Fernando Cavalcanti
Bolsonaro decretou luto oficial pela morte de Olavo de Carvalho. Para mim, porém, é muito mais do que isso.
A morte de Olavo abalou-me como se fosse de uma pessoa de minha família. De um grande amigo. De um grande mestre.
Há pessoas que encarnam em si a tragédia de uma época, seja por aderirem entusiasticamente ao "zeitgeist", seja, por, ao contrário, terem a coragem de opor-se a ele, quando é nefasto. Olavo era dos segundos.
Olavo era um gênio. Polímata e autodidata, podia abordar com segurança temas de todas as matérias, Humanas e Exatas, Eruditas e Populares, e, o que é dificílimo, concatenando-as com acontecimentos do cotidiano, num entrelaçamento perfeito.
Ouvir Olavo discorrer sobre qualquer assunto era feito ouvir Mozart improvisar: os entendedores maravilhavam-se ao perceber como de um motivo central se podiam fazer infinitas variações.
Os esquerdistas inteligentes e honestos que travaram contato com Olavo reconheciam seu toque de genialidade. Mas a imensa maioria dos supostos intelectuais de esquerda, atualmente, sofre de uma espécie de cegueira parcial: conhecem profundamente as obras esquerdistas, e ignoram completamente as do lado contrário.
Habituei-me a fazer 2 perguntas-chave aos amigos "progressistas" mais "anti-Olavo": o que achavam da paralaxe cognitiva e da Estratégia das Tesouras.
Nenhum, até hoje, soube respondê-las. Repito: NENHUM. E trata-se de conceitos "Olavianos" básicos, simples, sem qualquer complexidade de apreensão.
Ou seja, Olavo é detratado por pessoas que não têm o mínimo conhecimento de sua obra.
Eis o retrato do Brasil de hoje, dominado pela esquerda ao ponto de até o conhecimento ser censurado.
O fenômeno, aliás, não é exclusivamente brasileiro. É uma doença de todas as democracias ocidentais.
O maior pensador americano da atualidade, talvez do mundo, Thomas Sowell, é outro ilustre desconhecido. Burke? Russell Kirk? Roger Scruton? Ayn Rand? Você os menciona e recebe do seu interlocutor intelectual esquerdista aquele olhar vago, perplexo, da ignorância absoluta.
São fantásticos todos esses autores. Se os amigos leftists intelectuais honestos pelo menos os LESSEM, ficariam impressionados com sua erudição e lógica (afinal, "ensinaram-lhes" na escola e universidade que todo direitista é imbecil.)
Mas, não: basta um autor ser apodado de direitista, para que isso o converta em pária.
É o caso do Olavo. O qual, porém, destacou-se deles por transcender o debate abstrato e ter a coragem de "comprar brigas" e sofrer perseguições por suas tomadas de posição em assuntos cotidianos.
Nós, que o acompanhávamos no COF e em redes sociais outras, esperávamos com curiosidade, quase ansiedade, seus posicionamentos sobre assuntos sérios e também seus comentários sobre banalidades. Ele conseguia ser rico, instigante, seminal em tudo.
Como cresceram intelectualmente todos os que o acompanharam!
Fico rubro de vergonha alheia quando penso que Olavo tinha menos de 2 milhões de seguidores enquanto retardados como Felipe Neto, Khéfera, jogadores de futebol, modelos, cantoras e outros ultrapassam facilmente os 10 milhões.
Fico triste ao pensar que pessoas como Fernanda Montenegro, Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros são considerados intelectuais; Que pensam que a Globo, a Veja, a Folha e o Estadão fazem jornalismo; Que Lula foi eleito, reeleito, fez sua sucessora mentecapta e "ameaça" voltar de novo. E as FFAA nada falam!
Fico arrasado ao pensar que o STF usurpou funções de outros Poderes sob o beneplácito ou a concordância medrosa desses, e as FFAA, última instância de defesa da democracia, quedaram-se inertes.
O Brasil, hoje, é teatro de um golpe. Vivemos sob a que Rui Barbosa considerava a pior das ditaduras: a do Judiciário, pois dela não se tem a quem recorrrer.
Essa percepção, indubitavelmente, amargurou os últimos anos de Olavo de Carvalho. E vocês sabem que a tristeza reduz a resistência imunológica.
Olavo morreu depois de muita luta. Uma vida inteira sem se curvar a condescendências que lhe teriam garantido posições influentes, aplausos, benesses. Faleceu perseguido, exilado e dependente da caridade alheia.
Um mártir de suas convicções. Herói.
O que não o impedia de ter seus defeitos, como todos nós. Era desbocado, teimoso, brigão, impaciente, rancoroso e bravio. Ele próprio, com humilde humor, reconheceu isso:
"Meu sonho é chegar na porta do Céu e Jesus cochichar: 'Entre depressa, não tem ninguém olhando'."
Olavo, querido, polêmico, valente, genial Olavo...
Você viverá para sempre. Os que o denegriram por malícia, e os que o fizeram por ignorância, esses, sim, perecerão na vala comum do esquecimento.
"Os meus mortos queridos... eu não sinto saudade deles, pois eles estão presentes, eles existem. Nada do que aconteceu 'desacontece'. O que aconteceu durante uma fração de segundo já está na eternidade. Nunca mais volta a não-ser."
Discordo da primeira parte da sentença. Sinto uma saudade tremenda de meus mortos queridos. Olavo é agora um deles.
Mas é uma saudade terna, feliz. Orgulhoso de ter visto que lutou o bom combate. Morreu em plena batalha, no campo de honra.
Cabe a nós, agora, levar a luta adiante.
E creio que um dia, passada essa época de ódio ideológico, que invade e desvirtua filosofia e ciência, ser-lhe-á feita plena justiça. Será lido como filósofo, não como polemista. E seus tesouros serão "descobertos", "enxergados" por muitos dos cegos que hoje não os querem ver.
Olavo foi passado, presente e, agora, pertence ao futuro.
Olavo é eterno.
* Recebido de um leitor, por e-mail.
REVOLUÇÃO DOS BICHOS OU A FAZENDA DOS ANIMAIS?
O primeiro contato que tive com George Orwell foi na adolescência.
Era o início da década de 1980 e me recordo da minha irmã mais velha falando sobre o livro “Revolução dos Bichos” e de como a curiosidade tomou conta de mim.
Lembro-me de ter ela falado que os animais haviam feito uma revolução, mas que, ao final, tornaram-se ainda mais tiranos que os humanos que substituíram.
Ainda me lembro do impacto que essa leitura provocou na minha mente adolescente. Existia um clima de guerra fria no Brasil e, conhecer a analogia da “Revolução dos Bichos” e a “Revolução Comunista”, imprimiu um sentimento anticomunista muito forte na minha mente.
Trago este assunto, pois li no twitter, ao final de 2021, que uma Editora tem a intenção de publicar uma nova versão dessa obra de Orwell com a tradução mais próxima do original inglês, “Animal Farm” ou “A Fazenda dos Animais”. Foi a partir dessa discussão que descobri que o seu primeiro tradutor, Heitor Aquino Ferreira, era militar e que foi Assistente pessoal do General Golbery do Couto e Silva e, mais tarde, do próprio General Ernesto Geisel.
Heitor Aquino Ferreira trabalhou com Golbery durante a criação do Serviço Nacional de Informação e era membro IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais – responsável por inúmeras obras anticomunistas. Por isso não surpreende que a primeira publicação tenha sido pedida pelo próprio tradutor.
A edição brasileira foi lançada em 1964 e, da mesma forma que a mim, deve ter influenciado gerações de jovens que viam a utopia comunista com era de fato: uma mentira.
Apesar do encerramento da luta armada, a disputa por corações e mentes nunca teve interrupção e, com o passar do tempo, várias outras obras anticomunistas chegaram ao Brasil, muitas delas com o testemunho do horror vermelho em diversos países. Quem não fica chocado ao ler “Arquipélago Gulag”, de Alexander Soljenitsyn, lançado no Brasil em 1976, é porque não tem coração e, muito menos, cérebro.
Desta forma, encerro o artigo prestando uma singela homenagem ao primeiro tradutor do livro de Orwell, Heitor Aquino Ferreira, que muito iluminou a minha adolescência com a sua tradução e ao Professor Olavo de Carvalho que, em passado recente, foi o responsável por resgatar variada literatura anticomunista no Brasil, além de vários outros gêneros censurados por editoras progressistas.
Finalmente, para quem ainda não leu as aventuras de “Bola de Neve”, “Napoleão” e todos os outros bichos da “Fazenda Solar”, deixo a indicação da Gazeta do Povo, que disponibilizou gratuitamente, ao final de 2021, uma edição da “Revolução dos Bichos”, ricamente ilustrada.
Boa leitura.
https://especiais.gazetadopovo.com.br/ebook-revolucao-dos-bichos/
Fernão Lara Mesquita
Não é de hoje a decepção dos fugidos do totalitarismo com a constatação da negação, pelo Ocidente que seus reformadores admiravam, dos fundamentos da sua própria cultura humanística.
Desde a Queda do Muro, já lá vão 33 anos, eles vêm constatando, com a reiterada surpresa de quem viveu acordado o pesadelo com que os outros estão apenas sonhando, que as trajetórias desses dois lados do mundo andam invertidas, com cada lado caminhando para o lugar que o outro ocupava.
Agora o movimento de “roque”, como no xadrez, está completo. Na visão do ex-chefe da polícia política soviética e presidente eterno da Russia, Vladimir Putin, “neste momento em que o mundo atravessa uma fase de disrrupção estrutural, a importância de um conservadorismo baseado na razão é cada vez mais urgentemente necessário, precisamente porque os riscos e perigos vêm se multiplicando tanto quanto a fragilidade de tudo à nossa volta”(…)
“Todo poder, se quiser ser grande, tem de apoiar-se num conjunto de ideias que apontem para o futuro. E quando essa ideia se perde, o poder deixa de ser grande ou simplesmente se desintegra. Isso aconteceu com Roma e com a Espanha do século 17. Aconteceu também com a União Soviética quando a idéia do comunismo que a sustentava se perdeu. Ela era falsa, mas estava lá. Isso aconteceu com as potências europeias que ficaram cansadas e abandonaram suas ideias em favor de um pan-europeísmo que ainda os empurrou para frente por um tempo mas também se está esfarelando”.
Vladimir Putin candidata-se ao lugar vago.
Ele acredita que se for capaz de delinear uma ideologia conservadora consistente a Russia pode transformar-se num modelo e num polo de atração não só para os países da antiga União Soviética que têm eleito governos conservadores, como a Hungria e a Polônia, mas até para as forças conservadoras da Europa e dos próprios Estados Unidos.
“O liberalismo progressista (que é como a esquerda americana chama a si mesmo) apoia proibições na sua estrutura ideológica. Não está aberto às instituições e políticas que não se alinhem com os seus instintos. Cada vez mais restringe o espaço de manobra dessas correntes, estejam onde estiverem, dos direitos dos pais ao conceito de soberania. É abertamente hostil até mesmo a princípios fundamentais do liberalismo tais como a liberdade de expressão. Tem se voltado até mesmo contra a vontade expressa dos eleitores em eleições e referendos”.
Ironicamente o mundo está prestes a entrar, portanto, numa nova Guerra Fria com papéis invertidos com o Ocidente carregando a bandeira do liberal-progressismo-comunista e a Russia a do conservadorismo.
O Clube de Discussões Valdai é um thinktank criado pelo próprio Putin em 2004, que patrocina anualmente o Forum Econômico Internacional de S. Petersburgo em Vladivostok.
Seguem, abaixo, extratos do seu discurso na edição de outubro de 2021:
“(…) a crise que estamos enfrentando é conceitual e até, mais que isso, civilizatória. Uma crise dos princípios que regem a própria existência humana na Terra (…) vivemos num estado de permanente inconstância, de imprevisibilidade, uma infindável transição (…) enfrentamos mudanças sistemáticas vindas de todas as direções – da cada vez mais complicada condição geofísica do planeta até às mais paradoxais interpretações do que é ser humano e quais as razões de nossa existência”…
“As mudanças climáticas e a degradação ambiental são tão obvias que mesmo as pessoas mais desatentas não podem mais ignorá-las. Alguma coisa tem de ser feita (…) e qualquer desavença geopolítica, científica ou técnica perde o sentido num quadro em que os vencedores não terão água para beber ou ar para respirar (…) nós temos de rever as prioridades de todos os estados”.
“(…) o modelo atual de capitalismo não oferece solução para o crescimento da desigualdade (…) em toda a parte, mesmo nos países mais ricos a distribuição desigual da renda está exacerbando as diferenças (…) os países mais atrasados sentem essa diferença agudamente e estão perdendo a esperança de se aproximar dos mais adiantados. E a desesperança engendra as agressões e empurra as pessoas para os extremos” (…)
“O fato de sociedades inteiras e gente jovem em diversos países ter reagido agressivamente às medidas de combate ao coronavirus mostrou que a pandemia foi só um pretexto: as causas dessa irritabilidade toda são muito mais profundas, e por isso a pandemia transformou-se em mais um fator de divisão em vez de levar à união”.
“Mas a pandemia também mostrou claramente que a ordem internacional ainda gira em torno dos estados nacionais (…) as super plataformas digitais não conseguiram usurpar a politica e as funções do Estado (…) pesadas multas começam a ser-lhes impostas e as medidas anti-monopólio estão no forno (…) somente estados soberanos podem responder efetivamente aos desafios do tempo e às demandas dos cidadãos (…) quando as crises verdadeiras se desencadeiam só um valor universal fica de pé, a vida humana. E cada Estado decide, com base em suas habilidades, suas condições, sua cultura e suas tradições, qual a melhor maneira de protege-la”.
“O Estado e a sociedade nunca deve responder com radicalismo ou com a destruição de sistemas tradicionais às mudanças de qualidade na tecnologia ou no meio ambiente. É muito mais fácil destruir do que criar. Nós, aqui na Russia, sabemos amargamente disso. Os exemplos da nossa historia nos autorizam a afirmar que as revoluções não são um meio para resolver crises; elas só as agravam. Nenhuma revolução vale o dano que produz nas capacidades humanas”.
“Os advogados do auto-proclamado ‘progresso social’ acreditam que estão empurrando a humanidade para um nível de conscientização novo e melhor. Não ha nada de novo nisso. A Russia já esteve lá. Depois da revolução de 1917 os bolchevistas também diziam que iam mudar todos os comportamentos e costumes, a própria noção de moralidade e os fundamentos de uma sociedade saudável. A destruição de valores solidamente estabelecidos e das relações entre as pessoas até o limite da completa destruição da família, o encorajamento para que as pessoas denunciassem seus entes queridos, tudo isso foi saudado como progresso e amplamente festejado mundo afora” (…)
“Olhando o que está acontecendo no Ocidente fico embasbacado de ver de volta as práticas que eu espero que nós tenhamos abandonado para sempre num passado distante. A luta pela igualdade e contra a discriminação transformou-se numa forma agressiva de dogmatismo que beira o absurdo (…) Manifestar-se contra o racismo é uma causa nobre e necessária mas essa nova ‘cultura de cancelamento’ transformou-se numa discriminação reversa que não é mais que racismo pelo avesso. A ênfase obsessiva na raça está dividindo cada vez mais as pessoas (…) o contrário do sonho de Martin Luther King”.
“O debate em torno dos direitos do homem e da mulher, então, transformou-se numa perfeita fantasmagoria (…) e crianças pequenas, sendo ensinadas à revelia de seus pais, que meninos podem se transformar em meninas e vice-versa sem problema nenhum (…) Com o mundo de disrrupção em disrrupção a importância de um conservadorismo racional é fundamental (…) confiar em tradições testadas pelo tempo, um alinhamento preciso das prioridades, relacionar as necessidades com as possibilidades, estabelecer metas prudentes e, principalmente, rejeitar o extremismo como método (…) Para nós, russos, estes não são postulados especulativos mas lições da nossa trágica história. O custo de experiências sociais doentiamente concebidas é impossível de ser pago. Essas ações não destroem apenas bens materiais mas principalmente os fundamentos espirituais da existência humana, deixando atras de si um naufrágio moral onde nada pode ser reconstruído por muito, muito tempo”.
“É claro que ninguém tem receitas prontas. Mas eu me arrisco a dizer que nosso país tem uma vantagem (…) nossa sociedade desenvolveu uma imunidade de rebanho ao extremismo que pavimenta o caminho para a reconstrução depois do cataclismo socioeconômico (…) O nosso é um conservadorismo otimista, que é o que mais importa. Nós acreditamos que o desenvolvimento estável e continuado é possível. Tudo depende estritamente dos nossos próprios esforços”.
“Obrigado por sua paciência”.
Rafael Falcon
Olavo propunha a personalidade humana como obra-prima da filosofia. Ao persuadir com palavras, ele causava impressão, pois era um grande escritor. Porém, sua verdadeira força não era o estilo; era a sua própria personalidade, que encarnava e comprovava sua visão filosófica.
Se Olavo conseguiu tornar atraente a idéia de vida intelectual, foi meramente porque afirmava que por esse caminho seríamos semelhantes a ele. O que todos queriam, no fundo, era uma personalidade como a sua.
Infelizmente, muitos se iludiram pensando que ler uma lista de obras ou posar em público lhes daria uma personalidade. Foram enganados pelo estilo, e perderam de vista o homem. Talvez não quisessem admitir que o que realmente os atraía era o próprio Olavo, e não uma idéia.
Não, não foram as idéias de Olavo que marcaram esta geração: foi a pessoa dele. Jovens que até então se viam acorrentados a visões mesquinhas da vida humana de repente perceberam que era possível sacudir aquele jugo pesado e ser algo mais.
Embora a teoria dos quatro discursos e o intuicionismo radical sejam mais interessantes do que tudo o que eu ouvi na faculdade, o fato é que não tocam o coração de ninguém, porque são apenas idéias. Ótimas idéias; riquíssimas idéias. Mas apenas idéias.
Ora, ali estava um homem que, quando falava de Kant ou Descartes, não estava contando créditos e fazendo fichamentos. Ele se interessava por esses autores porque seu assunto era para ele caso de vida e morte. Foi o primeiro e último que vi falar de filosofia assim.
Enquanto os demais se acomodavam em carreiras vazias e, nos domingos, davam pipoca aos macacos, ele perdia um emprego após o outro porque se recusava a aceitar a mordaça do Foro de SP. Se lhe parecia importante, ele falava de tudo, mesmo que por isso ganhasse fama de louco.
Ele não nos oferecia idéias novas todos os dias, não; nem propunha sistemas complexos para explicar o universo. Mas a cada artigo, a cada aula, ele nos fazia repensar o que antes parecia óbvio; o modo de pensar, mas principalmente o de viver.
*Publicado originalmente na página do autor no Facebook.
Alex Pipkin, PhD
Nos últimos dias impressionou-me o número de artigos que li, alertando e rechaçando sobre a estéril cultura do cancelamento.
Tal fato não deixa de ser um sinal positivo em relação a esse estúpido hábito, já que os “novos juízes” sentenciam punição e banimento de todos aqueles que divergem em pensamento e opinião da “constituição progressista”, elaborada por “especialistas”, em especial em termos de atitudes e de comportamentos.
O patrulhamento sistemático, apesar de bisonho, faz derramar sangue entre os lábios daqueles que, em última análise, desejam a censura.
Alguns, seguramente, irão se resignar e afirmar que “deixa pra lá, é assim”, porém, todos os lados e cantos devem compulsoriamente ter a liberdade e o ambiente propício para se manifestarem, caso contrário, rumaremos para uma sociedade em que inexiste a vital liberdade de expressão e, pior, para um futuro de emburrecimento e de involução.
O nascedouro pensante e transformador para a implantação e disseminação desta cartilha ideológica é a universidade, das elites, dos intelectuais interessados e dos experts dos livros, embora livros de uma só cor e visão de mundo.
Mas a universidade não deveria expressar e propagar a totalidade do conhecimento? A universidade não deveria formar especialistas nas diversas e respectivas áreas do conhecimento, ao invés de militantes de uma única facção?
Não se combate um eventual mal com um outro mal. O que agora vemos, especialmente, nas universidades, na forma de retórica e de ação, é a discriminação para além do pensamento, já que a fisionomia e a aparência são aquelas que contam. Desse modo, discrimina-se os possuidores de características que se opõem a “constituição progressista”.
Desta forma, apesar de não possuirmos nenhum Prêmio Nobel, tenho a sensação de que quase que diariamente avançamos as “fronteiras do conhecimento”.
Aliás, a discriminação não é exclusividade do mundo acadêmico. A cultura do despertar e do cancelamento adentrou o último reduto, o meio empresarial, em que os CEO’s querem - muitos deles comprovadamente em nível de estratégia de comunicação - resolver os problemas sociais do globo -; esses fartam-se com os investimentos de capital em suas empresas, enquanto os “não despertos” precisam ser alijados de tais recursos e, portanto, punidos. Mas a concentração excessiva nas preocupações com o ESG não poderá desviar o foco e reduzir a lucratividade de uma empresa? Penso que objetivamente sim.
Não é difícil observar que a cultura do despertar e do cancelamento entranhou-se em toda a sociedade, em todos os campos, amaldiçoando os valores civilizacionais que construíram e suportam o Ocidente.
Tradições são tradições, evidente, podem ou não serem adotadas pelos indivíduos, não são ditames jurídicos, estão aí para ser escolhidas ou não pelas pessoas, contudo, é imperativo e vital que se respeite, com tolerância, distintas decisões.
O que me parece temerário, é a perda de valores essenciais, e mais do que isso, o verniz do bom-mocismo e do altruísmo da cultura do despertar e do cancelamento, apagando valores que direcionam o bem comum e a prosperidade.
Excelência é um valor edificador e inegociável, especialmente quando se quer trocar pela discriminadora identidade.
Fundamental é avançar com base nos fatos e nas evidências.
Portanto, não apoio esse autoritarismo disfarçado de “justiça social”, prezo pelo contraditório e, especialmente, oponho-me a essa clara pressão por conformidade ideológica.
Márcio de Carvalho Damin
“Uma vida não examinada não é digna de ser vivida”. (Sócrates)
Analisando as situações que vivo, aqueles que me cercam e o mundo no entorno, percebo nitidamente a confusão das pessoas perante a realidade. Não só da realidade política caótica em que o Brasil chafurda, mas a realidade das almas mesmas que estão inseridas neste contexto.
Pequeno exemplo. Ao assistir um vídeo em que cachaça era oferecida a cinco reais para os viciados da ‘’cracolândia’’ na cidade de São Paulo, me peguei a pensar sobre o mundo em que vivemos. Monta-se uma pequena tenda onde se vende pinga a seres que há muito tempo se tornaram escravos das drogas para lhes adicionar outro tipo de entorpecente. Os “comerciantes” que servem a bebida não avaliam a moralidade de sua ação. Não há explicação lógica para isso, exceto o embate entre o bem e o mal.
O problema maior que vejo é a interação dos pecados com a personalidade das pessoas de uma maneira harmônica. O cidadão imagina, por exemplo, que o lugar onde nasceu o faz superior a outros seres humanos, ou decide que sua conta bancária é a prova cabal de sua superioridade moral perante aqueles com menor poder econômico. No momento mesmo em que essas ideias surgem na cabeça do indivíduo elas ainda não fazem parte da personalidade, elas ainda não se mesclaram ao ser de forma peremptória. Todavia, ao não rechaçar de prontidão esses pensamentos que surgem para desviar o foco do individuo do supremo bem, que é o amor e por consequência o próprio Deus, o que surge na consciência como espúrio a natureza do ser vai gradualmente se mesclando a ele e, de modo triste e nefasto, convencendo-o de sua veracidade.
A santa missa nos diz claramente, no ato penitencial, para nos arrependermos dos ‘’pensamentos e palavras, atos e omissões’’, mas o que ocorre com a alma que se funde ao seu pecado de maneira a não mais percebê-lo? O que ocorre quando uma personalidade se deforma a tal ponto de não discernir mais o que é ela mesma e o que é o erro em sua vida?
Com alguma ironia eu poderia responder “bem, você se torna um político”. Mas é o que percebo, infelizmente, num grande número de pessoas com quem convivo. Já não há mais exame de consciência, tudo é relativo e por consequência permitido. E, se permitido é, a personalidade pode se amoldar a tudo de ruim que um dia pululou na mente não vigilante de uma inerme vítima de uma sociedade doente.
Os dramas de consciência que atormentaram os seres humanos ao longo dos séculos já não mais existem, e, como escreveu Sócrates “uma vida não examinada não é digna de ser vivida”.
Quando o amor e a verdade, e o amor à verdade se perdem numa busca de uma falsa sensação de paz e felicidade, tanto no indivíduo quanto na sociedade em geral o que se vê é uma lenta derrocada, uma desumanização, uma animalização do ser e do ambiente que o cerca.
Oro muito pela conversão das pessoas que me cercam, mas reconheço que tenho orado pouco pelas pessoas que não conheço, pelo nosso país e pelo mundo. Eis algo de que minha consciência me acusa neste exato momento.
* Márcio de Carvalho Damin é Músico