Percival Puggina

06/09/2010
Não vou abrir espaço para a personagem que dá motivo a este artigo. O que está a exigir considerações foi o que disse e por que disse. Seu tema era o mérito como forma de ascensão funcional. Para ela, não se deve avaliar o desempenho de alguém individualmente, nem em grupo, porque diferentes grupos e diferentes indivíduos são incomparáveis em suas circunstâncias, limitações e possibilidades. Todos deveriam receber um bom salário e ponto final. Ela confundia avaliação de desempenho com comparação entre pessoas. Não preciso dizer em que ponta do time joga a companheira. Sua tese tem tudo a ver com o pensamento esquerdista que tira de quem trabalha muito e passa para quem trabalha pouco até que ninguém trabalhe mais (não estou negando a necessidade de políticas sociais). As consequências são conhecidas teórica e empiricamente. Mas a tese tem razoável penetração e acolhimento, porque, apesar da profunda perversão que produz, ela se encobre com o manto de uma suposta justiça, bordado nas cores da benevolência. No fundo é a tal absorção da ideia de justiça pela ideia de igualdade. Falemos da vida e dos fatos da vida. Aprendi de guri, lá na minha Santana do Livramento, que os alunos mais dedicados aos estudos eram aqueles que disputavam - disputavam mesmo - os primeiros lugares da turma. Eu não estava no estressado Japão do século 21 e em nenhuma metrópole dominada pelo liberalismo. Ninguém, na turma, sonhava com ser um bamba entre os tigres asiáticos. Éramos apenas meninos e meninas dos anos 50, numa cidade interiorana. Mas estudávamos pacas, disputávamos notas. E, assim, aprendíamos muito. Aquela experiência escolar, vivida no antigo curso primário - hoje ensino fundamental - valeu-me para a vida. Compreendi então, ainda em calças curtas, que o progresso e o sucesso têm tudo a ver com esforço e quanto maior ele for, maior será a recompensa. Foi o que me tornou resoluto adepto da valorização do mérito. A União Soviética, a extinta URSS, exigiu muito empenho dos Estados para acompanhar seus avanços tecnológicos na corrida armamentista e espacial. Por quê? Porque havia muita coisa em jogo. O resto do país era um retrato do fracasso comunista, mas havia na URSS um nível de excelência nesses dois conjuntos de atividade. Cuba, não deixava por menos. Seus atletas eram feras em competições internacionais. Por quê? Porque na sociedade cubana, na Cuba da libreta provisória de racionamento que já leva meio século, os atletas têm acesso a proteínas que o restante da população não consegue comprar. Nos países comunistas, o mérito esportivo alivia os penares da existência. Ademais, a vitória esportiva é instrumento de propaganda de regimes que sobrevivem às custas da propaganda. Resumindo: em países sob regime totalitário de viés marxista podem surgir áreas de excelência, mas isso só ocorre se há algo sendo disputado. Portanto, quando se automatizam as promoções funcionais, desvinculando-as do merecimento, quem resulta automatizada é a mediocridade. No mundo de qualquer época, a mediocridade é parteira do atraso. ______________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Folha press

02/09/2010
LULA LAMENTA NÃO TER FEITO PROJETO PARA AMPLIAR MANDATO Folhapress O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou não ter mandado ao Congresso uma emenda à Constituição que lhe permitisse aumentar o seu mandato na Presidência da República. Está certo que está no final do mandato, mas junto com esta lei complementar podia ter mandado uma emendinha para mais alguns anos de mandato, disse ele, ao sancionar alterações na Lei Complementar 97, que amplia os poderes do Ministro da Defesa e estende à Marinha e à Aeronáutica o poder de polícia nas fronteiras, que apenas o Exército possuía. Em seu primeiro discurso na primeira cerimônia realizada na volta ao Palácio do Planalto, Lula falou ainda do seu arrependimento de não ter comprado um maior, ou talvez dois aviões do tipo Airbus A-319, como o adquirido, por causa do tamanho das delegações de empresários que costuma levar em suas viagens pelo mundo para ampliar os negócios com o Brasil. Hoje eu sei que precisava, prosseguiu Lula, no discurso de improviso. O presidente brincou ainda com os comandantes militares ao agradecer a cooperação e a compreensão deles no entendimento da necessidade de modificações na legislação. Brincou porque chamou todos de companheiros, lembrando que, se tivesse mais um ano de governo, daqui a pouco estaria chamando-os de camaradas, expressão usada pelos comunistas ao se dirigir aos seus colegas.

Percival Puggina

29/08/2010
Integro o grupo cada vez mais reduzido dos que consideram a política - mesmo a que temos - como algo importante à vida dos povos. Isso me leva a tomar a sério os processos eleitorais. Não, não estou sendo sutil nem ironizando. Levo a sério, mesmo. Aliás, anote aí, leitor: eleição é só o que nos resta de democracia no Brasil. Quem quis diretas-já para ter democracia, agora tem diretas e deve clamar por democracia-já. O regime democrático é incompatível com a desmesurada concentração de poderes, prerrogativas, recursos financeiros, forças, meios e instrumentos de barganha que, em nosso país, convergem para a presidência da República. Eis por que, desde antes da Constituinte, insisto em que constituamos uma federação de fato e em que separemos Estado, governo e administração. Como mínimo. Quando a hegemonia institucionalizada somou-se ao carisma pessoal de Lula, emergiu uma força ainda maior. Agregaram-se para compô-la a sensação de dependência que se estabeleceu sobre boa parte da sociedade e a ascendência que Lula conseguiu arrogar-se. Está aí o baião de dois, a goiabada e o queijo desta eleição. O que estou afirmando ficou muito evidente, outro dia, no horário eleitoral, enquanto Lula formalizava a entrega de seus filhos aos zelos da mãe que escolheu para o suceder. Menos, Lula, menos! pensei com meus botões, enquanto tentava discernir o que era pior e mais grotesco, se a falta da noção de limite, a confiança do presidente no poder que exerce sobre ampla maioria do público brasileiro ou a inutilidade de mostrar o quanto estávamos sendo desacatados naquele momento. Foi quando decidi escrever este artigo no velho estilo do a quem interessar possa. Por poucos que sejam. De fato, a inclinação de uma expressiva parcela da nossa sociedade por políticos paternalistas é o que pode haver de clássico. Assim foi construída e preservada a miséria de boa parte do Nordeste brasileiro. Foi assim que o prestígio da Casa Grande se manteve depois de a senzala se haver mudado para a periferia. Até aí nada de mais. Os maus políticos sempre gostaram de voto comprado e os maus eleitores sempre apreciaram voto vendido. A novidade que agora vemos, após oito anos de governo Lula, está na quantidade de filhinhos que não brincam de puxar caminhãozinho, mas andam de jatinho. Seguindo o exemplo de tantos partidos políticos, passaram também eles suas convicções no picador de papel. Nelson Rodrigues dizia repetir-se em suas crônicas porque é desse modo que se fixam ideias. Então aí vou eu: graças à grana que o BNDES libera para o empresariado, subsidiada pelos impostos do povão, agora caímos na real. Bolsa Família para os pobres e bolsa Louis Vuitton para os ricos. É assim que a dignidade política cede lugar à servidão. Viramos filhos, não de Deus nem da pátria. Viramos filhinhos de papai, dependentes de seu prestígio e dos seus favores. Tornamo-nos filhos de um pai que não dá bons exemplos e que não educa, seja por suas palavras, seja por suas ações. Viramos filhos de um pai que anda em más companhias e que depreciou de vez a política nacional, convertendo-a, em definitivo, num grande balcão. Acabaram-se as convicções. Só restam os interesses. ZERO HORA, em 30/08/2010

Percival Puggina

23/08/2010
NÃO APOIA MAS APOIA? A Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) enviou uma carta a todos os bispos do país, esclarecendo a posição da entidade em relação ao Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra no Brasil. O Plebiscito está marcado para o dia 7 de setembro, quando ocorre também o Grito dos Excluídos. Na carta, a Presidência afirma que a iniciativa do Plebiscito não é da CNBB, mas do Fórum Nacional pela Reforma Agrária (FNRA). ?A proposta do Plebiscito tem origem no Fórum Nacional pela Reforma Agrária e foi assumida como gesto concreto das Igrejas que realizaram a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010 (Texto Base, n. 120). Não é, portanto, de iniciativa da CNBB, nem se realiza sob sua responsabilidade?, diz a carta. ?Não é, portanto, de iniciativa da CNBB, nem se realiza sob sua responsabilidade?, frisa a carta. A Presidência da CNBB lembra que as pastorais sociais estão dando apoio à realização do Plebiscito, explicitado pela Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz e que caba a cada bispo dar as orientações sobre o Plebiscito em suas respectivas dioceses. ?Entendemos que esse gesto está em sintonia com as orientações da CNBB sobre as questões da terra. Nas Igrejas Particulares, os Senhores Bispos darão as orientações que julgarem convenientes?. Na carta, a CNBB recorda que a Igreja defende todas as ?questões de justiça social que visam melhorar as condições de vida dos cidadãos brasileiros [...]?. A questão fundiária é uma dessas bandeiras. ?Um dos problemas que interpelam a ação evangelizadora da Igreja no Brasil é a questão fundiária?.

Políbio Braga

22/08/2010
ÓRGÃO FEDERAL TENTA IMPEDIR OBRAS DO CAIS MAUÁ Matéria do site de Políbio Braga sexta-feira, 20 de agosto de 2010 A Procuradoria Geral do Estado do RS entregou nesta sexta-feira à 5ª Vara da Fazenda Federal, as explicações sobre o pedido de liminar feito pela Agência Nacional de Transporte Aquaviário, dizendo basicamente que não haveria necessidade de autorização prévia da Antaq para o lançamento do edital do Cais Mauá, apenas o conhecimento prévio, o que foi dado a Antaq pela SPH. . A agência, aparelhada pelo governo Lula, tenta evitar que o governo gaúcho toque o Projeto Cais Mauá, uma espécie de Puerto Madero do RS, que levará investimentos de R$ 500 milhões. Há 20 anos o governo estadual e a prefeitura discutem o projeto, mas só agora, no momento do lançamento do edital, o governo federal resolveu embaralhar o jogo. . Desde que assumiu, Lula só recebeu a governadora uma única vez em audiência privada. Nos últimos meses, promoveu uma escalada de perseguições ao Estado. As três ocorrências mais conhecidas: 1) tentativa da Funai de impedir a criação do Distrito Industrial de Guaíba (a Funai tentou embargar a área, sob a alegação ridícula da existência de sitio arqueológico indígena no local). 2) veto ao projeto Duplica RS, que inviabilizou pesados investimentos em estradas, levando o governo estadual a devolver os pólos de pedágio ao Dnit. 3) embaraços para a concessão de aval ao empréstimo do Bird ao RS.

Percival Puggina

21/08/2010
Não nos restam mais do que vagos e deficientes indícios de democracia. Para identificá-los já se requer, inclusive, uma certa capacitação técnica. É necessário saber onde procurar. E é preciso usar, como fazem os peritos, os elementos de contraste que permitem discernir traços do que praticamente desapareceu. Ninguém recusará que: a) quanto maior a concentração de poder político, tanto menor a democracia; b) quanto maior a influência do poder econômico, tanto mais frágil a democracia; c) quanto menor a credibilidade do parlamento, tanto menor o crédito na democracia; d) quanto maior a influência do poder político sobre os meios de comunicação, tanto pior a qualidade da informação e menor a capacidade de análise sobre os fatos que influenciam a vida das pessoas. E, consequentemente, suas decisões eleitorais. Tudo isso e muito mais já ocorre no Brasil. Em proporções avassaladoras. Claro, claro, temos eleições. Mas democracia não se confunde com a realização de eleições nem é algo totalmente assimilado por elas. Em Cuba há eleições. Na Venezuela há eleições. No Irã há eleições. E só os totalitários têm coragem de dizer que esses países são democráticos. No Brasil, a concentração de poderes nas mãos do presidente da República só é menor do que a generosidade com que o Congresso Nacional os concede a ele. Como escrevi há poucos dias, o presidente chefia o Estado, o governo, a administração pública federal e as estatais. Executa um orçamento que corresponde a 22% do PIB nacional. Legisla sobre o que quer, a seu bel prazer, através de medidas provisórias de aplicabilidade imediata. Libera ou não, ao seu gosto, recursos para os estados e municípios. O que são as obras do PAC senão uma espécie de Bolsa Estado, ou Bolsa Município, distribuídas assim, como donativo, para as mãos súplices dos gestores locais? Essas práticas, cada vez mais frequentes, somam-se ao poder que o partido do governo exerce nos fundos de pensão, nos sindicatos, no FAT, nas principais corporações funcionais do país. E ainda tem o Bolsa Família. Ah, o Bolsa Família, que Lula oposicionista chamava de comprar voto do eleitor que pensa com o estômago! Lula presidente potencializou o programa e é brandindo a ameaça de que a oposição, se vencedora, vai acabar com ele, que sua candidata se prepara para colocar a faixa presidencial no peito. E não podemos esquecer o mais robusto e sedutor achado da cartola presidencial: o Bolsa Empresa. É, leitor, você leu certo: o Bolsa Empresa. Foi o Bolsa Empresa que trouxe o empresariado nacional como gatinho mimado para o colo do governo, lamber mão e pedir cafuné. Afinal, os R$ 15 bilhões destinados ao Bolsa Família ficam constrangidos de sua indigência diante dos fabulosos financiamentos concedidos pelo BNDES às empresas brasileiras. Nos últimos dois anos, foram R$ 180 bilhões emprestados pelo governo ao Banco. O governo tomou esse dinheiro no mercado a mais de 10% ao ano (elevando significativamente a dívida pública, ou seja, a nossa dívida) e emprestou às empresas por um juro que não paga a metade do custo de aquisição. Bolsa Família para os pobres e Louis Vuitton para os ricos. Poucos, muito poucos empresários brasileiros, hoje, não ficam deslumbrados, embasbacados, cada vez que Lula e Dilma abrem a boca. Ouvem-nos dizer - Nós criamos 14 milhões de empregos! - e batem palmas, mesmo sabendo que quem criou esses empregos foram eles mesmos, os empresários. Não percebem, interesseiros, cooptados como estão, que se a economia der alguns passos para trás e for necessário desempregar, o governo imediatamente vai lhes jogar nas costas a responsabilidade pelo desemprego.E a coisa fica assim: o governo cria o emprego e o empresariado cria o desemprego. É a lógica impostora que os tolos endossam. Sim, leitor amigo, as eleições que se avizinham são mero acessório de algo que se exaure. Nenhuma democracia resiste a tamanha concentração de poder e a tanta cooptação. ______________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Percival Puggina

15/08/2010
Ao dar cobertura ao tal plebiscito pela limitação da propriedade da terra, a CNBB envolve em seu manto uma dessas patacoadas ideológicas que, pela teimosa repetição, acabam sendo confundidas com direitos, não raro com direitos humanos e servindo à violência. Isso me faz lembrar algo que testemunhei há coisa de um ano. Certa tarde, tocou meu telefone e alguém me perguntou se poderia atender o secretário de Segurança Pública, general Edson Goularte. Pouco havíamos falado até então, o secretário e eu. Dele só tinha a imagem de um homem sereno e firme. Surpreendeu-me com um convite: O senhor aceitaria comparecer, como meu convidado, a uma reunião que manterei amanhã com representantes do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana?. Sim, eu aceitaria, claro. Como não? No dia seguinte, de paletó e gravata, como convém, compareci ao gabinete do secretário. Dali, após rápido cafezinho, fomos para a sala onde transcorreria o encontro. Falando pelos visitantes, o presidente do dito Conselho fez breve relato de suas observações sobre o ocorrido na desocupação de uma fazenda em São Gabriel e reconheceu que as investigações a propósito do assassinato de um invasor avançavam regularmente. Em seguida, apresentou um curioso conjunto de postulações que considerava necessárias para haver mais paz no campo. Muito o gratificaria, por exemplo, que o governo gaúcho criasse uma brigada agrária, uma polícia agrária, uma corregedoria agrária (ou coisa que o valha) e sei lá mais o que agrário. Propunham, enfim, a criação de um conjunto de órgãos específicos para atuar em conflitos no meio rural (entendendo-se por conflitos aquilo que acontece quando o MST decide invadir alguma coisa, claro). As propostas foram recusadas pelo secretário. O Estado não dispunha de recursos para criar essas novas estruturas e o governo não via razão para fracionar as existentes. Ponto. Vamos adiante. Foi então que se deu o episódio a seguir, que relato em virtude de sua exemplaridade. Um dos membros do grupo visitante, em tom de espanto e sensibilidade arrepiada, disse ter chegado ao seu conhecimento que o comando da operação policial postado diante da área invadida impedira a entrega de alimentos aos invasores. Quando ele se articulava para dar sequência às expressões de sua inconformidade, o secretário interrompeu: Por ordem minha!. Entreolharam-se, incrédulos, os membros do Conselho. E o general prosseguiu: Se a Justiça determinara que eles saíssem, como haveria o Estado de lhes entregar alimentos para que ficassem?. Diante de lógica tão irretorquível, o outro optou por dramatizar ainda mais: Mas havia crianças ali, secretário!. Só não fungou uma lágrima porque ela não lhe veio. E o general, no mesmo tom sereno: A porteira estava fechada quando entraram, mas sempre esteve aberta para saírem. Responsabilize os pais pela situação que descreve. Por que estou contando isso? Porque esse diálogo serve para mostrar que movimentos revolucionários tipo MST são capazes de apresentar mistificações como teses e sofismas como argumentos, cobrando das autoridades, para aquelas e para estes, atenção e acatamento. Ademais, quando tais disparates arregimentam massas de manobra, como faz o tal plebiscito, com apoio da CNBB, a violência é bem servida. E isso é feito em nome de supostos direitos que, no fundo, são apenas descabidas reivindicações de uma ideologia de péssimo passado e sem futuro algum nos caminhos do bom senso. ZERO HORA, 15 de agosto de 2010

Percival Puggina

15/08/2010
Eu sei, é fortíssima a tentação de lutar contra fatos que nos contrariam tanto. Cede-se, facilmente, à tentação de considerar que diferentes institutos de pesquisa, concorrentes entre si, se unem num imenso complô para dar vitória a quem não se quer. Eu sei, eu entendo. A gente precisa dormir contemplando um horizonte sem tantas nuvens. Mas a realidade é esta: se não ocorrer qualquer incidente de percurso, algum fato novo (e em eleições, quando a gente começa a esperar por fato novo é porque a vaca está indo para o brejo), Dilma presidirá a república por delegação de seu chefe e com unção popular. Eu sei que doi, mas não gosto de me iludir nestas coisas. Basta olhar as tendências desenhadas pelas sucessivas pesquisas para discernir o que vem por aí. Por que escrevo estas linhas tão sentidas, traçadas entre soluços cívicos? Não seria melhor redigi-las sobre a necessidade de um movimento feminista no Irã? Acontece que, deixando a modéstia de lado, proclamo-me um dos raros, raríssimos, cronistas nacionais a indicar para onde, sempre em busca dos níveis mais baixos, nos arrastam as águas servidas desse nosso modelo institucional. Quantas vezes escrevi, ao espocarem os flashes sobre os escândalos: Tá ruim? Pois saibam que vai desandar ainda mais. Ou então: Não gostam desse parlamento? Regozijem-se com ele porque o próximo será pior. Gasto meus dedos, leitor, explicando, tintim por tintim, as causas das nossas mazelas e o quanto a regra do jogo político vai nos tornando reféns dos demagogos, privilegiando a mentira e centralizando o poder em proporções tão avassaladoras que nos tornamos um país de vassalos que se creem numa democracia. Por que tão poucos prefeitos se declaram contra Dilma? Por que, ao longo dos respectivos mandatos, são raros os governadores em oposição política ao governo da União? Por que tanta gente está sempre no governo ou com o governo? Porque esse adesismo se inclui entre as práticas mais comuns do país? Mas que diabos! Se aceitamos, ou consideramos irrelevante, o fato de que o presidente da República enfeixe tanto poder, como temos a coragem de reclamar das consequências? Nesse sentido, durmo sob nuvens negras no horizonte, mas com a consciência em paz. É muito contra minha proclamada vontade que o presidente chefia o Estado, o governo e a administração; comanda o orçamento da União (ou seja, quase 70% das receitas públicas e algo como 22% do PIB nacional); legisla vigorosamente através de medidas provisórias; libera, ao seu talante, recursos para estados, municípios e emendas parlamentares; manda e desmanda nas estatais; nomeia os membros dos tribunais superiores; controla as concessões de rádio e TV. E distribui fabulosas verbas publicitárias... É contra a minha vontade que, havendo nos tornado uma sociedade de massa, onde a opinião pública se confunde com a opinião publicada, escolhamos a pessoa que vai assumir tamanho poder pela via do voto direto que tanto facilita a vida dos demagogos e dos mentirosos. É contra a minha vontade que elegemos os membros do Congresso Nacional através de um sistema proporcional que estimula a representação política dos grupos de interesse (perfeito para conceder privilégios a uns e mandar a conta para todos). E ainda melhor para dissolver a oposição, como sal de fruta, no balcão das negociações. Mas quem dá bola para isso? Quem, ou melhor, quantos, ao escolherem, agora, nestes dias que correm, seus candidatos ao Congresso Nacional (Câmara e Senado), se interessam em saber o que eles pensam sobre reforma política e pacto federativo? Quem? Quantos? Então, leitor, repita comigo: Vai piorar!. Tão certo como é certo que dois mais dois são quatro. O Brasil foi capturado pelos vícios de seu modelo institucional. E muitos pretendem responsabilizar o povão pobre e humilde por sua intenção de voto. Era só o que faltava! Será que cabe a ele, povão, escrutinar as malícias e mazelas do modelo político nacional e apontar soluções para que a democracia não se converta nessa coisa malsã e decadente sob a qual vivemos? ______________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Percival Puggina

08/08/2010
Inúmeras vezes, incontáveis vezes, tenho ouvido de amigos essa frase, proferida como suma expressão de bom gosto e de elevada sensibilidade moral e estética. É como se estivessem acrescentando: prefiro Thomas Morus, prefiro Chopin, prefiro os pintores impressionistas. Sistematicamente respondo tal observação com um comentário: E quem te pediu para gostar? Gostar ou não gostar de política é absolutamente irrelevante, como irrelevante é gostar ou não gostar de inúmeras coisas indispensáveis à vida cotidiana no mundo em que vivemos. E note-se, muitas delas são tão decisivas para nossa existência que, apreciando ou não, nos empenhamos em fazer bem feito o que nos corresponde. A política é uma dessas coisas decisivas, realidade irremovível da vida de quem se recuse a viver no mato. E é uma realidade com fortíssimo poder de determinação sobre a qualidade da vida social e econômica, sobre os valores, sobre a dignidade da pessoa humana e sua concretude, sobre o progresso e a civilização. Boa parte do que podemos relacionar como especificamente individual, e praticamente tudo o que se abriga com o agasalho social, depende da política. Portanto, repito: gostar ou não é uma questão apenas sensorial. Já o desinteressar-se é atitude moralmente irresponsável. Ninguém dirá que, por não gostar, se afasta, desdenhoso, do trabalho que faz, dos filhos cujas fraldas precisam trocar e dos pais enfermos que precisam ser cuidados. Da mesma forma, estamos irrevogavelmente condicionados por preceitos e realidades determinados pela política. A política é uma das várias dimensões naturais da pessoa humana. Entramos nela pela concepção e não saímos dela nem depois do enterro porque, é pela via política, que nossas disposições testamentárias encontram base legal e vigência. Formulo então para os leitores uma confidência: eu também não gosto da nossa política. Aliás, estou convencido de que para gostar da política nacional, com a temos hoje, se requer uma absoluta ausência de bom gosto. Quase tudo, nela, causa engulhos aos estômagos mais sensíveis. E é exatamente por isso que ela me interessa, que procuro estudar e conhecer as causas determinantes de seus incontáveis descaminhos e que me dedico a apontar novos rumos institucionais capazes de fazê-la servir como deveria ao bem comum. Cidadão que me lê. Saiba que você é cidadão porque vive numa sociedade política. Queira ou não queira. Pode fazê-lo de modo mais abrangente, inclusive como participante do jogo eleitoral na condição de dirigente partidário, candidato, detentor de mandato ou cargo político. Mas não escapa de participar, ainda que em forma de inserção menos proativa (para usar uma expressão da moda), como eleitor. No entanto, ainda que apenas como eleitor, você tem imensa responsabilidade moral em relação ao seu voto e ao interesse que aloca na formação de seu discernimento e de seus critérios de decisão. Se você, como tantos, vota em qualquer um (e qualquer um costuma ser o tipo do sujeito que faz qualquer coisa) ou vota em alguém pensando no seu próprio interesse, não se surpreenda quando aquele em quem votou passar a cuidar do interesse dele mesmo. Tal conduta estará apenas reproduzindo a sua. Ou não? * Publicado originalmente na revista Somando, edição de julho de 2010. ____________________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.