Percival Puggina

03/08/2023

 

Percival Puggina

 “Somos gratos ao Washington Post, ao New York Times, à Time Magazine e a outras grandes publicações cujos diretores participaram de nossas reuniões e respeitaram suas promessas de discrição por quase quarenta anos. Seria impossível desenvolvermos nosso plano para o mundo, se tivéssemos sido expostos à luz da publicidade durante esses anos”. David Rockfeller, na reunião do Bilderberg Group em 1991.

         Ao ler essas frases me vem à lembrança o discurso de Lula no ato de celebração dos 15 anos do Foro de São Paulo quando se referiu a ele como um espaço onde podiam “conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política”. Não, conspiração não é necessariamente teoria descartável.

Os impérios são expansionistas. Todos os movidos a ambição e poder também o são. Por isso, muitos descrentes da Criação, têm um projeto pessoal para recriar a sociedade humana noutros padrões. Forma sagaz de exercer domínio! Em suas manifestações atuais, requerem e propõem novos engenhos e artes tanto para a guerra (que é a política em sua expressão hard) quanto para a política (que é a guerra em sua expressão soft) como talvez dissesse hoje Clausewitz se integrasse a geração dos millenials.

         A experiência com o coronavírus serve ao caso. Ele universalizou o medo, mudou as rotinas dos povos, sustou as atividades produtivas, derrubou a economia mundial, estabeleceu novos protocolos de conduta civilizada, desacreditou a OMS, fez crescer enormemente o poder estatal sobre os cidadãos e restabeleceu a fé naquela “segurança que só o Estado pode lhe dar”. Em proporções que antes seriam inaceitáveis, cada homem, mulher e criança contemporânea percebe sua sujeição a imposições e a restrições de liberdade, com vistas à segurança coletiva. O vírus proporcionou um treino para a submissão aos rigores da burocracia. Levantamento recente revelou a edição, nesse específico tema, no Brasil, de 9455 leis e decretos municipais e 545 normas estaduais restringindo a liberdade dos cidadãos.

***

A história mostra uma lenta agregação, expansão e ampliação das formas de poder. Entre o caos que sucedeu à queda do Império Romano (476 d.C.) e o estágio atual do chamado globalismo medeiam 16 séculos, despendidos para irmos dos burgos fortificados aos atuais organismos internacionais e transnacionais.  No século passado, grandes empresas, após um formidável acúmulo de capital, começaram a criar fundações dedicadas a uma seleção de objetivos de larga escala para uma nova humanidade. Entre esses objetivos se inclui o financiamento de ações e projetos voltados ao aborto, práticas antinatalistas, ambientalismo, laicismo, aquecimento global, feminismo, questões de gênero, diversidade e multiculturalismo. Enquanto preparam o terreno para uma futura governança mundial, grandes fundações subsidiam, em todo o Ocidente, boa parte da publicidade e do discurso dito “progressista”. Muitos acontecimentos nacionais e internacionais dos últimos anos devem ser atribuídos ao poder outorgado por essas fontes de financiamento.

Fazer tábua rasa da cultura do Ocidente é a 1ª página do breviário globalista, cujo “plano para o mundo” precisa destruir fundamentos que procedam da filosofia grega, do direito romano e da tradição religiosa judaico-cristã.

Fingir que não vê, ou supor que orquestradas ações políticas mundiais como as mencionadas anteriormente, que invadem e saturam a mídia e os espaços de opinião, sejam apenas reflexos de um democrático livre pensar diferente, constitui terrível imprudência. Pergunto: como, num estalo de dedos, multidões enchem as ruas no mundo todo portando cartazes que são meras traduções dos que por aqui se leem? Ou vice-versa? Como explicar que os antifas exsurjam entre nós como movimento “pró-democracia”, sendo que historicamente abrigaram anarquistas, socialistas e comunistas? Sendo que, tanto quanto qualquer grupo de esquerda, chama fascistas e assume como adversários todos os defensores do livre mercado e da cultura do Ocidente?

Ao fim e ao cabo, numa perspectiva das ações concretas, estamos assistindo a intolerância de um modo contemplativo. Valores que são caros ao Ocidente estão sendo minados em nome de uma diversidade que faz exatamente o oposto dela, acentuando contornos, afirmando incompatibilidades e promovendo conflitos.

O fenômeno do globalismo, que internacionaliza essas pautas enquanto um jornalismo militante as aplaude e promove, não se confunde com a globalização, ou seja, com a integração econômica, social, cultural e a articulação política entre nações. É um sistema sutil de transferência de poder, um meio pelo qual a penthouse da elite mundial furta o poder político das nações transferindo-o para organismos tecnoburocráticos que lhes sejam próximos. Teremos, então, democracia para o que não importa e tecnoburocracia para tudo mais.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

02/08/2023

 

Percival Puggina      

         Se por um instante você deixar de ver os acontecimentos do dia 8 de janeiro como são narrados, para analisá-los como registrados pelos próprios olhos, notará enorme diferença.

Segundo as instituições, durante um par de horas, a nação periclitou frente ao abismo de uma ditadura fascista. No horizonte imediato, haveria fogo e ranger de dentes porque ali, a olhos vistos, transcorria o “pan demônio”, ou seja, a reunião de todos os demônios, do terrorismo ao golpismo. Felizmente, lhe dizem, a emergência foi debelada com os golpistas presos em ação fulminante e integrada dos bastiões da democracia, do estado de direito e das liberdades públicas.

Mil e quinhentas pessoas se envolveram na tal “intentona fascista”. Era uma ensolarada tarde de domingo. Sem banda, carro de som ou megafone, saíram do acampamento junto ao QG e marcharam em direção à Praça dos Três Poderes. Os homens, pela idade média, se militares, estariam quase todos na reserva; as mulheres eram intrépidas e ameaçadoras vovós e tias do Zap. Levavam cadeiras de praia, bandeiras, faixas. Enquanto a República vivia momentos tão decisivos, cantaram hinos, tiraram selfies, perambularam pela vastidão do despovoado local. Era uma praça sem garrafinhas de água e sem pipocas. Apenas um inesperado vendedor de algodão doce veio do nada com sua colorida mercadoria para adoçar o "golpe".

Em que pese tudo que se diz sobre os riscos de uma população armada, nenhuma pistolinha sequer foi vista e, menos ainda, ouvida. Cerca de 10% dos golpistas partiram para uma arremetida final contra a desguarnecida e vazia Bastilha brasiliense. Enquanto os demais, desde fora, gritavam “Não quebra! Não quebra!”, eles atacaram as vidraças republicanas e foram adiante, golpeando móveis e bens do patrimônio nacional. Dois dos três prédios invadidos já tinham sido objeto de tais crimes em outras ocasiões.

Enfim, pouco depois, um punhado de policiais militares do Distrito Federal surgiu e colocou todos a marchar de volta para a frente do QG onde, na manhã seguinte, embarcariam na segunda ratoeira de sua malsucedida "intentona".

A imensa maioria dos que foram à Praça dos Três Poderes era movida por temor. Temiam o braço pesado de um Estado que se agigantava assustadoramente sobre a nação. Acabaram comprovando nas suas vidas as razões do temor que sentiam.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

31/07/2023

 

Percival Puggina

         Henry David Thoreau inicia seu “Tratado sobre a desobediência civil” com as seguintes palavras (*):

Aceito com entusiasmo o lema “O melhor governo é o que menos governa” e gostaria que ele fosse aplicado de forma mais rápida e sistemática. Levado às últimas consequências, ele tem o seguinte significado: “O melhor governo é o que não governa de modo algum”, quando os homens estiverem preparados, será esse o governo que terão.

Concordo de bom grado com a primeira das duas afirmações, pois creio, e muito já escrevi a respeito, que todos os governos que queiram ser realmente bons para todos os seus cidadãos devem cuidar de se fazer tão desnecessários quanto possam. Não digo o mesmo da segunda assertiva, ou seja, quanto à dispensabilidade de qualquer governança, pois a frase aponta para uma utopia que chega à de Marx pelo viés oposto. Também o alemão antevia, na plenitude do comunismo, o fim do Estado. Pois sim!

Thoreau era um tipo incomum, individualista e minimalista nos limites da autossuficiência, pensou segundo o modo de vida que escolheu ou, vice-versa, assim pensou porque assim viveu. Eram os Estados Unidos do século XIX, ainda escravocrata (a Guerra da Secessão aconteceria 12 anos depois de haver escrito essa obra) e ele recusava submissão a um estado que fazia guerras de conquistas contra seus vizinhos e convivia com a escravidão. Afirma no livro: “Nem por um minuto posso considerar meu governo uma organização política que é, também, governo do escravo”.

Passados 174 anos, quanto mais pode um homem de consciência proclamar sobre submissão a tantos e tantos governos corruptos e tiranos!

Quer vejamos o Estado como um mal ou como um bem, tenho como certo que após o adjetivo estará presente a palavra “necessário”. É o que aprendi com um inglês anterior a Thoreau, que escreveu uma obra importantíssima sobre a Revolução Francesa enquanto ela transcorria. Edmond Burke, esse o nome dele, valeu-se daqueles desastres sanguinários para mostrar a importância das instituições. Não é por acaso que todos os 193 países reconhecidos na ONU têm governos e mesmo duas unidades não reconhecidas como países – Vaticano e Palestina – também têm uma forma de governo.

Nosso problema, como brasileiros, é um Estado como o que temos. Um Estado que devendo assumir como tarefa primordial a superação da pobreza, apodera-se dos recursos de toda a população, inclusive dos mais pobres entre os pobres, para cuidar bem de si mesmo. Escândalo!  Um Estado cuja elite se outorga ganhos milionários, cujo presidente critica os dois televisores da classe média, viaja como um sheik, hospeda-se em suítes reais e dá bolsa esmola aos mais pobres com fingida expressão de compaixão.

Cegueira extrema é discursar sobre injustiça e desigualdade entre as pessoas e não olhar para o que acontece entre o Estado e a sociedade. O Estado explorador do trabalho alheio, faz propaganda da luta de classe, mas não vê a si mesmo como provedor e painel visível de injustiças sem fim.

Realmente, submeter-se a um Estado assim é burrice e contradição. Não quero revoluções nem sangue, mas não podemos prescindir da inconformidade, da resistência, do ânimo de revolta, nem perder ocasião para proclamar indignação, odiando e combatendo politicamente o mal como é da natureza da virtude.

*        Tenho em mãos o excelente livro editado pela Avis Rara, que inclui o ensaio de Étienne de la Boétie sobre “A servidão voluntária”.

Percival Puggina

30/07/2023

 

Percival Puggina

         Há alguns anos, num debate sobre o regime cubano, meu interlocutor saiu-se com esta: “O Puggina gostava, mesmo, era da ditadura de Batista”. Ele se referia a Fulgêncio Batista, ditador cubano durante sete anos, derrubado pela revolução de Fidel Castro. Como na ocasião do debate o totalitarismo comunista já se impunha havia 53 anos, eu respondi que comparando uma ditadura de 7 anos com uma de 53 ainda mais perversa, Batista poderia ser conhecido como “Batista, o breve”, ou como “Batista, o compassivo”.       

Lula gosta de posar nos círculos internacionais como “un homme du monde”, frequentador do circuito Roma-Paris-Londres, mas é junto à escumalha do Foro de São Paulo que ele se sente em casa. Especialmente com Daniel Ortega, Nicolás Maduro e Díaz-Canel, atual CEO de Castro & Castro Cia. Ltda.       

A velha imprensa raramente fala sobre estas coisas. Que o comunismo, regime pelo qual Lula manifestou sua orgulhosa admiração, promete o paraíso e entrega o inferno de camburão todo mundo reconhece. Quem conhece a Alemanha e o povo alemão sabe que deixar a Alemanha Oriental na miséria durante 44 anos em tempo de paz não é tarefa para qualquer regime. Por isto, a cortina de ferro e o muro de Berlim: para que o povo não fuja do regime, como ocorre hoje nos países tomados pelos amiguinhos de Lula.

Em Cuba, após o êxodo nos primeiros dois anos da Revolução, durante os quais cerca de 2 milhões de cubanos mudaram-se para a Flórida e fizeram Miami, a população cubana gradualmente estagnou e estacionou, desde 1997, em 11 milhões de habitantes. Desesperança e êxodo. No ano passado 270 mil cubanos deixaram a ilha. Acumulam-se aguardando deferimento cerca de 400 mil pedidos de visto.

Seis milhões de venezuelanos deixaram sua pátria imigrando para Colômbia e outros vizinhos, entre os quais o Brasil. Esse número equivale a toda população de Santa Catarina ou de Goiás, por exemplo...

Os números do êxodo da Nicarágua são menores. Estima-se que 600 mil nicaraguenses tenham deixado o país desde 2018. A pequena Nicarágua tem apenas 6,8 milhões de habitantes. Um em cada 10 nicaraguenses foi embora.

Nos três países, um ritual bem conhecido, que sofreria restrições se mencionado na campanha eleitoral de 2022: crescentes restrições às liberdades individuais e políticas, manipulações, narrativas, cerceamento da oposição, prisão de oposicionistas e agigantamento do Estado sobre e contra a sociedade. Sempre em nome dos mais nobres ideais humanistas.

Somos uma grande e numerosa nação cuja saída de uma situação ameaçadora é para o interior da realidade brasileira. Ela tem que ser traçada pelos próprios cidadãos, com a consciência de que – ouvidos os discursos, interpretados os sinais e mantido o rumo atual do país – o ponto de chegada é conhecido. Os amiguinhos de Lula já nos mostraram.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

27/07/2023

 

Percival Puggina

         Pessoas posicionadas em altos escalões da República resolveram metamorfosear-se. Ora são elas mesmas, ora são o Estado, ora são a democracia, ora a Constituição. Essa sobrenaturalidade ou transcendência produz efeitos na vida social, não havendo como não atribuir a tal grupo certos abusos percebidos no país. Quem quer ser transcendente assuma ônus e bônus; quem quer ser jequitibá, aguente o vento lá em cima.

Quantas vítimas e quantos policiais deixariam de morrer todo ano se quem os matou estivesse onde deveria estar, atrás das grades de um presídio? Duvido que não tenham, todos, longo prontuário de ocorrências, intimações, prisões e condenações a certificar sua disposição de viver fora da lei. Ninguém inaugura sua vida criminosa matando policiais. Só que nenhum daqueles eventos teve o tratamento necessário para assegurar a proteção da sociedade. Com raras, raríssimas exceções, todos foram conduzidos, pelas instituições, de modo a favorecer o transgressor. Presídios brasileiros têm porta de vai e vem.

Convivem, aqui, altos índices de criminalidade e tolerância institucional para com os criminosos. Nossos “progressistas” atrasam tudo. Indivíduos perigosos passeiam impunes por nossas ruas e estradas vivendo de violações e gerando insegurança. Na longa lista de preceitos protetivos que o engenho humano possa conceber para livrar a pele de bandidos, nada há que nossa legislação, nossos ritos, usos e costumes não consagrem. Como escreveria Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, se vivos fossem, “Aqui, majestade, em se roubando ou matando, nada dá”.

E não dá nada mesmo. Às normas tolerantes, pusilânimes face ao crime, mas inclementes com a sociedade, muitos se juntam para tornar folgada a vida dos bandidos. Tudo fazem para que tais atividades não tragam sobressaltos, riscos e cárcere a quem escolher a vida criminosa. Entre outros, verdadeira multidão de legisladores, magistrados, professores de Direito, promotores, defensores, advogados, comunicadores, sociólogos, assistentes sociais, políticos e religiosos – corações moles como merengue da vovó – tagarelando sobre uma nova humanidade e uma nova sociedade, convergem esforços para obter esse efeito e clamam por desencarceramento.  

Escrevemos na Constituição que “todos somos iguais perante a lei”, mas umas vítimas são mais iguais que as outras. Desde que Marielle Franco morreu, a esquerda tenta empurrar seu cadáver para cima da direita. Não há o menor vestígio nem motivo que leve nessa direção, mas a conveniência política da esquerda faz o motivo, certo? “Como pode ela ser morta e a culpa não ser do adversário?”, fala a lógica desse tipo de política.

Pessoalmente, quero que todos os crimes sejam desvendados e os culpados apontados, julgados, condenados e cumpram pena, mas afirmando isso assim, genericamente, já estou desagradando a muitos. Para estes, querer prender os mandantes do crime contra a vereadora é uma coisa, mas querer presos todos os bandidos não dá porque “o Brasil prende demais”. Eles têm bandidos e vítimas de predileção.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

26/07/2023

 

Percival Puggina

         A advertência vem sendo frequentemente repetida: “Todo dia, um ingênuo e um espertalhão saem de casa; se os dois se encontram, dá negócio”. Imagine a facilidade dos espertalhões se contarem com apoio dos grandes meios de comunicação, se a cúpula do Poder Judiciário for antagônica aos seus concorrentes e se as celebridades que os ingênuos reverenciam forem devotas do malandro maior!

Quando vejo a realidade nacional sob esse prisma, não posso deixar de pensar no poder de degeneração que acompanha a malandragem esquerdista. Ela só é bem sucedida porque opera como uma formadora de trouxas. Verdadeira multidão! Vota de qualquer jeito em qualquer sujeito ou, como ingênuo, vota no mais vivo por qualquer motivo.

Por isso, o negócio prospera. 

Lembro das longas décadas em que a sociedade teve três instituições não estatais como referências que lhe falavam em temas cruciais – a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Dirigidas por pessoas prudentes e sábias, as três muitas vezes se manifestavam juntas. Não detinham poder algum fora de seus próprios âmbitos, mas possuíam algo que se evaporou quando os malandros foram ao encontro da multidão dos trouxas. O predicado que as três instituições tinham era mais relevante do que o poder. Os romanos chamavam-no de “auctoritas”, atributo de uma pessoa ou de uma instituição derivado do respeito que os demais a ela dedicam em virtude dos valores e princípios que a inspiram.

Temos, hoje, uma OAB que assiste passiva aos maus tratos à Constituição, à advocacia e ao bom Direito. Temos uma ABI que silencia perante a prática recorrente da censura. Temos uma CNBB silenciosa quando o Estado se agiganta sobre a sociedade e as nuvens do totalitarismo se aproximam no horizonte com prisões políticas e desrespeito à dignidade humana.

Dia após dia, nestas linhas, dedico-me a descrever causas e consequências dos males que vejo, como fiz lá atrás, nos anos 80, quando percebi o abismo por vir. Sou conservador, não faço revoluções. Cultivo apenas o hábito maluco de acreditar na força da liberdade, na instituição familiar, no trabalho, na criatividade humana e na educação portanto. Sabia que um dia o desespero, neste Brasil sem Deus, bateria à nossa porta. “Escrever não resolve”, alertam-me alguns. Depende do que se considere como resolver.

Eu escrevo para que, a cada dia, um número menor de ingênuos se encontre com os malandros que tomaram a nação. Escrevo para que fique bem claro meu não consentimento ao que vejo ser feito em meu país.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

24/07/2023

 

Percival Puggina

         A justificativa do governo para os projetos que apresenta com o intuito de salvar a democracia de seus inimigos fala em medidas duríssimas, ausentes do direito penal brasileiro. Não peçam coerência aos autores do projeto porque ela, muitas vezes, é um sofrido requinte moral, enquanto a hipocrisia é benfazeja camarada ou companheira.

Os crimes contra o cidadão não preocupam o Estado. Contudo, para o governo federal, “o tratamento penal aos crimes contra o Estado Democrático de Direito precisa ser mais severo a fim de que sejam assegurados o livre exercício dos Poderes e das instituições democráticas, o funcionamento regular dos serviços públicos essenciais e a própria soberania nacional".

O governo precisa fazer crer que em 8 de janeiro um punhado de policiais salvou a democracia e parou os golpistas que, no dia seguinte, embarcaram como cordeiros nos ônibus da PF. Devido a esse “terremoto” das instituições, um dos projetos altera o Código de Processo Penal para “a apreensão de bens, o bloqueio de contas bancárias e ativos financeiros de suspeitos de financiar atos antidemocráticos, em qualquer fase do processo, e até antes da apresentação de denúncia ou queixa”. (aqui)

Essas medidas – creiam! – procedem do mesmo grupo político que é a favor do desencarceramento. Do mesmo para o qual “no Brasil se prende demais” e para o qual “prender não resolve”. Não bastante, essa turma é detratora habitual da polícia, sonha com desarmá-la e propaga a mensagem de ser o criminoso uma vítima da sociedade, e o cidadão de bem, o verdadeiro bandido a ser desarmado.

Não está bom assim? Azar o seu porque a turma da cobertura, a elite da elite do Estado, que com ele se funde e confunde, vê a si mesma como quintessência de uma democracia onde o povo é paisagem inerte. Querem uma democracia sem povo, silenciosa, e um legislativo cuja maioria represente apenas os próprios interesses.

Primeiro, quiseram aprovar em urgência urgentíssima o controle das opiniões nas redes sociais. Depois, tentaram passar pela Câmara dos Deputados, também às pressas, o PL 2720/23 que os imunizaria contra a crítica alheia, por serem pessoas publicamente expostas. Tendo fracassado essa ideia, que beneficiaria alguns milhares de pessoas, a elite da elite política ganhou um projeto para proteção individual, com uma série de dispositivos inovadores, como se viu. Simultaneamente, a PGR quer acesso às identidades e comentários nas redes sociais de dezenas de milhões de seguidores dos perfis e canais do ex-presidente. Alguém não sabe para onde isso nos leva?

Temos vivido sob “procedimentos excepcionais” que incluíram a censura, bloqueios de contas em redes sociais, desmonetizações, inquéritos sem fim e sem prazo, prisões políticas, desrespeito ao espaço privado, ameaças. Sempre há uma razão para excepcionalidades características dos regimes de exceção: vacinas, urnas eletrônicas, eleições, 8 de janeiro, golpismo. Agora, até uma ocorrência ainda pendente de provas no aeroporto de Roma estimula a adoção de procedimentos excepcionais. Normalizar medidas excepcionais não nos afasta do estado de exceção.

Um peso e uma cara para a sociedade de manés; outros para o Estado e suas excelências. Chega-se, assim, à completa inversão: uma sociedade para servir e temer o Estado que, por sua vez, é bem servido e não teme a opinião pública porque ela não se faz ouvir. Vamos para Cuba, com o bilhete mais caro, sem sair do mesmo lugar.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

21/07/2023

 

Percival Puggina

        Frequentemente, amigos intelectuais me dizem que não usam os conceitos de direita e esquerda e, menos ainda, os adotam como modo de identificar suas posições pessoais.

Pois é. Complicado, mesmo, como mostra o saudoso Olavo em artigo com o título “Direito e esquerda, origem e fim”, publicado no Diário do Comércio de 01/11/2005 (aqui). No entanto, quando me fazem essa advertência, não sem razão alego que em todo o Ocidente (ao menos) as pessoas percebem que tais palavras orientam um arco de possibilidades onde podem identificar a si mesmas e a sua leitura das realidades políticas. Portanto, até que esses conceitos se autodestruam eu sigo adiante com eles. 

No artigo que mencionei acima, nosso Olavo lembra que no final da II Grande Guerra, “os americanos retiraram pacificamente suas tropas dos países europeus pacificados acreditando que os russos fariam o mesmo quando os russos, ao contrário, tinham de ficar lá de qualquer modo, porque, na perspectiva da revolução, o fim de uma guerra era apenas o começo de outra e de outra e de outra, até à extinção final do capitalismo”.

Não só do capitalismo, claro, mas de toda uma civilização, como ele cuidou de demonstrar em sua obra. Numa perspectiva pessoal, que sei comum a tantos, não há qualquer bem imaterial que seja para mim objeto de reverência ou zelo que não esteja sob permanente ataque “dos russos” para usar a referência de Olavo em relação ao que se seguiu à II Guerra Mundial.

Essa esquerda revolucionária jamais construiu algo que ficasse de pé. Nenhuma economia, nenhuma ordem política, nenhum Índice de Desenvolvimento Humano saudável. Sua produção cultural é comprometida com a destruição, seja lá do que for, inclusive do que seja bom, belo e verdadeiro.

Apesar de toda a choradeira magoada (mimimi, no dizer moderno) da esquerda brasileira contra o que chama “discurso de ódio”, aos 78 anos sou testemunha viva e experiente do ódio que vai muito além do discurso. Durante décadas, essa esquerda que ora nos aflige teve o Rio Grande do Sul como sua cidadela e ao longo desse tempo eu confrontei seus portavozes, olho no olho, em sucessivos debates.

A ampla maioria “de direita” que teria saído das urnas de 2022 e prometia disponibilizar contrapesos e freios aos excessos que viessem dos tribunais superiores e do Palácio do Planalto acabou reduzida a pouco mais de uma centena de deputados federais. Seria uma estupidez responsabilizar apenas o governo petista por fazer o que sempre fez:  comprar base de apoio, por lote ou cabeça.  Muito mais estúpido é não apontar o desastre moral de cada peça ou partida nesse leilão de oportunistas, tão falsos e embusteiros quanto um discurso do Lula.

Sempre me declarei de direita porque o centro, além de levar junto um bom retalho de esquerda, tem jeito de centrão, conduta de centrão e jamais enfrenta um adversário hegemônico que tenha a chave do caixa.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

20/07/2023

 

Percival Puggina

Leio em O Globo:

A Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que as plataformas de redes sociais apresentem todas as publicações do ex-presidente Jair Bolsonaro referentes a eleições, urnas eletrônicas, Forças Armadas e o próprio STF, entre outros temas.

O subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, responsável pelas investigações dos atos golpistas, ressalta que essa solicitação já havia sido feita, mas que não foi analisada por Moraes. Por isso, Santos reiterou o pedido nesta segunda.

(...)

Além disso, quer que as redes apresentem as métricas de cada publicação, como visualizações, curtidas, compartilhamentos e comentários. Ainda foi solicitada uma lista completa dos seguidores de Bolsonaro.

        São 70 ou 80 milhões de pessoas (a notícia teria produzido um rápido crescimento no número de seguidores), mas – calma pessoal! – segundo o subprocurador afirmou na semana passada, o investigado é apenas o ex-presidente, e, ademais, a PGR não teria como processar milhões de cidadãos. Antes do esclarecimento, eu tinha certeza disso. Agora já não tenho mais, como veremos adiante.

Todos esses quantitativos solicitados as próprias plataformas disponibilizam por publicação. As incertezas começam quando aparece a palavra “comentários” porque estes são individualizados.

Essa história não tem lado bom. Um lado devassa as opiniões políticas de dezenas de milhões de cidadãos e o outro rompe com objetivos do sigilo do voto, inerente às democracias. O sigilo do voto protege o eleitor de quem lhe possa causar dano (ou recompensa) por suas opiniões não voluntariamente expressas, que se revelam quando se sabe em quem ele votou ou não votou. Se “avaliar o conteúdo” se referir apenas ao vídeo do ex-presidente, o pedido deveria ser de outra natureza; ao incluir os conteúdos dos comentários, o que acontecerá com as pessoas cujas opiniões não forem do agrado do escrutinador? Quem deu ao Estado esse direito? Ah, pois é!

A democracia requer instituições, mas também depende de como elas procedam. O que está em curso no Brasil é um arremedo do regime e dos meios de ação narrados no conhecido filme “A vida dos outros” (Das leben der Anderen, Oscar de melhor filme estrangeiro de 2007). Até 1990, o regime comunista da Alemanha Oriental e seu partido único, o SED, contavam com os serviços da Stasi, para controlar a vida dos alemães orientais, oprimir opositores e dar suporte ao SED. A Stasi chegou a dispor de 90 mil servidores fixos e 170 mil informantes. “Funcionou bem?”, indagará o leitor. Sim, durou 40 anos, respondeu por 250 mil prisões, sustentou o luxo da elite partidária e o rotundo fracasso do comunismo na terra do velho Karl! Em todos os países satélites atuavam filhotes da KGB, como a própria SED, a KDS búlgara, a Securitate Romena, a StB tcheca.

Muito me preocupa o que vejo acontecer. Tenho saudades da Constituição de 1988, mesmo com seus gravíssimos equívocos. A cada dia mais e mais esqueletos são levados para o armário da memória e dos arquivos. As bobagens proferidas não voltam para a boca e a censura não apaga o que os olhos viram. Alguém ainda vai ganhar muito dinheiro com documentários sobre estes anos loucos e suas fábricas de espantalhos.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.