• Gilberto Simões Pires, em Ponto Crítico
  • 29 Junho 2018


VOLTOU AO LOCAL DO CRIME
O ministro-petista do STF, Ricardo Lewandowski, que no dia anterior, na qualidade de presidente da 2ª Turma do Supremo, acompanhando os votos de Dias Tóffoli e Gilmar Mendes, numa só penada tirou os corruptos José Dirceu e José Claudio Genu da cadeia, e tornou inválidas as provas contra os petistas Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann, voltou ontem à cena do crime para mostrar que é real a sua tara de querer o fim do Brasil.

LIMINAR-PÉROLA

Agindo como eterno insatisfeito com tudo que pode acontecer de bom ou razoável para o Brasil, Lewandowski deferiu uma -liminar-pérola- determinando que a PRIVATIZAÇÃO DE ESTATAIS, quer federais, estaduais ou municipais, só poderá acontecer depois de aprovação do Congresso Nacional. Pode?

ENTIDADES SINDICAIS-PETISTAS
Tal liminar, considerada estapafúrdia, atrasadíssima e imbecil para os sensatos, ainda que em caráter provisório, foi assinada pelo ministro Lewandowski como uma clara demonstração de forte apoio aos interesses de duas entidades sindicais-petistas, a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenaee) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf/CUT). Que tal?

MINISTRO-VENEZUELANO
Como se vê, Lewandowski tem se revelado não só como um grande -inimigo- do Brasil. Pela maneira como toma decisões ou vota sobre as mais diferentes matérias, o tipo demonstra, a cada dia que passa, o quanto está disposto a entrar para história como ministro -venezuelano- do STF. Um horror!

A CAMINHO DO CAOS
A propósito, quando referi em diversos editoriais que o Brasil caminha claramente para o CAOS, muitos leitores, usando da sagrada liberdade que têm para manifestar suas opiniões, viram exageros na minha colocação com requintes de elevado pessimismo.

OBRA DE ENGENHARIA
Pois, só para deixar bem claro que continuo com total razão, vejam que quem comanda a OBRA DE ENGENHARIA que está construindo o CAOS brasileiro é o STF, através do seu corpo de ministros que simplesmente deixou de julgar para legislar. Mais: legislar da pior forma possível.

Para finalizar: se acontecesse uma (necessária) INTERVENÇÃO NO STF, a medida, em hipótese alguma poderia ser considerada GOLPE. Por tudo que o trio de ministros que compõe a 2ª Turma faz, seria um legítimo e inquestionável CONTRAGOLPE.
  

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  • Fabio Costa Pereira, Estadão
  • 29 Junho 2018

Recorrentemente escuto, como a panaceia para a solução do problema violência que corre à solta no país e o arrefecimento do poder do Crime organizado, o mantra de liberação das drogas.

Segundo os arautos do “libera-geral” , ao se permitir a lícita comercialização de substâncias entorpecentes , o mercado irá, naturalmente, ao longo do tempo, regular-se.

Em um primeiro momento, pela novidade trazida pela liberação das drogas, o cenário de consumo pioraria.
No entanto, em momento futuro e incerto, com o fim da novidade e a adoção de medidas de conscientização e redução de danos, o consumo se estabilizaria e, ao final, retrair-se-ia.

Além disso, com a oferta de produto de melhor qualidade e a menor preço, não haveria motivo para os consumidores buscarem, no universo ilícito, a droga de sua preferência, o que traria, como paraefeito desejado, a inanição econômica das organizações dedicadas ao tráfico ilícito de drogas e o decrescimento de seu poder.

Assim, no onírico mundo abstrato e das ideias, onde os unicórnios pastam alegremente e todos somos felizes, a “genial sacada” não teria como dar errado.

O problema é que ideias, quando deixam o campo da cogitação, trazem consequências, as quais, ao se entrechocarem com a realidade, nem sempre resultam naquilo que, a priori, desejava-se.

E aqui o grande problema não previsto pelos defensores da legalização das drogas: o Brasil é um verdadeiro moedor de abstrações e pródigo em subverter estupendas ideias.

Vamos lá…sigam o meu raciocínio.

A liberação das drogas para funcionar da forma abstratamente prevista, pressuporia, como antecedente lógico e necessário, que o Estado fizesse uso de agressiva política tributária, taxando muito pouco ou mesmo abrindo mão de taxar, a cadeia produtiva e a mercancia das drogas, para que, ao consumidor final, chegasse um produto de melhor qualidade e a preço mais baixo do que o ofertado pelo mercado ilícito.

Se isso não for feito, o mercado ilícito permanecerá intocado e prosperando, o que é pior, com o incentivo da ausência de uma concorrência com capacidade de lhe fazer frente.

A experiência brasileira, sedimentada ao longo dos séculos, mostra que os estamentos de poder nacional , desde o nosso descobrimento, são acometidos por um furor tributário, fazendo incidir, em escala industrial, tributos em tudo o que se possa imaginar, não sendo crível , no caso das drogas, que os governantes venham a abdicar de tão abundante fonte de arrecadação, ainda mais em tempos em que as contas públicas estão altamente deficitárias.

Os paradigmas tributários das drogas, que nos mostram o tipo de tratamento fiscal dado pelo Estado a assemelhados,o álcool e o tabaco, sofrem a incidência de pesada carga tributária, proporcionando farta arrecadação para os cofres públicos e ótimas oportunidades para a expansão do mercado ilícito.

Tanto isso é verdade, que o mercado ilícito do contrabando e da pirataria de cigarros está estimado, pelas empresas que atuam no setor, ano a ano, em mais de seis bilhões de reais.

O mais interessante de tudo isso é que este mercado, cujo produto original é LÍCITO, é dominado pelo Primeiro Comando da Capital, uma das mais agressivas organizações criminosas do país e cujo poder quer se acabar com a liberação das drogas.

A retração do poder das organizações criminosas e da violência que elas se valem para manter e ampliar os seus empreendimentos, não está na mágica liberação das drogas, e sim no aumento do custo de suas ações, o que, no Brasil, país onde a taxa de resolução de crimes é baixíssima, é uma quimera.

Suponhamos, no entanto, que,por um milagre, ao mesmo tempo em as drogas sejam legalizadas o governo faça a sua parte e aplique alíquota zero ou próxima de zero para a mercancia do produto.

Poderíamos nós, a partir disso , acreditar que as organizações criminosas perderiam a sua força??? Infelizmente a resposta é um enorme e sonoro NÃO!!!

Diante do quadro de impunidade vigente no país, onde a taxa de sucesso de um criminoso ao praticar um delito supera 95%, onde taxa de resolução de crimes é irrisória e a execução penal um quase nada, as organizações criminosas, tendo a lucratividade de seu modelo de negócios diminuída, pura e simplesmente irão migrar (displacement) para outra atividade ilícita com igual ou maior lucratividade. Simples assim!

Os crimes, portanto, serão outros, mas as organizações criminosas continuarão intocadas.
Afirmo, por esse motivo, que a única coisa que a liberação das drogas irá proporcionar para o país, mais além da satisfação de seus arautos, será a ampliação do poder paralelo do Crime organizado que diversificará a sua “carteira de investimentos”.

Efetivamente é muito difícil e cansativo viver no Brasil.

Aqui a realidade é sempre um inconveniente a ser superado e as abstrações ideológicas assumem o protagonismo.
As drogas, a começar pela maconha, infelizmente, para o prejuízo da nação, serão liberadas e, as suas nefastas consequências se farão sentir.

Pagaremos todos nós , outra vez, pela vitória do abstrato.

E que Deus tenha piedade de nós!

*Fabio Costa Pereira, procurador de Justiça do MPRS e especialista em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra
**Publicado originalmente no Facebook do autor e no Estadão de 29/06

 

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  • João Luiz Mauad, Instituto Liberal
  • 27 Junho 2018

 

Segundo Adam Smith, os indivíduos não buscam conscientemente benefícios econômicos para a sociedade. No entanto, conduzidos pela pressão da competição e pelos incentivos dos ganhos pessoais, esses benefícios surgiriam espontaneamente, através das interações efetuadas no mercado. Os benefícios sociais seriam, portanto, derivados do funcionamento de uma ordem espontânea, e não de um propósito consciente.

Na perspectiva de Adam Smith, as limitações morais do homem em geral, e seu auto-interesse em particular, não são lamentados nem tampouco vistos como algo que se deva modificar. Pelo contrário, são tratados como fatos, vale dizer, como características intrínsecas e próprias da vida. De acordo com esse entendimento, o objetivo fundamental seria perseguir os melhores resultados possíveis (morais e sociais) a partir das limitações existentes, ao invés de dissipar energias tentando alterar a natureza humana, um intento que Smith considerava tão vão quanto sem sentido.

Como ensinou Hayek, o mercado não é a única forma de interação espontânea entre indivíduos que cria ordenamentos altamente complexos e organizados. A grande maioria dos idiomas e, mais recentemente o advento da internet, são outros exemplos dessas interações. Este é um ponto muito importante, pois tendemos a acreditar que todos os resultados positivos da atividade humana são conseqüências de ações deliberadas e planejadas, o que não é, absolutamente, verdadeiro.

Hayek sustentava que o funcionamento da sociedade depende da ligação coordenada de milhões de fatos e ações individuais, cujo conjunto ninguém seria capaz de conhecer. Segundo ele, o conhecimento humano abrange toda a multiplicidade da experiência do homem através dos tempos, algo demasiado complexo para uma articulação explícita que se pudesse apreender. Trata-se de uma “sabedoria sem reflexão, inculcada tão profundamente que se converte praticamente em reflexos inconscientes”. Segundo o austríaco, este conhecimento sistêmico, manifestado de forma não articulada na cultura popular, teria mais probabilidade de acerto do que as arrogantes visões de uns poucos intelectuais.

Por isso, na concepção de Hayek a sociedade deve ser comparada a um organismo vivo, que não pode ser reconstruído sem conseqüências fatais, como, aliás, restou comprovado através das diversas experiências coletivistas malsucedidas do Século XX.

Hayek não negava a relativa superioridade dos chamados “especialistas” dentro de um determinado setor do conhecimento humano. O que ele refutava, com certa veemência até, é que tal superioridade, principalmente em virtude do seu cunho limitado e restrito, pudesse estender-se por sobre outros tipos de conhecimento amplamente fragmentados e difusos. É dentro dessa perspectiva que a interação sistêmica de muitos deve ser sempre considerada superior à sabedoria específica de poucos.

Ortega y Gasset foi outro que resumiu de forma brilhante o perigo que representa a arrogância do conhecimento especializado quando asseverou que o especialista “não é um sábio, porque ignora formalmente o que não entra na sua especialidade; mas tampouco é um ignorante, porque é “um homem de ciência” e conhece muito bem a sua fração de universo. Devemos dizer que é um sábio ignorante, coisa sobremodo grave, pois significa que tenderá a se comportar em todas as questões que ignora não como um ignorante, mas com toda a petulância de quem na sua questão especial é um sábio.”

Entretanto, engana-se quem acha que a ausência de planificação central no livre mercado seja sinônimo de falta de planejamento. Na verdade, o mercado um sistema extensiva e racionalmente planejado. Só que o planejamento capitalista se dá de forma pulverizada, através da ação de cada indivíduo, família, empresa ou organização. Quem quer que pense numa determinada ação econômica que lhe pode ser benéfica, assim como nos aspectos operacionais da sua consecução, estará realizando parte da “planificação” de uma economia de mercado.

De acordo com o professor George Reisman, “um gigantesco e extensivo planejamento econômico privado não somente existe, mas é totalmente coordenado, integrado e harmônico no capitalismo”. Todo esse planejamento dos indivíduos, das famílias e das empresas é regulado por um mecanismo sólido, autônomo e extremamente eficiente, denominado “sistema de preços”.

É o “termômetro” dos preços que leva os agentes do mercado a estarem continuamente se re-planejando, em resposta às alterações da oferta e da demanda, de forma que cada participante esteja sempre buscando maximizar seus lucros ou, de modo inverso, minimizar suas perdas. Essa é a maneira pela qual se assegura que cada processo produtivo seja gerenciado de modo tal que acabe colaborando para maximizar a eficiência do sistema como um todo.

Por outro lado e por sua própria natureza, o intervencionismo e a tentativa de planificação central tiram dos indivíduos não só a possibilidade como o interesse pelo planejamento, cuja realização fica restrita a meia dúzia de burocratas, sob a absurda e virtualmente perturbada crença de que seus cérebros “especialíssimos” poderiam alcançar a capacidade de um Deus onisciente e onipresente. Como resultado, o planejamento racional e pulverizado do mercado dá lugar à ineficiência econômica, ao desperdício de recursos escassos, aos privilégios de toda sorte e à corrupção sistêmica.

Se você deseja saber mais sobre as ideias da liberdade, inscreva-se em nosso Curso de Escola Austríaca.

*João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

**Publicado originalmente no Instituto Liberal
 

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  • Diego Pessi
  • 26 Junho 2018

 

De acordo com relatório recentemente divulgado pela organização civil mexicana Ordem, Justiça e Paz, 17 das 50 cidades mais violentas do mundo são brasileiras. O ranking, que leva em conta o índice de homicídios em municípios com mais de 300 mil habitantes, apresenta Natal (RN) em quarto lugar, com a impressionante taxa de 102,56 homicídios por 100 mil habitantes, seguida por Fortaleza (CE), em oitavo lugar, com 83,48/100 mil, e Belém (PA), em décimo lugar, com 71,38/100 mil. O protagonismo do Brasil nessa estatística macabra não pode ser recebido com surpresa: com mais de 60 mil mortes por ano, o país é campeão mundial em número absoluto de homicídios, ostentando uma média cinco vezes superior à mundial, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Somam-se a essa cifra 71.796 “desaparecidos” (em dez anos houve mais de 694 mil registros de desaparecimento, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017) e 2.666 latrocínios, crime cujo crescimento foi de 50% no período compreendido entre 2010 e 2016.

É claro que não faríamos feio caso o ranking em questão adotasse como critério outras espécies de crime que não o homicídio. Basta notar que no ano de 2016, somente nas capitais brasileiras, foram registrados mais de três assaltos por minuto, totalizando 1.726.757 roubos (quase o dobro dos 985.983 roubos registrados no ano de 2011). Vale dizer: a maioria de nossas grandes cidades é terrivelmente violenta, ainda que muitas delas não figurem na lista daquelas consideradas as mais violentas do mundo. A eleição do número de homicídios como critério de aferição da violência não se deve apenas à inquestionável primazia da vida em relação aos demais bens jurídicos, mas também a outro fator: o ato de “matar alguém” (tal é a descrição do Código Penal para o crime de homicídio) constitui a expressão mais pura, genuína e acachapante da chamada “violência associal”. E isso, caro leitor, é algo que nos assombra.

Tim Larkin, autor de When Violence is the Answer, reconhecidamente um dos maiores estudiosos da matéria no planeta, analisa o fenômeno da violência classificando-a em duas espécies: agressão social (“social agression”) e violência associal (“asocial violence”). A agressão social não visa à destruição de outra pessoa, mas, antes, à afirmação da condição dominante, à obtenção de vantagem ou elevação do status social. Um exemplo: nas brigas de escola, envolvendo bullying, que atraem a curiosidade de pessoas que instintivamente se reúnem para assisti-las, a excitação com a luta decorre da existência de informação social valiosa (ao menos na visão da plateia) a ser dali extraída: ela definirá a posição dos contendores na hierarquia da escola (o vencedor será carregado em glória e o derrotado reduzido à condição de pária). Esse tipo de agressão, observa Larkin, não é exatamente tolerado (em geral é punido), mas tampouco destrói a ordem social. Há, contudo, outro desfecho possível: a vítima do bullying já sofreu o bastante e mantém guardada para si a decisão de revidar. Não está interessada em brigar ou afirmar-se diante dos colegas. Ela simplesmente abre a mochila, saca um revólver e atira à queima-roupa na cabeça do agressor. Não há excitação ou gritos de incentivo na plateia. Há apenas pandemônio: todos fogem sem olhar para trás, pois inexiste qualquer informação social a ser buscada ali. Estamos diante da violência associal: ela nada tem a ver com comunicação ou remodelação das estruturas de ordem e poder. Pelo contrário: almeja a destruição da ordem. É o tipo de interação violenta da qual instintivamente fugimos, pois nela há apenas caos, horror e miséria. A morte, em vez de mero subproduto acidental, constitui seu único propósito.

A pedra de toque para distinguir as duas espécies de violência é a presença ou ausência de comunicação. Nos enfrentamentos que contemplam formas primitivas de comunicação social, os contendores procuram demonstrar como estão agitados, como são ameaçadores e o quanto estão dispostos a defender seu território (manifestações claras de dominância). Nessas situações de agressão social não há o desejo deliberado de mutilar, aleijar ou matar, enfim, de infligir um dano permanente ao adversário. O objetivo não é destruir, mas dominar. A violência associal, por sua vez, é de uma dinâmica brutal, silenciosa, súbita e inequívoca. É a agressão com uma barra de ferro até que a vítima pare de se mover, é a morte da vítima de um roubo já consumado pelo simples prazer de vê-la padecer. Nas palavras de Larkin, “se você é uma pessoa sã e sociável, pensamentos desse gênero podem deixá-lo fisicamente doente, pois você os reconhece por aquilo que são: o colapso de tudo aquilo que nós, como humanos, reputamos sagrado”.

Um caso que bem ilustra esse conceito é o assassinato do estudante Kaíque Abreu. Agredido quando voltava para casa após uma festa de carnaval em Salvador (BA), o jovem teve morte cerebral declarada em 14 de fevereiro deste ano, cinco dias após dar entrada no hospital. Imagens captadas por uma câmera de segurança mostram o ataque covarde, intempestivo e inapelável lançado pelo assassino Edson Rodrigues dos Santos, 24 anos, que afirmou à polícia haver desferido um soco e um chute na vítima para “descontar uma agressão” que sofrera de outra pessoa “na folia”. Esse fato – uma versão brasileira do famigerado “knockout game” existente na América – revela algo fundamental: enquanto a agressão social é evitável, podendo ser contornada com o emprego de nossas habilidades sociais, a violência associal nem sequer permite que nos expressemos. Dito de outro modo: quando não antevista de maneira a permitir a fuga, somente poderá ser contornada mediante incapacitação ou morte do agressor. Aqui desmorona nossa ilusão de que, mesmo cercados pela barbárie, estamos, de alguma forma, em segurança.

Como bem observou James Q. Wilson – um dos responsáveis pela revolução dos métodos de combate ao crime na América –, a criminalidade violenta (em especial aquela que envolve delitos cometidos por estranhos contra vítimas inocentes) é causa de atomização da sociedade, pois difunde o medo, isola as pessoas e impede a formação de comunidades humanas dotadas de significado. Há muito, no Brasil, deixamos de nos importar com isso. Abrimos mão de frequentar espaços públicos, obsequiando aos delinquentes o domínio de nossas ruas, praças e parques. Consentimos em viver confinados em casas e apartamentos com sistemas de segurança cada vez mais restritivos e dali saímos, confinados em nossos veículos (alguns blindados), para o confinamento de nossos locais de trabalho, permitindo-nos, eventualmente, a título de lazer, o confinamento no espaço asséptico de algum shopping center.

Isso, é claro, para os mais afortunados. O trabalhador que não dispõe de condições financeiras para transformar sua casa numa espécie de maquete de penitenciária (com cerca elétrica, arame farpado, alarme, câmeras e monitoramento) está condenado a viver em permanente sobressalto. Quando seu lar é furtado, não entende como a subtração de um botijão de gás cujo valor equivale a 20% de sua renda mensal possa ser considerada “insignificante” pela Justiça, mas sente-se grato pelo fato de não haver sofrido violência. Para ele, todo dia de pagamento é sinônimo de aventura, ante a probabilidade nada desprezível de ser vítima de um roubo à mão armada no caminho para casa (esteja a pé ou de ônibus). Após perder, numa fração de segundo, o fruto do trabalho de um mês inteiro, possivelmente ouvirá alguma sumidade sustentando a tese de que há “uma lógica no assalto”, de que aquela expropriação representa a luta dos excluídos contra a “desigualdade social”. Mais uma vez, embora não compreenda a preconceituosa associação entre pobreza e criminalidade – a exemplo do pai e do avô, tudo o que faz na vida é trabalhar –, ele se mostrará grato pela dádiva de haver sido apenas assaltado e não espancado ou morto, pois, como eu ia dizendo, o fato é que capitulamos incondicionalmente diante do crime e tudo cedemos em troca da promessa de que, ao menos, nossa vida seja preservada.

Até o dia em que, insensível à nossa submissão, a violência associal nos atropela. Implacável, inclemente e aterradora, desmantela a ilusão de segurança como o impacto de uma onda destroça um castelo de areia. Só então percebemos a inutilidade de nossas renúncias. Constatamos que a ingenuidade pueril do incauto que, em nome da “paz”, entregou ao Estado as armas que, legalmente, deram efetiva segurança à sua família por gerações a fio, é irmã gêmea do delírio ativista que prega a legalização das drogas como meio de reduzir a violência. Ou, ainda, que a parvoíce da autoridade que defende o desencarceramento de sociopatas, na crença de que a impunidade aplacará seu ímpeto sanguinário, é em tudo idêntica à estupidez presunçosa do “especialista” que sugere o desarmamento dos policiais fora do horário de expediente, não obstante os estudos da Comissão de Análise da Vitimização Policial da PMERJ indiquem que, entre janeiro de 2016 e fevereiro de 2017, 33% das mortes de policiais militares de folga decorreram de execuções!

“Si vis pacem, para bellum”. Em discurso memorável, proferido na Câmara dos Comuns no longínquo ano de 1938, Winston Churchill reverberava o provérbio latino, ao alertar para o fato de que “a manutenção da paz depende da acumulação de instrumentos de dissuasão contra o agressor”. Optamos por seguir o caminho contrário no combate ao crime. Abusando do direito de sermos pusilânimes, estimulamos a agressividade dos delinquentes. Agimos como o sujeito que alimenta um crocodilo na esperança de não ser por ele devorado. Os resultados dessa escolha falam por si. Se você ainda duvida, dê uma boa olhada em qualquer ranking de violência.
 

*Publicado originalmente na Gazeta do Povo, em 25/6/18.
**Promotor de Justiça MP/RS

 

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  • Sônia Zaghetto
  • 25 Junho 2018

DE CORAGEM E COVARDIA
Sônia Zaghetto

“O homem mais pobre pode, em sua casa, desafiar todas as forças da Coroa. Ela pode ser frágil, o telhado pode tremer, o vento pode soprar através dela, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o rei da Inglaterra não pode entrar. Toda a sua força não ousa atravessar o limiar do casebre arruinado! “ William Pitt, 1º Conde de Chatham. Discurso na Câmara dos Comuns (Grã-Bretanha, março de 1763).*

Eventos recentes me fazem refletir sobre coragem, covardia e manipulação. São os clamores de uma parte da população por intervenção militar.

Tempos sombrios estes que vivemos. Nele, vozes estridentes exigem soluções imediatistas e rasas para problemas de natureza complexa. Espelham um pensamento cuja imaturidade é palpável. “Fomos abandonados pelas Forças Armadas”, “Quem nos salvará?”, resmungam alguns, batendo os pés no chão como crianças contrariadas que apelam aos mais velhos para resolverem seus problemas. Não atendidos, reagem com xingamentos, ofensas e palavrões, tentando mexer com o brio dos militares brasileiros, chamando-os de covardes por não se curvarem aos seus caprichos.

Confundem tudo. Coragem, nesse caso, é se manter firme perante os apelos da turba insensata cuja voz foi ampliada pelas redes sociais. Ser fiel a si mesmo custa caro, enquanto a acomodação é relativamente barata: basta ceder ao populismo de ocasião em vez da consciência superior, que mira valores mais altos.

Bravura é revestir-se da armadura da autoconfiança e permanecer de pé enquanto a ignorância bombardeia com boatos vis e toda sorte de vilanias. Corajoso é o que não se intimida com a porta estreita, o caminho árido e as pedradas da infantilidade.

Curioso é ver como funciona o pensamento mágico: clama-se pelas Forças Armadas, pedindo-lhes que salvem os brasileiros de si mesmos. A ideia é que os militares entrem, façam uma limpeza geral, deixem a casa arrumada e entreguem o poder aos civis. Se vivo fosse, diria Garrincha: esqueceram de combinar com os adversários. É que os entusiastas de soluções miraculosas não se dão conta de que a solução proposta aprofundaria a crise ao atirar o Brasil em uma situação de consequências imprevisíveis, na qual é certa a fuga de investidores e a corrosão da imagem do país no cenário internacional.

Um preço altíssimo para um ato que não resolveria o problema. Obrigatório lembrar que os políticos afogados em escândalos de corrupção não chegaram a Brasília por geração espontânea. Estão lá porque foram eleitos – e com votações expressivas. Há deputados e senadores, denunciados há décadas, que continuam a ser reconduzidos ao poder. Não é uma intervenção militar que mudará a conduta de grande parte da população que se vende por coisa pouca e, à primeira oportunidade, se lambuza com a onipresente corrupção. Tudo indica que, após alguns anos, tudo voltaria exatamente ao mesmo patamar atual, pois a revolução deveria ser no ethos, o caráter coletivo.

Nossa história comprova isso. O que vemos em 2018 é versão requentada de tempos passados. Há cem anos vivemos episódios muito parecidos, com uma população manipulada por falsificações se lançando às ruas como boiada em fúria. Basta lembrar a boataria que culminou na revolta da vacina ou o episódio das cartas falsas atribuídas a Artur Bernardes nos idos de 1921. Este reagiu colocando o país sob estado de sítio e feroz censura – convém lembrar. Já experimentamos soluções armadas, revoltas, intervenções, revoluções. Presidentes já foram depostos. E o que ocorreu tão logo se restaurou o voto? A mesma incapacidade de escolher homens decentes para conduzir a Nação. Ethos,senhores. Estamos falando de ethos.

A preguiça conduz os que desejam soluções de ruptura institucional. Uma preguiça mental, que impede raciocínio e reflexão. Os de ontem bebiam na fonte de uma imprensa oficialmente partidária – prática que subsiste nos nossos dias, diga-se de passagem. Os de hoje aderem de bom grado à manipulação no meio digital, tornando-se adeptos das soluções baratas e devotos dos disseminadores de boatos ou cultivadores da histeria coletiva. Eles e seus mestres se assemelham aos caricatos personagens de Molière na peça O Doente Imaginário: médicos sem escrúpulos que exploram a hipocondria de Argon.

E já que falamos em arte, duas obras-primas da literatura traduzem à perfeição como terminam os que cedem aos manipuladores de almas. Por dar ouvidos à língua venenosa de Iago, o mouro Otelo matou a mulher amada e perdeu a si mesmo. E Dorian Gray, ao contemplar no retrato sua face deformada pelos crimes tenebrosos, recordou-se da volúpia inconsequente com que aderiu ao pensamento decadente de Lord Henry. Oscar Wilde e Shakespeare adorariam o Brasil.

A vocação para ser tutelado é característica da covardia perante a vida. Viver e pensar como adulto exigem coragem. Um gênero de coragem que não é feito de bravatas e passionalidade, mas de razão e esforços contínuos para assumir a responsabilidade por si mesmo e pelo ambiente em que se vive.

Covardes terceirizam ações, pensamentos e decisões. Pensam e sentem por empréstimo, sem questionar. Negam-se ao autodesenvolvimento, aferrados a um comportamento imaturo. Limitam-se a repetir calúnias, a semear tolices e a dormir apavorados pelos monstros imaginários que outra mente criou para impressionar ingênuos e alimentá-los com idéias tortas. Vida de escravo voluntário. Vida de gado manso.

Por isso mesmo são incapazes de reconhecer a coragem de um homem digno ou a voz da temperança. Sua métrica é a da brutalidade. A covardia os tornou míopes e os impede de enxergar o valor dos que resistem ao canto das sereias que habitam as redes sociais.

Aprendi há muito que, para um homem covarde, a coragem soa como estupidez. Sua alma pequena não alcança as grandezas daquele que se auto-sacrifica por um bem maior. A régua curta que carregam os torna incapazes de medir a estatura de quem privilegia a estabilidade da Nação.

Arrisco um vaticínio: jamais compreenderão os versos imortais de William Ernest Henley: sou o senhor do meu destino, o capitão da minha alma. É que tal coragem moral, inabalável em meio à gritaria, é o que diferencia um ser humano de um mero bípede.


                                                                                                          ****

*”The poorest man may in his cottage bid defiance to all the forces of the Crown. It may be frail — its roof may shake — the wind may blow through it — the storm may enter — the rain may enter — but the King of England cannot enter — all his force dares not cross the threshold of the ruined tenement!”. William Pitt, 1st Earl of Chatham. Speech on the Excise Bill, House of Commons (March 1763).

Ilustração: Sandro Botticelli. Calúnia. 1495. A pintura tenta recriar uma obra perdida da Antiguidade, de autoria de Apeles. No quadro, o rei, com orelhas de burro e de olhos baixos, sem ver o que está à sua frente, ouve as envenenadas palavras que a Ignorância e a Desconfiança lhe sussurram. De pé, um homem encapuzado, a Inveja, estende seu longo braço em direção ao rei. Ele segura a Calúnia pelo pulso e esta arrasta pelos cabelos o homem caluniado. Calúnia carrega uma tocha acesa, como se viesse trazer luz sobre o caso. A Malícia e a Fraude, suas companheiras, a adornam com flores e fitas, procurando disfarçar sua verdadeira natureza. Atrás do grupo, vê-se uma figura vestida de preto: é o Remorso, que contempla a Verdade.


**Publicado originalmente em soniazaghetto.com
 

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  • Alexandre Garcia
  • 24 Junho 2018



No último domingo, no Mosteiro de São Bento, em Brasília, pediram-me para fazer a leitura do Gênesis, quando Deus cobra de Adão por ter comido o fruto proibido. Adão culpa Eva por tê-lo convencido; Eva, por sua vez, culpa a serpente. A serpente é amaldiçoada e o casal expulso do paraíso. Ou seja, a tradição judaica mostra que desde o primeiro homem e a primeira mulher, introduziu-se o costume de não assumir a responsabilidade e empurrar para o outro. A serpente, para convencer Eva, garantiu-lhe que o fruto iria proporcionar vantagens e poder ainda maiores que as do Éden. E fiquei lembrando os anos eleitorais no Brasil, quando serpentes prometem o paraíso para quem está no vale de lágrimas - e conseguem colher do eleitor o fruto que gera poder, que é o voto.

Na eleição para governador de Tocantins, no último dia 3, o vencedor do primeiro turno teve 30% dos votos - perdeu longe para os votos brancos, nulos e abstenções, que somaram 49%. Isso que havia sete opções. O vencedor é do minúsculo PHS, sem tempo na TV, pois não tem deputado federal. Será que os partidos vão se tocar com Tocantins? Cada vez menos o eleitor está acreditando nos políticos atuais e nas promessas, e nos partidos sem princípios doutrinários, apenas fisiológicos. A mais recente pesquisa Datafolha, nas respostas espontâneas, deu 46% indecisos e 23% votando em branco ou anulando o voto - quer dizer, 69% insatisfeitos com os atuais pré-candidatos.

Os principais partidos continuam com a mesma lenga-lenga. Não assumem que é preciso reformar a Previdência, diminuir a dívida pública consequente, reduzir o tamanho do estado e seus marajás, para tirar menos dos que pagam impostos compulsoriamente em tudo que compram. E assumir que a igualdade falada na Constituição ainda não existe. Aposentados pelo INSS recebem 40% do que ganhavam; os do setor público levam ainda mais 80% quando param de trabalhar, como no Judiciário. Entre os privilégios do serviço público está a estabilidade, férias de 60 dias para juízes. Nos tribunais e Congresso e Assembléias, nem precisa procurar o SUS; há serviços médicos exclusivos e bem-equipados. Nos tribunais, pagamos academias de ginástica e mordomos com bandejas fartas. E andam de carro oficial com motorista, o que não existe no mundo lá fora. E a PM e forças armadas a cuidar deles, servindo de babás. Ex-presidentes têm carros, motoristas, seguranças e assessores por toda vida, mesmo quem estiver preso.

Aí, a conta é sempre alta, para sustentar o estado brasileiro nos seus três poderes, em seus três níveis. Quem colhe alface, engorda porco, fabrica móveis, costura sapatos, transporta grãos, se esforça para vender, tem que pagar caro a conta do serviço público, ainda que receba serviços medíocres, porque as pontas desse serviço, no ensino, na saúde, na segurança, também sofre com a falta de meios porque a gordura inútil da burocracia consome boa parte dos impostos. E mesmo fora do estado há os que vivem dele, os empreiteiros da propina, os beneficiários dos subsídios, dos juros especiais, das desonerações de impostos - são extrativistas do estado, temerosos da concorrência e das leis de mercado, falsos liberais capitalistas. Está na hora de encerrar a fase pueril do estado benfeitor. A fase infantil que confunde cor e sexo com o necessário mérito. Mas será que vamos acertar o voto que transforme este País?

*Publicado originalmente em sonoticias.com.br (13/06/2018)
 

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