setor.
Mesmo eu que não sou rico, pude com pouco dinheiro criar o primeiro site de voluntários, o www.voluntarios.com.br, criar o Prëmio Bem Eficiente para Entidades Beneficentes, que a velha esquerda nunca apoiou, porque eles estavam ocupados tentando se eleger.
A reunião com meus colegas da USP foi ainda mais surpreendente.
O mais engajado na época, o que mais pregava a luta de classes, é hoje o economista chefe de um grande banco.
João Sayad, meu colega socialista e portanto menos radical, é o dono de banco, junto com Philippe Reichstull, ex presidente da Petrobras.
"Cansei de ajudar os outros" (sic), "estou ficando velho, preciso me preocupar com minha aposentadoria".
"Quem não é de esquerda quando jovem não tem coração, quem continua quando velho perdeu a razão".
Desculpa esfarrapada e ofensiva para velhos como nós que temos ainda coração.
Um dos meus colegas, funcionário público tinha sonhos horríveis. "Sonhei que era um velho mendigo, dormindo na sarjeta".
Foi quando aderiu à corrupção.
Jovens de esquerda ouçam bem.
Vocês ainda não têm competência para mudar o mundo e acabar com a pobreza.
Falta-lhes conhecimento para tocar um botequim, como a Dilma, muito menos uma revolução.
Estudem. Sejam úteis à sociedade, em vez de sonhar com um emprego público porque é garantido e mais seguro.
Antes de mudarem o mundo, mudem primeiro o bairro via meu www.voluntarios.com.br, para depois mudar seu Estado e o país.
Percebam que Dilma, Nelson Barbosa, Luciano Countinho, Aloizio Mercadante, Guido Mantega, Sergio Gabrielli, João Stédile, todos economistas de esquerda, só pioraram o mundo com sua arrogância, autoritarismo e incompetência administrativa.
Sejam de direita pelos menos nos seus primeiros 20 anos, estudem, casem bem, criem filhos honestos, não traiam suas esposas por aí.
Sejam de esquerda dos 50 anos em diante, distribuindo a sua riqueza, trabalhando para os outros em vez de ficar cagando regras e cocô na Paulista, ou sendo procurados como terroristas.
Uma supernova brilhou nos céus do Brasil. Mal sabia que a explosão que a tornou visível já lhe anunciava o fim. A eleição de Lula para a Presidência da República é o marco inicial de sua queda.
Eleito, carregava consigo a esperança de muitos. Gente simples, que acreditava na lenda do trabalhador inculto que venceu as elites. Gente sonhadora, que o louvava como pai dos pobres, D. Sebastião revivido, campeão da ética, herói que venceria a fome e encantaria o mundo. Nas redações, sindicatos e universidades intoxicados de idolatria infante, era bicho raro, ave exótica que nunca estudara mas cuja sapiência era louvada. Uma lenda que ainda hoje alimenta o imaginário da cada vez mais esquálida academia brasileira e de um jornalismo torcedor e tacanho.
Mas o poder tem lá suas seduções e armadilhas. Uma delas é revelar a verdadeira natureza dos homens. Lula aliou-se aos antigos inimigos, fez tudo o que antes dizia condenar, arrumou justificativas para cada ato indigno. O Fome Zero jamais saiu do papel.
Veio o mensalão. Havia algo de podre no reino das vestais impolutas. O esquema subterrâneo de Dirceu começava a ser conhecido. Ponta de iceberg, mas suficiente para acender o alerta. Uma parte dos antigos aliados debandou. Foram-se o Bicudo, a Heloísa, o Cristovam.
Arrumou substitutos. Agora lambuzava-se com Sarney, Collor, Renan e Jucá. Bebiam na mesma taça de torpezas. Champanhes, jatinhos, adegas e ternos caros eram sua vida, mas ele ainda se apresentava como operário. A aura de herói injustiçado o mantinha enfeitiçando universitários, artistas e outros devotos. Comprou uma bela máquina que moía reputações, apostou em um país dividido, criou frases que nutriram ódios e incendiaram a imaginação pré-adolescente de alguns. E os doutores, que valorizavam os títulos e diziam honrar os livros e a ciência, nem se deram conta de que ele consolidava na alma brasileira a preguiça e o desprezo pelo intelecto.
Apresentou sua sucessora. Era medíocre e arrogante, mas estava embriagada pela possibilidade de voar alto. Criou-se para ela também uma imagem falsa, de eficiência, valentia e honestidade. A realidade se impôs, cruel como sempre, em atos e discursos. Pobre mulher, rainha do auto-engano, imperatriz de um reino imaginário.
No meio do caminho havia a Lava Jato. Caíram o Delcídio, o Palocci, o Dirceu, o Vaccari, o João Paulo, o Mercadante. Martha foi embora. Odebrecht desnudou o apocalipse. E, nas noites, sussurrava-se sobre um cadáver insepulto, o de Celso Daniel. Um fantasma, como o pai de Hamlet, clamando por justiça.
Pedalinhos e pedaladas. Triplex e impeachment. O sonho de poder se desfez entre miudezas, como um sítio que ele poderia ter comprado. Sequer pagou pelos armários da cozinha – o que diz muito sobre sua pequenez.
Soterrado por denúncias, encolheu a cada escândalo, denúncia e depoimento.
Da altivez arrogante de outrora, Lula tornou-se uma figura trágica. Revelou-se de forma plena. Era agora bem visível a extensão de sua indigência moral. Comparou-se a serpentes venenosas, exagerou-se como a alma mais honesta do Brasil. Suas negativas soavam patéticas e a insistência em dizer que nada sabia o transformaram em figura folclórica e ridicularizada.
Marisa morreu. A companheira foi velada em um comício-bravata e tornada responsável por recibos, contratos e negociações. Mais um cadáver a arrastar correntes pesadas com marcas de lodo e horror.
Palocci falou, com voz arrastada: havia um pacto de sangue. Ainda assim, nada parecia abalar a devoção de alguns de seus súditos: encharcados de teorias da conspiração, agarrados à túnica do ídolo, levaram-no a liderar a corrida presidencial. A alguns pouco importava se Lula comandou o maior esquema de corrupção da história brasileira.Às favas o saque aos cofres públicos. Que importa se a Pátria sangra?
Condenada, carregada de processos, com os bens bloqueados, a antiga estrela promoveu uma caravana. Gabava-se da força, da disposição, debochava dos adversários e açulava seus defensores contra os que considerava adversários. Seus advogados protelavam o cumprimento da pena. Recebeu ovos, pedras e tiros no ônibus. Reclamou do ódio que semeou, cultivou e agora colhe.
Veio o julgamento no Olimpo brasileiro. Minerva decidiu o jogo de poder, enquanto as demais divindades guerreavam entre si. Encerrados em suas torres de marfim, alguns deuses não viram a exaustão de um povo. Venceram os que farejaram o perigo de consolidar a sensação de que, no Brasil, os poderosos compram impunidade.
Por fim, a ordem de prisão. Sergio Moro concedeu ao ex-presidente benefícios devidos à dignidade do cargo presidencial: nada de algemas, cela especial. Uma ironia final, destinada a contrastar com a indignidade dos atos de quem ocupava o cargo.
Lula terá o tempo de vida que lhe resta para descobrir que livros são úteis, sim. Faltou-lhe ler os filósofos, os pais de outras nações e os grandes mestres da retórica e do Direito. Se houvesse conhecido o velho Aristóteles, descobriria que pathos (as paixões) precisam de ethos (o caráter do orador) e de logos (o conhecimento) para que ocorra a persuasão que captura em definitivo a alma da audiência. As biografias o ensinariam que mesmo o grande Cícero, que mesmerizava multidões, terminou com um alfinete de cabelo espetado na língua. Coisas da política.
Era uma vez uma estrela que brilhou nos céus do Brasil. Mal sabia que era uma supernova.
*Publicado originalmente em soniazaghetto.com