• Percival Puggina
  • 18/08/2023
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Aí tem coisa!

 

Percival Puggina

      Na tarde do dia 8 de janeiro e nas horas seguintes, diante das cenas exibidas à nação, dezenas de milhões de brasileiros pressentiram que o filmado e exibido não estava bem contado. “Aí tem coisa!”, pensaram. No STF, o ministro Alexandre de Moraes, tuitou:

“Os desprezíveis ataques terroristas à Democracia e às Instituições Republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores, anteriores e atuais agentes públicos que continuam na ilícita conduta dos atos antidemocráticos. O Judiciário não faltará ao Brasil!”.

Na noite do mesmo dia, no Inquérito 4.879, o ministro apreciou vários pacotes de solicitações. Eram pedidos da AGU, do senador Randolfe Rodrigues, do Diretor Geral da PF e da Assessoria de combate à desinformação. Na decisão, ainda referindo o episódio num contexto de ataques terroristas, determinou a desocupação e prisão imediata dos ocupantes de todos os acampamentos, a prisão de Anderson Torres, Secretário de Segurança do DF e aplicou a Ibanez Rocha, governador do DF, a pena alternativa de afastamento do cargo, ocasionando a subsequente intervenção federal.

No dia seguinte, a senadora Soraya Thronicke (UB-MS) formalizou o pedido de CPI para investigar os atos da véspera. A medida contava com apoio, entre outros, dos senadores Jacques Wagner, Randolfe Rodrigues, Humberto Costa, Eliziane Gama, Katia Abreu. 

Enquanto a banda afinada do jornalismo brasileiro tudo registrava num foco muito fechado, desatenta às contradições presentes nas cenas, dezenas de milhões de brasileiros, seguiam comentando, também uníssonos: “Aí tem coisa!”.

Na 4ª feira 18 de janeiro, o presidente Lula, atribuindo a Bolsonaro a incitação àqueles atos, declarou ser contra a CPI solicitada pela senadora Soraya: “Nós temos instrumentos para fiscalizar o que aconteceu nesse país. Uma comissão de inquérito, ou seja, ela pode não ajudar e ela pode criar uma confusão tremenda. Nós não precisamos disso agora”.

Ouvido o presidente, outros milhões de cidadãos se juntaram à multidão dos que murmuravam a seus botões: “Aí tem coisa!”.

A oposição também apoiava a CPI. Contudo, embora já assinada por mais de 40 senadores, o ativo e determinado presidente do Senado (surpresa!) acabou sepultando-a com a alegação de que em janeiro de 2023 e antes da posse da nova legislatura em 1º de fevereiro todos os seus signatários eram “da legislatura anterior”. Cumpria-se o desejo do governo e morria a já então indesejada CPI. Sim, havia alguma coisa ali.

Três meses – três inteiros meses! – já tinham transcorrido quando, em 19 de abril, vazaram as cenas do general G. Dias e de outros integrantes do Gabinete de Segurança Institucional circulando e, biblicamente, dando de beber a quem tinha sede durante a invasão do Palácio do Planalto. Sim, sim, havia alguma coisa ali.

Os rumores que partem do silêncio longamente internalizado, escrevi outro dia, precisariam de um “sismógrafo” como os que registram os primeiros estertores vulcânicos. A exemplo deles, os rumores sociais acabam vindo à superfície e se transformam em fatos. Nasceria, assim, a CPMI dos atos do dia 8 de janeiro. Na “bacia das almas” onde se negociam as consciências, porém, a CPMI já veio ao mundo com maioria governista...

Sem a nobreza das performances circenses, sem o talento dos atores de teatros mambembes, sem o profissionalismo que caracteriza as operações desinformação, a CPMI não ouviu e não ouvirá o general G. Dias nem o ministro Flávio Dino. Aí tem! Esquecem-se os senhores de baraço e cutelo dessa coisa teratológica em que se transformou a política brasileira, que uma comissão parlamentar de inquérito não é um instrumento das minorias “nos legislativos”, mas é um instrumento da sociedade! CPIs não são do legislativo para o legislativo ou para os parlamentares, mas para a nação! Que raça de políticos e de representantes é essa? Mais uma vez esquecem que são apenas representantes e não negociantes dessa representação?

A cadeira da representação parlamentar não é uma cadeira das que se vende. Temos ainda um Congresso ou ele já virou um brechó?

Comprando votos parlamentares na “bacia das almas”, com número crescente de congressistas afundado ns assentos do plenário, apertando teclas em obediência a ordens dos donos dos partidos, vendidos à base do governo, fecha-se a tornozeleira no pescoço da verdade!

Não sei o que é mais desolador:

- o que uns e outros fazem com os fatos;

-  o modo de não mais julgarem necessário ocultar o que fazem;

- o modo como a velha imprensa relata o que convém como lhe convém;

- o fato de o STF tomar esse jornalismo serviçal, cuja opinião prescinde dos fatos, como referência para impor disciplina e acabar com a liberdade das redes sociais.

Mas que aí tem coisa, tem!

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


Enézio E. de Almeida Filho -   20/08/2023 12:54:37

Resistir é existir e resistir a esse tiranete togado é um ato verdadeiramente democrático! O povo precisa tomar as ruas e mostrar sua resistência a esses estupradores do Estado Democrático!!!

Renato -   19/08/2023 22:40:33

O fato de um ministro do STF afirmar que "vai fazer e acontecer" já mostra que as leis são secundárias, ele se sente acima delas. Quando diz "ataques à democracia" é sinal que já julgou e comprovou (sem provas nos autos) que existe um movimento ideológico contra os anseios da sociedade. Deixou a certeza dos fatos e partiu para as ideias de sua cabeça. É lamentável.

NEY DARIO KAMINSKI -   19/08/2023 19:36:10

VERGONHA PARA CONGRESSSISTAS CORRUPTOS, ""LOUCOS POR DINHEIRO E CARGOS"" , E NÃO PRELO BEM DO NOSSO PAÍS !!!!!!!!

João Jesuino Demilio -   19/08/2023 17:06:05

Caro Percival No pobre Brasil de hoje, não interessa os fatos. O que vale é a NARRATIVA criada, embalada pelo STF e divulgada pela "mídia". A verdade se retira, envergonhada no circo montado, onde acham que os palhaços somos nós!

felipe luiz ribeiro daiello -   19/08/2023 16:02:58

Transparência é quesito Constitucional?

marisa van de putte -   19/08/2023 13:37:31

Senhor Puggina, so nao entendem os que nao quiserem entender. O que aconteceu no Brasil foi uma copia do Capitolio feita por camelo.

Manoel Luiz Candemil -   19/08/2023 12:42:47

Muitos donos de partidos políticos não foram eleitos! E donos de partidos determinam aos eleitos apenas o que eles pensam? De onde surgem ideias que não interessam à maioria dos brasileiros?

Jorge Fenerich -   19/08/2023 11:59:07

A verdade esta escancarada ao mundo todo só faltam atitudes de responsáveis e decentes, por isso defendo uma mudança radical do país, sistema distrital com voto facultativo imediatamente.

roberto lima de almeida neves -   19/08/2023 11:57:21

Não há dúvida do que ocorreu no fatídico dia da invasão e depredação do Palácio. Pessoas orientadas e à soldo do governo, e alguns desequilibrados depredaram partes do Palácio. Outros tantos aproveitaram as portas abertas e passearam curiosos pelas instalações. O resultado planejado por agentes do governo foi muito bem explorado. O sinistro plano de depredação, "fulminou" as demonstrações pacíficas de milhões de pessoas. E agora? O que falta para a reocupacão das ruas?

Paulo Antônio Tïetê da Silva -   19/08/2023 10:21:06

Este artigo, merece constar nos livros da história da Nação Brasileira, para que as futuras gerações, saibam o que verdadeiramente ocorreu em 8 de janeiro de 2023.

Eloy Severo -   19/08/2023 10:20:57

Sempre um comentário muito bom e oportuno. É triste ver um País c/todo o potencial que tem, invejado pelo mundo e governado há muito tempo, por gente sem moral.

ALCIDES POLIDORO PERSIGO -   19/08/2023 09:26:02

Como sempre, suas colocações são de fato e de direito, verdades inquestionáveis,. Lamentável nossa Pátria ser governada por tais indivíduos.

Cláudia Oliveira -   19/08/2023 09:22:11

Se aí tem coisa? Como tem! É nítido que tem muita coisa aí. Obrigada professor!

Gerson Carvalho Novaes -   19/08/2023 08:29:57

Meu comentário. Paulista palmeirense que sou, aproveito a oportunidade para mandar um forte abraço aos amigos gaúchos gremistas e colorados.

Julio Dias -   19/08/2023 08:23:21

Bom dia Percival, Há alguns anos eu seguia seus comentários com imensa admiração pela seriedade das colocações procedentes sempre tratando os protagonistas com todo o respeito, muitas vezes abalado pela gravidade. Pena que só agora o redescobri para não perder mais sua importante participação. Valeu!!

Francisco Costa -   18/08/2023 21:04:17

Texto ímpar Percival Puggina o governo tomou de assalto uma CPMI que não queria tem coisa sim o jornalista ouvido acrescentou mais elementos a Força Nacional estava no estacionamento do ministério do Flávio Dino e o ministro Alexandre o ditador de Moraes não vai manda-lo ser ouvido na CPMI porque é da turma do bem?

Menelau Santos -   18/08/2023 19:36:10

Muito bom, Professor. Não bate nada com nada. Uma frase de Winston Churchill: "A verdade é tão preciosa que precisa estar sempre acompanhada de uma guarda pessoal de mentiras."

Alexandre Carneiro Wendling -   18/08/2023 17:37:07

Sim, virou um brechó de coisas baratas e mal feitas.

Marília -   18/08/2023 17:32:48

Muito boa sua reportagem

Valterlucio Bessa Campelo -   18/08/2023 14:44:27

Cada vez mais evidente a fabricação de um “Capitólio” brasileiro. A frágil justiça foi rasgada de vez e mais de mil brasileiros honestos jogados num “Gulag”. O estado democrático de direito é uma quimera. Sigamos, mestre.